fev
10
2014

Qual a quantidade ótima de intervenção judicial nas políticas públicas?

Quando uma empresa maximiza seu lucro, o ponto ótimo é aquele em que o custo marginal (custo para produzir uma unidade adicional do produto) e a receita marginal (receita obtida com a venda de uma unidade adicional) se igualam. Isso porque, para a empresa, é bom produzir mais bens até o momento em que o benefício desse bem adicional compense o custo de produzi-lo.

Pode-se adaptar esse raciocínio para o Sistema Judicial de forma a se determinar qual será o ponto ótimo de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas, considerando o bem-estar da sociedade.

Parte-se do pressuposto de que a intervenção judicial irá agregar bem-estar por meio do incremento de utilidade dos membros da sociedade. Mede-se a intervenção judicial pelo valor das causas concedidas a favor dos litigantes e em detrimento da Administração Pública, no bojo de alguma prestação social a cargo do Estado. O benefício marginal da intervenção é o incremento na utilidade total por consequência do gasto de um Real a mais decorrente de ordem judicial. Por outro lado, o custo marginal da intervenção é a diminuição no bem-estar social por conta do gasto de um Real a mais oriundo de algum mandamento do Judiciário. O gráfico a seguir ilustra a ideia.

Gráfico I – Quantidade socialmente ótima de intervenção judicial

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A reta denominada BM retrata o benefício marginal para a sociedade resultante da intervenção do Judiciário em uma determinada política pública. Note que a linha é decrescente. Isso denota que o incremento no bem-estar social diminui à medida que a intervenção judicial nas políticas públicas aumenta. Tal tendência decorre do princípio da utilidade marginal decrescente. Parece razoável supor que quanto mais recursos o Judiciário determinar que a Administração repasse aos cidadãos, menor será o bem-estar adicional promovido pelo repasse.

Para facilitar o entendimento, pode-se exemplificar o benefício marginal da intervenção judicial decrescente da seguinte maneira: imagine um hospital público que possui uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com uma quantidade determinada de leitos disponíveis. Se a capacidade da UTI está ociosa e uma decisão judicial determina a internação de um cidadão, o benefício marginal da atuação judicial é elevado, pois o benefício para esse cidadão é grande e não há prejuízo para os pacientes que já estavam lá. No entanto, se a UTI está lotada e um juiz determina a internação de mais um cidadão, o bem-estar social será acrescido pelo benefício que esse último internado receberá individualmente, mas cairá pelo efeito negativo que promoverá sobre os demais pacientes que já estavam lá (falta de equipamentos para todos, falta de médicos e enfermeiros em quantidade suficiente para atender o excesso da lotação na UTI, etc.). Se as ordens de internação continuarem a ocorrer muito além da capacidade de atendimento da UTI, o benefício marginal da intervenção judicial pode até ser negativo, pois além da falta de equipamentos e pessoal, há riscos de contaminação, de infecção hospitalar e mesmo de morte de pacientes, uma vez que o sistema de saúde não comportava toda aquela demanda.

Outro exemplo que ilustra o benefício marginal decrescente da intervenção judicial pode ser dado na área de educação. É comum haver decisões judiciais em que uma escola pública é obrigada a matricular um aluno, mesmo não havendo mais vagas. Nesse caso, o benefício marginal dessa decisão do juiz será pequeno, podendo até ser negativo, pois trará um ganho para o aluno extra que foi atendido, mas prejudicará todos os demais que já estavam na escola (a sala ficará mais apertada, o professor não conseguirá dar a atenção devida a todos, etc.).

Discutido o benefício da atuação do Judiciário, há que se tratar dos custos. A reta designada por CM no Gráfico I representa o custo marginal da intervenção judicial. No caso dessa reta, ela apresenta um comportamento ascendente. Isso acontece porque, nas primeiras intervenções, é fácil para o Poder Executivo atendê-las, necessitando pouca mobilização da Administração Pública. No entanto, à medida que cresce a quantidade de intervenção, o custo social aumenta, pois exige mais logística da Administração Pública, bem como maior alocação orçamentária para atender às demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de políticas públicas que atendam à sociedade de forma generalizada.

Tal situação é assim revelada por conta de o ordenamento jurídico estabelecer um caráter prestacional aos direitos sociais, mas não prever uma harmonização entre esses direitos e os recursos disponíveis para a concretização das políticas públicas.

Um exemplo desse fato encontra-se na discussão dos subsídios dados para manter baixo o preço das passagens do transporte público nas cidades brasileiras. Quanto mais subsídios, mais custos para a administração pública e para a sociedade, pois o recurso terá que ser tirado de outra parte do orçamento ou terá que haver aumento da arrecadação tributária, causando desvios alocativos e mais custos aos contribuintes.

No encontro da reta do benefício marginal com o  custo marginal, há o ponto ótimo que ilustra o valor ideal de interferência do Poder Judiciários nas políticas públicas. No Gráfico I, este ponto está reprentado por I*.

Até atingir o valor I*, é recomendável que o Poder Judiciário intervenha, pois há uma redução da ineficiência social. No entanto, qualquer intervenção além de I* irá trazer menos benefícios sociais do que o custo associado para executá-la e, portanto, o Judiciário está piorando a alocação de recursos.

Na prática não é simples mensurar esses custos e benefícios. Todavia, os magistrados devem ter em mente que suas decisões implicam não apenas benefícios para os reclamantes, mas também custos para a sociedade.  Nesse sentido, cabe mencionar o dilema entre eficiência e legalidade, já discutido em outro  texto neste site (“As leis podem atrapalhar a eficiência?” )

Tanto o Poder Judiciário quanto o Tribunal de Contas da União já acenam para a possibilidade de afastamento pontual de escolhas normativas que se reputem ineficientes, desde que, harmonizado com o interesse público, sejam asseguradas (i) a inocorrência de prejuízo ao erário; (ii) a boa-fé e a probidade dos agentes envolvidos; (iii) a ausência de violação ao núcleo essencial dos demais direitos e garantias fundamentais (a título de exemplo, o contraditório, a ampla defesa, a duração razoável do processo, a isonomia, etc); e (iv) a obtenção de resultado prático com preponderância considerável de benefícios sobre os custos, tanto para a Administração, como para os administrados.

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Sobre o Autor:

Fernando Meneguin

Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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5 Comentários Comentar

  • O custo da informação necessária para mensurar o ponto I é elevadíssimo, o que, acho, torna inviável qualquer análise judicial nesse sentido.

    • Obrigado pelo comentário, Tiago. Claro que a mensuração exata é muito complicada, mas o modelo é uma abstração que faz com que se possa refletir sobre custos e benefícios de uma decisão judicial. Se todo magistrado entendesse isso, o Poder Judiciário com certeza seria muito mais eficiente.

  • Prezado,
    Com a intenção de ajudar, sugiro pontuar, mesmo que ligeiramente, a teoria da reserva do possível.
    Aproveito para questionar se algum país já conseguiu de algum modo mensurar, mesmo que aproximadamente, o ponto “I”.
    Atenciosamente,
    Luiz Guilherme

  • Olá!!

    Sou aluna do mestrado da UFSC em direito, na linha de analise econômica! Meu trabalho versa exatamente sobre esse tema, seria possível trocarmos ideia de bibliografias?!

    Muito obrigada! Aguardo retorno! Email:jessic.goncalves@hotmail.com

    • Oi, Jéssica.
      Análise Econômica do Direito é um assunto contagiante. Há muita bibliografia. Vou te enviar um e-mail. Abraço.

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