jan
30
2012

Financiamento público ou privado para as campanhas eleitorais?

A interferência do poder econômico nos rumos políticos de um país tem sido uma fonte de constante preocupação da sociedade. Como o custo das campanhas eleitorais pode ser extremamente elevado, para exercer essa influência política seria suficiente financiar a campanha de um candidato capaz de implantar, depois que ocorresse a eleição, uma plataforma de interesse do grupo financiador. Para esse último, o desembolso poderia gerar um ganho muito maior no futuro, ao passo que para o político, um comprometimento velado representaria uma maior chance de ganhar a competição, na medida em que o candidato disporia de mais recursos para investir na campanha.

Assim, é natural que aflorem preocupações com o financiamento privado das campanhas eleitorais. Questiona-se, ciclicamente, se a proibição da participação do setor privado no processo eleitoral seria uma forma eficiente de eliminar o efeito nocivo do lobby pré-eleitoral, considerado como qualquer atividade prévia às eleições por parte de indivíduos ou de grupos de interesse privado que influenciam as ações dos políticos após as eleições. Além disso, também se discutem quais seriam as fontes alternativas de financiamento das campanhas eleitorais caso a contribuição privada fosse vedada.

As mudanças na legislação brasileira relativas ao assunto, principalmente a partir da década de 70, demonstram essa inquietação. Em 1971, uma nova lei orgânica dos partidos políticos foi promulgada (Lei nº 5.682). Entre outros aspectos, regulamentou-se o chamado fundo de assistência financeira dos partidos políticos, composto das multas e penalidades aplicadas a partir da legislação eleitoral, dos recursos financeiros que lhe fossem destinados também por lei, e de doações particulares. Do montante acumulado no fundo, 80% era distribuído com base na proporção dos partidos na Câmara dos Deputados e os outros 20%, repartido igualmente entre eles. Também importante para a abordagem que se apresenta foi a vedação imposta pela lei aos partidos quanto ao recebimento, direto ou indireto, de contribuição, auxílio ou recurso procedente de empresa privada, de finalidade lucrativa, entidade de classe ou sindical.

No entanto, a história mostrou que essa vedação é ineficiente. Durante a vigência daquela lei, criou-se um incentivo ao financiamento de campanhas via a formação de “caixa dois”, ou seja, recursos recebidos à margem da lei, contabilizados em paralelo e  não divulgada pelos partidos.

Nesse contexto, a permissão do financiamento privado passou a ser considerada a melhor alternativa. A Lei nº 8.713, de 1993, flexibilizou a regra, permitindo a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Em 1995, a lei orgânica dos partidos políticos (Lei nº 9.096) foi alterada de forma que a nova regra mantinha a ideia do fundo de assistência aos partidos, que passou a ser chamado de “Fundo Partidário” e contou com a definição de uma contribuição pública permanente em montante nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. Outras duas importantes alterações introduzidas pela nova lei foram o critério de distribuição dos recursos do fundo, já que 99% do total seriam distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, além da permissão de os partidos receberem diretamente doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos, desde que as declarassem à Justiça Eleitoral.

Na verdade, essa regra nunca chegou a ser aplicada. Havia uma série de normas transitórias, que vigoraram por várias eleições. Próximo de iniciar a vigência do percentual citado, o STF manifestou-se concluindo que o sistema de repartição das receitas do fundo era inconstitucional, por beneficiar os maiores partidos e, com isso, conduzir à cristalização do status quo partidário.

A Lei 11.459, de 2007, promulgada como decorrência da decisão do STF, fixou os percentuais em 5% (distribuídos igualmente entre todos os partidos) e 95% (distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados).

Apesar das mudanças empreendidas, novamente a regra estabelecida parece não ter surtido o efeito esperado. Do ponto de vista da contabilidade oficial de campanha, são marcantes as diferenças de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos.

Assim, infere-se que a legislação em vigor sobre o financiamento da disputa eleitoral pode ter tido um efeito distinto daquele que se pretendia. Além de não se ter certeza dos valores declarados pelos candidatos, em vista da possibilidade de desvio dos montantes recebidos ou da necessidade de esconder a identidade do doador para não evidenciar futuros favorecimentos, a competição pode ter se tornado extremamente desigual, gerando um efeito não competitivo. De fato, os partidos com maior financiamento privado teriam melhores chances de conquistar mais lugares no Congresso, tornando-se, por consequência, mais atraentes ao financiador privado, que, por sua vez, novamente os financiaria, garantindo a manutenção do status quo da divisão política.

Em resposta a esses acontecimentos e diversos outros ligados à corrupção nos meios políticos, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal vêm novamente se movimentado no sentido de alterar a legislação atual. Os objetivos principais seriam evitar a ingerência do poder econômico nas decisões políticas exercida por meio do mecanismo de financiamento privado de campanhas e, por consequência, a desigualdade de condições nas competições eleitorais.

Muito se discute quanto às vantagens e desvantagens de se vedar a participação do setor privado nas campanhas eleitorais. Ao se proibir o financiamento privado, poder-se-ia equalizar as condições de disputa entre os diversos partidos, diminuir a intervenção do poder econômico nos rumos das políticas adotadas pelo governo e, até como uma consequência deste último, ampliar os benefícios das políticas públicas à maioria da população.

Por outro lado, há alguns parlamentares que consideram injusta a forma de distribuição dos recursos do fundo partidário, além de entenderem improvável o impedimento por completo da interferência privada, pois acham que seria inevitável, por exemplo, que a mídia promovesse algum partido ou candidato. A partir dessa premissa, portanto, para esses políticos o aumento da dotação orçamentária para o fundo partidário oneraria ainda mais os contribuintes.

Nesse ponto, faz-se pertinente uma análise sobre os efeitos da contribuição pública e privada de campanhas eleitorais. As propostas de alteração da lei orgânica dos partidos políticos sugerem um estudo da contribuição pública no que diz respeito a dois aspectos: a consequência do lobby pré-eleitoral sobre as políticas propostas do ponto de vista da melhoria do bem-estar social; e as condições de competição eleitoral para, por meio de uma análise das probabilidades de eleição de cada partido, verificar o efeito da contribuição pública sobre as respectivas proporções partidárias, ou seja, verificar se o status quo será mantido ou se haverá mudanças significativas nas proporções dos partidos.

Portugal e Bugarin (2003) modelaram as diversas possibilidades de financiamento das campanhas eleitorais ressaltando o impacto do sistema adotado no bem-estar social. Estudaram-se os casos do modelo com contribuição exclusivamente pública, com contribuições pública e privada concomitantemente e, por fim, uma situação com contribuição exclusivamente privada.

Em termos de bem-estar social, o modelo que mais beneficia a sociedade é o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Porém, isso só é verdade se não existir de fato o “caixa-dois” das campanhas, o que indica que qualquer mudança legal, por si só, não seria capaz de promover uma melhoria de bem-estar social, sendo necessário implementar e/ou aprimorar procedimentos de controle dos atos eleitorais, gerando custos administrativos e sem garantia de eficácia desse controle.

Quanto ao efeito sobre a igualdade de competição entre os partidos, em um modelo de financiamento exclusivamente público, a contribuição para as campanhas eleitorais pode levar a uma competição eleitoral mais desigual. Esse resultado, apesar das diversas simplificações consideradas, é bastante intuitivo, uma vez que a proibição de financiamento privado limitaria os partidos a apenas os recursos públicos, cuja distribuição já estaria enviesada no sentido dos partidos ou coligações mais representativos. Nesse ponto, cabe ressaltar os possíveis riscos institucionais associados a uma democracia ainda jovem em que um partido torna-se consistentemente preponderante no Legislativo.

Se a mudança legal for baseada na vedação da contribuição privada, bem como na ampliação do valor da contribuição pública, a alteração pode tornar mais desigual a disputa eleitoral, uma vez que a proporção dos partidos na Câmara dos Deputados (critério mais comentado), poderá determinar um processo eleitoral muito menos igualitário do que aquele que se observa sob a égide da legislação atual, em que se têm as campanhas eleitorais financiadas por contribuições privadas e públicas, sendo bem menor o valor correspondente a essa última.

Em síntese, os modelos indicam que o financiamento exclusivamente público de campanhas possibilita que os partidos se comprometam com a adoção de plataformas menos subordinadas a interesses específicos e mais voltadas ao interesse comum, enquanto no caso de contribuições exclusivamente privadas há um viés no sentido de serem adotadas políticas subótimas por meio da influência dos grupos de lobby. No entanto, isso só realmente acontecerá se não houver “caixa dois”. Além disso, o financiamento público está associado ao risco de tornar a disputa eleitoral mais desigual, visto que um elevado valor dessa contribuição pode fazer com que um partido, inicialmente majoritário, torne-se dominante no médio prazo.

Nos EUA, o financiamento de campanhas e seus efeitos sobre a disputa constituem um dos mais candentes temas do debate político. A posição da Suprema Corte, cuja maioria dos juízes tem orientação conversadora, é de que o estabelecimento de limites às doações privadas constitui uma ofensa à Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. Os juízes entendem que doar dinheiro seria uma forma indireta de manifestar o pensamento.

A nosso ver, o sistema totalmente público com distribuição de recursos baseado nos resultados anteriores conduz a uma fossilização do quadro partidário. Há vários aspectos que devem ser considerados. Um deles reside no fato de que as doações de empresas são sobretudo para candidatos, ao passo que o fundo público é distribuído para partidos. O cálculo do doador é feito com base na expectativa do momento quanto às chances de vitória do candidato. Embora se note o comportamento da empresa de doar para ambos os lados de uma disputa, as doações quase sempre são em maior volume para o esperado vencedor. Assim, enquanto a distribuição de recursos do fundo público segue critérios retrospectivos, a dos doadores particulares segue critérios prospectivos. Porém, tendo em vista que as chances de vitória do candidato dependem não apenas dos recursos de propaganda, mas também do capital político acumulado, como, por exemplo, o bom desempenho em mandato anterior, o sistema privado de financiamento pode, em certas circunstâncias, contribuir para tornar ainda mais desigual a disputa: quem larga com maiores chances tende a receber mais recursos privados e consolidar sua vitória.

Dado que nem o financiamento público, nem o financiamento privado resolverão automaticamente os problemas do lobby e  da equidade  da disputa, torna-se fundamental criar e aperfeiçoar mecanismos que incentivem os políticos e financiadores de campanha a não adotarem comportamentos que reduzam o nível de bem-estar da sociedade. Entre esses mecanismos poderíamos citar a agilidade na punição da constituição de caixa dois e demais crimes relacionados ao financiamento eleitoral (perda de mandato e punição criminal de financiados e financiadores) e a ampla transparência e divulgação dos doadores e beneficiários.

Pode-se, também, pensar na adoção de sistemas de votação que requeiram menor mobilização de recursos (por exemplo, sistemas de votação distrital tendem a ser mais baratos que os modelos de votação proporcional; sistemas de lista fechada costumam ser mais baratos que os de lista aberta). Porém a escolha do sistema eleitoral é condicionada por muitos outros elementos além do custo das campanhas, tais como a representatividade e competitividade.

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Para ler mais sobre o tema:

PORTUGAL, Adriana C.; BUGARIN, Maurício. Financiamento público e privado de campanhas eleitorais: efeitos sobre bem-estar social e representação partidária no Legislativo. Revista de Economia Aplicada, 2003.

Sobre o Autor:

Adriana Portugal

Doutora em Economia. Mestre em Economia do Setor Público. Auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Distrito Federal.

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6 Comentários Comentar

  • Muito claro e objetivo o posicionamento da autora, entretanto, alguns pontos são interessantes mencionar:
    — Seria justo a sociedade financiar diretamente campanha política, tendo em vista que, os recursos financeiros são escassos e nunca satisfatórios para atender a educação, saúde e segurança?
    — O financiamento público iria de fato inibir o financiamento privado de cunho clientelista?
    — Como controlar e qual seria o custo desse controle?
    Acredito ser necessário mudanças nas regras do jogo eleitoral para que possamos ter financiamento público, como, por exemplo, lista fechada. Porém, um financiamento privado com valor limitado e bem controlado pela Receita Federal, Ministério Público, TCU e etc, e ainda, com punições rígidas ao financiador infrator, proporcionaria maior bem-estar social.

  • Poderia se pensar em algo próximo da politica fiscal da Receita Federal sobre o imposto de renda, em caso de financiamento publico. Nesse sentido, seria uma distribuição progressiva inversamente proporcional ao tamanho do partido, de forma que um partido que elegesse mais candidatos nas eleições, recebesse menos recursos por candidatos, do que um partido menor (elegesse menos candidatos), de forma que teria valores proporcionais maiores, por candidato, para o partido menor, porem, valores absolutos maiores na soma total dos recursos destinados ao partido que elegesse mais candidatos.

    Na politica fiscal da Receita Federal incide sobre o imposto de renda de forma que a taxação de imposto onera menos quem recebe salários menores, e onera mais quem recebe salários maiores, relacionados a determinadas categorias estabelecidas…

    Acredito que seria uma forma mais justa e equitativa de distribuir os recursos do financiamento publico de forma a combater a cristalização do status quo partidário.

    • E haveria, por um acaso, dedução real no imposto de renda da sociedade, que pagou isto????

  • Não entendo a razão de financiamentos de campanha. Trata-se de uma anomalia consentida apenas pela tradição. A eleição é apenas uma forma de preenchimento de cargos públicos. Que tal se aqueles que se submetem a concursos fossem beneficiados com fundos, e investimentos de patrocinadores? Ademais, se o voto deve ser secreto, e não pode ser comprado, é claro que o dinheiro não pode correr em nenhuma eleição. Como elaborar um pleito desprovido de dinheiro? Simples: hoje temos inúmeros meios de comunicação. E nem se usa mais santinhos, sendo impossível a qualquer candidato visitar pessoalmente cada eleitor. O dinheiro deveria ser banido, proibido em qualquer eleição. Aí sim, teríamos a equiparação tão fundamental em qualquer projeto de democracia.

  • Emerson Barbieri, em seu comentário você disse tudo que eu queria dizer. É um disparate a
    sociedade pagar uma eleição, se não são destinados nem recursos suficientes à educação, saúde e segurança.Geralmente são mais beneficiados com recursos privados aqueles que já têm maior capital político, ou seja, fizeram uma boa gestão anterior. Isto é natural.

  • É MENTIRAAAAAAAA!!!! NÃO SE ILUDAM!!!!!!!!!!!!!!! O financiamento público vai apenas onerar o povo brasileiro e em vez de inibir a corrupção com privados vai é facilitar e muito!!!! PELO AMOR DE DEUS, façam de tudo para essa herança maldita do PT não seja aprovada!!! QUEM APROVA ISSO NÃO SABE O QUE FAZ, está muito iludido!!! É CORRUPÇÃO LEGALIZADA!!!
    Eu sei o q estou falando!!! As justificativas para aprovar um absurdo desses são meias verdades q só quem está fora da política ou ganhará verba pública com isso aprova uma barbaridade dessas!!! Estão enganando vocês!!! É UM ABSURDO OQ O PT ESTÁ FAZENDO, É AFUNDAR ESSE POVO!!! Se aprovarem isso se fará verdade o q o hino rio-grandense diz: POVO QUE NÃO TEM VIRTUDE ACABA POR SER ESCRAVO!!! SERÁ MAIS IMPOSTOS E MENOS SERVIÇOS AO POVO A FIM DE FINANCIAR OS POLÍTICOS CORRUPTOS. OQ VCS ESTÃO FAZENDO????? MEU DEUS!! CALEM-SE QUEM ESTÁ ILUDIDO COM ESSA PROPOSTA, É UM ERRO MTO GRAVE!!!

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