dez
19
2014

Como nossos impostos afetam o meio ambiente?

1. Introdução.

Na teoria econômica, a relação entre impostos e meio ambiente começou a ser analisada desde o trabalho seminal de 1920 do economista inglês Arthur Pigou1. De lá para cá, muito foi estudado em relação à matéria e muitos países passaram a adotar “tributos ambientais”2. Neste texto, fazemos uma introdução sobre a questão, pela ótica da teoria econômica do meio ambiente. Em primeiro lugar, discute-se a superioridade do imposto como mecanismo de defesa do meio ambiente em relação às políticas de comando e controle, como concebida na teoria. Em seguida, é apresentada a “hipótese do duplo dividendo”, a possibilidade de uma reforma tributária ambiental trazer também ganhos econômicos, além dos ganhos ambientais. Ainda, detalha-se a visão da economia política do tributo ambiental, debatendo a impopularidade, entre diversos stakeholders, do imposto como instrumento de preservação ambiental. Por fim, são apresentados exemplos na legislação tributária que se harmonizam (ou não) com a sustentabilidade, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e a proposta da Cide-Carbono.

 

2. Por que usar impostos?

Um tributo ambiental tem motivação extrafiscal, ou seja, não objetiva o aumento da arrecadação. O que se pretende é estabelecer incentivos (e desincentivos) para que a produção de bens e serviços seja sustentável.

Na teoria econômica, o imposto “pigouviano” é concebido como um imposto capaz de corrigir uma externalidade. Por sua vez, de maneira simplificada, a externalidade é o impacto de uma atividade em terceiros que não decidem sobre ela. Um exemplo básico de uma externalidade, negativa, é a poluição gerada por uma fábrica.

Neste exemplo, a produção da fábrica impõe custos a terceiros (externalidade) sob a forma de poluição. O imposto seria capaz de “internalizar” a externalidade: isto é, fazer com que o próprio gerador da poluição pagasse o custo da poluição. Cabe observar que a motivação do imposto não seria de criar um  novo custo, mas apenas de transferir um custo já existente ― que estaria sendo pago por terceiros (ex: sociedade) ― a quem de fato seria responsável por ele (o poluidor).

No jargão da área, o ponto de equilíbrio da produção deixaria de ser o ótimo privado (poluir tanto quanto necessário para maximizar o lucro privado) para ser o ótimo social (reduzir a produção para poluir menos): com o imposto, o nível de produção seria eficiente do ponto de vista da sociedade, e não, como antes, apenas do ponto de vista do produtor.

Como instrumento da política ambiental, o imposto se opõe às medidas de comando e controle (normas e punição para seu descumprimento). Exemplos dessas medidas incluem o estabelecimento, por uma prefeitura, de limites máximos de emissão de monóxido de carbono e hidrocarbonetos nos veículos, ou a determinação de uma percentagem de cada propriedade que deve ser preservada variando em diferentes biomas (Reserva Legal). No caso simples aqui tratado, de poluição de fábricas, visando reduzir o impacto ambiental, uma norma poderia ser baixada limitando a produção de todas as fábricas a certa quantidade.

Na teoria, a superioridade do imposto em relação às normas se daria por sua flexibilidade, já que as normas ignoram diferenças de custos entre as empresas. Assim, o imposto seria mais eficiente, ao minimizar a “perda de peso morto” (deadweight loss) – que pode ser entendida como o valor da produção perdida. O tributo ambiental permitiria que os custos ambientais e os custos econômicos fossem compatibilizados. Outra vantagem seria induzir a inovação tecnológica pelos produtores, na tentativa de minimizar o impacto ambiental.

Entretanto, a superioridade do imposto como instrumento de política ambiental é contestada. Mesmo economistas reconhecem que a superioridade desse instrumento se dá apenas sob condições específicas3. As principais críticas focam nas dificuldades de implementação prática (por exemplo, de um imposto sobre a poluição), considerando o imposto pigouviano uma “obsessão” teórica.

O tributo ambiental também é criticado pela ausência de estigma que concede às condutas poluidoras4, com base na crença de que a preservação do meio ambiente não deveria ser “mercantilizada”, devendo ser um valor em si. Também há preocupações ligadas à desigualdade, já que empresas maiores poderiam produzir e poluir mais pagando mais impostos, enquanto a produção de empresas menores ficaria comprometida.

 

3. Ganhos econômicos, além de ganhos ambientais?

Mais recentemente, os economistas têm discutido a chamada “hipótese do duplo dividendo”5. Considerando o pressuposto de que o imposto é o melhor instrumento para preservação ambiental, alguns especialistas defendem que uma reforma tributária ambiental traria não apenas ganhos ambientais (“dividendo verde”), mas também ganhos econômicos (“dividendo azul”).

A eficiência do tributo ambiental e o chamado dividendo azul ocorreriam porque o aumento da arrecadação proveniente dos tributos ambientais permitiria a redução ou eliminação de outros impostos distorcivos associados com a perda de peso morto, aumentando a eficiência da produção na economia como um todo.

A hipótese do duplo dividendo é controversa, e existe em três formas diferentes (weak double dividend, strong double dividend, employment double dividend), com diferentes graus de aceitação6.

 

4. Economia Política

Apesar do reconhecimento na teoria da superioridade do imposto como instrumento de política ambiental em vários casos, o que se observa na prática é uma popularidade muito maior das políticas de comando e controle.

Dietz e Vollebergh (1999)7 avaliam que as políticas de comando e controle são preferidas pelos poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas.

O prêmio Nobel James Buchanan, em trabalho de 19758, demonstra que as normas podem causar um aumento de custo menor para os poluidores do que os tributos, motivo pelo qual eles teriam maior resistência aos impostos ambientais.

Paradoxalmente, também grupos ambientalistas teriam preferências por políticas de comando e controle em relação a políticas de mercado como instrumentos de preservação do meio ambiente, com base em “valores morais”. Para esses grupos, as políticas de mercado, como o imposto ambiental, poderiam dar legitimidade à prática poluidora, enquanto a penalidade sinalizaria melhor a rejeição da sociedade  e estigmatizaria a poluição.

Já a classe política consideraria que as medidas de comando e controle teriam maior apelo junto ao eleitorado. Para um político, uma norma seria mais oportuna para reproduzir a imagem de defensor do meio ambiente do que a criação de um imposto.

Por seu turno, a burocracia teria nas normas maior possibilidade de exercer influência e possuir poder e prestígio. Juntas, as preferências de poluidores, ambientalistas, políticos e burocratas ajudariam a explicar a popularidade maior dos instrumentos de comando e controle em relação aos de mercado, como o imposto.

 

5. Política tributária e sustentabilidade no Brasil

Ainda que a aplicabilidade do imposto ambiental idealizado na teoria não seja consensual, a teoria econômica mostra como a tributação pode estimular comportamentos desejáveis e desestimular os indesejáveis. Alguns exemplos são pertinentes para visualizar como isso pode acontecer.

Em anos recentes, no Brasil, com o objetivo de aquecer a economia e conter a inflação, o governo federal reduziu as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis e zerou as alíquotas da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Combustíveis) incidente sobre as operações realizadas com combustíveis9.

Assim, o tratamento tributário diferenciado acabou por elevar o consumo de combustíveis fósseis, prejudicando a qualidade do ar e a mobilidade urbana nas cidades brasileiras. Também prejudicou um setor importante para a economia verde, o do etanol, que passou a ter custo pouco competitivo para o consumidor final, comparado à gasolina.

Em termos de boas práticas que harmonizam política tributária e sustentabilidade, há casos inovadores em nível estadual e municipal. O Estado do Pará, por meio da Lei Estadual nº 7.638, de 12 de julho de 2012, e do Decreto nº 775, de 26 de junho de 2013, entrou no rol dos estados que utilizam o “ICMS Verde”, com critérios sofisticados para a distribuição dos recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) entre os municípios.

O recebimento dos recursos varia, por município, de acordo com a redução ocorrida no desmatamento e porcentagem de área ocupada por unidades de conservação, terras indígenas e terras quilombolas ― entre outros critérios. Dessa forma, o ICMS Verde reduz os ganhos econômicos do desmatamento, incentivando a preservação ambiental.

Em nível municipal, a cidade de Guarulhos, uma das maiores do interior do Brasil, criou em 2010 o IPTU-Verde, concedendo descontos no Imposto sobre Propriedade Predial Territorial Urbana (IPTU) para condomínios que, entre outras práticas, participem da coleta seleta de lixo, tenham materiais sustentáveis em sua construção ou reusem água da chuva.

No mundo, dezenas de países implementaram um tributo sobre carbono (carbon tax). Esse tipo de imposto já existe em vários países europeus, no Japão e em estados do Canadá e dos Estados Unidos, além de em países emergentes como Índia, África do Sul, México, Costa Rica e Chile. Appy et. al (2014) propõe usar o caráter extrafiscal da Cide e criar a Cide-Carbono no Brasil, incidindo sobre combustíveis fósseis e abate tardio de bovinos10.

____________________

1 PIGOU, A. The Economics of Welfare. Londres: Macmillan, 1920.

2 Neste artigo usamos “imposto” e “tributo” como sinônimos, cientes da distinção dos termos no Direito Tributário.

3 HELFAND, G. Standards versus Taxes in Pollution Control.  In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

4 KELMAN, S. What Price Incentives? Economists and the Environment. Boston: Auburn House Publishing Company, 1981.

5  FULLERTON, D. Environmental levies and distortionary taxation: Comment. American Economic Review, v. 87, pp. 245-51, 1997.

6 MOOIJ, R. The double dividend of an environmental tax reform. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

7 DIETZ, F.; VOLLEBERGH, H. Explaining instrument choice in environmental policies. In: van den Bergh, J. (Org.). Handbook of Environmental and Resource Economics. Northampton: Edward Elgar, 1999.

8 BUCHANAN, J.; TULLOCK, G. ‘Polluters’ profits and political response: direct controls versus taxes. American Economic Review, v. 65, pp. 139-47, 1975.

9 Conforme, atualmente, o Decreto nº 8.279, de 30 de junho de 2014, e o Decreto nº 7.764, de 22 de junho de 2012.

10 APPY, B.; TOLEDO, C.; MICCOLIS, A.; MARSON, R.; GOMES, V. Cide-Carbono: mais florestas, menos gases estufas. In: LIMA, A.; MOUTINHO, P. (Org.). Política Tributária Brasileira e sua “Pegada” Climática: por uma transição rumo à sustentabilidade. Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM): Brasília, 2014.

 

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Sobre o Autor:

Pedro Fernando Nery

Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

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4 Comentários Comentar

  • Pedro!!!

    Fantástico seu texto! Muito bom!!
    Parabéns! Se você continuar assim vai para a NASA!!

    Abçs.,

    Daisy

  • Pedro, excelente artigo! Sua abordagem traz ao debate os limites de políticas de comando e controle na área ambiental. Um caso concreto recente foi a flexibilização do Código Florestal, cujas regras mesmo rigorosas não conseguiram incentivar produtores rurais a manter a vegetação nativa. Também o controle do desmatamento, que praticamente só utiliza comando e controle, alcançará limites nos resultados em função de não incorporar políticas econômicas/ fiscais para desincentivo ao desmate. A tributação ambiental certamente incentivaria, por exemplo, a economia de água.

  • Ótimo texto e grandes referências que vão me orientar mais sobre este assunto e o seu peso na nossa sociedade!!

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