jul
11
2017

Como a reforma trabalhista pode reduzir o desemprego e aumentar os salários?

No século passado, Getúlio Vargas decretou uma norma sob a premissa de que a situação econômica e a desorganização do trabalho ensejavam a intervenção do Estado em favor dos trabalhadores. O decreto obrigava todos os trabalhadores desempregados a se registrarem perante as autoridades: caso contrário, estariam sujeitos a processo por vadiagem, nos termos das leis penais.

A norma ficou conhecida como lei dos dois terços, e possuía além do espírito autoritário também um espírito xenófobo, ao proibir empresas de terem em seu quadro mais de um terço de trabalhadores estrangeiros.

Este era o Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de 1930. Ele antecede a fase ditatorial do presidente Getúlio Vargas e o decretamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Decreto ilustra o momento histórico que o país vivia e a origem autoritária das normas trabalhistas da época.

Após diversas modificações ao longo das décadas, a CLT é agora objeto justamente de uma “modernização”, termo pelo qual também é conhecida a reforma trabalhista. O desafio da reforma é o mesmo da CLT: regular um dos mercados de trabalho mais desiguais do mundo.

INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS

A proposta de modernização trabalhista é motivada pela inclusão das pessoas excluídas. A taxa de desemprego ronda os 14%, enquanto outros 6% da força de trabalho integram a chamada taxa de desemprego “oculto pelo desalento”, ou seja, abdicaram de buscar ativamente uma ocupação ainda que desejem uma.

Além destes cerca de 20% de pessoas desempregadas, temos ainda, entre as ocupadas, 40% de informais. São pessoas sem direitos, que não contam com as proteções constitucionais previstas pelas legislações trabalhista e previdenciária.

Neste grupo estão sobrerrepresentados os jovens, as mulheres, os negros e os pobres. A eles é necessário um olhar mais fraternal e solidário. Na prática a CLT é uma legislação para o homem branco.

As políticas de seguridade social só conseguem amparar esses grupos precarizados parcialmente. Emprego e salário são vitais para redução das desigualdades e erradicação da pobreza: a inclusão no mercado de trabalho é a melhor política social.

A reforma trabalhista tem o potencial de incluir estes grupos com novas modalidades de contratação e mais segurança jurídica para os contratos. Mercados precisam de boas escolhas institucionais para florescer, e no mercado de trabalho não é diferente.

A possibilidade de contratação em jornadas menores do que a jornada de 44h permite que o ajuste no mercado de trabalho se dê na quantidade de horas contratadas, e não no número de empregos formais (gerando desemprego, informalidade).

Ao contrário do que ocorre em outros mercados, no mercado de trabalho o ajuste à demanda não se dá pelo preço (salários), devido à irredutibilidade salarial e ao próprio salário mínimo (e seus encargos). Sem modalidades alternativas de contratação o desemprego e a informalidade são maiores.

Ainda que estas jornadas não sejam as ideais para parte dos trabalhadores, entende-se que possam funcionar como “porta de entrada” para o mercado de trabalho para trabalhadores mais vulneráveis.

Pela literatura, a resistência às novas formas de contratação pode ser explicada – além de pelo medo e a aversão à perda naturais em mudanças como essa – pela teoria de emprego insider-outsider.

Ela preconiza que no mercado de trabalho o que é ganho para o excluído (outsiders) pode ser perda para o incluído (insiders), que tentam bloquear mudanças, frequentemente por meio de sindicatos.

O trabalho intermitente é anedótico neste sentido, porque pode ser entendido como um jogo de soma zero. Suponha um restaurante cuja demanda nos fins de semana exige 40 garçons, mas durante a semana apenas 20.

Hipoteticamente, a sua função de produção é tal que na legislação atual ele emprega no ponto médio: 30 pessoas. Há, portanto, um excesso de garçons ao longo da semana, mas uma escassez no fim de semana.

Com o trabalho intermitente o restaurante, de fato, poderia contratar apenas 20 garçons de modo permanente (demanda do dia de semana), o que seria prejuízo para 10 de seus garçons. Por outro lado, poderia contratar outros 20 de modo intermitente (para a demanda do fim de semana), o que é vantajoso para 10 trabalhadores, por exemplo, desempregados.

Evidentemente os números do exemplo são arbitrários. Poderíamos considerar que sem o trabalho intermitente o restaurante emprega só 20 garçons (seriam geradas então 20 novas vagas) ou considerar que ele já emprega 40 garçons (nenhuma vaga seria gerada, e 20 pessoas ficariam em situação pior).

Os efeitos dependem da realidade de cada firma, mas este exemplo do trabalho intermitente ilustra a lógica de inclusão dos excluídos e de resistência dos incluídos nas novas formas de contratação – que incluem o fortalecimento das jornadas parciais e trabalhos temporários.

Por sua vez, as alterações propostas que afetam procedimentos na Justiça do Trabalho também têm o objetivo de ampliar o emprego formal. A bem-vinda e necessária conduta protetora do Judiciário não pode ser confundida com voluntarismo. Ao inibir o bom funcionamento do mercado, a incerteza jurídica afeta especialmente os trabalhadores, inclusive o informal ou desempregado. A viabilização de contratos depende do “império da lei”.

SEGURANÇA PARA NEGOCIAÇÕES

Em especial, fica fortalecida a segurança jurídica das negociações coletivas, nos moldes do que já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal (STF). As negociações, previstas na Constituição, são estimuladas em outros países e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como instrumento para geração de ganhos mútuos entre as partes.

Atualmente no Brasil o que for firmado nessas negociações, que contam com a participação dos sindicatos, pode ser anulado pelo Judiciário – que se autoconferiu o papel de decidir o que é bom ou não para cada grupo de trabalhadores.

É simbólica deste entendimento uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proclamou que o “o empregado merece proteção, inclusive contra a sua própria necessidade ou ganância”. É um nível de tutela que não tem respaldo nas leis e na Constituição. Deveríamos condenar a busca por prosperidade e melhores condições de vida?

Frisa-se que a prevalência do negociado sobre o legislado não afeta dezenas de direitos indisponíveis, ou seja, que não poderão ser objeto de negociação. Entre eles estão o 13º, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o número de dias de férias, o aviso prévio e normas de saúde, higiene, e segurança do trabalho.

Um importante argumento que precisa ser esclarecido também é o de que as negociações só serão vantajosas para patrões, porque os trabalhadores não têm condição de negociar. O contraexemplo se dá por aquela que é a talvez variável mais importante do contrato de trabalho: o salário.

A legislação não define o salário de todos os trabalhadores. É permitido negociar, individual ou coletivamente, termos melhores do que mínimo exigido por lei. Fosse verdadeiro o argumento de que todos trabalhadores que buscarem condições mais favoráveis de trabalho serão imediatamente demitidos, todos os brasileiros contratados formalmente receberiam apenas o salário mínimo.

Por sua vez, é intuitivo que quanto mais aquecido for o mercado de trabalho, maior poder de barganha terão os trabalhadores. A tentativa de incluir dezenas de milhões de pessoas no mercado de trabalho formal afeta este poder de negociação, que será tão maior quanto mais alternativas os trabalhadores possuírem.

O fim da contribuição sindical obrigatória, em longo prazo, também pode contribuir nesse sentido. Na visão otimista, a maior liberdade sindical estimula exatamente uma participação mais ativa dos sindicatos. A faculdade de contribuir para um sindicato tenderá a ser exercida quanto mais representativo um sindicato for.

Os bons sindicatos poderão ser fortalecidos. Já a visão pessimista é que o fim da compulsoriedade gere escassez de recursos e facilite a captura do sindicato pelos empregadores, prejudicando as negociações. A atuação do sindicato tem características de “bem público”, por afetar tanto quem contribui quanto quem não contribui, e poderia ser subfinanciada – por esta ótica.

A drástica mudança na forma de financiamento poderia idealmente também ser o prelúdio de uma reforma sindical. O fim da unicidade necessita de emenda à Constituição, enquanto a reforma trabalhista é apenas um projeto de lei. Eventual competição dos sindicatos tenderia fortalecer a representação dos trabalhadores.

PRODUTIVIDADE E RENDA

As novas formas de contratação e o negociado sobre o legislado dominaram este debate, mas outro aspecto essencial da modernização trabalhista tem ficado esquecido na discussão: a busca por ganhos de produtividade. O crescimento da produtividade do trabalho é o que dita a capacidade que os salários têm de crescer de maneira persistente e sustentável.

Grosso modo, não sendo pelo crescimento da produtividade, países tem apenas outra possibilidade para crescer: pelo aumento de quantidade de trabalhadores. A produtividade se refere, portanto, a capacidade de aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) sem mudanças no número de trabalhadores1. Nas palavras do Prêmio Nobel Paul Krugman “a produtividade não é tudo, mas em longo prazo é quase tudo.”

Aqui é pertinente fazer uma digressão em relação ao popular argumento que diz que a reforma não gera emprego, porque “o que gera emprego é crescimento econômico”. Por outro prisma, poder-se-ia dizer que o que gera crescimento é emprego e produtividade. Não dá pra considerar o crescimento do PIB como exógeno ao mercado de trabalho.

A ênfase que o aperfeiçoamento das leis trabalhistas dá à produtividade não é redundante: este indicador esteve estagnado no Brasil nos últimos anos, e apresentou até evolução negativa em alguns setores da economia. O desempenho ruim persistiu mesmo no bom momento do mercado de trabalho, de boom das commodities e demografia favorável, que ampliaram o emprego formal.

Nossa performance deixou muito a desejar não só em termos absolutos, mas também relativos. Ficamos muito para trás de economias emergentes, como a China, ou maduras, como os Estados Unidos.

São vários os mecanismos por quais as mudanças na CLT permitirão o crescimento da produtividade e, portanto, da renda. Concede-se maior liberdade para que as empresas remunerem por desempenho, possibilidade hoje travada porque judicialmente estas parcelas temporárias podem ser incorporadas definitivamente ao salário ou estendidas a outros trabalhadores com o mesmo cargo, ainda que em outra cidade ou ano.

Outros instrumentos para ganhos de produtividade incluem a terceirização, que encoraja a especialização, e o estímulo para concessão de transporte pelos empregadores, evitando que as pessoas percam tempo e energia nas caóticas redes de transporte das grandes cidades.

A própria prevalência do negociado sobre o legislado tende a permitir ajustes que propiciem condições de trabalho mais amigáveis à produtividade, assim como as novas formas mais flexíveis de jornada tendem a aumentar a permanência nos postos de trabalho e diminuir a rotatividade, outra grande inimiga da produtividade.

A rotatividade é cronicamente elevada no Brasil, e os trabalhadores permanecem pouco tempo em um mesmo posto de trabalho. Ninguém investe em vínculos que tendem a durar pouco, com graves prejuízos para qualificação profissional.

Por sua vez, o problema do desemprego também tem uma intersecção com o problema da produtividade: a inclusão dos excluídos permite o crescimento da produtividade pela via da experiência (on-the-job learning). Trabalhadores que estariam fora do mercado de trabalho passarão a ter mais experiência, ainda que não em contratos permanentes de 44 horas.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Uma das principais polêmicas da tramitação da proposta se refere ao efeito no emprego de reformas trabalhistas em experiências internacionais. Se do ponto de vista teórico da economia do trabalho a fundamentação é sólida de que a flexibilização das leis trabalhistas vai ao sentido de mais emprego, o resultado de experiências internacionais é objeto de disputa.

Uma primeira controvérsia se refere aos estudos que aplicam técnicas econométricas para estimar a relação de causalidade entre rigidez da legislação e desemprego (ou crescimento). Nesta metodologia estatística esta relação é isolada, ou seja, são controlados os efeitos de outras variáveis que afetam o emprego. A rigidez é medida por um índice – que é arbitrário por construção.

Os críticos da reforma trabalhista apontam estudo publicado pela OIT em 2015, com dados de 63 países para 20 anos, que não detectou relação entre o índice de rigidez e o nível de emprego, mantidos outros fatores constantes2.

Os autores do estudo são mais cautelosos a respeito das conclusões do que os seus entusiastas brasileiros, afirmando que uma legislação trabalhista rígida pode não afetar o nível de emprego se cuidadosamente desenhada. Ainda, o desenho desta legislação deveria levar em conta as condições específicas do mercado de trabalho em cada país. Reconhecem também que o efeito sobre o emprego pode variar entre grupos da população (ex: jovens).

Com metodologia semelhante, outros estudos chegaram à conclusão divergente daquela do estudo da OIT, isto é, concluíram que a rigidez trabalhista afeta negativamente o nível de emprego. Entre eles podemos destacar o de Andrei Schleifer, o economista mais citado do mundo na academia, que com seus co-autores analisou 85 países3; e o do Prêmio Nobel James Heckman, que teve amostra de 43 países e ênfase na América Latina4.

A ausência de um resultado consensual entre estudos de fontes respeitadas é frustrante, mas pode ser explicada. Fora a dificuldade de controlar estatisticamente o impacto de outras variáveis nesta relação, os próprios indicadores de rigidez trabalhista e de desemprego são pouco apropriados para esse tipo de estudo.

Os índices de rigidez trabalhista são construídos artificialmente: embora muito interessantes para fazer comparações no tempo e entre países, são menos pertinentes para identificar causalidade entre variáveis. São atributos que outros índices também possuem, como o de desenvolvimento humano (IDH).

Por sua vez, análises comparadas de desemprego são sempre questionáveis porque as definições de desemprego variam em cada país, e compatibilizá-las não é trivial.

Outro objeto de disputa no debate sobre a reforma trabalhista se refere a experiências individuais de alguns países. São populares os casos de economias grandes que fizeram reformas em anos recentes, como Espanha, México e Alemanha.

Com frequência, se apontou que estas reformas “precarizaram” as relações de trabalho sem trazer ganhos no desemprego. Porém, desta vez, não é apontada evidência empírica como base.

No caso da Espanha, que fez sua reforma em 2012, foram identificados efeitos positivos, e rápidos, da reforma trabalhista sobre o emprego, por estudos de pesquisadores espanhóis5 e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)6, entre outros. Para o caso mexicano, ainda há carência de estudos.

Já em relação às reformas trabalhistas na Alemanha feita na década passada, a OCDE apontou em 2016 que elas tornaram o mercado de trabalho mais forte e que, graças a elas, a taxa desemprego continuou a cair e é agora a mais baixa da União Europeia7.

Em outra oportunidade, a OCDE defendeu que o desempenho macroeconômico alemão acima de seus vizinhos, inclusive em relação ao desemprego, teve como “base” as reformas trabalhistas feitas a partir de 20028.

Há uma série de outros trabalhos empíricos reconhecendo os efeitos positivos das reformas trabalhistas alemãs, inclusive atribuindo a elas o bom desempenho durante a crise econômica mundial – comumente chamado de “milagre”9.

Na França, que também se prepara para uma reforma trabalhista sob o presidente Emmanuel Macron, publicação dos Ministérios da Economia e Finanças e do Comércio Exterior explica que a maior parte dos milhões de empregos criados na Alemanha foram em contratos em regime de tempo parcial ou temporários – que são fortalecidos na proposta brasileira10.

Adicionalmente, há estudos apontando que a partir de 2010 a expansão do emprego pelas jornadas parciais foi dando espaço a uma expansão de empregos em tempo integral11.

Note que as novas modalidades de contrato previstas pela modernização brasileira são, junto com o fortalecimento da segurança jurídica, o principal mecanismo pelo qual se espera incluir os excluídos. São modalidades que em outros países são usadas por jovens e mulheres. Na Holanda, 60% das mulheres empregadas trabalham menos de 30 horas semanais (e apenas 18% dos homens), segundo a OCDE.

Essas evidências de outros países não integraram o debate da modernização trabalhista no Brasil nos últimos meses. Experiências individuais de outros países foram usadas em geral para se opor à reforma, com base em evidências apenas anedóticas.

Evidentemente que experiências de país A ou B não devem vincular qualquer opção de política pública no Brasil. Mesmo as conclusões dos estudos sobre reformas trabalhistas, sejam positivas ou negativas, precisam ser vistas com cautela, uma vez que o teor das reformas pode ser em muito diferente da proposta para o Brasil.

Portanto, parece ser mais conveniente a abordagem de Gordon Betcherman, preconizada em estudo do Banco Mundial, que reconhece a existência de um amplo espaço para as legislações trabalhistas de países emergentes no espectro “flexibilidade-rigidez”12. Desde que se evitem os extremos, seja de flexibilidade (baixo desemprego e informalidade, mas alta precarização) seja de rigidez (pobreza, com muitos “direitos” que não saem do papel), haveria muitas opções para o legislador.

Também é promissor o tratamento sugerido pelos professores Nauro Campos e Jeffrey Nugent para os índices de rigidez da legislação trabalhista. A comparação de um país com outros deveria ser cotejada com os dados domésticos de desempenho do mercado de trabalho13.

Na comparação internacional, temos uma das legislações menos flexíveis do mundo, com a 132a posição entre 144 países (LAMRIG, publicado pelo Instituto de Economia do Trabalho (IZA)) ou a 144ª entre 159 países (Instituto Fraser).  Nos dois rankings, Japão, Hong Kong, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá aparecem na liderança, e Angola e Venezuela nas últimas posições.

A comparação por si não é um problema, mas infelizmente no Brasil temos também altas taxas de desemprego e informalidade, e uma baixa taxa de crescimento da produtividade. O conjunto desses indicadores cronicamente ruins sugere a necessidade de mudanças.

PREVIDÊNCIA E TERCEIRIZAÇÃO

Há no debate uma genuína preocupação de que as inovações da modernização trabalhista prejudiquem a Previdência. Ela se somaria a outras tendências estruturais de economias modernas, como a indústria 4.0, que tendem a enfraquecer a arrecadação previdenciária.

Isso seria especialmente deletério no Brasil, cuja previdência, com uma das tributações sobre a folha mais pesadas do mundo, é especialmente dependente da contribuição patronal tradicional.

Por outro lado, se existem mudanças estruturais ocorrendo no mercado de trabalho, não seria melhor justamente permitir a formalização de outras formas de contratos de trabalho? Desde que não sejam usadas de maneira espúria, a segurança jurídica para o trabalho intermitente e o autônomo exclusivo, por exemplo, poderiam, ao contrário, ampliar a arrecadação.

Cabe observar também que, sendo a reforma bem-sucedida em incluir os excluídos (desempregados e informais), aumenta-se a massa salarial sujeita à tributação. Ainda no âmbito da arrecadação previdenciária, é louvável a majoração da reforma da multa por empregado informal, que sobe em até 7 vezes, para R$ 3.000.

Da mesma forma, há um sincero medo de que a terceirização da atividade-fim também prejudique a arrecadação. Este é um debate que foi mal embasado, a partir de estudo rudimentar que apontava que o terceirizado ganha 25% menos do que o contratado diretamente.

No mercado de trabalho, os salários são determinados pelas forças da demanda por trabalho pelos empregadores e da sua oferta pelos trabalhadores. Eles não deveriam ser afetados pela forma de contratação, se direta ou indiretamente.

Em verdade, a pesquisa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), meramente comparou a remuneração média de funcionários em setores classificados como tipicamente de terceirizados e tipicamente de contratação direta. Não foi comparada a remuneração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores contratados diretamente com as mesmas funções.

Seria o mesmo, portanto, que comparar o salário de um juiz e de um faxineiro do fórum, e explicar a diferença pelo fato do faxineiro ser terceirizado. Estudos que realmente fizeram a comparação apropriada identificaram diferenças muitos menores, e até positivas em ocupações de maior qualificação14.

Também não é consistente a lógica do argumento de que a terceirização da atividade-fim permitirá que trabalhadores contratados diretamente sejam demitidos para que outros mais baratos sejam contratados.

Sendo os salários determinados pelas forças de mercado, não haveria razão para que, por exemplo, o porteiro João fosse demitido para que um terceirizado José seja contratado com um salário menor. Se José já estava disponível e aceitava um salário menor, porque o condomínio esperaria a terceirização para o contratar?

Há duas exceções a este raciocínio: a terceirização no serviço público, uma vez que os salários não são determinados pelo mercado, e a terceirização espúria: a mera intermediação de mão de obra com o objetivo de sonegar encargos. Assim, há um importante argumento de que a vedação à terceirização da atividade-fim é principalmente um instrumento para evitar que se fuja da tributação.

Cabe, porém, refletir sobre as perdas decorrentes da insegurança jurídica que a vedação à terceirização gera, diante da impraticalidade de exigir que burocratas distingam o que são atividades meio e fim de milhares de empresas.

A terceirização em atividades-fim é amplamente adotada fora do país. Empresas terceirizam desde o estabelecimento de seus preços (McDonalds, Coca-Cola, General Eletric, Nestlé) até o desenho dos produtos (Samsung, Ford, Intel, Lufthansa). A gigante Ikea até faz o desenho dos móveis que vende, mas não fabrica nenhum deles.

Esses arranjos, que potencialmente geram emprego e incrementam a produtividade, e por isso, a renda, teriam segurança para nascer no Brasil?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que os mecanismos por meio das quais a reforma trabalhista tem potencial para aumentar o emprego e a renda não são explicados por suposta benevolência dos empregadores. Ao contrário, a regulação do mercado de trabalho deve ser consciente de que a motivação das firmas é de expandir seus lucros.

Qualquer contratação pressupõe a busca do empresário pelo lucro. Não é possível esperar que os empregadores vão empregar mais porque são “bonzinhos”. A legislação e a jurisprudência trabalhistas devem, portanto, ser elaboradas com ciência dessa restrição que opera em uma economia de mercado.

A aversão que temos aos patrões não pode ser maior do que o desejo de melhorar a vida dos brasileiros. A reforma gera os mecanismos para que o emprego formal e a renda floresçam dentro da lógica do capital.

A regulação do mercado de trabalho não é trivial e nossos anseios por proteção podem justamente prejudicar quem se busca proteger. Ilustrativamente, estudo econométrico sobre a PEC das Domésticas concluiu que em decorrência da medida o emprego se reduziu e mulheres de baixa qualificação foram movidas para fora da força de trabalho ou para empregos piores15.

Evidentemente que a reforma trabalhista não é capaz de, sozinha, propiciar o desenvolvimento e a redução das desigualdades, e nem terá fortes efeitos imediatos no emprego e na produtividade. É preciso desfazer o nó fiscal, que tanto reprime a economia com redução de investimentos público, elevada carga tributária e juros altos.

São necessárias reformas, também microeconômicas, que melhorem o ambiente de negócios, a qualidade da educação e deem mais eficiência e progressividade às despesas do Estado e ao sistema tributário.

Por outro lado, é natural que um projeto de lei com tantas mudanças sofra resistência, porque é difícil concordar com todos os seus dispositivos. Por exemplo, talvez pudessem ser deixadas para negociações coletivas itens que integrarão o texto da lei (salvo veto) e consistem em demanda de profissionais de áreas específicas, com ganhos menos evidentes para o conjunto de trabalhadores.

É o caso das demandas de médicas e enfermeiras (possibilidade de gestante e lactante trabalharem em local de baixa insalubridade) e bancárias (fim do intervalo de 15 minutos antes das horas-extras).

Outra reflexão é se a velocidade da tramitação da proposta, conjugada com tantos eventos políticos relevantes no país nos últimos meses, não prejudicou a sua assimilação – e até aceitação – pelos operadores do Direito. A almejada segurança jurídica depende também do convencimento deles, e não apenas de dispositivos em uma lei.

De todo modo, é urgente que o debate sobre as normas trabalhistas, que irá continuar depois de apreciação da reforma, perca o seu componente maniqueísta, em que os que são favoráveis à manutenção do status quo atual possuem o monopólio das boas intenções e do interesse no bem-estar dos trabalhadores.

 

Versão deste texto foi originalmente publicada no portal JOTA, em 2 de julho de 2017, sob o título “Reforma trabalhista é aposta para o crescimento do emprego”.

 

Sugestões de leitura:

Ao longo da tramitação da reforma trabalhista, o Senado ouviu os principais especialistas do Brasil em Economia do Trabalho, cujas apresentações seguem abaixo:

André Portela

Sérgio Firpo

José Pastore 1 e 2

José Márcio Camargo

Hélio Zylberstajn

A respeito especificamente do tema produtividade, também é de interesse o estudo dos professores Roberto Ellery, Ricardo Paes de Barros e Diana Grosner, publicado pelo Ipea e coletâneas organizadas recentemente por Regis Bonelli, Fernando Veloso e Armando Castelar Pinheiro, do IBRE, FGV; e Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda DeNegri, do Ipea.

Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.

 

_______________

1 Rigorosamente, essa seria na verdade a produtividade média do trabalho, que se distingue da produtividade marginal do trabalho. Para os fins deste texto não diferenciamos os conceitos.

2 FENWICK, C.; MARTINSSON, S.; PIGNATTI, C.; RUSCONI, G. Labour Regulation and Employment Patterns. World Employment and Social Outlook. Genebra: OIT, 2015.

3 SCHLEIFER, A.; DJANKOV, S.; LA PORTA, R.; LOPEZ-DE-SILANDEZ, F. The Regulation of Labor. National Bureau of Economic Research Working Paper nº 9756. Junho de 2003.

4  HECKMAN, J.; PAGÉS-SERRA, C. The Cost of Job Security Regulation: Evidence from Latin American Labor Markets. Economia 2, 109-154. 2000.

5 AGUIRREGABIRIA, V.; ALONSO-BORREGO, C. Labor Contracts and Flexibility: Evidence from Labor Market Reform in Spain. Economic Inquiry, volume 52, issue 2, pp 930-957. Abril de 2014.

6 OCDE. The 2012 Labour Market Reform in Spain: A Preliminary Assessment. OECD Publishing, 2014.

7 OCDE. OECD Economic Surveys: Germany. Abril de 2016.

8 OCDE. Germany Keeping the Edge: Competitiveness for Inclusive Growth. Fevereiro de 2014.

9 BURDA, M. C.; HUNT, J. What Explains the German Labor Market Miracle in the Great Recession? Brookings Papers on Economic Activity. The Brookings Institution, 2011.

10 BOUVARD, F.; RAMBERT, L.; ROMANELLO, L.; STUDER, N. How have the Hartz reforms shaped the German labour market?. Trésor-Economics, nº 110. Ministère de l’Économie, et des Finances et Ministère du Commerce Extérieur  março de 2013.

11 BURDA, M. C. The German Labor Market Miracle, 2003 -2015: An Assessment. SFB 649 Discussion Paper 2016-005. Fevereiro de 2016.

12 BETCHERMAN, G. Labor Market Regulations: What do we know about their Impacts in Developing Countries?. The World Bank Research Observer, vol. 30, no. 1. Fevereiro de 2015.

13 CAMPOS, N. F.; NUGENT, J. B. The Dynamics of the Regulation of Labor in Developing and Developed Countries since 1960. IZA Discussion Paper No. 6881. Setembro de 2015.

14 STEIN, G. ZYLBERSTAJN, G.; ZYLBERSTAJN, H. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Working Paper 4/2015. Center for Applied Microeconomics, São Paulo School of Economics. Agosto de 2015.

15 PIRES, P. O. M. Labor Rights, Formality and Spillovers: Evidence from Brazil. Dissertação apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Orientador Rodrigo dos Reis Soares. São Paulo, 2016.

 

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Sobre o Autor:

Pedro Fernando Nery

Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

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2 Comentários Comentar

  • Um texto muito esclarecedor. Todos estamos com muitas dúvidas. Sou empregador e farei o que for possível para que a lei seja totalmente aplicada em minha empresa, mas o que mais nos deixa aflitos é o desencontro de informações. Esse é o primeiro texto que vejo que não explica as leis e sim a origem e os motivos para as mudanças. Muito bom.

    • Obrigado pela mensagem Celso!

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