jan
8
2012

Quais os efeitos de uma tributação mal planejada?

A Análise Econômica do Direito Tributário promove uma união entre o direito tributário e a economia, com o intuito de melhorar a eficiência alocativa, a justiça fiscal e a distribuição de renda. A economia pode oferecer subsídios ao direito tributário para evitar que a tributação gere desestímulo às atividades econômicas ou que piore a distribuição de recursos na sociedade.

Existem duas perspectivas para a Análise Econômica do Direito Tributário:

  • positiva;
  • normativa.

Na análise positiva, estuda-se o sistema tributário como ele é. Utilizam-se conceitos e métodos da ciência econômica para entender o direito positivado e as instituições jurídicas vigentes para então ver os efeitos que produzem à sociedade. Por exemplo, analisa-se o impacto das normas e das decisões judiciais, verificando-se se o efeito pretendido foi atingido e se o foi com o menor custo possível para a sociedade.

A perspectiva normativa busca oferecer soluções alternativas para o sistema tributário. Nesta abordagem, instrumentos econômicos e de outras áreas de conhecimentos são utilizados para elaborar e propor novos conceitos jurídicos ou reformar os vigentes. A Análise Econômica do Direito entende que os indivíduos são racionais ao reagir a incentivos, ao buscar maximizar suas próprias utilidades e ao efetuar escolhas consistentes baseadas em recursos limitados em vista de alternativas conflitantes. Assim, a Análise Econômica Normativa do Direito Tributário incorpora à normatização tributária conceitos como eficiência produtiva, eficácia alocativa, justiça distributiva e ordenamento institucional.

Quando se discute a elaboração de normas tributárias, no contexto do processo legislativo, vários cuidados deveriam ser tomados. Antes de a lei entrar em vigência, deveriam ser respondidas questões como: De que forma os contribuintes e demais agentes econômicos afetados reagirão à medida? Qual o efeito da medida proposta sobre a distribuição de renda e a alocação de recursos? A norma promoverá sonegação? O gasto com a fiscalização será excessivo? Está sendo criada margem para demandas judiciais? (para saber mais sobre o efeito da legislação no desenvolvimento, leia, neste site, Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?)

Sob o ponto de vista jurídico, o primeiro item a ser observado são as limitações ao poder de tributar previstos na Constituição. De certa forma, a Constituição resume os desejos da população, aos quais as leis têm de se conformar. É o caso dos fundamentos do Estado (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), dos direitos e garantias individuais e, especialmente, dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição. Ao mesmo tempo em que a Constituição prevê que nosso sistema econômico seja baseado na propriedade privada e na livre concorrência, também prevê que as leis devem atender à soberania nacional, à função social da propriedade; à defesa do consumidor e do meio ambiente; além de buscar a redução das desigualdades regionais e sociais, o pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Ou seja, a Constituição, como forma de expressão dos anseios da sociedade, prevê que a ordem econômica não se restrinja ao livre mercado. Os princípios expressos no art. 170 são particularmente importantes porque preveem a atuação do Estado em circunstâncias nas quais as forças de mercado não conseguem gerar alocações que otimizam o bem estar social.  Sabemos que existem situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”, como a necessidade de o Estado prover bens de natureza pública, resolver externalidades, minimizar assimetrias de informação ou atuar contra abusos de poder de mercado, quando ocorrem restrições à competição.  Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. (a esse respeito veja, neste site, o texto Porque o governo deve interferir na economia? )

A tributação, em especial, tem um papel crucial na resolução de várias dessas falhas. Uma questão importante no Brasil, que se apresenta de forma bem grave, é a péssima distribuição de renda no país. Esse problema pode ser amenizado por um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais subutilizadas.

A tributação pode, assim, ser uma forma de o governo atuar para resolver as falhas de mercado.

É claro que a tributação também tem por finalidade levantar recursos para financiar as atividades do Estado. O que se questiona é que, frequentemente, essa arrecadação é fruto de leis que foram construídas sem uma avaliação minuciosa de seus efeitos, o que gera diversas falhas de governo. Ou seja, a atuação do governo, ao tentar resolver as falhas de mercado, pode gerar distorções maiores que aquelas a que ele propõe resolver. São as chamadas falhas de governo. (para saber mais, consulte, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?).

Vimos que um dos fundamentos do Estado é a livre iniciativa, ou seja, deve ser assegurada a liberdade de acesso ao mercado. Mas, depois do acesso, não há que se lutar pela permanência do empreendimento no mercado? A complexa legislação tributária brasileira, as falhas na fiscalização e alta carga tributária provocam diversas distorções que prejudicam a alocação ótima na sociedade e, em algumas vezes, aniquilam o empresário que procura cumprir todas as obrigações tributárias. Essa situação faz com que a tributação seja não neutra, pois prejudica mais fortemente algumas firmas (as que tentam cumprir a lei) do que outras, dentro de um mesmo setor, alterando – indevidamente – as condições de concorrência.

Outra importante consequência negativa da tributação brasileira é a guerra fiscal. Existem três possibilidades para a tributação do ICMS: na origem, no destino e um regime misto. Atualmente, vigora no Brasil o regime misto, em que estados produtores e estados compradores dividem o valor do imposto. A existência de uma alíquota interestadual gera incentivos para a guerra fiscal, uma vez que o estado que concede o benefício abre mão de sua arrecadação. Mas é uma arrecadação que, na ausência da guerra fiscal, não ocorreria de qualquer jeito, se a empresa não viesse a se instalar em seu território. Um dos grandes perdedores é o estado que sediava a empresa e que terá as atividades dela interrompidas em sua área, face à mudança para outra unidade da federação. Outro grande perdedor são os concorrentes que já estão produzindo em outros estados e cujos custos fixos associados à instalação da planta ainda não foram totalmente depreciados.

O estado que concede o incentivo ganha também de forma indireta porque atrai os fornecedores da empresa subsidiada, contribuindo para a criação de empregos e a dinamização da economia local. Imagine agora se todos os estados começam a dar incentivos fiscais para atrair empresas. A guerra fiscal gerará uma queda generalizada da arrecadação, com agravamento dos déficits públicos. Qual a solução para o dilema?

Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados. Ocorre que essa situação não agrada os estados que concentram a produção e aí a reforma tributária não caminha. (para saber mais sobre o tema, leia O que é guerra fiscal? neste site).

O processo legislativo é importante para explicar a qualidade de nossas leis. Um problema nesse sentido é a constante mudança da legislação tributária feita por Medidas Provisórias (MPs), em que praticamente não há discussão, uma vez que seus prazos de tramitação são bem exíguos. O resultado é que decisões que criam novas obrigações ou que concedem benefícios fiscais são tomadas sem a realização de debates, audiências públicas ou apresentação de contraditório.

Um exemplo dessa prática foi a Medida Provisória nº 512, de 2010, que foi convertida na Lei nº 12.407, de 2011. O principal item dessa lei é a concessão de incentivos fiscais com base na concessão de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como ressarcimento da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no montante do valor das contribuições devidas, em cada mês, decorrente das vendas no mercado interno para empresas automobilísticas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de haver evidências de que essa lei tem a função de privilegiar empresas específicas, conforme relatam Miranda e Santos (2011), os incentivos são oferecidos com perda da arrecadação do IPI. Ocorre que apenas 52% da arrecadação do IPI são da União, pois o restante é destinado ao Fundo de Participação dos Estados – FPE (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM (22,5% + 1%) e aos Fundos Constitucionais de Financiamento (3%), conforme o art. 159 da Constituição Federal.

Assim, além do custo da isenção fiscal que se espraia por toda a economia nacional, seria importante considerar o impacto da isenção do IPI nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente para seus vinte Estados, 2.704 Municípios e três Fundos Constitucionais de Financiamento. Será que a isenção conferida a poucas empresas automobilísticas (estimada em R$4,5 bilhões) compensa a perda de todos os outros entes da federação? No mínimo, essa questão precisaria de muito mais estudos técnicos para avalizá-la, se não, para conferir mais transparência ao processo.

Na mesma linha de falhas causadas pela legislação tributária, Fortes e Bassoli (2010) trazem exemplo interessante. Em decorrência da grande sonegação no setor de bebidas, a Receita Federal expediu ato determinando que houvesse a instalação de medidores de vazão nas fábricas de cerveja. Assim, a tributação, que incide sobre o volume comercializado, passa a ser cobrada não pelo valor da venda no varejo, mas pela produção medida pela quantidade de litros de cerveja produzida (substituiu-se uma alíquota ad valorem por uma alíquota específica). O tributo de toda a cadeia produtiva passou a ser recolhido logo na fonte distribuidora.

A ideia parece fantástica, no entanto, gerou sérios problemas sob o ponto de vista da neutralidade fiscal. Como a alíquota é sobre o litro produzido, os produtos de melhor qualidade – supostamente de maior custo e mais caros – passaram a pagar relativamente menos tributos que as distribuidoras de produtos mais baratos, em geral, pequenos produtores. Isso favorece a concentração do mercado nas mãos das grandes produtoras. Em suma, a norma, ao baratear artificialmente a bebida mais cara, atrapalhou a concorrência igualitária.

De forma geral, a Análise Econômica do Direito Tributário sugere aos legisladores tributaristas evitar distorções em mercados específicos e atuar de forma redistributiva. Para tanto, recomenda-se: aplicar a tributação em base tributável grande (em vez de taxar alface, é melhor tributar verduras em geral, por exemplo); desenhar regras simples e objetivas (transparência, clareza visando menores custos de transação); fazer a incidência do tributo sobre bens ou atividades de demanda inelástica, ou seja, aqueles cuja demanda reage pouco a variações nos preços, o que reduz a ineficiência associada à tributação (por exemplo, combustíveis e energia elétrica); ser justo (não violar equidade); buscar quando possível ser progressivo (atribuição redistributiva); e ter baixo custo administrativo.

Algumas vezes tais princípios são conflitantes. Por exemplo, a demanda por bens de primeira necessidade, como produtos da cesta básica, é pouco elástica, o que, por questões de eficiência econômica, recomendaria tributação elevada. Entretanto, considerações de equidade recomendam que tais bens sejam pouco tributados. Cabe ao governante avaliar essas situações e definir quando questões de eficiência devem se sobrepor às de equidade, e vice versa.

Procuramos nesse texto mostrar a utilidade e as aplicações da análise econômica do direito tributário, frisando possíveis falhas que podem advir em consequência da ausência de uma avaliação de impacto da norma tributária. A legislação que cria ou majora tributos ou que concede benefícios fiscais deve ser cuidadosamente desenhada para que se aumente a eficiência da atividade econômica e se promova mais equidade. A tributação pode ser uma ferramenta interessante para solucionar falhas de mercado, mas também pode consistir em uma atuação governamental que prejudica o desenvolvimento econômico.

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Referências Bibliográficas.

Miranda, R. N.; Santos, C. B. “POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA CRÍTICA À MP 512”. Texto para Discussão nº 87, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm.

Fortes, F. C.; Bassoli, M. K. “Análise Econômica do Direito Tributário: Livre Iniciativa, Livre Concorrência e Neutralidade Fiscal”. Scientia Iuris, v. 14, nov/2010. Londrina: UEL, 2010.

Sobre o Autor:

Fernando Meneguin

Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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3 Comentários Comentar

  • Olá, Fernando

    Interessante artigo para começar o ano. Ainda mais com esse assunto, um dos que mais interessa a todos.

    Peço que você veja e comente o seguinte vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=Gd7T3z9sk-s

    É bastante interessante e tem ligação.

    • Olá, Maurício. Realmente o vídeo é bem produzido.
      Uma maior transparência sobre quanto se paga de tributos no consumo seria, sim, salutar. Só tenho dúvidas se, no Brasil, seria simples estampar esse valor na nota fiscal dada a quantidade de impostos e a complexidade da legislação tributária brasileira. Nesse ponto, voltamos à discussão da necessidade de uma reforma tributária.
      Abraço.

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