jun
5
2013

Crescimento e desigualdade

O Valor Econômico publicou recentemente caderno especial que discutiu os motivos do baixo crescimento do país. Os diagnósticos apontam, corretamente, para uma combinação de alto e crescente gasto público, tributação elevada e complexa, baixa escolaridade, economia excessivamente fechada, infraestrutura precária e juros elevados. Se essas causas do baixo crescimento estão claramente identificadas há bastante tempo, por que o país não foi capaz de encaminhar a solução dos problemas? Reclama-se há anos da infraestrutura e as estradas continuam no buraco; os economistas estão roucos de apontar os malefícios do gasto público excessivo, e ele continua a crescer. Reforma tributária simplesmente não acontece…

Essa aparente inércia decorre do fato de que as causas acima apontadas são, em grande medida, consequência de uma característica histórica da sociedade brasileira: a desigualdade de renda e de patrimônio. Uma sociedade desigual é tipicamente composta por uma grande maioria de pobres e um pequeno grupo muito rico. Após à transição para a democracia, em 1985, a classe política gradativamente percebeu que a maioria dos votos está entre os pobres: sem atender os interesses imediatos desse grupo não se ganha eleição. Daí a expansão do gasto público e a dificuldade em conter seu crescimento: aumentos reais para o salário-mínimo, expansão da aposentadoria rural, universalização da saúde, etc. Iniciou-se vigorosa “redistribuição para os pobres”.

Por outro lado, os muito ricos dispõem de poder financeiro para influenciar as decisões governamentais, de onde decorrem: proteção comercial para a indústria, crédito subsidiado para empresas escolhidas a dedo, políticas de desenvolvimento regional capturadas pelos ricos das regiões pobres, fundos de pensão de estatais prontos a financiar projetos “geniais” de pessoas bem conectadas, agências reguladoras frágeis que facilitam a vida dos grupos regulados. Essa “redistribuição para os ricos” também custa dinheiro e pressiona o gasto público e a dívida pública, além de impedir a livre concorrência e envenenar o ambiente de negócios.

Nos primeiros anos da nova era democrática, essas pressões redistributivas (em favor dos pobres e dos ricos) foram financiadas pela inflação. Quando o custo desta alternativa se tornou insuportável para a sociedade, foi possível fazer avanços institucionais que resultaram em maior controle fiscal e monetário. Mas a desigualdade continuou pressionando o gasto público. Para manter o equilíbrio fiscal foi preciso jogar a tributação para as alturas e abandonar os investimentos em infraestrutura (que geram ganhos para todos no longo prazo, mas não são prioridade de curto prazo para nenhum dos dois grupos situados nos extremos da distribuição de renda). Ainda assim persiste significativo déficit público, que drena a poupança da sociedade e pressiona a taxa de juros para cima.

As causas imediatas do baixo crescimento, listadas no primeiro parágrafo são, na verdade, as consequências do caminho que a sociedade brasileira encontrou para evitar que a

desigualdade levasse à instabilidade política: os pobres são atendidos e não se revoltam, os ricos são atendidos e deixam de sonhar com golpes de estado. E graças a isso já temos quase trinta anos de estabilidade democrática. A Constituição de 1988 é a segunda mais longeva da história da República, perdendo apenas para a Carta de 1891, que ficou 43 anos em vigor.

Porém, no meio do caminho há uma classe média que não se beneficia dos gastos direcionados para os ricos e para os pobres, e que está sufocada por impostos, má infraestrutura, juros elevados e por ambiente de negócios inóspito, sem espaço para empreender e prosperar.

As perspectivas de longo-prazo tornam-se medíocres, pois no longo-prazo só se muda de patamar de desenvolvimento através do crescimento da economia.

A notícia positiva é que a desigualdade aos poucos vem caindo, em boa medida devido às políticas de “redistribuição para os pobres”. É possível que em alguns anos a chamada nova classe média passe a pressionar menos por redistribuição pró-pobres; aumentando sua demanda por políticas que facilitem a prosperidade da iniciativa privada, o que criaria suporte político para o controle do gasto público, racionalização tributária, etc. Nesse caso, o baixo crescimento de hoje seria o preço a pagar pelo maior crescimento no futuro.

Há, contudo, o risco de que o redistributivismo atual (para ricos e pobres) persista por muito tempo, e que o país viva décadas de baixo crescimento, o que pode até mesmo romper a estabilidade política, pois muitos anos de estagnação fará o cobertor ficar curto para atender às demandas dos extremos da distribuição de renda, além de saturar a paciência da classe média, que paga a conta do atual modelo.

Para evitar esse cenário negativo, e facilitar o caminho do país em direção a maior crescimento e maior igualdade, é necessário dar prioridade a políticas redistributivas pró-pobres mais eficazes e de menor custo. Investimentos em saneamento básico e educação fundamental, por exemplo, são bons para os pobres e para o crescimento econômico ao mesmo tempo. Reajustes elevados para o salário-mínimo, por outro lado, reduzem a competitividade das empresas e pressionam os gastos públicos. É verdade que tais reajustes redistribuem renda para os mais pobres, mas a um custo muito mais alto do que outras políticas, como o Bolsa Família, que além de mais barata tem maior impacto redistributivo. Subsidiar universidades de qualidade duvidosa para os jovens pobres talvez não seja tão eficaz quanto gastar mais em ensino fundamental para crianças pobres.

Tão desafiador quanto reorientar a política de redistribuição para os pobres é conter a redistribuição para os ricos. Não é fácil extinguir privilégios e reformar instituições: justiça lenta e enviesada, feudos políticos dentro da administração pública, corporações viciadas em subsídios públicos. É preciso fortalecer a democracia e a transparência, para que tais políticas percam legitimidade. E continuar martelando a necessidade das reformas institucionais.

Os óbices que a desigualdade impõe ao desenvolvimento não são uma armadilha inescapável. O Chile tem uma história de desigualdade bastante semelhante à nossa, mas encontrou caminhos produtivos para lidar com ela e fortalecer conjuntamente a democracia e a economia. O Brasil precisa encontrar o seu próprio caminho.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico de 3 de junho de 2013.)

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Sobre o Autor:

Marcos Mendes

Doutor em economia. Consultor Legislativo do Senado. Foi Chefe da Assessoria Especial do Ministro da Fazenda (2016-18). Autor de “Por que o Brasil cresce pouco?”.

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9 Comentários Comentar

  • Excelente artigo. Parabéns!

  • Que texto horroroso, muito me surpreende isto ter sido publicado no Valor, que tanto busca um mínimo de qualidade em suas publicações, e acabou por reproduzir essa mesma cantilena que se vê nessa mídia mediana: a pobre classe média, que leva nas costas o país, suportando o peso dos pobres e a vileza do ricos. Primeiro se toma a economia liberalizada e a iniciativa privada como o único caminho, a verdade e a fé; vê os pobres como vagabundos que pressionam o gasto públicos em troco de privilégios. Não percebem o peso da carga tributária sobre o consumo, que pesa tanto nos pobres quanto nos ricos? Não vêem o processo de cartelização que é promovida na economia, muito por conta desse capitalismo brasileiro que é tudo menos de risco? Sinceramente, muito papo de botequim, esse blog tem análises muitos melhores e mais sofisticadas.

    • Me parece que alguns dos comentadores não leram o texto.
      O artigo aponta, em suas entrelinhas, o seguinte drama: pode-se continuar no paradigma atual de redistributivismo e capitalismo de amigos ao custo de baixo crescimento e renda baixa renda per capita.
      Ou pode-se buscar reduzir a ajuda aos amigos e as transferências que prejudicam as gerações futuras e geram baixa eficiência na economia.

  • Muito inteligente o texto. Lança argumentos que não são óbvios e que oferecem uma boa explicação para a estagnação brasileira. Parabéns ao autor.

  • É um ponto de vista interessante.

    De fato o que se tem é que as demandas dos pobres são atendidas por uma política de pão e circo onde o mínimo possível lhes é dado para manter a ordem enquanto que a elite continua a espoliar a população sem conseguir perceber que para o devido desenvolvimento industrial se faz necessário uma distribuição de renda bem mais equilibrada. Os políticos conseguem se sustentar no poder com o assistencialismo e os poderosos da iniciativa privada continua com os seus privilégios. Isso tudo é resultado de uma herança cultural pré-capitalista em que o empresariado vê prosperidade econômica como acúmulo de patrimônio e onde o sucesso apenas é alcançado quando se está conectado ao Estado de forma corruptora.

    É um absurdo que no Brasil não haja impostos progressivos em que quem ganhe mais pague mais, uma questão de bom senso simplória.

    E quem tem fome têm que comer de imediato, por isso as políticas paliativas como bolsas de alimentação não são por si só algo ruim, o ruim é que não há as reformas estruturais e o pensamento de desenvolvimento sustentável em longo prazo.

  • Pelo amor de Deus… Impostos progressivos não fazem o menor sentido uma vez que quando utilizamos uma taxa para cobrar imposto isso já é progressivo em termos absolutos.

    Cobrar mais para quem produz e ganha mais é reduzir o incentivo na produção de ideias e novos negócios e assim, seguir com as politicas atuais do governo que só levam a estagnação econômica.

    • Os impostos no Brasil incidem mais sobre o consumo do que a renda, daí os mais pobres pagarem proporcionalmente mais. Um sistema tributário justo é aquele em que os que mais podem contribuir para o país de fato contribuam mais. Isso é a única coisa com sentido. O incentivo para se abrir empresas ou arriscar vai continuar existindo.

      Mesmo com o sistema tributário injusto que temos nós enfrentamos uma situação de estagnação econômica e mais importante que o puro crescimento econômico é o desenvolvimento social, o desenvolvimento humano e para ter isso é necessário uma distribuição de renda mais equilibrada, um sistema tributário progressivo vai nesse sentido.

  • Creio que o melhor a fazer é promover um sistema semelhante ao dos países nórdicos, com alta liberdade econômica mas sem abrir mão de um pesado sistema de seguridade e bem estar social. Precisamos primeiramente de reformas política e tributárias. Política para por fim à influência do dinheiro na política, aumentar a transparência e descentralizar o poder. Tributária para simplificar o imposto, torná-lo proporcional a renda e bem aplicá-lo.

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