set
12
2016

Porque Lula-Palocci-Meirelles funcionou e Dilma-Levy-Tombini não?

Inflação anual de 12,53%, taxa de juros SELIC de 25% ao ano, taxa de câmbio de 3,53 reais por cada dólar americano, escassas reservas internacionais de apenas 38 bilhões de dólares, risco-Brasil a 1446 pontos1. Essa era a assustadora situação do Brasil quando Lula assumiu a presidência do país pela primeira vez, em primeiro de janeiro de 2003. Diante da delicada situação econômica, Lula delegou ao Ministro da Fazenda Antonio Palocci (política fiscal) e ao Presidente do Banco Central Henrique Meirelles (política monetária) a difícil missão de reganhar a confiança dos mercados nacionais e internacionais bem como do cidadão brasileiro. A missão foi cumprida a contento. O país terminou o ano com uma inflação anual menor de 9,3%, taxa de juros SELIC de 16,5%, taxa de câmbio a 2,89 por dólar americano, reservas internacionais de quase 50 bilhões de dólares e um risco país bem mais favorável de 463 pontos.

Em 1º de janeiro de 2015, quando Dilma tomou posse em seu segundo mandato de presidente, o país se encontrava em uma situação comparavelmente delicada, ainda que aparentemente melhor. Inflação anual de 6,41%, taxa de juros SELIC de 11,75% ao ano, taxa de câmbio de 2,65 por dólar, reservas internacionais de US$364 bilhões, risco Brasil de 259 pontos acima da taxa básica americana. Tornava-se premente ao governo Dilma recuperar a confiança dos mercados e dos cidadãos. Para tanto, convocou para o Ministério da Fazenda Joaquim Levy, que fora secretário do Tesouro Nacional na administração Lula justamente quando Palocci era Ministro da Fazenda e manteve no Banco Central o presidente Alexandre Tombini. No entanto, desta vez a missão não foi cumprida como se pensava. Ao final do ano, a inflação havia subido para 10,67% juntamente com a taxa de juros SELIC, que estava em 14,25%, o câmbio se desvalorizara, com 1 dólar valendo 3,90 reais, as reservas internacionais haviam baixado para 356 bilhões de dólares, e o risco Brasil subira para 523 pontos. Joaquim Levy pediu demissão de seu cargo de ministro da Fazenda em 21 de dezembro de 2015. Desde então, a situação econômica do país continuou piorando, o que resultou no “impeachment” da ex-presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016.

Para melhor entender porque a nomeação de Levy para o Ministério da Fazenda não gerou os resultados esperados, lançaremos mão da Economia da Informação que, segundo Stiglitz (2000), “No campo da economia, é a mais importante ruptura com o passado, que abre grande áreas para trabalhos futuros”.

A Economia da Informação introduz no modelo econômico clássico, a ideia de que alguns agentes possuem informação que lhes é privada, portanto, não observada pelos demais agentes. Essa informação, no entanto, pode ser muito importante para a situação que se busca analisar. Por exemplo, um proprietário de um carro conhece melhor o estado do motor desse carro que um comprador interessado em negociar o automóvel (Akerlof, 1970). Um trabalhador tem melhor informação sobre sua própria competência para um ofício do que a empresa que está considerando contratá-lo (Spence, 1973). Um motorista tem melhor informação sobre sua capacidade de conduzir um carro do que uma empresa que deseja lhe vender um seguro (Stiglitz, 1976)2.

Em todos esses casos, a assimetria de informação pode causar resultados econômicos muito indesejados. Por exemplo, o comprador de carro, por não conhecer sua verdadeira qualidade, pode querer pagar somente um preço baixo por ele, fazendo com que aqueles proprietários que sabem que seus carros são de qualidade, prefiram não os vender. Uma empresa, não conhecendo a qualidade dos candidatos ao emprego, pode decidir oferecer salários muito baixos, fazendo com que os melhores candidatos não aceitem trabalhar para ela.

De forma a evitar essas situações de equilíbrios ruins, o agente que detém a informação pode achar melhor convencer o outro de suas qualidades, de forma a garantir um equilíbrio mais favorável, como por exemplo, a venda do carro por um bom preço ou a contratação de um empregado por um melhor salário. Esse “convencimento” é feito por meio da sinalização. A sinalização, portanto, é um mecanismo de transmissão de informação para convencer um agente desinformado de que ele deve tomar uma decisão melhor para o agente informado. No entanto, esse mecanismo tem que ser crível, para que o agente desinformado aceite mudar sua atitude. Por exemplo, não basta o proprietário de um carro usado de boa qualidade dizer “Esse carro é muito bom!” para convencer o comprador. Mas pode oferecer um seguro ao comprador, de forma que se o carro estragar no período de um ano ele cobrirá todos os custos do reparo. Essa estratégia é crível porque o proprietário de um carro de má qualidade não ofereceria um tal seguro, pois sabe que as chances de ter que realmente pagar pelo conserto do carro são muito elevadas. Analogamente, um agente pode decidir se educar muito, com pós-graduação em universidades muito boas e exigentes, para sinalizar que ele é muito produtivo e, assim, ser contratado por um salário mais alto.

Conforme fica claro nos exemplos, para que a sinalização seja crível, ela deve envolver um custo para o agente que sinaliza, mesmo que seja um custo probabilístico. Por exemplo, se acontecer qualquer problema com o motor do carro, o proprietário que ofereceu o seguro terá que cobrir seus custos de reparo. Analogamente, o agente que estuda muito, deverá pagar os custos financeiros e pessoais (tempo dedicado ao estudo, estresse com provas, etc.) desse estudo.

Na política não é diferente e Lula teve que arcar com alto custo para sinalizar. De fato, Lula delegou integralmente a política fiscal a Palocci e a monetária a Meirelles, que adotaram políticas ortodoxas de contenção de gastos e elevação de juros. Em consequência, Lula foi muito criticados pela ala mais radical do PT, que considerou a política de direita e lhe fazia forte oposição. Em 14 de dezembro de 2003, o diretório nacional do Partido dos Trabalhadores decidiu expulsar do partido a senadora Heloisa Helena (acusada de votar 19 vezes contra os interesses do partido naquele ano) e os deputados federais Luciana Genro, João “Babá” Batista Araújo e João Fontes (Vann, 2003). Lula assumiu esse custo e conseguiu sinalizar seriedade à sociedade, que respondeu com um longo ciclo de estabilidade e crescimento, que durou até a crise financeira internacional de 2008 (Bugarin & Carvalho, 2006).

No caso de Dilma, houve também muita reação do PT à nomeação de Levy, que fora presidente do Bradesco Asset Management e era considerado de direita para grande número de esquerdistas, que chegaram a invadir o Ministério da Fazenda em setembro de 2015 (Estadão, 2015). No entanto, seu discurso de controle do gasto público não foi suficiente para reverter a desconfiança no governo Dilma.

A questão que se coloca é, então: Porque Dilma não conseguiu sinalizar? Neste curto texto tenho espaço para apresentar apenas duas explicações simples, mas, espero, contundentes.

Em primeiro lugar, Lula deu total autonomia à sua equipe econômica, que se mostrou coesa: “Meu nível de conservantismo é igual ao de Palocci”, teria dito Meirelles à imprensa no dia 25 de dezembro de 2002 (Vann, 2002).  Já Dilma fez questão de anunciar sua equipe econômica conjuntamente, incluindo Joaquim Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e Alexandre Tombini no Banco Central. Como Barbosa havia sido secretário-executivo do Ministério da Fazenda de 2011 a 2013, estava claramente associado à política heterodoxa do Ministro Mantega, que estava sendo substituído. Ademais, a manutenção do presidente do Banco Central, que não havia controlado a inflação no país, enviava uma sinalização confusa aos mercados. Parecia que a presidente Dilma buscava, por um lado, uma política fiscal ortodoxa ao nomear Levy, mas também parecia que manteria fora de controle os gastos, com Barbosa no Planejamento, e a inflação, com Tombini no BACEN. Tornava-se, pois, desde o anúncio da equipe, praticamente impossível sinalizar uma mudança de rumo com apenas 1/3 da equipe verdadeiramente renovada.

Em segundo lugar, e esse é o argumento mais simples e contundente, ao assumir seu primeiro mandato, a capacidade de Lula como condutor-mor da nação não era conhecida. Portanto, havia espaço para que ele sinalizasse aos mercados sua seriedade quanto às políticas fiscais e monetárias. Já no caso de Dilma, em 2015 ela inaugurava seu segundo mandato, de forma que todos já a conheciam. Portanto, em janeiro de 2015 não havia informação privada que a presidente Dilma pudesse sinalizar aos mercados, pois todos já haviam assistido à condução da economia em seu primeiro mandato. Destarte, não havia como aplicar o mecanismo de sinalização nesse contexto e, naturalmente, a nova equipe econômica não conseguiu reverter as expectativas negativas do mercado, resultando, infelizmente, na pior recessão que o país já viveu desde a grande depressão dos anos 1930.

 

Referências:

Akerlof, G. (1970). The Market for “Lemons”: Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics 84(3): 488-500.

Bugarin, M.; Carvalho, F. (2006). Heterogeneity of Central Bankers and Inflationary Pressure. InsperWorkingPaper 075/2006. Acessível em: https://core.ac.uk/download/pdf/6228749.pdf

Estadão (2015). PT defende Dilma, mas critica Levy em SP. 26/9/2015. Acessível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,-pt-defende-dilma–mas-critica-levy-em-sp,1769619

Spence, M. (1973). Job Market Signaling. The Quarterly Journal of Economics 87(3): 355-374.

Stiglitz, J. (1976). Equilibrium in Competitive Insurance Markets: An Essay on the Economics of Imperfect Information.

Stiglitz, J.  (2000). The Contributions of the Economics of Information to Twentieth Century Economics, The Quarterly Journal of Economics 115(4): 1441-1478.

Vann, B. (2002). Brasil: as nomeações de Lula apontam para mais rigorosa austeridade. World Socialist Web, 31/12/2002. Acessível em: https://www.wsws.org/pt/2002/dec2002/por1-d31.shtml

Vann, B. (2003). O Partido dos Trabalhadores (PT) expulsa legisladores de ‘esquerda’. World Socialist Web, 18/12/2003. Acessível em: https://www.wsws.org/pt/2003/dec2003/port-d18.shtml

 

Notas:

1. Condicionantes externos: é importante ressaltar que não se pode negar os elementos externos que contribuíram para o mal desempenho da economia brasileira nos anos recentes, como, por exemplo, a redução dos preços das commodities nos mercados mundiais. No entanto, este artigo foca os elementos internos e o fundamental processo de construção e manutenção da confiança da sociedade em seu governante, que pode, inclusive, atenuar os efeitos nefastos da conjuntura internacional, desde que acoplados a políticas públicas adequadas para lidar com essa conjuntura negativa.

2. Embi+Risco Brasil: o EMBI+Risco Brasil é um índice baseado nos bônus (títulos de dívida) emitidos pelo Brasil no mercado internacional. Mostra os retornos financeiros obtidos a cada dia por uma carteira selecionada de títulos do país. A unidade de medida é o ponto-base. Dez pontos-base equivalem a um décimo de 1%. Os pontos mostram a diferença entre a taxa de retorno dos títulos de países emergentes e a oferecida por títulos emitidos pelo Tesouro americano. Essa diferença é o spread, ou o spread soberano. Portanto, um Risco-Brasil de 1446 pontos significa um retorno adicional de 14,46% dos títulos brasileiros em comparação com os americanos, na média, o que significa que sai muito mais caro para o Brasil colocar seus títulos no mercado internacional do que para os Estados Unidos. Quanto mais baixo o número de pontos-base, menor a diferença no custo do financiamento da dívida do país em relação aos EUA. (Texto adaptado do IPEADATA, www.ipeadata.gov.br).

 

____________

1Fontes: Taxa de juros SELIC (meta) e taxa de câmbio no último dia do ano (31/12): Banco Central do Brasil. Taxa de inflação, reservas internacionais e Risco Brasil: IPEADATA.

2Akerlof, Spence e Stiglitz dividiram o Prêmio Nobel de Economia em 2001, justamente por suas análises de mercados com informação assimétrica.

 

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Sobre o Autor:

Maurício S. Bugarin

PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Diretor do Centro de Investigação em Economia e Finanças, CIEF/UnB.

2 Comentários Comentar

  • Parabéns pela matéria, pois foi postada de modo claro e objetivo. Sou estudante de Economia pela Unesa (rj) e tenho certeza que as postagens supracitadas nesse site ajudará o profissional num olhar crítico a respeito da nossa economia.

  • Nada como o “poder” da retrospectiva para explicar porque as coisas aconteceram de determinada maneira no passado.

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