jun
15
2011

Deve-se proibir a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão de crédito?

De tempos em tempos a sociedade debate se deve ser permitida a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão de crédito. Sabemos que, na prática, pequenos estabelecimentos concedem descontos para pagamentos em dinheiro ou cheque, mas, formalmente, tais descontos são irregulares.

Os contratos entre as empresas de cartão de crédito e o lojista proíbem diferenciação de preços. Adicionalmente, a Nota nº 103 CGAJ/DNPC/2004, do Departamento Nacional do Ministério da Justiça, esclarece que a diferenciação de preços é considerada abusiva, nos termos do art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, por exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva e por significar recusa de venda a quem se disponha a adquirir bens mediante pronto pagamento.

Dois argumentos favoráveis à diferenciação de preços são mais diretos e independem do conhecimento da indústria de cartões. O primeiro é que proibir preços diferenciados fere a liberdade de mercado. Para o lojista, o custo para venda com cartões é diferente do custo para venda à vista ou com cheques. Isso porque, para cada venda com cartão, o lojista é obrigado a pagar uma tarifa, denominada taxa de desconto, que pode ultrapassar 5% do valor da compra, no caso de estabelecimentos pequenos. Além da taxa de desconto, ao vender com cartão, o lojista tem de aguardar trinta dias para receber o valor da venda. Diante das altas taxas de juros no Brasil, essa espera representa um custo adicional não desprezível.

É verdade que outros meios de pagamento também impõem custos ao comerciante: o cheque pode ser devolvido por insuficiência de fundos, e o dinheiro em espécie pode ser roubado. Ainda assim, exceto em situações extremas (como postos de gasolina em regiões onde há muitos assaltos), o mais comum é o lojista arcar com custos mais elevados quando vende com cartão.

Se os custos são diferentes, não há porque obrigar que se cobre o mesmo preço. Do ponto de vista econômico, um bem vendido à vista se diferencia do mesmo bem vendido com cartão, assim como um bem vendido em uma loja de grife é diferente do mesmo bem vendido em uma loja simples.

O segundo argumento favorável à diferenciação de preços é o subsídio cruzado existente quando o preço é único. Como dissemos, o pagamento com cartão embute um custo para o lojista, e esse custo necessariamente é repassado para os consumidores (se não houver o repasse, no longo prazo, a loja terá prejuízo e irá à falência). Se o preço tem de ser o mesmo, o custo será igualmente dividido entre aqueles que pagam com cartão e aqueles que utilizam outros meios de pagamento. A questão que se coloca é: por que quem paga com dinheiro ou cheque deve subsidiar aquele que compra com cartão? Seria tão absurdo quanto exigir, por exemplo, que quem compra arroz tivesse de pagar um pouco mais, para baratear o preço daqueles que compram carne. O subsídio cruzado torna-se ainda mais criticável quando se considera que, em geral, os indivíduos que não têm cartão têm menor poder aquisitivo.

Tratando agora de argumentos contrários, começamos pelo estímulo ao uso de cheques que a diferenciação de preços provocaria. Poucas pessoas andam com dinheiro vivo na carteira, especialmente por questões de segurança. A alternativa mais viável para aproveitarem preços mais baixos para pagamentos à vista seria o pagamento com cheques. Ocorre que, apesar de o cliente não pagar, o custo do cheque é muito elevado: de acordo com o Banco Central, o custo médio de uma transação por meio eletrônico é cerca da metade do custo de transação por outros meios. Do ponto de vista social, portanto, o maior uso de cheques implica desperdício de recursos: a mão-de-obra, os recursos computacionais, o espaço físico e todos os insumos necessários para proceder a confecção, preenchimento e compensação de cheques poderiam ser utilizados em outras atividades, aumentando a eficiência da economia.

Esse argumento é procedente. Mas o problema do uso excessivo de cheques que adviria da diferenciação de preços não decorre da diferenciação de preços, mas do fato de que o preço pago pelo portador pelo uso do cheque é inferior ao custo do serviço. A solução, portanto, não seria proibir a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão, mas instituir uma cobrança para cada meio de pagamento, de acordo com seu custo.

Antes de explicar os demais argumentos contrários e favoráveis, farei uma necessária exposição sobre algumas características da indústria de cartões. Quando pensamos em cartões, vêm logo à cabeça os nomes das bandeiras (Visa, Mastercard, etc), mas, em verdade, a indústria de cartões é composta pelos seguintes participantes:

i)                   portador: é o consumidor final, o indivíduo que utiliza o cartão para fazer compras. O portador paga ao emissor a anuidade do cartão e eventuais juros incidentes sobre saldo devedor não pago. Por motivos que ficarão claros adiante, a anuidade do cartão chega mesmo a ser negativa, nos casos em que o cartão oferece programas de recompensas, como passagens aéreas, acesso a salas VIP, seguros, etc.

ii)                 emissor: normalmente representado por um banco, que se relaciona diretamente com o portador. É o emissor quem analisa a proposta de adesão, determina o limite de crédito, as taxas cobradas do consumidor final e faz o lançamento da fatura. O número de emissores no Brasil é relativamente elevado, cerca de 20 no sistema Mastercard e de 40 no sistema Visa. Os emissores são remunerados pelas tarifas que cobram dos portadores, pelos juros (caso o portador não quite toda a fatura na data de vencimento) e pela tarifa de intercâmbio, a ser explicada a seguir. É importante observar que, como o emissor recebe a tarifa de intercâmbio, pode ser interessante não cobrar (ou até pagar) para o portador ter o cartão, afinal, uma condição necessária para que o banco receba a tarifa de intercâmbio é que ocorram compras.

iii)               credenciador (ou adquirente): é o responsável pelo relacionamento com o estabelecimento comercial. Como o nome sugere, é o credenciador quem credencia o lojista no sistema. Também é responsabilidade do credenciador fazer a captura, transmissão, processamento e liquidação das transações com os cartões da respectiva bandeira. A principal fonte de receita do credenciador é a taxa de desconto, usualmente uma proporção do valor da venda, cobrada do comerciante. A principal despesa do credenciador é a tarifa de intercâmbio, também uma proporção do valor transacionado, pago ao banco emissor. O mercado de credenciamento é muito concentrado no Brasil. Até 2010, havia somente um credenciador para a bandeira Visa – a então Visanet, posteriormente transformada em Cielo – e um credenciador para a bandeira Mastercard – a Redecard. Atualmente, Cielo e Redecard credenciam ambas as bandeiras, e entraram novos concorrentes, como o Banco Santander.

iv)               lojista: ou estabelecimento comercial. É quem aceita o pagamento com cartão. O principal custo em que o lojista incorre é a já mencionada taxa de desconto, paga ao credenciador.

v)                 bandeira: É a marca do cartão, como Visa, Mastercard, Hipercard ou American Express. A bandeira atua como uma espécie de franqueadora da marca, sendo também responsável por estabelecer normas, fornecer infraestrutura básica e realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento para o aperfeiçoamento do sistema. Em alguns esquemas, como American Express e Hipercard, a bandeira, emissor e credenciador são unificadas. Já os esquemas Visa e Mastercard, que respondem por mais de 90% das transações, possuem um sistema aberto, com diferentes emissores e credenciadores.

O cartão de crédito é, assim, uma plataforma, conectando o portador ao lojista. Uma característica importante do mercado de cartões é a de ser aquilo que se denomina mercado de dois lados. Em um mercado normal (ou de um só lado), a demanda depende do preço do produto: se o preço do bem ou serviço aumenta, a demanda cai e vice-versa. Já em mercados de dois lados, além do preço do produto, a demanda depende também de como o custo é repartido entre os consumidores finais.

Para entender melhor o contraste entre os dois tipos de mercado, pensemos no caso da tributação. Quando o governo aumenta a tributação, é irrelevante saber se será o consumidor ou o vendedor quem irá pagar o tributo. A demanda dependerá somente do preço final (incluindo impostos) do bem. Mas isso não ocorre em mercados de dois lados. Por exemplo, uma boate, que pode ser vista como uma plataforma de encontro entre homens e mulheres, deverá ter maior clientela se cobrar menos das mulheres. Assim, comparando duas boates com o mesmo preço médio de ingresso, aquela que cobra menos das mulheres deverá ser mais bem sucedida em atrair clientes.

No início da telefonia celular no Brasil, quem recebia a chamada também pagava pela ligação. Isso fazia com que o proprietário do aparelho somente divulgasse seu número para determinadas pessoas, o que reduzia o potencial de ligações. Quando a cobrança passou a recair somente sobre quem fazia a chamada, ampliou-se a divulgação dos números, aumentando o volume das transações. Outro exemplo são os jornais de bairro, usualmente gratuitos para os leitores, mas pagos pelos anunciantes. Se a forma de divisão dos custos fosse diferente, por exemplo, com os leitores passando a arcar com a maior parte dos custos, é provável que a demanda pelo jornal caísse substancialmente.

Na indústria de cartões, ocorre a mesma coisa. Parte importante do sucesso da indústria de cartões é explicada pelo fato de o custo recair quase que exclusivamente sobre o lojista, e pouquíssimo (exceto no que diz respeito aos juros pagos) sobre o portador.

Outra característica importante na indústria de cartões é a presença da chamada externalidade de rede. Um indivíduo só se interessa em adquirir um cartão se souber que haverá um número suficiente de lojas dispostas a aceitá-lo. Já um lojista só irá se interessar em se credenciar para determinada bandeira se souber que há um número suficiente de portadores de cartão daquela bandeira. Portanto, quando um consumidor decide adquirir um cartão, além do benefício próprio, ele está beneficiando toda a rede associada àquele cartão. Da mesma forma, quando um lojista adere ao sistema, ele beneficia indiretamente todos os demais lojistas pois, ainda que marginalmente, o fato de ter uma loja a mais afiliada ao sistema, estimula novos consumidores a adquirir o cartão daquela bandeira, o que, por sua vez, estimula novos lojistas a se credenciarem. O benefício não precificado que um agente causa a outro é denominado externalidade positiva[1]. Como um consumidor, ao adquirir um cartão, gera externalidade positiva, o preço que ela paga pelo serviço deveria ser menor do que o custo que acarreta. Do contrário, ele tenderia a utilizar o serviço menos do que seria considerado socialmente ótimo.

Uma vez feitas as explicações sobre as principais características da indústria de cartões, apresentaremos a seguir outros argumentos contrários e favoráveis à diferenciação de preços.

O mercado de cartões cresceu aceleradamente porque foi possível transferir a maior parte do custo para os lojistas. Isso estimulou a entrada de consumidores no mercado, o que atraiu novos lojistas, o que estimulou mais consumidores a adquirir cartões, etc. Pode-se demonstrar que essa repartição de custos, onde o lojista paga a maior parte, somente é possível se o preço pago à vista for o mesmo pago com o cartão. Em outras palavras, se for possível para o lojista repassar integralmente o custo do cartão para o consumidor, então cada ponta do mercado (consumidores e lojistas) arcarão igualmente com os custos do cartão. E, quando o consumidor passa a pagar mais caro pelo uso do cartão, ele tende a utilizá-lo menos. Mas, ao fazer isso, devido às externalidades de rede, o consumidor prejudica todo o sistema. No limite, a diferenciação perfeita de preços torna o uso de cartão de crédito menos atrativo para os consumidores. Com menos consumidores, menos lojistas se interessarão em se manter no sistema. Esse círculo vicioso se perpetuaria, de forma que a conseqüência da diferenciação de preços seria um encolhimento da indústria, com prejuízos para todos seus participantes.

Pode-se contra-argumentar de duas formas. Em primeiro lugar, o sistema atual, em que os consumidores são desproporcionalmente incentivados a utilizar o cartão, pode levar a um inchamento ineficiente da indústria. Um exemplo dessa ineficiência pode ser observado em padarias, quando clientes utilizam o cartão para pagar pequenas contas com o objetivo de acumular pontos em programas de benefícios. Além do custo direto associado ao processamento dos dados para se fazer o pagamento, existe a externalidade negativa provocada pela fila que se forma. Se o pagamento fosse feito em dinheiro, a transação seria muito mais rápida, economizando tempo dos demais clientes e funcionários, que, em vez de ficar no caixa, poderiam realizar outras tarefas.

Assim, é verdade que a diferenciação de preços possa desestimular o uso do cartão. Mas, se partimos de uma situação em que o uso do cartão é excessivo, pode ser desejável, do ponto de vista de bem-estar social, reduzir o tamanho da indústria.

A segunda contra-argumentação é de ordem prática. É pouco provável que as comerciantes venham a repassar integralmente os custos do cartão para seus clientes. Em primeiro lugar, porque os lojistas auferem benefícios em receber com cartão, como maior segurança. Em segundo lugar, porque, por uma questão de marketing, é comum os estabelecimentos oferecerem serviços adicionais, sem cobrarem a mais por eles. Por exemplo, muitas lojas não cobram para fazer embrulhos de presente, outras oferecem estacionamento gratuito, outras não cobram adicional para entregar em casa. Oferecer a possibilidade de pagamento com cartão sem cobrança adicional seria uma comodidade adicional que a loja ofereceria. Destaca-se que, de acordo com a experiência internacional, nos países onde passou a ser permitida a diferenciação de preços, o repasse da taxa de desconto para os clientes foi baixo.

Finalmente, outro argumento a favor da diferenciação de preços está relacionado com a estrutura de mercado. Conforme dito anteriormente, o mercado de credenciadores é muito concentrado no Brasil. Apesar da maior abertura recente, o mercado de credenciamento continua muito concentrado. Se um lojista quiser aceitar Visa ou Mastercard (as duas principais bandeiras), será praticamente forçado a negociar com a Cielo ou com a Redecard, pois a participação dos demais credenciadores é mínima. Isso faz com que a taxa de desconto (relembrando, a porcentagem das vendas que os comerciantes pagam aos credenciadores) é muito acima da média internacional. Para pequenos lojistas, a taxa chega a exceder 5% do valor da venda.

Em uma estrutura de mercado tão concentrada como essa, a permissão para cobrança de preços diferenciados permite um aumento da concorrência – no caso, não com outros credenciadores, mas com outros meios de pagamento. Por isso, um resultado provável de se permitir a diferenciação de preços será os estabelecimentos continuarem a cobrar o mesmo preço para pagamento com dinheiro ou com cartão, porém incorrendo em um custo mais baixo, devido à redução da taxa de desconto cobrada pelo credenciador.

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Para ler mais sobre o tema:

Freitas, Paulo Springer de: “Mercado de Cartões de Crédito no Brasil: problemas de regulação e oportunidades de aperfeiçoamento da legislação.” Texto para Discussão nº 37, Senado Federal, Brasília. 2007. Texto disponível em:

http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD37-PauloSpringer.pdf

Banco Central do Brasil;Secretaria de Acompanhamento Econômico – Ministério da Fazenda e Secretaria de Direito Econômico – Ministério da Justiça. Relatório sobre a Indústria de Cartões de Pagamento. Banco Central do Brasil, Brasília. 1º Edição. Maio de 2010. Texto disponível em:

http://www.bcb.gov.br/htms/spb/Relatorio_Cartoes.pdf


[1] Sobre o conceito de externalidade, vide o texto “Por que o governo deve interferir na economia?”, publicado neste site.

Sobre o Autor:

Paulo Springer

Editor do Brasil-Economia-Governo, Consultor Legislativo do Senado Federal e Professor do Programa de Mestrado em Economia do Setor Público do Departamento de Economia da UnB.

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23 Comentários Comentar

  • Texto informativo, fico grato,portanto. Contudo, acho que o problema está no nível dos juros que estimula a formação de clubes de banqueiros a ditar normas até no Ministério da Justiça. A melhor alternativa seria derrubar todas as restriçoes para o surgimento de novos bancos, para a atuação sem restriçoes de factoring e coisas do gênero. O que vejo é que quem pode transformou seu negócio em banco. Mas que é dificil entender por que um lojista não aceita nenhum desconto em sua venda à vista, mas vende pelo cartão ao mesmo preço em até 10 parcelas, ah isso é.

    Ambiente competitivo ubiquamente é o que entendo razoável.

    • Caro Marco,

      Obrigado pelo comentário. Realmente, diante das altas taxas de juros do Brasil, é difícil entender como há sites oferecendo em 10 vezes sem juros. Bom, são estratégias de marketing que, imagino, devem dar certo. Não consigo ver racionalidade nisso, mas o consumidor pode pensar assim: se for à vista, não tenho como pagar. Mas me recuso a pagar juros.

      Já vi pessoas propondo que essa prática deveria ser proibida, utilizando, inclusive, uma analogia com a permissão de cobrança de preços diferenciados para compras com cartão. Mas aqui haveria uma diferença importante: no caso dos cartões, a proposta seria permitir, e não obrigar, a diferenciação de preços. Por questões de marketing, assim como as empresas dividem em até 10 vezes sem juros, poderiam continuar a não diferenciar o preço pago à vista, do preço pago com cartão.
      Sobre os bancos, concordo com seu comentário que deveria ter maior concorrência. O problema é só atender às regras prudenciais, de forma a garantir estabilidade sistêmica.

  • Olá, Paulo

    Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo pelo texto, que demonstra grande conhecimento do mercado de cartões e coloca de forma bem clara os prós e contras da permissão da sobretaxa no uso do cartão.

    Gostaria de contribuir com outro ponto que considero relevante, que relaciona os efeitos da permissão da sobretaxa com a estrutura do mercado do lado do lojista.

    Como motivação, começo indicando um texto da Proteste. O PDF parece estar corrompido, mas o HTML disponibilizado pelo Google ainda funciona:

    http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:mUbCcoXHPaMJ:www.proteste.org.br/20110310/cartao-e-igual-a-dinheiro-baixe-o-livreto-Attach_s537111.pdf+cart%C3%A3o+igual+a+dinheiro+prosteste&cd=5&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br&source=www.google.com.br

    Segue o trecho que quero destacar:

    “Segundo as informações disponíveis, verifica-se que os consumidoresnão foram beneficiados com a redução do preço. Pelo contrário, écomum que o valor adicional cobrado seja superior às taxas que oslojistas pagam às credenciadoras. Além disso, o índice de varejistas quesobretaxam, classificados como “grande” ou “muito grande”, é muitosuperior ao número de varejistas classificados como “pequenos” ou“muito pequenos”. Uma conclusão possível sobre esses dados é que narealidade os principais lojistas que praticam o sobrepreço são as redesque enfrentam pouca concorrência”

    Assumindo que o relato é verdadeiro, como entender os seguintes fatos:
    (1) sobretaxa maior que a taxa de desconto?
    (2) incidência de sobretaxa entre grandes varejistas ser maior do que entre os pequenos?

    Comentários meus:
    (1)
    Partindo-se de modelos básicos de monopólio, é como se o monopolista tivesse dois custos marginais diferentes: um para venda em dinheiro (c) e outro para venda com cartões (c+d). Como ele cobra um mark-up (m) em cima do custo marginal, a discriminação de preços levaria ao preço c*m, no caso do pagamento em dinheiro e m*(c+d), no caso de pagamento em cartões. A diferença entre esses dois preços, que é o sobrepreço, seria m*d, que é maior do que d pois m>1.

    Entendemos, então, a razão de um repasse maior que a taxa de desconto. Isso é possível sempre que o lojista possuir algum poder de mercado.

    (2)
    A segunda questão, mais complicada. Acho que um fator que pode ajudar a explicá-la é a discriminação de preços (não por meio de pagamento, mas pela disposição a pagar do consumidor). Esse tipo de discriminação é tipicamente um comportamento monopolista, pois em concorrência perfeira o preço se iguala ao custo marginal, não havendo espaço para discriminação.

    Dito isso, imagine a situação em que a escolha do instrumento de pagamento seja um sinal da disposição a pagar do consumidor. Estando o cartão associado a consumidores com maior renda e, consequentemente, com maior disposição a pagar, o lojista (com poder de mercado) estabeleceria uma sobretaxa para o uso do cartão, que não estaria necessariamente relacionada à taxa de desconto, no intuito de aumentar o seu excedente econômica às custas do excedente do consumidor.

    Se pudermos associar positivamente o tamanho do estabelecimento com o seu poder de mercado, estaria explicada a maior incidência de sobretaxa nos grandes estabelecimentos. Sendo este o caso, a permissão da sobretaxa do cartão tenderia a levar a um resultado mais eficiente (menor peso morto do monopólio), porem possivelmente contrário aos interesses dos consumidores (que teriam seu excedente reduzido).

    É isso. Abraços.

    • Caro Pedro,

      Desculpe-me só estar respondendo agora, mas estava de férias. Ótimos e intrigantes comentários! Sobre a pesquisa do Proteste, vejo com muito ceticismo. Eles só dizem que foi feita na Austrália, no início da década, mas não citam fonte. No Brasil, pelo menos, acho pouco provável que os resultados se apliquem. Apesar de proibido, é comum termos abatimento em lojas pequenas, mas nunca recebi descontos em lojas grandes, em especial, grandes redes de supermercado.

      Bom, abstraindo a credibilidade da informação, vamos supor que, de fato, seja verdadeira. Achei seu modelo interessante, mas gostaria de acrescentar outras explicações, não necessariamente conflitantes com o que você colocou.

      i) o sobrepreço pode ser maior do que a taxa de desconto porque há outros custos envolvidos com o aceite do cartão, o principal deles, os juros decorrentes da espera de 30 dias. Há ainda quem argumente que as vendas com cartão são mais susceptíveis à fiscalização da Receita, o que seria outro fator explicativo.

      ii) sobre a discriminação de preços, outra possibilidade é que o sujeito que se dispõe a pagar com o cartão, mesmo tendo a possibilidade de descontos, é alguém que estaria “pendurado” em dívidas e a compra com cartão seria a única forma de fechar as contas naquele mês.

      iii) no estudo do pro-teste eles citam o caso de empresas aéreas. Comigo mesmo já ocorreu de ter de pagar taxas absurdas por usar o cartão para algumas empresas “low-cost” europeias. Mas aí também é outro caso de discriminação. Provavelmente a empresa deve ser obrigada a oferecer um meio de pagamento sem custos para o cliente. Mas esse meio de pagamento sem custo só é acessível para os nacionais. Assim, ela discrimina os clientes domésticos dos estrangeiros, que não têm como usar débito bancário.

      Em qualquer caso, mesmo que as empresas maiores discriminem preços e cobrem mais pelo uso do cartão do que as empresas pequenas (o que, sinceramente, desconfio que seja o caso, pelo menos no Brasil), não é claro se há deterioração de bem-estar social, como o Proteste parece sugerir (é claro que eles não utilizaram esse termo, talvez nem saibam do que se trata), e que justifique a proibição de diferenciação de preços.

      Duas questões importantes que a pesquisa do Proteste não responde e que são fundamentais para avaliação empírica de bem estar.

      i) É verdade (aceitemos que sim) que o sobrepreço é maior do que a taxa de desconto. Mas como os preços finais, pagando com cartão ou em dinheiro, se comparam com o preço anterior à permissão de diferenciação? Como coloquei no meu texto, é provável que a maior competição com outros meios de pagamento faça com que haja queda na taxa de desconto. Assim, o novo preço cobrado para utilizar o cartão seria a taxa de desconto (agora menor) com a parcela referente à discriminação de preços (antes inexistente). Não seria assim possível dizer, a priori, qual é maior.

      ii) O número de pessoas que passaram a pagar sem cartão. Mesmo que aqueles que pagam continuaram a pagar com cartão possam ter sofrido perdas, no agregado, os consumidores podem ter ganho.

      Abraços e, desculpe-me mais uma vez pela demora em responder,

      Paulo

  • Prezado Paulo, grato pela resposta. Considerando os argumentos aqui expostos, acredito que as coisas são mais simples do que tínhamos imaginado. De fato, para o problema que levantei, só posso encontrar uma resposta: é um problema teórico insolúvel, porque certamente falta alguma equaçao ou temos variáveis de mais para fechar o raciocínio – não podemos comparar os fluxos de caixa, já que não sabemos o preço à vista ou a taxa de juros que o comerciante está empregando. Portanto, resumindo: creio que não podemos resolver o problema exposto, porque simplesmente não sabemos, de fato, qual o preço à vista que o comerciante tem em mente. Pensando nessa linha de raciocínio e estimando o preço à vista correspondente às taxas de juros de mercado praticadas , esse preço à vista tem que ser muito baixo em relação ao pseudo preço à vista anunciado pelos comerciantes. Se tudo isto está certo, a única prescrição de política razoável, salve melhor juízo, seria a de redução da taxa de juros selic – a qual baliza as taxas de juros de mercado. Posto em prática a redução da taxa de juros, teríamos certamente uma redução espetacular nos preços.

  • Difícil situação. Imagino a confusão que seria ir em mercados ou em qualquer outro estabelecimento sabendo que ira encontrar um preço para compras com dinheiro, outro para cartão e, talvez, mais outro para cheques. Seria impossível, desse modo, expor preços para o consumidor como determina a legislação consumerista atual, pois para cada modalidade de pagamento haveria um preço diferente (proibido pelas leis atuais). Quer mais agravantes? Tem…como o comprador vai saber que a empresa está realmente repassando a taxa que a operadora de cartão cobra do estabelecimento (varia de loja para loja…3,5%…4%…4,5%) e não percentuais maiores? Tratando-se de Brasil, que ainda é o país da “malandragem” e da “esperteza”, boa parte dos consumidores, os mais frágeis em uma negociação com qualquer fornecedor, seria prejudicada. Acredito que a discussão sobre diferenciação de preços entre dinheiro e cartão de crédito se encerraria quando o cartão de crédito repassasse os valores aos comerciantes em no máximo 72 horas (um espaço de tempo grande, considerando-se a velocidade das transações econômicas atuais) e com taxas de desconto de, no máximo, 2%. A maioria dos comerciantes que conheço concorda que se isso viesse a ocorrer, não haveria porque diferenciar preços, já que o maior problema – a demora pelo repasse – não seria tão grande como hoje (média de 30 dias), o que eleva ainda mais o custo do cartão de crédito.

    • Cara Arnaldo,

      Desculpe-me só estar respondendo hoje, mas estava de férias e com difícil acesso à internet. Obrigado pelos comentários. Sobre a confusão de preços, não vejo tanto problema. É viável, por exemplo, obrigar a empresa a expor o preço mais alto e depois eventuais preços com desconto. Seriam no máximo 2 ou 3. Atualmente já vemos isso em lojas e supermercados. Por exemplo, um preço à vista e o preço se comprar mais do que x unidadas. O preço à vista e o preço se comprar em prestações (nesse caso, figuram também o valor da prestação, o número de prestações e o preço final). Assim, não acho que seja tão complicado, o mercado já estaria preparado para essa diferenciação.

      Sobre a possibilidade de repasse de preços maior do que a taxa de desconto, de fato, existe (vide comentários do Pedro acima, e a resposta que coloquei recentemente). Uma coisa importante é distinguir diferenciação de preços não “explicável” da “explicável”. É fácil de compreender que. além da taxa de desconto paga às bandeiras, o comerciante repasse também parte dos juros associados à espera de 30 dias para receber o valor da venda. Mas mesmo no caso de diferenciação “não explicável”, conforme coloquei na resposta ao Pedro, não é evidente, em primeiro lugar, que venham a ocorrer, em segundo lugar, mesmo que ocorram, não é claro se isso leva a uma deteriioração de bem-estar social. Provavelmente não.

      Por fim, concordo com você que se a taxa de desconto fosse menor e o repasse para o comerciante, mais rápido. haveria pouco interesse em diferenciar preços. Observe que, ao permitir a diferenciação, estamos aumentando a competição no mercado de meios de pagamento (moeda x cheque x cartão) e isso contribuirá para que a taxa de desconto ou as condições de ressarcimento melhorem. Esse é um dos argumentos mais importantes que coloquei no texto: não necessariamente a permissão para diferenciar preços irá provocar a diferenciação. Mas poderá ter um impacto substancial nas relações entre lojistas e credenciadoras, que façam com que a diferenciação venha a se tornar desinteressante para o lojista.

      Abs

      Paulo

  • Prezado Paulo, ótimas informações sobre a diferenciação de preços no uso de cartões de crédito. Texto bastante simples de ser compreendido e com ótimos exemplos. Só ficou uma dúvida:

    Como as bandeiras ( Visa e Mastercard) geram receita ?

    Muito Obrigado

    • Caro Vinícius,

      Desculpe-me só estar respondendo hoje, mas estava de férias e em local de difícil acesso à interntet. Sobre a receita da Visa e Mastercard, já li materias com diferentes respostas. Alguns dizem que os bancos emissores pagam parte de suas receitas (além de, eventualmente, um pagamento fixo) para se associar ao sistema. Também já li que são os credenciadores quem pagam, bem como que são os dois. Pela lógica do sistema (de imputar o menor custo direto ao portador do cartão e deixar a maior carga para o lojista), é mais provável que os credenciadores venham a pagar a maior parte. De qualquer forma, é um sistema que funciona como uma franquia, em que os franqueados pagam pelo uso da marca.

      Observe que nos sistema fechados (como American Express, e Hipercard), há uma mistura de receitas, já que a bandeira também é a emissora e credenciadora.

      Abs

      Paulo

  • Eu queria saber se os estabelecimentos do bairro tipo itapecerica da serra podem cobrar taxas no cartão de credito e debito master card e visa que varia de 8 á 10%

  • Prezado,

    qual a limitacao legal existente, para o caso de uma empresa Incorporadora Imobiliária, cobrar sobre taxa dos clientes que estiverem em atraso?

    digo isto, pois neste tipo de industria, o preço acaba sendo defasado ao longo dos anos, e nao temos como remarcar os valores para inserir o custo oculto desta formalidade de crédito.

  • Boa tarde! Gostei da matéria, é bastante informativa. Tem um estabelecimento comercial, perto de minha residência, que vende gás de cozinha. O valor em dinheiro é R$ 33,00, se for pagar com cartão débito ou crédito, o valor passa para R$ 39,00. Qual órgão devo procurar para denunciar o estabelecimento?

    Grato,
    Cesar

    • O PROCON.

  • Bom dia. Gostaria de tirar uma dúvida. Alguns lojistas da minha cidade estão se recusando a vender com operação de DÉBITO no cartão. Aceita somente venda à vista em dinheiro ou no cartão de CRÉDITO. Isso é legal?

    • Olá, a princípio não há qualquer ilegalidade nessa prática. Talvez haja alguma cláusula contratual entre o lojista e a bandeira de cartão de crédito que proiba o lojista de fazer tal discriminação. Mas não há ilegalidade.

  • Prezado,

    qual a limitação legal existente, para o caso de uma empresa Administradora Imobiliária ou de Condomínio, cobrar sobre taxa dos clientes que estiverem em atraso?

  • Acaso é justo ao consumidor que paga em dinheiro ou cheque à vista (geralmente público de baixa renda) arcar com custos de compras com cartão de crédito sendo que ele não utiliza este serviço? Pois se o estabelecimento não pode cobrar preço diferenciado no cartão isso significa que ele acrescentará o custo deste em todas as formas de pagamento. Essa lei visa beneficiar unicamente as operadoras de cartão facilitando o domínio do mercado, uma prática inconstitucional de concorrencia desleal lesando assim o consumidor e o comércio. Tal prática pode ainda levar a segregação social no atendimento ao cliente com empresas que necessitarão criar sitios exclusivos para pagamento à vista ou através de cartão. Esse é mais um absurdo que a nação tem que engolir ainda com o consumidor sendo ludibriado a denunciar ou a exigir uma equidade de preços que irá lesá-lo pois obviamente prevalecerá sempre o preço que reflete o maior custo. Uma vergonha os orgãos de defesa ao consumidor atuando para benefício exclusivo de operadoras de cartão de crédito com várias notícias de estabelecimentos que só aceitavam pagamento à vista sendo autuados e multados e em seguida sendo obrigados a praticar preços acima do que comerciavam para cobrir os novos custos.

  • Olá,

    Isso só faz com que nós comerciantes não forneça vantagens para quem paga com dinheiro, e no calculo de valores dos produtos tenhamos que trabalhar incluindo as despesas de cartão para todas as vendas inclusive de quem paga em dinheiro, pois muitos chegam até a loja informando pagamento em dinheiro e depois quer parcela no cartão em 2 vezes ou em até 1 vez mesmo, ficando dessa forma uma situação difícil demos o desconto por não ter que pagar taxas e depois ter que pagar duas vezes.

    • A proibição de cobrança de preços diferenciados traz o problema adicional de aumentar o poder de barganha das credenciadoras, o que leva a um aumento da taxa de desconto, cobrada dos comerciantes que, inevitavelmente, acaba se refletindo nos preços.

  • Prezados Senhores,

    Gostaria que alguém soubesse me informar como as grandes lojas conseguem vender no cartão
    em até 12 vezes sem juros.
    Eu como pequeno comerciante não tenho condição de vender em duas vezes.
    Pelo que eu sei, caso o pagamento seja parcelado pelo logista o mesmo receberá uma parcela
    do valor total por mês???????
    exemplo: parcelamento R$ 1.000,00 em cinco vezes sem juros.O comerciante receberá
    mês a mês uma parcela de R$ 200,00.
    Tem explicação????????

  • Em tempo: deduzindo a taxa de administração liquido 193,80

  • inconclusivo o texto acima, não tirou minha duvida sobre se o comerciante é obrigado a vender o produto com o mesmo preço tanto no debito quanto no credito , se tenho um produto que esta em oferta a vista e o cliente quer me pagar no credito , como proceder ???

    • Caro Augusto,

      Pela legislação atual (em verdade, não é lei, mas uma interpretação do Ministério da Justiça), o comerciante é obrigado a cobrar o mesmo preço para pagamento à vista ou com cartão (seja na função crédito ou débito). Isso vale para qualquer mercadoria e preço, estando em oferta ou não. Mesmo se o comerciante disser que faz o preço à vista pelo mesmo de, digamos, dez vezes sem juros, então o preço com o cartão continua tendo de ser o mesmo do preço à vista. O que sugeri no artigo é que isso deveria ser mudado, permitindo que o comerciante diferenciasse os preços. Na prática, sabemos que vários comerciantes (principalmente pequenos) dão desconto se pagarmos em dinheiro ou no débito, mas, pelo menos em teoria, é irregular, o que pode sujeitar o comerciante, salvo engano, a processo por práticas abusivas. Eu, particularmente, não considero nem um pouco abusivo, mas, sem alteração do marco legal, é assim que as cortes interpretam.

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