mar
19
2012

O FGTS traz benefícios para o trabalhador?

O FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, regido pela Lei nº 8.036, de 11/05/90, foi instituído, em 1966, em substituição à estabilidade no emprego, direito restrito aos trabalhadores que permaneciam mais de dez anos na mesma empresa. É por isso que seu objetivo estrito é prover o trabalhador de uma poupança em caso de desemprego; embora, desde sua instituição, também tenha sido muito utilizado na aquisição da casa própria.

Conforme a legislação em vigor, os empregadores depositam, em contas abertas na CAIXA, em nome dos seus empregados e vinculadas ao contrato de trabalho, o valor correspondente a 8% do salário de cada funcionário.

Tais recursos, além de configurarem uma poupança do trabalhador, constituem os pilares básicos da política habitacional, de saneamento básico e de infraestrutura urbana do Estado, em especial no caso da habitação popular.

Conforme o Orçamento Financeiro, Operacional e Econômico do FGTS, para o exercício de 2012, de um total de R$ 44 bilhões, estão previstos para serem utilizados em habitação popular R$ 26 bilhões (59% do total), incluindo o Programa “Minha Casa Minha Vida”.

Assim, na concepção original do Fundo, fica fácil perceber o caráter social duplo do FGTS: patrimônio do trabalhador para fazer face ao desemprego e principal fonte de financiamento da política habitacional, de saneamento básico e de infraestrutura urbana brasileira.

O que se pretende neste texto é analisar se realmente o FGTS traz vantagens ao trabalhador ou se ele cria custos que oneram o trabalho e a renda do empregado.

O primeiro problema que se vislumbra é o baixo rendimento do FGTS. A remuneração das contas vinculadas do Fundo corresponde à Taxa Referencial de Juros (TR) mais juros de 3% ao ano, ou seja, menos do que rende a Caderneta de Poupança, pois esta remunera seus aplicadores com TR mais 6% ao ano. Isso torna o FGTS um dos investimentos com a mais baixa remuneração do mercado financeiro brasileiro.

O risco dessa aplicação é nulo, pois os saldos das contas vinculadas estão garantidos e protegidos por lei, sendo o risco de crédito integralmente assumido pela CAIXA. As aplicações no FGTS diferem, portanto, dos investimentos no mercado financeiro, onde o risco é todo do aplicador de recursos. Ainda assim, não é justo impor ao trabalhador uma aplicação que renda menos do que a inflação, conforme ilustrado pela tabela abaixo.

Rendimento do FGTS X IPCA (2000-2011)
Anos Rendimento FGTS IPCA
(TR + 3% a.a.)
(% anual) (% anual)
2000 5,14 5,97
2001 5,33 7,67
2002 5,85 12,53
2003 7,69 9,30
2004 4,86 7,60
2005 5,88 5,69
2006 5,08 3,14
2007 4,45 4,46
2008 4,65 5,90
2009 3,64 4,31
2010 3,71 5,91
2011 4,13 6,50
Fonte: TR e IPCA – IPEADATA

Pelos números acima, verifica-se que a remuneração total do FGTS ficou bem aquém da inflação do período, ou seja, com o tempo, os depósitos estão perdendo seu poder de compra. Se acumularmos as taxas mostradas na tabela, o FGTS acumulou rentabilidade de 80%, enquanto a inflação foi de 114%.

Do modo como o Fundo está equacionado, vários incentivos adversos foram criados. Como a remuneração do FGTS é baixa para o empregado e é um custo para o empregador, isso incentiva a informalidade. Os empregados e os empregadores preferem contratos informais nos quais estes pagam diretamente àqueles. Também há o caso em que a informalidade pode não ser completa: é comum haver contratos registrados em carteira, mas especificando uma remuneração menor do que a efetivamente paga.

Outra distorção vem do fato de que o empregado formal irá buscar uma forma de sacar seus recursos depositados na conta vinculada o mais rápido possível, para evitar sua corrosão pela inflação. Uma maneira é provocar sua demissão, de forma a se apoderar do dinheiro (principalmente em épocas de crescimento econômico, em que o mercado de trabalho fica aquecido). Outra pode ser adquirir imóveis, mesmo que não seja aquele que o trabalhador adquiriria caso dispusesse dos recursos em outra aplicação.

Com essa característica do Fundo, patrões e empregados não esperam que os contratos durem muito tempo. A consequência é uma alta rotatividade no mercado de trabalho. Se a expectativa é ter uma força de trabalho renovada constantemente, há menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores, diminuindo o investimento em capital humano, o que certamente prejudica a produtividade da economia, reduzindo o potencial de crescimento econômico.

A pergunta óbvia que surge é: por que não se aumenta a remuneração do FGTS, de forma a torná-lo pelo menos tão atraente quanto a Caderneta de Poupança?

O óbice em se aumentar a remuneração do FGTS consiste no fato de que isso rebaterá, necessariamente, no encarecimento dos empréstimos para compra da casa própria, por parte das classes menos favorecidas de nossa sociedade.

Mas então, outra pergunta vem à tona: cabe ao trabalhador, com seus recursos, fornecer subsídios para o sistema financeiro de habitação e para as obras de infraestrutura urbana?

A carga tributária brasileira figura entre as mais altas do mundo (34% do PIB). Se o governo quer financiar a habitação popular, que o faça com recursos previstos no orçamento, que passaram pela aprovação indireta da sociedade, via discussão no Congresso Nacional. Hoje, a legislação em vigor obriga o empregado a deixar seu recurso aplicado no FGTS, recebendo uma remuneração baixa por isso, de forma que o governo possa emprestar recursos para a aquisição da casa própria com juros aquém dos praticados pelo mercado.

Outra questão correlata é que uma baixa taxa de juros cobrada de um trabalhador de baixa renda em um financiamento habitacional não necessariamente será um benefício para este trabalhador. Se esse sistema de crédito subsidiado gerar um grande aumento na demanda por habitações populares (como de fato ocorreu após o lançamento do programa “Minha Casa Minha Vida”), o preço dessas habitações vai subir. Isso significa que o subsídio acaba sendo apropriado pelas empresas que constroem e vendem tais habitações, sob a forma de maior margem de lucro (a esse respeito, ver neste site o texto: A isenção do imposto de renda na poupança é um subsídio justo e eficiente?)

Sabe-se da teoria econômica tradicional que a tributação sobre a folha de pagamentos gera ineficiências e desemprego, pois eleva o custo do trabalho. O FGTS funciona como um tributo que encarece o salário pago pelo empregador, mas que vai diminuir o salário líquido recebido pelo empregado.

Se não houvesse o FGTS, o salário efetivamente percebido pelo trabalhador poderia ser maior e, em vez de ele ser obrigado a manter seu dinheiro no Fundo, poderia utilizar o dinheiro da forma que melhor lhe aprouvesse, inclusive escolhendo uma aplicação financeira mais rentável. Se fosse dada a opção para os trabalhadores, muitos prefeririam receber menos que os 8% pagos pelos empregadores, se pudessem aplicar livremente os recursos.

Destaque-se que a própria ideia de poupança compulsória não se justifica. A melhor pessoa para decidir quanto, como e se vai poupar é o próprio trabalhador. Talvez na época em que o FGTS foi criado, quando havia poucos instrumentos financeiros disponíveis, a ideia de poupança compulsória poderia fazer algum sentido. Atualmente, contudo, o acesso ao sistema financeiro é muito maior, de forma que o indivíduo pode formar a própria poupança, escolhendo a composição de rentabilidade/risco que mais lhe convier. Alternativamente, em caso de queda na renda, pode-se buscar crédito, seja no sistema financeiro formal (embora as taxas de juros sejam muito elevadas, especialmente para quem está desempregado) ou em redes informais, entre amigos.

Há quem argumente que, dado os baixos salários no Brasil, a única poupança possível é a poupança forçada. Há vários problemas com esse argumento. O primeiro é a violação ao direito soberano que o indivíduo deve ter de poupar ou não. O segundo é que, mesmo com baixos salários, é possível poupar. Milhões de brasileiros trabalham por conta própria e em atividades sazonais (como agricultura, turismo, construção civil ou mesmo diaristas), não recebem FGTS, e ainda assim conseguem sobreviver nos períodos de baixa (ou de total ausência de) demanda por trabalho. Um indicativo de que os pobres poupam é que 75% das contas de caderneta de poupança (em torno de 45 milhões de contas) possuem saldo inferior a R$ 1 mil. Certamente, se os trabalhadores dispusessem dos recursos do FGTS, esse saldo seria maior.

Atualmente o Congresso Nacional discute uma revisão da legislação do FGTS. Talvez a melhor forma de se obter ganhos de bem estar para a sociedade e para o trabalhador, em vez de reformar o Fundo, seja simplesmente extingui-lo.

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Sobre o Autor:

Fernando Meneguin

Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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21 Comentários Comentar

  • Fernando, está de Parabéns pelo artigo!

  • Gostei do artigo, porque fala de assunto que me toca diretamente. Claro que me sinto lesado com essa política do FGTS. Mas existem outros lesados: os próprios empresários que não conseguem usar recursos públicos subsidiados.Veja que, antes do FGTS, o empresário só teria que arcar com o custo da indenização, após dez anos e mesmo assim apenas para um certo número de empregados – os problemáticos. Logo, os empresários tiveram que arcar com ônus não apenas para os problemáticos, mas para todos os seus empregados. Certamente, os empresários perderam.

    Além disso, acho que o Brasil todo ainda tem que registrar uma queixa , na esfera do FGTS: a ineficiência que engendra ao garantir retorno à empresários que certamente não o obteriam, se tivessem que recorrer ao mercado.

    Tudo isso indica que o sistema tem que ser alterado. Eu simplesmente o eliminaria, incorporando-se ao salário do trabalhador o valor correspondente, estabelecendo-se o 14 salário. Outra possibilidade, seria o uso dos recursos do FGTS pelo sistema previdenciario, de forma que o celetista pudesse ter uma aposentadoria equivalente ao seu salário – contribuiria para tal, sem a imposição do teto que so atendeu aos empresários. Claro, o trabalhador poderia tratar da sua previdencia. O problema é que os Bancos sistematicamente nos roubam e assim prefiro , para minha aposentadoria, contar com a imposição legal, traduzidas por regras previdenciarias públicas. Evidentemente, a contabilidade justa da previdência teria que remunerar o “fundo previdenciário”pela taxa de juros da dívida pública interna – naturalmente o deficit previdenciario dos celetistas que, hoje. alguns economistas apressados em sua aritmética social primitiva propalam iria pro buraco inventado.

  • Excelente artigo. O fim do FGTS já seria um grande passo para aumentar a competitividade da mão-de-obra, aumentando o bem estar do trabalhor.
    Dificil é um governo de esquerda fazer isso, tanto PT como PSDB.

  • Perfeito.
    Nada a acrescentar.

  • Excepcional esse artigo! Impressionante como vendem o FGTS como um direito do trabalhador e, na verdade, é um recurso que o governo usa para fins eleitorais.
    Vocês podiam escrever também um texto sobre o fim da contribuição obrigatória para os sindicatos. O que vemos é uma montanha de dinheiro sendo arrecadada e os dirigentes sindicais usando esse montante para benefício próprio ou para ajudar os partidos ditos de esquerda, como o PT!

  • […] O FGTS traz benefícios para o trabalhador? – Artigo sobre a remuneração do FGTS. Se TR + 6,17% a.a. (Poupança) historicamente não é grande coisa, imagine TR + 3% a.a. (FGTS). […]

  • Olá Fernando, A sua matéria vem de encontro a um questionamento que eu venho fazendo comigo mesmo, ou seja, me perguntando como um recurso desse importante, e de valor significativo para a sociedade seja tão menosprezado pelo poder público a ponto de não corrigir a própria inflação. De certo que um FGTS que passe allguns anos sem depósito um dia irá zerar. Enquanto isso, o Governo paga aos banqueiros e mega investidores algo em torno de 10% a.a. de taxa selic. O Governo se apropriou dos nossos recursos,com reuneração pífia. Isso incentiva que funcionários voláteis pessam demissão pensando na indenização que receberá do FGTS, e além disso o desestímulo dos trabalhadores em manter esse fundo por muito tempo, e quando vão comprar suas casas não conseguem pagar integralmente a casa, pois este fica bem avaliado, enquanto o saldo do FGTS está bem reduzido. Alem disso o trabalhador vê embutido no contrato pela CEF de juros, seguro e tarifas de toda ordem, encarecendo o custo que imaginávamos que era pequeno. E assim passa o resto de seus anos pagando, renegociando e renegociando…à divida da casa própria.
    Acho que temos que lutar não é para repassar ao trabalhador, mas exigir que, como o Governo Federal paga bem seus mega credores poderia perfeitamente remunerar o FGTS, assumindo esse custo.
    George Leyte

    • George, há uma comissão debatendo no Congresso Nacional exatamente essa questão que você menciona: a de como remunerar melhor as contas vinculadas do trabalhador. De forma geral, o governo é contra porque isso encareceria os recursos do FGTS que financiam a habitação popular, o saneamento básico e a infraestrutura. Vamos ver como vai ficar.
      Abraço.

  • Excelente.
    Mais um esqueleto que será de díficil solução, pois o retorno político é maior que o benefício econômico para a sociedade, termo abstrato e de díficil enquadramento prático.
    Brados
    Martins

  • Aurélio, o problema é de difícil solução, mas não é impossível. Sabemos que o Fundo possui patrimônio líquido. Isso significa que existe uma gordura no FGTS, de forma que poderia haver uma maior rentabilidade para o trabalhador. Por exemplo, em vez de TR+3%, talvez TR+6% (igual à poupança).

  • Gostei bastante do artigo. Por conta dessa pesada oneração da folha é que optei por constituir uma pessoa jurídica e não ser mais empregado. Meu salário é muito maior desse jeito. Em vez de pagarem um monte de contribuições para o governo, pagam para mim e eu contribuo por fora para o INSS. Estou saindo no lucro.

  • Olá, Fernando

    Excelente artigo, na verdade, esse é o melhor texto que já li sobre o FGTS, claro e sem paixão esquerdista. Penso que alguns, como mostrado no artigo, acham que o FGTS é um beneficio para o trabalhador, mas, na prática, vejo que isso apenas gera desperdício na economia encarecendo o custo de quem não trabalha bem gerando prejuízos aos bons trabalhadores. Ademais, o custo do FGTS e do encargo adicional na multa de rescisão, parcela do trabalhador e adicional para “recomposição” do fundo, geraram grandes complicações para a empresa, principalmente, quando precisa demitir em época de dificuldades econômicas.

    Como empreendedor e conhecedor dos sistemas de contratação brasileiro e americano, posso dizer que o brasileiro dificulta a contratação e reduz a renda real do empregado. O sistema americano, mais simples e barato, gera facilidades na contratação e aumenta o dinheiro no bolso do trabalhador. Os trabalhadores mais responsáveis e melhores serão os grandes benefiados em modelo mais barato de contratação.

    A realidade é que um funcionário custa, no Brasil, muito mais do que o salario que ganha e tenho certeza que os empregadores preferiram pagar essa diferença – FGTS, multas e outros encargos – como melhor remuneração e não no atual sistema de altos encargos trabalhistas.

    Um forte abraço
    Alfredo Américo

  • Belo artigo. Estou pensando em adquirir um terreno e depois contratar a construção de uma casa pré-fabricada, acho melhor do que me endividar com financiamento habitacional a longo prazo. A rentabilidade menor que a da poupança e a oneração da folha de pagamento dos empregadores também vai ao encontro da idéia de que é melhor extinguir o FGTS, além do fato de que, na prática, o financiamento do saneamento básico e da infraestrutura também não serviriam de desculpa para mantê-lo, visto que as políticas públicas nesses campos também não se mostram satisfatórias para a maioria da população.

  • acho bom para o trabalhador pois tras bons beneficios

  • Fernando,

    Muito bom esse texto! Está de parabéns! Para mim o FGTS é uma apropriação indevida do dinheiro do trabalhador!

  • Concordo com o Kleber Rebouças: “o FGTS é uma apropriação indevida do dinheiro do trabalhador!”
    Ou seja… ROUBO DESCARADO E DESCABIDO! Estão nos fazendo de trouxas!

  • […] defendemos a existência do FGTS (como já argumentado em outro texto publicado neste site: “O FGTS traz benefícios para o trabalhador?”), uma vez que o salário efetivamente percebido pelo trabalhador poderia ser maior e, em vez de […]

  • […] a existência do FGTS (como já argumentado em outro texto publicado neste site: “O FGTS traz benefícios para o trabalhador?”), uma vez que o salário efetivamente percebido pelo trabalhador poderia ser maior e, […]

  • […] os salários. Um incentivo particularmente pernicioso é o FGTS (já analisado em outro post nesse blog), que encarece a mão de obra, estimula sua rotatividade e reduz os incentivos para aumento de […]

  • O FGTS criado em 1966, em razão de uma troca, anteriormente o trabalhador adquiria estabilidade após 10 anos de serviços numa mesma empresa. Para compensar a perda da estabilidade criaram o FGTS, remunerando em 6% + correção. Como qualquer benefício do povo que represente “R$” o governo vem mete a mão, a remuneração foi reduzida para 3%.
    O povo tem memória curta, se quebra as regras a todo momento.

  • Como “toda desgraça, é pouco”, na hora de sacar o FGTS, mesmo para quem está aposentado, DIFICULTAM o máximo. Sem contar, que cada agencia da caixa, cria regras próprias….o banquinho vagabundo…..aliás; por que um “governo” tão incompetente insiste em ter empresas??

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