nov
12
2012

A nova Empresa de Planejamento e Logística (EPL) resolve os problemas de infraestrutura do País?

O plano de logística anunciado pelo governo parte, corretamente, do diagnóstico de que o setor público não tem sido capaz de planejar a infraestrutura. É preciso definir uma hierarquia de problemas prioritários a resolver, fazer bons projetos para solucioná-los, escolher a melhor modalidade de exploração (concessão, parceria público-privada, ou gestão 100% pública), ou, ainda, integrar diferentes projetos. De fato, atualmente constroem-se hidrelétricas sem que seja aproveitado o potencial para a construção de eclusas que viabilizem o transporte aquaviário; projetos de transporte urbano não têm conexão entre si; obras ganham prioridade por desejo de governantes, e não como resultado de estimativas de seu retorno econômico e social.

Foi criada a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), com a tarefa de definir prioridades, planejar e integrar os investimentos em infraestrutura. A EPL poderá chamar para a mesma mesa diversos ministérios, Ministério Público, IBAMA e TCU durante a elaboração dos projetos, para encontrar soluções técnicas que evitem contenciosos futuros e reduzam o risco de paralisação de obras. Poderá, também, avaliar a posteriori os investimentos realizados para evitar repetição de erros e aperfeiçoar o processo de planejamento.   Trata-se, portanto, de um poderoso instrumento de planejamento e gestão que pode levar a grandes ganhos na qualidade da infraestrutura disponível.

Porém, a pressa de concluir projetos para mostrá-los na propaganda eleitoral pode dificultar a estruturação da EPL. Trata-se de uma empresa nova, que precisará contratar engenheiros, organizar seu funcionamento, estabelecer rotinas. Isso toma tempo. Apressar projetos significa manter a lógica de querer fazer rápido e acabar fazendo malfeito, o que desestrutura qualquer tentativa de hierarquizar e estudar os problemas e projetos. O timing da política é diferente do timing do desenvolvimento econômico, e a pressa é o que diferencia o político comum do estadista.

Há também o risco de o governo se afastar do diagnóstico de que o problema central está na qualidade dos projetos e, como já ocorrido no passado, voltar a direcionar as suas baterias para o sintoma e não a causa do problema: a atuação de órgãos de controle (TCU, órgãos ambientais, Ministério Público). Esses órgãos, na maioria das vezes, interrompem obras que estão baseadas em projetos ruins, superfaturadas ou com outras irregularidades graves. É verdade que há casos de atuação quixotesca, como a recente interrupção da construção de Belo Monte, ou decorrente de interesses privados. Mas essas são exceções, que podem ser combatidas com recurso a instituições como o Conselho Nacional de Justiça, ou pelo debate nos fóruns governamentais. Atropelar os órgãos de controle é fazer a festa de quem quer lucrar à margem da lei.

Outro risco está na origem da EPL. Originalmente ela seria a ETAV, empresa criada pra administrar o Trem-Bala: um projeto que está longe de ser prioritário, com graves falhas de planejamento e com alto risco de gerar grande passivo para o governo. Se a transformação da ETAV em EPL decorre de que o governo resolveu colocar o Trem-Bala em banho-maria, passando a priorizar projetos mais importantes, temos um cenário benigno. Porém, se o governo insistir em levar a frente aquele projeto, a EPL corre o risco de concentrar toda a sua incipiente capacidade gerencial e técnica em um único projeto de alta complexidade, e será incapaz de cumprir a função de viabilizar os melhores projetos de infraestrutura.

Há, ainda, o risco de a EPL ser capturada por interesses corporativos de grupos dedicados a cultivar boas relações políticas, ou de se transformar em um planejador estatal à moda antiga, que acredite ser capaz de impor projetos aos parceiros privados. Disso resultariam projetos ruins, com alto custo de oportunidade na alocação de recursos públicos e privados.

Restam duas questões centrais. A primeira é como financiar o aumento nos investimentos em infraestrutura. O capital privado que será investido em infraestrutura não é “dinheiro novo” que entra na economia. Permanece no país o velho problema de baixa poupança (sobre esse assunto, leia neste site “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). O capital que o setor privado investirá em infraestrutura terá que ser deslocado de outros investimentos, que passarão a enfrentar escassez de financiamento. Tal escassez só não ocorrerá se o governo aumentar a sua poupança, por meio do controle do gasto corrente, reduzindo a sua demanda por recursos para financiar sua dívida. Ou, alternativamente, teremos que absorver poupança externa, aceitando a valorização do real e a ampliação do déficit em conta-corrente. Ou seja, o uso de concessões e parcerias público-privadas (PPP) não afasta a restrição ao investimento imposta pela baixa poupança nacional. Ela apenas viabiliza que, havendo uma madura e equilibrada relação contratual, os investimentos em infraestrutura sejam mais produtivos.

O segundo problema reside na enfática determinação do governo de tabelar a rentabilidade dos parceiros privados, impondo limites à taxa interna de retorno das concessões. Ora, cada candidato a concessionário tem o direito de apresentar, no leilão de concessão, a oferta (e consequente taxa de retorno implícita) que lhe parecer mais adequada, taxa essa que levará em conta o risco específico de cada um e será confrontada com a remuneração das demais possibilidades de aplicação dos recursos envolvidos. Ao final, o leilão decide quem leva a concessão.

Quem compra sapato barato, leva para casa um produto de qualidade inferior. Na compra de infraestrutura é a mesma coisa: dificilmente se pagará barato por uma estrada de primeira. A diferença em relação ao sapato é que o comprador dessa mercadoria sofre sozinho as consequências da sua escolha. No caso da infraestrutura todo o país sofre com a escolha errada do governo.

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Publicado no Valor Econômico em 1/10/2012

Sobre o Autor:

Raul Velloso, César Mattos, Marcos Mendes e Paulo Freitas

Raul Velloso é Ph.D. em economia e consultor econômico. César Mattos, Marcos Mendes e Paulo Freitas são doutores em economia.

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3 Comentários Comentar

  • TCU: governo precisa refazer estudos se quiser trem-bala
    Estadão conteúdo qui, 7 ago 2014
    Oito anos depois, o governo insiste em dizer que o projeto do trem de alta velocidade ainda está ativo. Não por acaso, o projeto continua a figurar na lista das obras prioritárias no balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), onde recebe o “carimbo verde”, para atestar que está adequado e em andamento.
    Se a intenção, de fato, é levar o projeto adiante, o governo terá, efetivamente, de recomeçar tudo do zero. Nesta semana, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu que o estudo de viabilidade técnica e econômica que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apresentou pode ir para o lixo.
    A conclusão é de que, passados tantos anos desde que o processo teve início, simplesmente não há mais informações que façam aquele projeto parar em pé. Os estudos do trem que pretende ligar as cidades de Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro foram apresentados ao TCU em 2009. À época, custaram R$ 29,1 milhões aos cofres públicos.
    “Sob o viés tecnológico, o decurso de cinco anos pode significar o surgimento de novas tecnologias com melhor relação custo-benefício ou o barateamento de diversos equipamentos causado pela difusão tecnológica”, declarou em seu voto o ministro-relator Benjamin Zymler.

    O ministério público (TCU) agiu no meu modo de entender de forma correta ao entender que “O governo precisa refazer estudos se quiser o TAV”.
    Não faz sentido se preocupar com transferência de tecnologia ferroviária por uns poucos trens, temos provavelmente aqui instalada a maior quantidade de indústria automobilística multinacional do mundo, e não exigimos delas isto, a não ser que se queira criar a Ferrobrás, uma estatal com prazo curto para falir ou ser vendida em breve a preço de banana, muito diferente do acordo da EMBRAER com a SAAB da Suécia com relação aos jatos Gripen, em que se formara uma “joint venture”, esta sim tem tudo para ser uma próspera parceria.
    Os trens regionais tem a função de complementar e auxiliar, principalmente pelas cidades não atendidas pelo TAV, só em São Paulo o sistema metrô ferroviário movimenta 7,2 milhões de passageiros diários.
    Não devemos confundir os propostos trens regionais com tecnologia pendular de até 230 km/h com os que existiam antigamente no Brasil e que trafegavam no máximo a 80 km/h, ou com este que esta sendo implantado atualmente pela Vale entre Vitória a Minas com 664 km com estimativa anual de 1 milhão de passageiros, e que por varias razões operacionais trafegam entre 45 e 65 km/h com tempo de viagem de ~13 horas, isto nos leva a conclusão que o sistema metrô ferroviário paulista movimenta 7,2 vezes mais passageiros por dia, do que este trem por ano !!!
    Considerações;
    1ª Categoria de velocidade de até 250 km/h é considerada trem regional, *TAV é classificado com velocidade acima de 250 km/h baseado neste fato, podemos concluir que não existe TAV nas Américas, e muitos que aparecem como exemplos de TAV como Acela, Alfa Pendular, Talgo, e principalmente a maioria dos de dois andares que são os mais indicados (double decker), são na realidade trens regionais.
    2ª Já faz algum tempo que se encontra em desenvolvimento no pelo mundo para o TAV, inclusive no Brasil, (Maglev Cobra) o TAV, (acima de 250 km/h), porém todos eles utilizando “Obrigatoriamente o sistema de levitação magnética”, portanto corremos o risco de estarmos implantando com um alto custo utilizando uma tecnologia obsoleta e ultrapassada, se for mantida a proposta atual com rodeiros e trilhos em bitola (1,43 m) e largura da carruagem (~2,8 m) divergentes das existentes no Brasil para o futuro TAV.
    Em uma concorrência governamental recente da CPTM-SP, os valores cotados pelas montadoras nacionais, ficou nos absurdos ~80% superior aos praticados pela indústria chinesa e em relação ao fornecimento recente para a SUPERVIA-RJ e as carruagens já vieram na bitola de 1,6 m e na largura de ~3,15 m sem a necessidade de se adaptar estribos nas portas (gambiarra) para compensar o vão com a plataforma, ou seja exatamente conforme as condições brasileiras, sepultando os argumentos de custo menor dos defensores deste padrão europeu.
    Já tive a oportunidade de viajar em vários destes no Metrô Rio, e a qualidade de acabamento interno / externo, ar condicionado, portas, iluminação, circuito interno de TV funcionando perfeitamente me causaram uma ótima impressão.

    A maioria das grandes obras do PAC listadas acima, de porte menor que o TAV, e não menos importantes, principalmente as usinas hidroelétricas 2ª, 3ª e 4ª opções (Que podem causar um colapso no país) estão paralisadas ou incompletas até hoje, por que insistir nisto, se temos opções melhores, mais rápidas e econômicas conforme demonstrado, lembrando ainda os sistemas de abastecimento de água, que afeta inclusive as hidrovias!
    Agora, do nada que nos restou após as privatizações, queremos retomar o transporte ferroviário de passageiros com um TAV que fará Europa e Japão se curvarem diante do Brasil. Nessas horas, eu lembro do velho conselho que diz que “O pior inimigo do bom é o ótimo”.
    Eu gostaria muito de ver uma comparação do tipo Custos x Benefícios entre o Bom e o Ótimo, e não apenas entre o Ótimo e o Nada.
    Conclusões:
    A padronização e uniformização continuam sendo uma forma extremamente econômica e ágil de se expandir, integrar, uniformizar, racionalizar e minimizar custos com os estoques de sobressalentes e ativos e a manutenção em todos os segmentos comerciais e industriais, inclusive para de trens de passageiros no Brasil.
    Os fabricantes ferroviários aqui instalados devem produzir e fornecer conforme as especificações e condições brasileiras, e não as ferrovias terem que se adaptar ao que eles produzem.
    A integração metrô ferroviária deve-se dar de forma prática e concreta, e não só nos discursos contraditórios, pois os mesmos ”Trens regionais *pendulares de passageiros poderão trafegar nas futuras linhas segregadas exclusivas do TAV sem ter que usar um 3º trilho“ (Como acontece nas maiorias de cidades do mundo) trata-se de parâmetro básico fundamental, pois pela proposta, as mesmas composições atenderiam de imediato aos trens regionais planejados nas maiores cidades brasileiras, e o fato de trens regionais de longas e curtas viagens serem de operações distintas não justifica que não tenham que se integrar e interpenetrar, pois seria uma insensatez, por que aqui tem que ser diferente? A quem interessa isto?
    A indústria oriental também tem condições de fornecer estes trens com *Tecnologia pendular com dois andares (double decker) e passagem entre as composições (gangway) a um custo bem competitivo.
    “A mente é como um paraquedas; não funciona se não estiver aberta” James Dewar

  • Para especialista francês Trens regionais devem preceder o TAV

    O presidente da Alstom no Brasil, Philippe Delleur, afirmou que fazer trens regionais de média velocidade em São Paulo seria o caminho “mais seguro e curto” para o Brasil chegar ao trem-bala.

    Para ele, o problema está nas obras civis. As empreiteiras nacionais, disse, indicam que o valor dado pelo governo está subdimensionado. O projeto total está estimado pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) em R$ 38,1 bilhões, sendo cerca de R$ 28 bilhões (valores de dezembro de 2008) em obras e desapropriações.

    Delleur afirmou que as empresas já estão com dificuldades para conseguir recursos próprios, “equity”, para ingressar como sócias. E, caso a obra fique mais cara que o previsto, serão necessários mais recursos próprios ou financiamento. O BNDES pode financiar até R$ 20 bilhões.

    “Nossas conversas com investidores indicam que é muito difícil achar um valor tão grande de “equity” privado. Os investidores financeiros não vão colocar dinheiro se não houver um grande esclarecimento sobre o projeto. E, se o orçamento não é R$ 38 [bilhões], é R$ 50 [bilhões], aumenta o tamanho do problema a ser resolvido.”

    O tempo a mais até a nova data do leilão também será usado para fazer novos estudos sobre as conexões com outros sistemas de transportes, principalmente em São Paulo. Como é essencial que a linha de alta velocidade seja integrada, Delleur defende os trens regionais.

    Teste da demanda
    Pelos estudos, cerca de 70% da demanda do trem-bala virá de ligações entre as cidades paulistas. Por isso, diz, o ideal seria testar um sistema ferroviário nessas ligações, conhecer a demanda real e, só depois, passar para os trens de maior velocidade.

    “Grande parte da demanda não fica entre SP-RJ, mas em volta de São Paulo. O projeto deveria trazer resposta a essa demanda existente e, para isso, o regional pode ser rapidamente feito, em três a quatro anos, captar a demanda, estabilizar e usar esses recursos para continuar o projeto de alta velocidade.”

    O governo federal tem projetos para vinte e uma linhas regionais no Brasil.
    Os trens regionais têm velocidades máximas de 250 km/h, enquanto os de alta operam a até 350 km/h.
    Fonte:Folha de S.Paulo

    Concordo perfeitamente com a opinião do senhor. Delleur, que trens regionais devem preceder o TAV, quando especifica-se a prioridade de trens com velocidade de até 250 km/h que podem ser usados como trens regionais com alimentação em 3 kVcc e futuramente como trens TAV em linhas segregadas exclusivas com alimentação em 25 kVca em uma mesma composição, podendo ser de um ou preferencialmente os de dois andares (double decker) dos tipos com tecnologia pendular Acela ou Superpendolino que possuem uma capacidade de trafegar em curvas de raios menores, pois possuem um sistema de compensação de estabilidade de até (8º) 8 graus, adaptando-se melhor as condições brasileiras com reaproveitamento de energia elétrica na frenagem usando as mesmas composições para ambas especificações e padronizados em bitola de 1,6 m, exatamente como é em SP, MG e RJ entre outras principais cidades brasileiras.

    Embora não existam no Brasil, estes modelos de trens são de tecnologia consagrada, e podem ser construídos no Brasil, pela maioria das montadoras aqui existentes.

  • A questão é que papel aceita tudo. Precisam colocar em prática e não só ficar em teorias. Precisam definir regras claras de remuneração aos investidores. O Governo não tem capital para executar as obras e precisa de investimento privado. Precisa definir rapidamente as regras e permitir que as operações sejam rentáveis para a iniciativa privada.

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