jul
18
2017

Precisa-se de imigrantes

Em 1872,  excluindo os nascidos em Portugal e África, havia apenas 120.000 estrangeiros no Brasil. O país tinha 10 milhões de habitantes (entre as quais 16% eram pessoas escravizadas), renda per capita inferior à da Somália de hoje e a expectativa de vida ao nascer não passava dos 28 anos. Do total de brasileiros, apenas 1,5 milhão sabia escrever. Mesmo em 1910, apenas 12% das crianças estavam na escola.

Guiada por motivos racistas e econômicos, a imigração foi promovida e mudou o país. Entre 1872 e 1920, mais de 3,2 milhões de estrangeiros entraram no país. No fim do período, a população brasileira chegou a 30 milhões, dos quais 5,1% eram estrangeiros ou naturalizados.

Uma larga parcela de imigrantes era pobre e mal educada, mas fizeram a diferença em um país cuja população se encontrava em situação ainda pior. Essa onda de imigração nas primeiras décadas do século passado foi essencial para o desenvolvimento brasileiro. Os estrangeiros trouxeram conhecimentos diversos e criaram o mercado que impulsionou a industrialização.

Diversos estudos mostram que o impacto dessa onda imigratória se mostra ainda hoje na população e na economia brasileiras. Eu calculei que 16% dos trabalhadores formais têm sobrenomes não-ibéricos. Há evidências de que persistem as vantagens de trabalhar em cidades com pessoas de origem diversas. Philipp Ehrl e eu estimamos, em estudo recente-  que um aumento de 10% no percentual de trabalhadores brasileiros com ancestralidade não-ibérica (estimada pelo sobrenome)  causa um incremento de 2,2% nos salários de todos.

Lamentavelmente, o Brasil voltou a ser um país demasiadamente fechado.  Hoje, a parcela de estrangeiros no país mal chega a 0,9% da população, valor semelhante ao observado em 1872.  Uma parcela  irrisória quando comparado com os 13% dos Estados Unidos ou 27% na Austrália de pessoas que nasceram fora desses países. O número de  30 mil refugiados que o Brasil recebe por ano pode assustar alguns, mas também é ínfimo perto dos 3 milhões de brasileirinhos que nascem no mesmo período.

A  recém-sancionada Lei de Migração deu passos importantes para retirar os entraves mais anacrônicos à vinda de migrantes. É claro que  nenhum estrangeiro – por si só –  fará o Brasil melhorar seu ensino, reduzir a violência ou ofertar saneamento básico para a população. Porém, é um passo importante para o desenvolvimento de longo prazo.

Eu quase posso ouvir o contra-argumento: “Ah, mas dessa vez é diferente! Falta emprego. Antes eles vieram para empreender; agora o imigrante do século XXI é de outro tipo”.

Em primeiro lugar, o número de empregos em uma sociedade não é fixo. Obviamente, os imigrantes demandam bens e serviços que geram empregos para os locais. O leitor não precisa acreditar em mim, ou na Teoria Econômica; basta olhar a dinâmica de cidades como Londres, Nova Iorque e Los Angeles. Lá – onde se observa uma centena de nacionalidades –  não falta emprego.

Além disso, os que querem selecionar os imigrantes se esquecem que todos os grupos  étnicos já foram vistos como ameaças. Apesar da justificativa inicial à imigração ter se baseado no “branqueamento” da sociedade brasileira, os imigrantes não portugueses passaram a ser mal vistos e se transformaram em ameaça.  Logo depois da revolução de 30,  Vargas legislou que as firmas deveriam ter no mínimo de ⅔ de trabalhadores brasileiros. Em seguida, foram criados regimes de cotas por nacionalidade baseados nos históricos de entrada no país. Nessa campanha de nacionalização, os alvos eram os japoneses e os alemães, considerados “quistos étnicos” pela dificuldade de se integrarem à sociedade brasileira.  Os italianos eram mais bem vistos, mas – mesmo assim – houve temores por estarem associados a movimentos anarquistas.

Muitas dessas restrições persistiram e imigrar para o Brasil seguiu sendo um problema. O Estatuto do Estrangeiro de 1980 o via como uma ameaça e, entre 1988 e 1996, nem mesmo as universidade públicas puderam contratar professores estrangeiros como servidores públicos. Era justamente o período no qual o fim do império soviético fez com que cientistas altamente qualificados buscassem emprego pelo globo afora. O Brasil perdeu grandes chances.

Ainda hoje, uma startup tem que esperar pelo seu quinto aniversário para pedir visto para seus administradores no Brasil. 5 anos é tempo demais em setores mais dinâmicos. Outras restrições administrativas fazem com que apenas as firmas maiores, já estabelecidas, consigam cumprir os requisitos para a obtenção de vistos de permanência e possam contratar estrangeiros legalmente. Isso reduz a competição e a inovação na economia brasileira.

Faz sentido tratar imigrantes diferentemente de acordo com origem ou religião? Não. Uma característica une os migrantes: mesmo quando pobres, eles são mais empreendedores que seus semelhantes no país de origem. Afinal, só assim para arriscarem a vida em um país estranho. A tarefa de definir qual cor, sotaque ou religião de imigrante seria melhor para o Brasil não só é moralmente errada, como também destinada ao fracasso. No século XIX os britânicos consideraram os japoneses preguiçosos e os alemães, desonestos. Em partes dos EUA, a chegada de irlandeses católicos foi vista como ameaça grave e reprimida com violência. Em suma, todos os povos, em certo momento da sua história, já foram mal vistos. No Brasil, imigrantes africanos, do oriente-médio, caribenhos e sul-americanos, hoje vítimas de preconceito, podem ter papel-chave no desenvolvimento do país nas próximas décadas.

Em meados dos anos 1950, um adolescente boliviano, franzino, filho de sapateiro, só com Ensino Médio, chegou no Brasil. Era meu pai. Ele se formou em Medicina e passou toda a sua vida profissional atendendo no Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. Milhões de nós temos histórias semelhantes. Quanto mais rápida e mais fácil for a integração dos recém-chegados, mais certo é que relatos como esse continuarão a acontecer.

 

Este texto foi originalmente publicado no Indigo, em 5 de julho de 2017.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).

Sobre o Autor:

Leonardo Monasterio

Pesquisador do Ipea e professor da Pós-Graduação em Economia da UCB.

Recomendações de artigos:

8 Comentários Comentar

  • Imigração é chegar no país, se adaptar aos costumes e leis locais, respeitar a comunidade e se integrar na sociedade. Não é o que estamos vendo no que toca aos muçulmanos. Comprá-los com italianos, alemães, poloneses, japoneses e demais povos de origem ocidental (ou ocidentalizada, como japoneses) é desonestidade intelectual. Nenhuma religião atualmente consiste de uma ideologia política, com exceção do islã. Portanto o cuidado ao receber imigrantes muçulmanos deve ser, sim, observado.

    Imigração é adaptar-se. Entrar no país, se reunir em guetos, exigir que nestes guetos não haja jurisdição da lei do país, demandar o respeito à lei da sharia em regiões pré-determinadas não é imigração. É invasão.

    Notícia fresquinha de mais uma barbaridade cometida por muçulmanos na Alemanha. http://www.breitbart.com/london/2017/07/18/migrants-riot-sexually-harass-women-german-folk-festival/

  • A internet está repleta de vídeos exibindo muçulmanos BARBARIZANDO na Europa mas, segundo o autor do artigo, cujo pai era boliviano (muito provavelmente católico), “religião não importa”.

    Talvez o fato do pai ter ralado bastante pra que o filho hoje pudesse residir em um local que não sofrerá os efeitos desse povoamento sem controle seja o motivo a defesa tão enfática de imigração indiscriminada.

    Os defensores de políticas públicas heterodoxas jamais sofrem as consequências de suas decisões. E isso explica este artigo.

  • Os argumentos de vocês foram já ouvidos em todas as ondas migratórias anteriores.
    Contudo, a evidência empírica mostra que imigrantes reduzem a criminalidade. Veja aqui:
    http://www.mitpressjournals.org/doi/abs/10.1162/REST_a_00337#.WREyst9ic8o
    Ou em uma versão mais acessível:
    https://www.washingtonpost.com/news/the-fix/wp/2015/07/02/surprise-donald-trump-is-wrong-about-immigrants-and-crime/?utm_term=.ef6c05a40526

    • Ótima contribuição Leonardo, isso realmente quebra alguns argumentos. Acabei gostando bastante do que você complementou, talvez, mais que a opinião do autor…

      • Vai lá em Colônia, Alemanha, e explica para aquelas mulheres estupradas por muçulmanos no natal de 2015 que “os argumentos delas foram refutados pelas evidências empíricas.

        Está faltando ao autor se colocar no lugar das vítimas que o islamismo produz todos os dias. Aí, sim, talvez, esse tipo de estudo leve em conta fatores sociais não captados por estatística.

  • Entendo a preocupação com estupros e violência. . Lembro, contudo, que o caso de Colônia foi isolado. Outras cidades europeias – com tantos ou mais refugiados muçulmanos – não registraram tragédias semelhantes (o relato sobre Frankfurt foi desmentido posteriormente pelo Bild)
    A estatística serve para analisar os dados sem apelos emocionais, midiáticos ou xenófobos. Sim, é preciso ter empatia pelas vítimas, inclusive para compreender que o sofrimento não depende da origem étnica ou da religião do criminoso.

  • Por fim, lembro que Anders Breivik matou 77 crianças e jovens. Ele justificou que seus crimes buscavam evitar o avanço muçulmano na Europa. Nem por isso, contudo, eu vou dizer que todos os que se opõem à imigração são potenciais assassinos.

Inscreva-se

Publicações por data