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6
2016

Como usar inteligência artificial para combater a corrupção?

O gasto do governo federal em 2016 será de aproximadamente R$ 3 trilhões. Parte desse dinheiro irá parar nos bolsos de corruptos, como resultado de compras superfaturadas, venda de favores e outros crimes. É impossível fiscalizar centavo por centavo: são centenas de milhares de compras públicas, pagamentos de salários e repasses a ONGs. É possível, porém, automatizar o processo com o uso de inteligência artificial (IA).

O uso de IA faz parte do nosso cotidiano há algum tempo: a humanidade já se habituou a tradutores automáticos (como o Google Translate) e a assistentes virtuais (como Siri e Cortana), por exemplo. Quando seu banco telefona e pergunta se foi você mesmo que comprou aquela passagem para Cancún isso acontece porque um algoritmo de IA disparou o alerta. Médicos rotineiramente submetem imagens de biópsias a aplicativos que dizem se há ali algum tumor maligno. Mais recentemente, a Uber botou em circulação em Pittsburgh, nos Estados Unidos, seus primeiros carros autônomos.

A lógica de funcionamento é a mesma na maioria dos casos: você “alimenta” o algoritmo com casos passados e com isso o algoritmo “aprende” a prever ou classificar casos novos. Considere, por exemplo, a base de dados de um grande banco qualquer. Essa base contém dados sobre cada compra no cartão de crédito de cada cliente: data, horário, local, valor e se a compra foi identificada como fraudulenta (digamos, com base em reclamação do cliente). Quando o banco submete essa base a um algoritmo de IA, o algoritmo identifica os padrões e regularidades mais comumente associados às compras fraudulentas: horário, local, valor e quaisquer outras informações que existam na base. Uma vez alimentado (no jargão da inteligência artificial diz-se “treinado”), o algoritmo pode ser usado para identificar se novas compras são ou não fraudulentas.

Pois essa mesma lógica vem sendo usada no combate à corrupção. O Cadastro de Expulsões da Administração Federal (CEAF), por exemplo, contém dados sobre servidores punidos com perda do cargo. O Observatório da Despesa Pública (ODP) da Controladoria-Geral da União (CGU) usou um algoritmo de inteligência artificial para identificar os padrões mais comumente associados aos servidores expulsos: forma de ingresso no serviço público (concurso ou cargo de confiança), filiação partidária, se é sócio de empresa, etc. Com isso foi possível desenvolver um aplicativo que diz, para cada um dos 1,2 milhão de servidores do Executivo federal, a probabilidade de esse servidor ser corrupto. Naturalmente trata-se apenas de uma probabilidade, não de uma certeza; não chegamos (ainda) ao mundo de Minority Report. Mas a probabilidade é um primeiro passo: no mínimo ajuda a decidir quais investigações priorizar.

Outros órgãos também vêm usando IA no combate à corrupção. A Receita Federal tem usado IA para detectar exportações fictícias e pedidos fraudulentos de compensação tributária – o que, numa análise inicial, pode gerar R$ 16 bilhões de arrecadação em multas e recolhimento de tributos devidos. O Banco do Brasil, por sua vez, tem usado IA para análise de crédito. O Ministério do Planejamento tem usado IA para identificar fraudes na folha de pagamentos do funcionalismo. A lista não se restringe ao Executivo federal: Legislativo e Judiciário, bem como órgãos estaduais e municipais, também têm explorado o potencial de IA.

Ainda há muito por fazer. O concurso público privilegia candidatos capazes de memorizar leis e regimentos internos; apenas acidentalmente selecionam-se candidatos capazes de usar ferramentas de IA. É preciso recrutar melhor e, ao mesmo tempo, capacitar os já recrutados para que possam tirar proveito dessas ferramentas. É preciso, ainda, facilitar a troca de dados entre diferentes órgãos e eliminar retrabalho (hoje diferentes órgãos gastam um tempo enorme limpando e carregando as mesmas bases). Mesmo com esses obstáculos, porém, o potencial de IA é imenso na administração pública.

 

(Para os interessados em saber quem está fazendo o quê onde, um bom começo é assistir as duas edições do Seminário sobre Análise de Dados na Administração Pública, ocorridas em 2015 e 2016 e disponíveis no canal do Tribunal de Contas da União (TCU) no Youtube).

 

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Sobre o Autor:

Thiago Marzagão

Cientista de dados. PhD pela Ohio State University.

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4 Comentários Comentar

  • Machine Learning e Data Mining são áreas de estudo com indivíduos silenciosamente empenhados em ‘minerar’ dados em busca de padrões úteis que estão brincando em sites como o Kaggle.
    Algumas instituições brasileiras e o mundo têm sido contaminados pelo conceito de ‘dados abertos’ como exemplo o site dados.gov.br que disponibiliza dados para pessoas interessadas porém são dados de pouca utilidade no combate a corrupção.
    Fico feliz de saber que o TCU ( que me parece a frente nestes temas ) use desta nova área para buscar padrões de comportamento.
    Um grande avanço seria disponibilizar dados mais abrangentes e hoje protegidos pelo interesse no anonimato (pelas forças da CF ou Corporativas) para o público que tenham este conhecimento procurar por pontos de corrupção ou ineficiências no setor público.
    A questão do anonimato poderia ser resolvida com um tratamento adequado dos dados retirando ou mascarando informações privativas.

  • SOLUÇÃO usar inteligência artificial para combater a corrupção?

    A SOMA DA MATEMÁTICA E REAL AOS VALORES!

  • as punições as corruptos tem que ser mais severas poiso dinheiro desviados da saúde por exemplo, deixa muitas pessoas sem atendimento pelo fato dos recursos serem desviados para partidos corruptos.

  • Belo texto, Thiago! Concordo com você que deveríamos utilizar mais inteligência na administração pública. A seleção de candidatos com experiência técnica seria coerente, ainda que para uma fração das vagas.

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