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13
2012

O que é o mercado de carbono e como ele opera no Brasil?

O crédito de carbono é um certificado eletrônico que é emitido quando há diminuição de emissão de gases que provocam o efeito estufa, gerador de aquecimento global. Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO2 (dióxido de carbono) que deixou de ser emitido para a atmosfera. Aos outros gases reduzidos são emitidos créditos, utilizando-se uma tabela de equivalência entre cada um dos gases e o CO2.

Empresas que conseguem diminuir a emissão de gases de efeito estufa (GEE) obtêm esses créditos, podendo vendê-los nos mercados financeiros. Os créditos de carbono são considerados commodities (mercadorias negociadas com preços estabelecidos pelo mercado internacional).

Estes créditos geralmente são comprados por empresas no exterior que, em função do Protocolo de Quioto, têm metas obrigatórias de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas não conseguem atingir o patamar determinado. A compra dos créditos permite-lhes manter ou aumentar suas emissões.

Ou seja, empresas que poluem acima do limite permitido pelo Protocolo de Quioto pagam pela poluição adicional que geram, remunerando as atividades que reduzem as emissões de gases.

Pelo Protocolo de Quioto, os países industrializados deverão reduzir suas emissões de GEE em relação às emissões de 1990. O Protocolo estabeleceu três mecanismos inovadores, conhecidos como Comércio de Emissões, Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Os dois primeiros são exclusivos dos países que possuem metas obrigatórias, o que não é o caso do Brasil.

Somente no caso do MDL é que existe a finalidade de contribuir para o desenvolvimento sustentável dos países em desenvolvimento.

O comércio de emissões é um sistema global de compra e venda de emissões de carbono, baseado no esquema de mercado cap-and-trade. A expressão cap-and-trade, que na tradução livre seria algo como “limite e negociação”, é usada para denominar um mecanismo de mercado que cria limites para as emissões de gases de um determinado setor ou grupo. Com base nos limites estabelecidos, são lançadas permissões de emissão e cada participante do esquema determina como cumprirá estes limites.

As cotas (ou permissões) de emissão podem ser comercializadas, ou seja, aqueles países (ou firmas) que conseguem emitir menos do que foi estabelecido a eles podem vender o excedente àqueles que não conseguiram (ou não quiseram) limitar suas emissões ao número de cotas que tinham.

Nesse ponto é que surge o interesse nos projetos de MDL realizados nos países em desenvolvimento (que não possuem metas obrigatórias), pois esses projetos dão direito aos seus idealizadores de receberem créditos de carbono para comercializar.

Há uma série de critérios para reconhecimento desses projetos, como estarem alinhados às premissas de desenvolvimento sustentável do país hospedeiro, definidos por uma Autoridade Nacional Designada. No caso do Brasil, tal autoridade é a Comissão Interministerial de Mudança do Clima. Somente após a aprovação pela Comissão, é que o projeto pode ser submetido à ONU para avaliação e registro.

De acordo com o estabelecido pelas regras do MDL, todo projeto deve ter um proponente, que será o responsável por ele perante as instâncias do Conselho Executivo do MDL.

O proponente deve ser uma pessoa jurídica – o que significa que projetos de MDL podem ser propostos por governos, ONGs, cooperativas, associações e empresas ou outras instituições formais, mas não por indivíduos ou entidades informais.

Os requisitos gerais que devem ser atendidos por um projeto de MDL, segundo o Conselho Executivo, são:

  • ter a participação voluntária dos atores envolvidos;
  • contar com a aprovação do país onde será implantado;
  • apoiar os objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelo país onde será implantado;
  • reduzir as emissões de GEE em relação ao que ocorrerá se ele não for implementado – princípio da adicionalidade;
  • contabilizar o aumento de emissões de GEE que ocorra fora dos limites das suas atividades (chamadas “fugas”) e que seja atribuível a essas atividades;
  • trazer uma estimativa dos impactos de suas atividades – as partes envolvidas e/ou afetadas por esses impactos deverão ter sido comprovadamente consultadas;
  • gerar benefícios climáticos – mensuráveis, reais e de longo prazo.

Depois que um projeto de MDL entra em vigor, o Conselho Executivo do MDL emite, de tempos em tempos, a Redução Certificada de Emissões (RCE), documento eletrônico que especifica os créditos de carbono alcançados por esse projeto.

Em termos mundiais, o valor total do mercado de carbono cresceu 11% em 2011, alcançando a cifra de US$ 176 bilhões (o que corresponde à transação de 10,3 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente), conforme o relatório “State and Trends of the Carbon Market”, publicado pelo Banco Mundial neste ano.

Relativamente aos números do mecanismo de desenvolvimento limpo, até julho de 2012, foram aprovados e registrados na ONU 4.329 projetos de MDL oriundos de todo o mundo. Desses, 49 % ocorreram na China.

O Brasil conta com apenas 5 % do total. Muitos advogam que essa pequena participação no País é fruto da falta de regulamentação do mercado de carbono no Brasil.

Há que se comentar que é natural que a China tenha muito mais projetos de MDL que o Brasil, pois, primeiramente, a economia chinesa é mais de três vezes maior que a brasileira. Além disso, a economia da China possui uma matriz energética baseada em combustíveis fósseis, diferente do Brasil, cuja matriz energética é muito limpa, predominando as hidrelétricas. Isso cria muito mais oportunidades para a China pensar em projetos de MDL.

Quanto à regulamentação do mercado de carbono no Brasil, esta cabe à Comissão Interministerial na condição de Autoridade Nacional Designada do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Algumas resoluções foram emitidas pela Comissão, sendo que se destaca a Resolução n° 1, de 11 de setembro de 2003 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, que estabelece os documentos que devem ser enviados pelos proponentes com vistas a obter a aprovação de projetosde MDL. Há também, no site da Comissão, um manual para facilitar a elaboração das propostas.[1]

No âmbito do Poder Legislativo, a proposição que talvez mais debate tenha gerado sobre a regulamentação dos créditos de carbono foi o PLS nº 33, de 2008, fruto dos trabalhos da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas, que funcionou no Congresso Nacional entre fevereiro de 2007 e junho de 2008.

O objetivo da proposição é definir a natureza jurídica da Redução Certificada de Emissão. As RCE são títulos virtuais – negociáveis no mercado financeiro internacional – correspondentes a reduções efetivas de emissões de gases de efeito estufa derivadas da implementação de projetos baseados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.

Além de todo o procedimento estabelecido no âmbito do Protocolo de Quioto (certificação, validação e verificação nos âmbitos doméstico e internacional), a proposição determina que as RCE deveriam ser registradas junto à CVM.

Esse projeto não prosperou e o principal argumento é que a  caracterização como valor mobiliário submeteria as RCE a rígidos critérios da CVM, que se somariam a outros requisitos estipulados pelos órgãos técnicos responsáveis pela análise dos projetos de MDL. Esse duplo controle introduziria dificuldades substantivas no comércio dos créditos de carbono, inclusive com o aumento dos custos das reduções de emissões promovidas no Brasil, com prejuízo para a competitividade das RCE brasileiras no mercado internacional.

Por fim, relativamente ao arcabouço jurídico no Brasil sobre o tema, há que se comentar acerca da Lei nº 12.187, de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC. O art. 9º dessa norma estabelece que: “O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões – MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, onde se dará a negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas”.

Esse mercado não foi implementado no Brasil e os motivos não são a falta de regulamentação. O principal motivo para que o mercado não funcione é simplesmente o fato de que não existe uma demanda para créditos de carbono no País (até existe oferta, mas não demanda). As empresas brasileiras demandariam créditos de carbono se elas possuíssem metas obrigatórias de redução de emissões (como no mecanismo cap and trade). Pode-se pensar então que a solução para começar a funcionar o mercado brasileiro de redução de emissões seja estabelecer metas obrigatórias internas. Mas isso geraria mais problemas para a economia brasileira, pois ter que se ajustar a uma meta gera custos e isso diminuiria a competitividade brasileira perante os outros países em desenvolvimento, que também não possuem metas.

Isso não significa que a venda de RCE não aconteça no Brasil. A  BM&FBOVESPA possui um ambiente eletrônico de negociação desenvolvido para viabilizar o fechamento de negócios com créditos gerados por projetos de MDL. As operações são realizadas por meio de leilões eletrônicos, via web, e agendados pela BM&FBOVESPA a pedido de entidades – públicas ou privadas – que desejem ofertar seus créditos de carbono no mercado.

Algumas iniciativas sustentáveis desenvolvidas no Brasil, considerando o atual marco regulatório, já souberam aproveitar bem as oportunidades, beneficiando-se de créditos de carbono que foram vendidos para outros países.

Para exemplificar, podemos citar um dos casos mais conhecidos de projetos de MDL desenvolvidos no Brasil. Trata-se do Aterro Sanitário Bandeirantes, localizado em Perus, na região metropolitana de São Paulo. Com uma área total de 1.400.000 m²,o Aterro Bandeirantes está desativado desde março de 2007 tendo operado durante 28 anos e recebido, até 2006, cerca de 36 milhões de toneladas de resíduos.

A captação do biogás gerado no aterro foi iniciada em 2004 após uma série de estudos preliminares sobre a viabilidade do projeto e a instalação de uma usina termelétrica a biogás em 2003, onde o gás captado no aterro é tratado (retirada a umidade e feita uma pré-filtragem) e depois transformado em energia. O Aterro Bandeirantes possui capacidade para gerar aproximadamente 170 mil MWh de energia elétrica por ano e possibilitou, até então, a comercialização pela prefeitura de São Paulo, de 1.262.793 RCEs.

Os recursos arrecadados não são desprezíveis. Basta saber que, em setembro de 2007, o banco holandês Fortis Bank NV/SA desembolsou R$ 34 milhões pelo lote de 808.450 créditos de carbono colocados em negociação pela Prefeitura de São Paulo na Bolsa de Mercadorias e Futuros.

Concluindo, ao estudar a matéria, o que se percebe é que para o desenvolvimento de projetos de MDL no Brasil, não é necessária mais regulamentação. Muito pelo contrário, talvez outras normas sobre o assunto dificultem ainda mais iniciativas do Brasil na área. O que foi estabelecido pelo Protocolo de Quioto já cuida do necessário para que haja o devido controle sobre os projetos.

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[1] Para ter acesso ao conteúdo, basta acessar o site http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/14799.html. Acessado em 09/07/2012.

Sobre o Autor:

Fernando Meneguin

Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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20 Comentários Comentar

  • Caro Fernando, boa noite! Venho parabenizá-lo pelo artigo. Sou advogado e resido em Presidente Prudente – SP. Desde julho de 2014 escrevo para o Jornal Imparcial local sobre a temática em relação ao “aquecimento global”. Os artigos delimitado a 700 palavras, vem tratando dos objetivos da Convenção do Clima, efeito estufa e GEE, relatórios do IPCC, protocolo de Quioto, Programa Brasileiro de Mudanças Climáticas, MDL e mercado de carbono. Nossa região,a 10a. RA está a 80 a 90 km do Paraná e Mato Grosso do Sul, com potencial muito interessante em alguns escopos estoriais, especialmente ligados ao agro-negócio. O nosso objetivo é traçar caminhos para o desenvolvimento de projetos em nossa região. Gostaria de manter contato. Um gde abraço. Marco

  • […] Portal  Brasil, Mudanças Climáticas, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, Brasil Economia e Governo, […]

  • Cota del C02, creo que todos debemos de contribuir para que esto no siga alcanzando cifras que perjudican la calidad del aire.

  • gostaria de informaçoes de venda credito carbono tenho area toda bruta na bahia
    coma faço para entrar nesse mercado abraço joao

    • João,

      Conseguiu alguma informação acerca deste assunto? Tenho interesse em conhecer mais este mercado.

      • Prezada Fernanda:
        Bom dia !!
        Acho que temos os mesmos problemas/ideias:
        “Áreas Verdes” x ” Venda de Créditos de Carbono”.
        Agradeceria muito qq informação que vc tenha obtido sobre o assunto.
        Estou começando a analisar esta questão.
        Comprometo-me mantê-la informada.
        Ab.,
        Carlos Valois……………………

        • O proponente destes projetos deve ser uma pessoa jurídica – o que significa que projetos de MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), que seria o caso de uma área de terra nativa gerar créditos de carbono, podem ser propostos por governos, ONGs, cooperativas, associações e empresas ou outras instituições formais, mas não por indivíduos ou entidades informais. Esta pessoa jurídica seria a responsável por manter a geração de créditos de carbono em curso.
          É possível gerar 1 crédito de carbono para cada tonelada de CO2 capturado. Em um reflorestamento, capturar 1 tonelada de carbono é possível em um hectare a cada mês. Isso significa que uma floresta de eucalipto que ocupe uma área de 100 hectares, pode capturar 1.200 toneladas de CO2 por ano, ou seja, estará gerando 1.200 créditos de carbono. O valor do crédito de CO2 é negociado na BVMF e hoje (27/02/16) vale R$5,08, mas já chegou a valer muito mais. Significa que o valor do crédito de carbono desta floresta de eucalipto equivale a 1.200 x 5,08 = R$6.096 anuais. Em geral a pessoa jurídica que o negocia, o faz recebendo o crédito adiantado pelos primeiros 25 anos. Neste nosso exemplo, o crédito dos 25 anos somaria R$152.400.
          Para trocarmos mais informações, se eu puder ajudar, acesse-me via email: comercialrtec@gmail.com

          • Além dos valores gerados pelos créditos de carbono em reflorestamentos, isso também pode ser feito por matas nativas, projetos de aproveitamento e transformação de gás metano, entre outros.

    • gostaria de haver informacoes para captar carbono !obrigado

  • Boa noite!
    Eu possuo uma área de 30 hectares de mata nativa, conseguiria vender as cotas de carbono?

  • […] Algumas resoluções foram emitidas pela Comissão, sendo que se destaca a Resolução n° 1, de 11 de setembro de 2003 da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, que estabelece os documentos que devem ser enviados pelos proponentes com vistas a obter a aprovação de projetosde MDL. Há também, no site da Comissão, um manual para facilitar a elaboração das propostas.[1] […]

  • […] [29] “A expressão cap-and-trade, que na tradução livre seria algo como “limite e negociação”, é usada para denominar um mecanismo de mercado que cria limites para as emissões de gases de um determinado setor ou grupo. Com base nos limites estabelecidos, são lançadas permissões de emissão e cada participante do esquema determina como cumprirá estes limites. As cotas (ou permissões) de emissão podem ser comercializadas, ou seja, aqueles países (ou firmas) que conseguem emitir menos do que foi estabelecido a eles podem vender o excedente àqueles que não conseguiram (ou não quiseram) limitar suas emissões ao número de cotas que tinham.” – http://www.brasil-economia-governo.org.br/2012/08/13/o-que-e-o-mercado-de-carbono-e-como-ele-opera-n… […]

  • Muito bom!!!

  • Meu Pai com seu sócio, possui uma área imensa de mata nativa, como conseguimos receber com o projeto carbono; No Mato Grosso, quem tem mata nativa se estivesse recebendo, jamais pensaria em derrubar, mais como ninguém recebe e ainda paga imposto, sempre estão derrubando o % permetido pela lei, acredito que se todos receberem, acabaria com o desmate no estado.

  • temos uma area de 240 ectares de terras nas ilhas marajoara, gostaria de negociar a capitação de carbono, como eu faço?

  • Olá. sabe dizer se Associações de Catadores, tem meios de serem geradoras de crédito de Carbono? uma vez que são empresas que trabalham com resíduos sólidos e que deixam de estarem sendo encaminhadas à aterros e a reciclagem, em si, já é algo que economiza a matéria prima, logo, preserva o meio ambiente, evitando desmatamentos, aumenta a vida útil de aterros, economia de recursos naturiais. etc…

    Gostaria de manter contato sobre o assunto. Podemos iniciar uma discussão via email?
    acaresti@gmail.com

    obrigado.

  • Gostaria de saber se comercio de reciclagem tem algum direito de receber algum valor ?

  • boa noite tenho uma area de matas nativas de tres mil hectares como fazer para dar entrada nos creditos de carbono.qual arentabilidade com quem negociar?

  • Boa tarde, Fernando,
    Possuo uma área de 102 hectares de mata nativa no Estado do Maranhão.Tenho interesse em conhecer mais esse mercado de venda de credito carbono. Como conseguir mais informações? E se criarmos uma empresa com os meus filhos?
    Grato,
    Emanoel

  • tenho uma propiedade na bahia toda bruta 3144 ha fiz projeto credito de carbono em 2011
    porque e tao dificil a certificaçao

    abraço joao

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