abr
25
2013

Os custos de cartão de crédito poderiam ser reduzidos no Brasil?

Um pequeno comerciante, ao finalizar cada venda, sabe que estará entregando em torno de 4,0% do faturamento à credenciadora1 de cartão de crédito. A depender do tamanho de sua empresa, esse percentual pode chegar perto de toda sua carga tributária reunida no Supersimples. Esse custo, evidentemente, é repassado ao consumidor.

Esse mesmo comerciante estaria pagando apenas 0,8% do valor das vendas, se estivesse trabalhando na Austrália. Lá, há dez anos, o Banco Central aboliu a obrigatoriedade de os comerciantes cobrarem o mesmo preço nas vendas à vista ou com cartão, com base na mais moderna teoria microeconômica. As taxas cobradas pelas credenciadoras, que eram então de 1,4% sobre o faturamento, caíram para 0,8%. Os benefícios para os consumidores foram evidentes.

Por aqui, o Ministério da Justiça e os Procons entendem que a obrigatoriedade de preços idênticos para pagamentos com cartão de crédito é uma proteção para o consumidor. Esse entendimento está expresso oficialmente em Nota Técnica do DPDC. É um caso clássico de boas intenções que levam a maus resultados. O consumidor, que deveria se beneficiar dessa suposta proteção, acaba saindo prejudicado; as empresas de cartão, que têm poder de mercado, se beneficiam.

A estrutura do mercado de credenciamento de cartões no Brasil é, para todos os fins práticos, um duopólio partilhado pelas empresas Cielo e Redecard, que controlam 90% do faturamento. Além disso, os maiores bancos emissores de cartão, que formam o outro lado do mercado, são os acionistas controladores dessas mesmas credenciadoras.

As administradoras de cartões de crédito concedem vários incentivos aos usuários, como o prazo de pagamento (que pode chegar a até 40 dias, a depender da data

da compra), a contagem de pontos para obtenção de vantagens, como milhas para viagens, além da facilidade de parcelamento (ainda que, frequentemente, associado a um custo elevadíssimo). Esses atrativos fazem com que os comerciantes sejam compelidos a participar do sistema, sob pena de perderem clientes. Eles não podem se dar ao luxo de rejeitar cartões de crédito. Para sua sobrevivência, devem aceitar as regras uniformes do credenciamento. Na perspectiva dos usuários, como não pode haver diferença nos preços, torna-se irracional não usar cartão de crédito. Os que insistirem em pagar à vista subsidiarão os prazos e premiações concedidas exclusivamente aos usuários dos cartões. Assim, a regulação reforça o poder de mercado do sistema de cartões de crédito, administradoras e credenciadoras.

O consumidor, por não conhecer essa sistemática de precificação, acredita que está “ganhando” milhas e outros incentivos, quando, na verdade, está pagando em torno de 3% a mais embutidos nos preços de suas compras.

Mas os problemas não param por aí. O poder de mercado amplificado pela regulação deficiente cria outras vantagens para as credenciadoras, como no caso do adiantamento de faturas. Essa é a operação de crédito pela qual o comerciante pode adiantar o recebimento das vendas sem ter que esperar pelo prazo contratual de 30 dias.

A taxa de juros nessa operação varia segundo o porte dos comerciantes. O pequeno comerciante, se optar pelo adiantamento, vai se deparar com juros de 4,35% ao mês, que correspondem à estratosférica taxa de 66,7% ao ano. Como a taxa interbancária está hoje em 7,40% ao ano, o spread dessa operação é de 59%! Segundo dados do Banco Central, o spread médio dessa operação é de menos de 30% ao ano. Isso significa que empresas de maior porte conseguem taxas muito inferiores à média, criando desequilíbrio adicional entre pequenos e grandes comerciantes.

O elevado spread nessa operação é mais uma evidência de um mercado mal regulado. Uma das justificativas sempre alegadas para o elevado spread no Brasil é o risco de crédito. Ocorre que, no caso do adiantamento de faturas de cartão, não existe risco de crédito. A operação é mero adiantamento de uma obrigação da própria credenciadora. Não há como o comerciante inadimplir, pois o dinheiro é dele mesmo, diferentemente de uma operação de desconto de duplicatas, por exemplo, em que há o risco da coobrigação. Então, para essa operação, o spread só se explica pelo poder de mercado das credenciadoras.

Por essas razões, o desempenho em bolsa dessas empresas tem sido espetacular e divergente do resto do mercado acionário. De janeiro de 2011 a ao início de abril deste ano, aCielo teve valorização de 140%, contra queda de 19,5% do Ibovespa. Os controladores da Redecard preferiram fazer oferta publica e fechar o capital da empresa, retirando-se da bolsa. De fato, não faz muito sentido repartir lucros tão garantidos e elevados com acionistas minoritários.

É urgente que as autoridades reguladoras reconheçam que o mercado de cartões, no Brasil, não é competitivo, apesar dos vários esforços já feitos nesse sentido. Para reduzir as ineficiências econômicas, os prejuízos aos consumidores e as perdas dos pequenos lojistas decorrentes da concentração, três providências imediatas deveriam ser adotadas: a) permitir que os comerciantes ofereçam, se desejarem, desconto à vista em relação ao preço com cartão de crédito, a exemplo do que é feito na Austrália e, mais recentemente, nos Estados Unidos; b) impor limite máximo de juros na operação de adiantamento de faturas de cartão de crédito com base em um múltiplo da Selic; c) tornar obrigatória cláusula de concessão de percentual de desconto na fatura como opção do cliente sempre que a administradora conceder vantagens como milhas de viagem ou assemelhadas.

Todas essas providências tornariam transparentes para os usuários os custos embutidos nas operações, inclusive dos benefícios, como milhagens. Com essa transparência e havendo possibilidade de optarem por preços diferenciados, a escolha de pagar com cartão de crédito só se daria se as taxas cobradas por esses agentes – diretamente dos comerciantes e indiretamente dos usuários – se reduzissem a valores compatíveis com os custos operacionais das credenciadoras e administradoras.

________________
1 Credenciadora é a empresa responsável por credenciar o lojista para determinada bandeira. As principais credenciadoras do Brasil são a Cielo e Redecard.

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14 Comentários Comentar

  • Olá, Marcos,

    Excelente texto mostrando a importância de uma análise econômica nas boas ações dos órgãos de proteção ao consumidor. Como consumidor, eu sempre uso cartão de crédito, não ando cheques ou dinheiro, isso é, diante das regras vigentes, conveniente e bom pra mim mesmo. No entanto, quando preciso cobrar no cartão de crédito, as taxas são até mais elevadas que as registradas no texto gerando grandes redução nos lucros, assim como redução nas vendas em função da redução da demanda decorrente do maior custo.

    O pequeno comerciante, não é meu caso, sofre muito com demora de 30 dias para receber complicando seu fluxo de caixa em tempos difíceis e expondo-o a altas taxas por “antecipação de recebíveis”, no entanto, o não uso é pior porque acarretará em perda de clientes. A conta fica ainda mais agressiva quando se compara os lucros com os valores pagos para receber no cartão de crédito (elevando para 2 dígitos o percentual).

    Existe alguma iniciativa legislativa de mudança do atual modelo?

    Parabéns pelo excelente texto.

    Alfredo

    • Caro Alfredo

      O Senador Adelmir Santana propôs os projetos de lei complementar 677 e 680 em 2007. Ainda estão em discussão nas comissões. Não tratam especificamente de prazos de reembolso e de taxa de juros nas operações de adiantamento. Se você quiser ver essas proposições, vá no link “atividade legislativa”.

      Abs.

      Marcos Köhler

  • Faltou falar:
    – Donos da Cielo: BB e Bradesco
    – Donos da Redecard: Itaú
    – Donos da GetNet: Santander

    • Obrigado pela informação complementar, João da Silva.

      Abs.

      Marcos Köhler

  • Marcos, parabenizo-o pelo texto enxuto e pela clareza com que transmite ao leitor informações que têm significado tão importante no dia-a-dia do consumidor.
    A conclusão que chego com a leitura desse texto é que falta à sociedade informação, compreensão e consciência do poder que tem para acabar com esse tipo de exploração abusiva.

    • Muito obrigado, Roberto Sampaio.

  • CONGRATULAÇÕES MARCOS, SABEMOS QUE NADA É DE GRAÇA, MAS NEM SEMPRE TEMOS UM TEXTO CLARO, LIMPO NOS MOSTRANDO O QUANTO PRECISAMOS ESTAR ATENTOS, CONHECIMENTO É A UNICA COISA NESTE MUNDO QUE NINGUEM PODE TIRAR.PARABÉNS.

  • Me assusta ver tudo isso! esse sistema sujo e monopolista sugando nossas veias, e o governo continua inerte, (mais parece fazer parte dele pois alguns bancos estatais controlam a Cielo ) com a inflação em alta e a produção sendo reduzida, fazem vista grossa ao tamanho do problema.

  • “Não existe almoço grátis”!

    Excelente texto, parabéns.

    O que você acha da regulação dos setores de Telecomunicações e Aviação?
    Em ambos temos um oligopólio com 4 empresas dominando o mercado quase em sua totalidade.

  • Marcos, ótimo artigo! Você falou com bastante clareza e com bons argumentos de um tema que confunde quem quer entender melhor o assunto. Aproveitado a seu conhecimento, gostaria de saber se você dispõe de uma referência para que eu possa me aprofundar no caso australiano da redução da taxa de desconto. Algum estudo que mostre que a permissão da diferenciação gerou um poder de barganha entre os lojistas, levando assim a uma redução da taxa de desconto.

    Muito obrigada!

    • Oi, Joana

      No link abaixo – do Reserve Bank of Australia – você encontra os dados de custo.

      http://www.rba.gov.au/statistics/tables/xls/c03hist.xls

      O site do RBA é muito bom e tem vários estudos sobre o tema.

      Atenciosamente,

      Marcos Köhler

  • Prezado Marcos,

    Artigo bem esclarecedor ! Só faltou o curso do aluguel dessas máquinas para o empresário. Geralmente o valor é alto em relação aos pequenos empresários.

    Um abraço,

    Julio Mello

  • Corrigindo: “…custo do aluguel dessas máquinas…”

  • Parabéns pelo tema. Estes serviços deveriam ser executados por estatais e com custo zero em qualquer operações. Só o congresso para afastar estes exploradores.Do jeito que está estamos pagando para utilizar a moeda corrente.Isto é, cartões disfarçados de dinheiro.

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