abr
16
2019

A solução para o problema dos caminhoneiros está na agenda liberal

De 21 a 31 de maio de 2018 os caminhoneiros autônomos pararam o país. O governo, tomado de surpresa pela situação explosiva, aceitou as principais exigências dos grevistas: uma subvenção para conter o preço do diesel e o tabelamento do frete. Ambas as medidas representam perdas para toda a sociedade brasileira, gerando consequências negativas para  os próprios caminhoneiros no médio prazo.

A solução correta está em medidas de abertura de mercado, regulação pró-competição, melhoria das condições de trabalho para os caminhoneiros e treinamento com suporte social àqueles que desejem mudar de profissão. A solução, portanto, está na agenda liberal e não no intervencionismo sobre preços de fretes e de combustíveis.

O Ministério da Fazenda se esforçou para que o inevitável subsídio ao diesel provocasse o mínimo possível de distorções. Nesse sentido, criou um mecanismo temporário, que expirou em dezembro, e estabeleceu um custo fiscal máximo. Também buscou financiar esse custo reduzindo outros subsídios distorcivos preexistentes que mereciam acabar. Deu a maior transparência possível ao custo da medida, buscando evitar que a perda fosse imposta à Petrobras e aos importadores, o que ocorreria se houvesse congelamento de preços, optando por deixar preços livres e subvencionar aqueles que comercializassem o litro do combustível por valor igual ou menor que um preço de referência.

Não obstante esse esforço para mitigar distorções, foram grandes os custos econômicos e fiscais. Subsidiar um combustível poluente não é a mais indicada das políticas quando a preocupação ambiental é crescente em todo mundo. Ainda mais quando esse subsídio pode acabar beneficiando pessoas de alta renda, proprietárias de caminhonetes de luxo. Ademais, sendo os caminhoneiros autônomos a parte mais fraca na cadeia de transportes, é provável que uma parte do ganho tenha ido para as empresas de transportes que os contratam, em vez de ficar no bolso dos caminhoneiros.

Subsídios aos combustíveis estimulam uso ineficiente de um recurso escasso e mantêm a pressão para baixo no preço do frete, pois impedem que o mercado se ajuste. Sem o subsídio, os transportadores menos competitivos sairiam do mercado, em busca de outra profissão, e diminuiriam a oferta de frete, permitindo que seus preços melhorassem, sem a necessidade de tabelamento do frete.

Por mais que se esforce, o governo não consegue copiar o mercado. Ao interferir em preços, são inevitáveis as distorções e perdas. Inúmeras situações inesperadas surgiram na gestão da subvenção. Para começar, não há apenas um preço do diesel em todo o país. Petrobras e importadores trabalhavam com mais de 70 preços, dependendo do modo de transporte do combustível (oleoduto ou por caminhões), do tipo de contrato (inclui seguro e frete ou não), da região do país, da qualidade do diesel, do tamanho da encomenda, etc. Ao fixar apenas 5 preços, o sistema criou distorções: alguns mercados se tornaram não atrativos, outros excessivamente lucrativos.

O que devem fazer as empresas: vender com prejuízo para preservar contratos ou cancelar vendas? E como explicar uma ou outra opção aos acionistas? Cadeias de fornecimento se desestruturam. O ambiente de negócios do Brasil se torna pior, investidores saem em busca de locais mais estáveis, investimentos e empregos são perdidos.

Outra distorção vem do fato de que não existe um único tipo de diesel. Há, por exemplo, o diesel marítimo. Quando criado, o mecanismo do subsídio não previa a exclusão desse diesel. Empresas que operam exclusivamente com esse combustível e que não entraram no programa de subvenção ficaram sob o risco de perder todo seu mercado para a Petrobras. Foi necessário mudar rapidamente a legislação para minorar esse problema, mas passaram-se meses antes da mudança, com as empresas sofrendo com a perda de rentabilidade e com o aumento da incerteza quanto ao futuro.

Diferentes modalidades de importação acabaram tendo tratamento distinto na subvenção. As importações feitas por distribuidoras por meio de traders foram, inicialmente, excluídas do programa de subvenção, o que também precisou ser corrigido. Mais incertezas e distorções para o ambiente de negócios. Houve longos atrasos no pagamento da subvenção, um grande aparato burocrático precisou ser montado para conferir notas fiscais e realizar os pagamentos da subvenção.

Houve diversas complicações relacionadas a tributos: cada estado da federação tem sua legislação de ICMS incidente sobre o diesel, e foi preciso conhecer cada uma delas para avaliar qual o preço do diesel antes da tributação, para que se pudesse calcular adequadamente a subvenção devida a cada participante. Também na área tributária foi necessário criar um mecanismo para restituir às empresas a tributação que incide sobre subvenções recebidas. Afinal, não fazia sentido subsidiar o diesel com uma mão e tirar parte do subsídio com a outra.

Em suma, ainda que tenha sido feito esforço para que o programa de subvenção causasse o menor impacto negativo possível, ficou evidente que o modelo é ruim. Sua maior virtude foi a de ser temporário, e o seu retorno é indesejável e prejudicial ao País.

Menos sorte tivemos com o tabelamento do frete, criado sem data para acabar e que igualmente gera perdas e estimula empresas a tomar decisões que diminuirão a produtividade da economia e a capacidade de crescimento do País.

A principal virtude do capitalismo é a divisão do trabalho. Desde Adam Smith sabemos que o que gera crescimento é o fato de que cada um se especializa em um trabalho, fazendo-o cada vez melhor, e vendendo-o no mercado, em troca do trabalho especializado de outros. O tabelamento do frete estimulou muitas empresas a parar de comprar o serviço de transporte no mercado, formando frota própria. Se não tinham frota antes, é porque preferiam se especializar na produção de seus próprios produtos. Ao incorporar um departamento de transporte a suas empresas, vão dispersar esforços e investimentos, e passarão a ser menos eficientes nas suas atividades principais.  Perde o País, que crescerá menos. E perdem os caminhoneiros, que terão menos demanda por seus serviços autônomos.

Interferência nos preços da economia, seja no diesel, seja no frete, é sem dúvida uma péssima saída para lidar com a ameaça de greves de caminhoneiros. Para buscarmos as soluções corretas, é preciso entender as causas do problema.

A primeira pergunta a fazer é: por que existe tanto espaço para que políticos interfiram no preço dos combustíveis? E a resposta está no fato de a Petrobrás ser responsável por mais de 90% da produção nacional, sendo dona de quase todas as refinarias. Com tal poder de mercado, a empresa se torna alvo de seu controlador, o Estado, e dos políticos que transitoriamente estão no comando do Estado.

A privatização das refinarias, acompanhada de uma adequada regulação da competição entre os novos produtores privados, reduziria o espaço para a manipulação de preços. A Petrobras se beneficiaria não só pela redução da pressão política sobre a sua gestão, mas também por poder centrar seus esforços naquilo que faz melhor: prospectar e extrair petróleo. A empresa ganharia valor, e o Brasil cresceria mais. Os consumidores de combustível ganhariam com a maior previsibilidade nos preços: deixaria de haver a volatilidade entre períodos de populismo e preço baixo alternando-se com períodos de recuperação acelerada dos preços, para compensar as perdas da fase populista. E a concorrência adequadamente regulada se encarregaria de conter as margens de lucro das refinarias.

A segunda questão é: por que os caminhoneiros e empresas de transporte de carga têm o poder de paralisar o País? A resposta está no fato de que mais de 60% do transporte de cargas do Brasil ocorre por rodovias. Fosse o transporte mais equilibrado com os modais ferroviário e marítimo, o poder de pressão seria muito menor.

São diversas e antigas as causas para a predominância do transporte rodoviário. Mas certamente poderemos reequilibrar a distribuição de cargas por outros modais se houver mais segurança jurídica para a entrada de capitais privados na construção e operação de ferrovias, e se houver uma abertura do mercado de transporte marítimo de cabotagem, hoje totalmente fechado para proteger as empresas nacionais.

Uma empresa estrangeira que desembarque carga no Recife e esteja a caminho de Buenos Aires, por exemplo, é proibida por lei de aproveitar seu espaço vazio para fazer fretes do Recife para outras cidades do litoral brasileiro. Quase todos os grandes centros produtores e consumidores do Brasil estão em cidades litorâneas. A expansão do transporte marítimo de cabotagem seria uma injeção de produtividade na economia. Mas para que se torne realidade, é preciso não apenas enfrentar o interesse das empresas de transporte atualmente protegidas, mas também privatizar e modernizar a administração dos portos.

Estas são soluções estruturais que, mais uma vez, melhoram o crescimento e a vida de toda a população. Perdem os caminhoneiros? Provavelmente sim. Mas não faz sentido manter um país no atraso para proteger uma categoria de profissionais. Devemos lembrar que a luz elétrica tirou o emprego do acendedor de lampiões, os caixas eletrônicos acabaram com muitos empregos de bancários, e que até mesmo os caminhoneiros se beneficiam do progresso, afinal organizaram uma greve a partir do Whatsapp em seus modernos smartphones. A forma de lidar com essas perdas é a oferta de programas de reciclagem profissional e assistência social no período de transição de uma profissão para outra.

Enquanto não se obtém o desejado reequilíbrio entre os modais de transporte, qualquer sinal de locaute deve ser firmemente reprimido dentro da legislação existente. Certamente a greve de maio de 2018 teria sido menos abrangente se não houvesse o estímulo e o suporte de algumas empresas do setor à ação dos caminhoneiros.

A terceira questão a enfrentar é: por que os caminhoneiros autônomos são os mais prejudicados pela crise? Em uma situação normal, o aumento do preço dos combustíveis seria repassado ao preço final dos bens, batendo no bolso dos consumidores. Se os caminhoneiros não estão conseguindo repassar os custos maiores para o preço do frete, é porque algum fenômeno está afastando esse mercado dos padrões da livre concorrência.

Aqui a resposta se divide em dois pontos. O primeiro está no fato de que empresas de transportes, que contratam os serviços dos autônomos, têm mais poder de mercado que os caminhoneiros. Por isso, garantem para si margens maiores e impõem preços menores aos autônomos. Quando os custos sobem, os caminhoneiros não conseguem repassá-los às transportadoras.

A solução para isso é o tabelamento do frete? Certamente não. O correto é investigar se as empresas estão adotando práticas anticompetitivas ou ilegais, tais como formação de cartel ou imposição aos caminhoneiros de itens contratuais abusivos, tais como seguros sem opção de escolha de seguradora ou aluguel de equipamentos diretamente junto à transportadora. A solução é “mais CADE e menos SUNAB” (para os mais novos, SUNAB era o órgão de tabelamento e controle de preços dos anos 1980, famoso por sua ineficácia). Essa é uma pauta de interesse direto dos caminhoneiros, e o governo deveria insistir nela, tirando proveito da força dos grevistas para enfrentar o poder econômico das transportadoras.

O segundo motivo pelo qual os caminhoneiros não conseguem repassar o aumento de custos para os fretes é o excesso de oferta de fretes. Há gente em excesso trabalhando como caminhoneiro autônomo no País. E isso vem do fato de que o BNDES, ao longo de anos, ofereceu crédito com juros reais negativos para a compra de caminhões. Supostamente essa “doação” financeira seria um benefício para os caminhoneiros. Na prática, aumentou artificialmente a oferta de fretes, diminuindo a margem de lucro dos profissionais. De 2003 a 2013 a frota de caminhões no Brasil cresceu, em média, 5% ao ano, enquanto a economia cresceu 2% ao ano[1]. Quando a recessão de 2014 chegou, derrubando a demanda por transporte de cargas, uma multidão de caminhoneiros, ainda pagando o carnê do caminhão novo, foi surpreendida pela falta de serviços.

Fica a lição de que políticas setoriais intervencionistas cedo ou tarde cobram seu preço. Mas o que fazer com milhares de profissionais que investiram na compra de um ativo fixo que não está dando a rentabilidade esperada? Esse problema só será superado definitivamente quando a economia voltar a crescer. Greves e tabelamentos de preços retardam a retomada e prolongam a agonia dos próprios caminhoneiros. Um dos principais fatores que derrubaram o crescimento em 2018, que em maio daquele ano estava estimado em 2,5%, e encolheu para 1%, foi justamente a deterioração das expectativas decorrente da greve dos caminhoneiros.

O melhor que o governo pode fazer é organizar uma política de treinamento para aqueles que desejarem mudar de ramo, acoplada a algum tipo de ajuda financeira temporária. Para os que preferirem se manter no ramo, o governo poderia acenar com melhorias das condições de trabalho: pontos de descanso, recuperação de rodovias, desburocratização na regulamentação da profissão (sem comprometimento da segurança).

A solução definitiva para a crise dos caminhoneiros passa por tornar os mecanismos de mercado mais eficientes e reduzir a influência política sobre os mercados de combustíveis e frete: privatização, boa regulação, abertura econômica, defesa da concorrência e assistência social aos perdedores de curto prazo. Interferência no sistema de preços, seja do combustível, seja do frete, é a receita do fracasso e de crises futuras. Fosse esta a solução correta, não estaríamos sob nova ameaça de greve menos de um ano depois de encerrada a primeira.

Como toda solução populista, a interferência nos preços ataca os sintomas sem cuidar das causas. O correto seria corrigir as causas sem descuidar de aliviar os sintomas, o que deve ser feito com a assistência social e melhoria das condições de trabalho dos caminhoneiros.

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[1] Fontes: Confederação Nacional dos Transportes e IBGE.

 

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Sobre o Autor:

Marcos Mendes

Doutor em economia. Consultor Legislativo do Senado. Foi Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda (2016-18). Autor de “Por que o Brasil cresce pouco?”.

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1 Comentário Comentar

  • As refinarias se fossem todas privadas cobrariam o mesmo preço que a Petrobras cobra hoje: paridade de importação. Continua o problema do caminhoneiro, só que o governo tem menos instrumentos ainda pra resolver.

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