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2011
Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?
Há certo consenso entre os economistas de que é necessário investir mais para garantir taxas mais altas de crescimento no longo prazo. Afinal, uma das maneiras mais efetivas de aumentar a produção de bens e serviços da economia é estimulando os investimentos em capital fixo (máquinas, equipamentos, estradas, etc.).
Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia (situação em que as empresas não conseguem produzir tudo o que é demandado pelos compradores, havendo falta de mercadorias, e na qual as empresas não conseguem encontrar trabalhadores para seus postos vagos; o que acaba por elevar salários e preços, gerando aumento da inflação).
Sabemos que uma das identidades básicas da economia é que a poupança deve igualar o investimento. Logo, se a intenção for investir 25% do PIB, é necessário que haja uma poupança também equivalente a 25% do PIB. Sabe-se também que a poupança total é a soma da poupança doméstica (poupança das famílias e do governo) com a poupança externa. Ocorre que a poupança doméstica brasileira tem se situado em torno dos 17% do PIB. Logo, seria necessário tomar emprestado uma poupança externa de uns 8% do PIB para sustentar investimentos de 25% do PIB.
Aí começa a dificuldade, pois a poupança externa corresponde ao saldo em transações correntes (TC) no balanço de pagamentos. Assim, mantidas as condições atuais, precisaríamos de um déficit em transações correntes equivalente a 8% do PIB para financiar o investimento. Ou seja, precisaremos ter um déficit nas transações com os outros países, o que exigiria a entrada de moeda estrangeira no país, decorrente de empréstimos e investimentos estrangeiros, para que tivéssemos divisas internacionais para cobrir o tal déficit em transações correntes (afinal, os parceiros externos não aceitam o Real como meio de pagamento, pois a nossa moeda não tem curso no mercado internacional).
Apesar de não existir uma “lei” estipulando limites máximos para déficits em TC, na prática, dificilmente países conseguem financiamento externo superior a 5% do PIB por períodos prolongados. Em geral, quando o déficit em TC passa dos 4%, a luz amarela já acende e os países passam a ter problemas de financiamento (é preciso garantir constantemente a entrada moeda estrangeira no país para pagar os compromissos em moeda estrangeira, o que deixa os credores do país, em moeda estrangeira, temerosos de não receber seus créditos, havendo uma redução da oferta de empréstimos internacionais ao país, ou o aumento do custo cobrado por esses empréstimos).
Por outro lado, a imprensa muitas vezes noticia que poupar é ruim em um cenário de crise. Ao poupar, as pessoas e o governo não gastam, o que reduz a demanda agregada, o que gera desemprego, reduzindo ainda mais a demanda, etc. Ou seja, estariam criadas as condições para um ciclo perverso: o governo e as famílias não consomem, as indústrias e demais empresas não vendem, há redução no ritmo de produção, aumenta o desemprego e ocorre nova rodada de encurtamento da atividade econômica.
Como resolver essa questão? Deve-se aumentar ou diminuir a poupança? Essa discussão é antiga e passa pela disputa entre keynesianos e clássicos.
A Escola Clássica tem por princípio o liberalismo, isto é, todos os agentes, em busca de obter o máximo de satisfação pessoal, promovem a obtenção do bem-estar de toda a sociedade. De maneira geral, privilegiam o equilíbrio do orçamento público, o controle da expansão da moeda para conter a inflação e um baixo grau de intervencionismo estatal. Consideram que a insuficiência de demanda agregada não é a regra na economia, ocorrendo apenas em momentos de crise. Também argumentam que os investimentos levam um longo período para aumentar a capacidade produtiva da economia (por exemplo, uma máquina precisa ser construída, vendida e ter sua operação iniciada; uma estrada leva um longo tempo para ficar pronta). Por isso, tal Escola considera que a expansão da demanda agregada, baseada em ampliação do consumo (e consequente redução da poupança), pode até estimular a economia e o investimento, porém tenderá a gerar inflação antes de provocar a expansão da atividade econômica, tendo em vista que entre o aumento da demanda agregada e a ampliação da capacidade produtiva da economia haverá um largo intervalo de tempo, em que a maior demanda enfrentará uma oferta rígida, gerando aumento de preços.
Já o Keynesianismo defende que a solução para o problema do desemprego viria com uma forte intervenção do Estado por meio do incremento dos investimentos públicos, que garantiriam o pleno emprego e influenciariam positivamente a demanda agregada. Para essa escola a demanda agregada gera, automaticamente, maior oferta de bens e serviços (implicitamente, ou não se considera o hiato de tempo entre o estímulo a investir criado pela demanda mais alta e a entrada em funcionamento dos novos ativos decorrentes do investimento ou se supõe haver ociosidade permanente na economia, que permite a contratação de fatores de produção sem aumento dos custos), não havendo o impacto inflacionário previsto pela Escola Clássica.
A aplicação de políticas keynesianas fora de um contexto de crise, ou seja, sem que a economia esteja em depressão, com grande ociosidade nos seus meios de produção, tende a gerar pressões inflacionárias.
Frente a essa disparidade de visões, o que se deve fazer para garantir crescimento econômico: controlar as despesas das famílias e do governo, para aumentar a poupança e consequentemente os investimentos; ou ampliar os gastos públicos e das famílias para estimular a demanda agregada, gerando redução da poupança?
Se a economia não estiver em situação de crise, com alto grau de capacidade ociosa (situação ideal para a aplicação de política keynesiana), é preciso encontrar caminhos para expandir a capacidade de crescimento sem gerar inflação ou desequilíbrio no saldo de transações correntes do balanço de pagamentos.
Podem-se fazer algumas conjecturas continuando a explorar as identidades básicas da teoria econômica. Sabe-se que a poupança é a parte da renda que não foi utilizada no consumo. Assim, para aumentar a poupança interna, há duas possibilidades imediatas: ou baixar o consumo ou aumentar a renda.
O ideal é que se consiga aumentar a renda sem ter que restringir o consumo.
Para tanto, pode-se aumentar a produtividade do trabalhador, ou seja, criar condições para que ele produza mais com menos insumos. Isso abre uma janela para que se aumente o salário real, sem gerar inflação, pois o incremento na renda está calcado no incremento da produtividade.
Outra possibilidade para conseguir ganhos na renda é aumentar a produtividade do capital investido na produção pelas empresas e pelo governo. Isso permite a geração de lucros maiores, ou seja, novamente tem-se mais renda, sem inflação, pois os preços não tiveram que subir para gerar os lucros maiores.
A pergunta que fica é como aumentar a produtividade dos fatores de produção, como conseguir mais eficiência no processo produtivo. Para isso há dois caminhos. O primeiro é aumentar o investimento, para agregar novas tecnologias, mais eficientes, ao processo produtivo. Mas aí voltamos ao ponto inicial: como aumentar o investimento sem mexer com a poupança. Como no curto prazo a renda é limitada pela disponibilidade de fatores de produção, se não houver recursos ociosos, o aumento do investimento exigirá o aumento da poupança, e o aumento da poupança necessariamente passa pela redução do consumo. Nessa situação, portanto, é mais importante conter o consumo no curto prazo, para que se tenha mais poupança e se possa financiar mais investimentos.
Outra forma de se conseguir ganhos de produtividade é redirecionar os gastos (do governo e das famílias) para atingir uma educação de qualidade em todos os níveis (apesar de a literatura já reconhecer que gastos com educação são investimento em capital humano, as contas nacionais continuam a classificá-los como gastos correntes).
A recomendação de cunho keynesiano, de poupar menos e gastar mais, pode até ser eficaz em sustentar o PIB no curto prazo, em situações de grande ociosidade de fatores de produção. Mas, no longo prazo, não existe mágica. É preciso criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos. Apenas expandir gastos de consumo, mantendo baixa a poupança, bem como a produtividade dos trabalhadores e capital, é a receita certa para ter alta inflação e baixo crescimento.
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Para ler mais sobre o tema:
Jones, Charles: Introdução à teoria do crescimento econômico. Campus. 2000.
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Parabéns pelo texto.
Didático e esclarecedor.
Thyago,
Obrigado pelos elogios! Espero que continue acompanhando nosso site. Abraços
Paulo
“Os números variam, mas estima-se que uma taxa de investimento equivalente a 25% do PIB parece ser o mínimo necessário para garantir que o PIB possa crescer em torno de 5% a.a., sem superaquecer a economia …”
Creio que isso não é coerente com a estória brasileira – a democrática. O governo Lula também parece não confirmar tal assertiva. Certamente esta hipótese exagerada e fora da dimensão espontânea do mercado é coerente com a estória da ditadura. O problema nessa taxa exagerada e bastante arbitrária, segundo meu juízo, está , além do viés discricionário bastante exagerado, na aferição equivocada da relação capital/produto que estimo justifique tal contabilidade de crescimento. É bom lembrar que a qualidade das nossas estatísticas oficiais, na escala de A a D, está em C.
Prezado Marco,
Concordamos com você que o 25% é um número arbitrário. Mas é um número razoável. Países que apresentam taxas de crescimento elevadas investem mais de 25% do PIB. Sobre a coerência com a história brasileira, não vimos problema algum com 25%. Mesmo tomando somente o governo Lula (registrando que a democracia brasileira é bem anterior a ele), observamos um crescimento médio de 4,0%, longe, portanto, de ser um crescimento “invejável”. Ademais, nesse período, a economia nunca cresceu acima de 4,5% a.a. por mais de oito trimestres seguidos sem gerar pressões inflacionárias relevantes, o que sugere fortemente que 4,5% está acima de nossa capacidade de crescimento sustentável. Quanto às críticas às nossas estatísticas oficiais, de fato, não descartamos a possibilidade de haver problemas. Mas os números atualmente apresentados são consistentes: baixo investimento e baixa capacidade de crescimento. No mais, agradecemos suas considerações e esperamos continuar recebendo sempre seus oportunos comentários.
Sua resposta foi extraordinária.
Ainda bem que o Bittencourt contradisse o texto, porque assim o senhor esclareceu ainda mais alguns conceitos.
Realmente o governo Lula não passou por um PIB invejável, e o governo Dilma até agora apresenta média de crescimento menor ainda (em torno de 1,6%) e com uma inflação alta, a pior combinação para crescimento que conheço.
Trazer a teoria para os governos atuais é interessante. Parabéns pelo artigo.
Prezado Paulo, grato pela sua resposta. O que posso dizer é que apenas fico pensando na trajetória da economia americana que como sabemos tem taxa de investimento modesta – segundo oo s parametros aqui definidos – e um crescimento espetacular – com taxa histórica bem abaixo do que voces sugerem.Claro, tudo me faz pensar no desperdício e corrupçao a torto e a direito.
um grande abraço
marco b
Muito boa análise! Concordo plenamente.
Caímos em algo “sabido” (“criar condições para aumentar a produtividade do capital e dos trabalhadores, aumentar a poupança para poder financiar mais investimentos sem impacto inflacionário e sem desequilíbrio no balanço de pagamentos”), mas que teimamos em não aplicar.
[…] Permanece no país o velho problema de baixa poupança (sobre esse assunto, leia neste site “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). O capital que o setor privado investirá em infraestrutura terá que ser deslocado de outros […]
Prezado Paulo;
De que maneira o sr. entende que os aspectos economicos pode sõ importantes para o desenvolvimento de um país como o Brasil?
Um forte abraço!!!!
Gilvan Rodrigues Caldeira
53 3228.1777 / 8114.6223 / 9104.8595
e-mail: rgspep@terra.com.br / gilvan.caldeira@bol.com.br
Parabéns pelo conteúdo de alto nível. Gostei muito da análise, muito bem explicitada.
Gostei muito dos artigos, gostaria de entrar em contacto com o autor. O que faço? Sou angolano de nacionalidade e gosto muito de economia!..
Embora na prática imaginamos que elementos surpresas se fazem presentes diariamente para os governantes, enquanto espectadores e possíveis agentes d transformação torna-se imprescindível o domínio da visão apresentada pelo estimado professor Paulo Springer. Confesso que estou seduzido pela forma precisa com que o texto foi apresentado. Show de bola professor. Abraço!
[…] mais, fazendo a economia crescer (veja, neste site, acerca dos problemas dessa lógica, o texto “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). Mas como, de fato, a poupança é uma restrição, a conclusão é simples: o dinheiro que […]
[…] a economia crescer (veja, neste site, acerca dos problemas dessa lógica, o texto “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). Mas como, de fato, a poupança é uma restrição, a […]
bem ! sabemos que a nossa economia esta em fatores incertos e que o governo andou segurando os preços de agua , luz e gasolina e que ja em 2014 apos eleiçoes ja anunciaram cortes em beneficios sociais e tambem mudaram a lei de orçamento do governo federal, voce acha que estao tomando medidas que complicaram um pouco a vida da populaçao?? e com tudo em alta isso podera provocar queda em investimentos e ai empresas e industrias teram que cortar gastos e diminuir a produçao e assim demissoes deveram acontecer e com mais demissoes e menos investimentos menos consumo e menos dinheiro , voce acha que estamos presos em um ciclo de incertezas??e que isso afetara a economia em 2015?