abr
15
2015

O que é rotatividade (e por que é um problema)?

1. Introdução

Muitos economistas têm apontado a produtividade como o principal problema da economia do país (discutida anteriormente no blog aqui e aqui). O crescimento da renda do trabalho nos últimos anos não foi acompanhado pelo crescimento da produtividade. A elevação dos chamados “custos unitários do trabalho” (salário e encargos) sem o correspondente aumento da produtividade (quantidade de bens e serviços produzidos por hora de trabalho) torna a economia brasileira menos competitiva perante outras economias emergentes – entre outras consequências. A rotatividade da economia brasileira é considerada um problema, entre outras razões, por não permitir ganhos de produtividade.

Em 2015, a rotatividade no mercado de trabalho ganhou espaço no debate político com a edição da Medida Provisória nº 665, que alterou as regras do seguro-desemprego e do abono salarial (discussão introduzida aqui). Por rotatividade, entende-se o desligamento do trabalhador de um posto de trabalho seguido pela realocação em outro posto. Parte da rotatividade é saudável e faz parte do matching do mercado de trabalho (busca pelo trabalhador da ocupação mais adequada, dadas as suas qualificações; e busca pela empresa do funcionário mais adequado) .

Entretanto, a rotatividade em nada ajuda quando é visada pelo trabalhador a fim de auferir recursos como o seguro-desemprego, o FGTS, o aviso prévio, entre outros; frequentemente em conluio com o empregador e com um emprego no mercado informal. Em 2013, segundo o Dieese, a taxa de rotatividade líquida no mercado de trabalho brasileiro foi de 43% (valor mínimo entre o total de admissões e de desligamentos, excluídos os casos de falecimento, aposentadoria, transferência e desligamento a pedido do trabalhador).  A taxa é cronicamente alta no Brasil: o tempo médio de permanência no emprego no país (5 anos) é menos da metade do que o de países como Alemanha, França e Itália (quase 12 anos) 1.

A alta taxa de rotatividade explicaria o aumento do número de beneficiários do seguro-desemprego justamente quando há mais vagas, o que permite a troca de postos.  De acordo com essa ótica, o redesenho de políticas públicas como o seguro-desemprego ou o FGTS pode estimular vínculos de trabalho mais duradouros, como é possível que ocorra com a extensão do prazo mínimo de trabalho para a primeira solicitação do seguro-desemprego (trazida pela MP nº 665/2014)2.

A constante troca de postos desestimula empregados e empregadores a investir nas relações de trabalho, principalmente em qualificação. Esse seria um dos fatores que explicariam a baixa produtividade da economia do país.

 

2. Discriminando a rotatividade: por tempo de serviço, setor da economia, faixa etária, sexo e grau de instrução.

Rotatividade por tempo de serviço

A identificação da rotatividade por tempo de serviço é importante para entender as causas dos altos gastos com seguro-desemprego e as consequências das alterações trazidas pela MP 665/2014.

O Gráfico 1 apresenta a distribuição dos desligamentos por tempo de serviço, entre 2002 e 2013. Ao longo de todo o período, a maior parte dos desligamentos se dá no início dos vínculos.

Gráfico 1 – Distribuição dos desligamentos por tempo de serviço – 2002-2013

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Fonte: Dieese (2014), com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do MTE.

 

Um indicador sofisticado, no mesmo sentido, é apresentado no Gráfico 2, que relaciona a probabilidade de desligamento com o tempo de serviço em pequenas empresas3.

Gráfico 2 – Probabilidade de desligamento (eixo vertical) e tempo de serviço em meses (eixo horizontal)

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Fonte: Gonzaga e Pinto (2014)4.

 

Observa-se que nas pequenas empresas a probabilidade de desligamento tem um pico aos três meses de serviço (período do contrato de experiência) e tem logo depois queda, com exceção de um pico ao redor de 6 meses, exatamente a carência para o seguro-desemprego antes da MP 665/2014.

Rotatividade por setores da economia

Os setores com maior rotatividade são o de construção civil, pela contratação por empreitada, e o agropecuário, pela sazonalidade na colheita e plantio. O setor de comércio e serviços também possui alta rotatividade, explicada, parcialmente, também pela sazonalidade da atividade (ex: festas de fim de ano).

Rotatividade por faixa etária

A rotatividade é maior entre os jovens. Segundo o Dieese (2014), quase metade (48,5%) dos desligamentos em 2013 se deram entre trabalhadores com menos de 29 anos, apesar de eles corresponderem a apenas 36% dos vínculos.

Entretanto, estudo de 2013 publicado pelo Ipea, observando o mesmo fato, constatou também que  os jovens são maioria nas contratações, conforme o Gráfico 3. No período analisado, 93% dos “jovens” empregados tinham sido contratados naquele ano, o que aconteceu em apenas 43% no caso dos “adultos”. O Gráfico apresenta no eixo vertical a taxa de admissão (contratação) e no eixo horizontal a taxa de desligamento (separação).

Gráfico 3 – Taxa de admissão e desligamentos para jovens e adultos – (1996-2010)

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Fonte: Courseil  et. al (2014)5, com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) do MTE.

 

Tal fato poderia sugerir que os jovens não têm dificuldade de serem contratados, argumento que, se aceito, vai contra a crítica de que as medidas da MP no 665/2014 colocarão os trabalhadores em vulnerabilidade. Os autores observam, ainda, que os jovens são contratados em setores de maior rotatividade, como a construção civil, comércio e serviços.

 

3. Propostas de combate à rotatividade

Apresentamos algumas propostas normalmente levantadas no debate.

3.1. Medidas focadas no comportamento do trabalhador: redesenho do FGTS e do seguro-desemprego

A visão dominante dos especialistas é que é premente redesenhar o FGTS e o seguro-desemprego.

3.1.1. FGTS

Gonzaga (2003)6 avalia que o FGTS cria dois incentivos perversos: a remuneração do saldo do Fundo abaixo dos juros de mercado e o fato de a multa sobre o valor do Fundo ser paga diretamente ao trabalhador. Ambos os incentivos dariam ensejo ao desligamento do trabalhador. O saque do FGTS estaria associado à maioria dos desligamentos no Brasil (que também atinge o mesmo público do seguro-desemprego).

  • Em relação ao primeiro “incentivo perverso”, Gonzaga (2003) sugere a elevação, proporcional, da remuneração dos recursos do FGTS, de acordo com o tempo de serviço (duração do vínculo), estimulando o trabalhador a pertencer mais tempo no posto de trabalho.
  • Em relação ao segundo “incentivo perverso”, Gonzaga propõe que a multa sobre o saldo do FGTS ainda seja paga pelo empregador, desincentivando o desligamento imotivado pelo empregador, mas que não vá integralmente para o trabalhador, desincentivando o desligamento pelo empregado. Tal valor poderia ir para o governo, ou ser destinado tanto ao governo quanto ao trabalhador, com proporções diferentes de acordo com o tempo de serviço, estimulando o trabalhador a permanecer no vínculo: quanto maior o vínculo, maior seria a parcela da multa que ele receberia.
  • Outra sugestão discutida por especialistas é, tal qual ocorre com o seguro-desemprego, a limitação do acesso aos recursos do FGTS, impedindo que ele seja sacado em cada desligamento. O limite poderia se dar para um um intervalo de tempo ou de acordo com o número de desligamentos.
  • Uma sugestão já apresentada neste blog, politicamente mais difícil, seria a extinção do FGTS (fim do pagamento pelos empregadores e acesso irrestrito aos recursos pelos trabalhadores). Tal extinção deveria ser gradual, já que os recursos do Fundo estão comprometidos com programas do governo. Além de retirar o incentivo à rotatividade, tal medida (ao acabar com a obrigação do pagamento de 8% mensal do salário pelo empregador) tornaria menores os custos unitários do trabalho, permitindo redução do desemprego e informalidade, elevação dos salários dos trabalhadores, e incremento da competitividade do país. O seguro-desemprego permaneceria existindo, podendo ser fortalecido, para garantir a renda do trabalhador desempregado.

3.1.2. Seguro-Desemprego

  • Obrigatoriedade de orientação e acompanhamento do desempregado por agências de emprego, que teria como consequência o pagamento dos benefícios aos trabalhadores que realmente necessitam deles. Atualmente, a Lei nº 7.998, de 1990, que rege o seguro-desemprego, traz apenas a previsão de que o seguro-desemprego “poderá” ser integrado com ações de emprego, ao contrário do que ocorre em outros países, onde o acompanhamento é obrigatório.
  • A contrapartida do desempregado em buscar emprego, qualificar-se ou comparecer a entrevistas. Como no item anterior, ações de qualificação não são atualmente obrigatórias para o beneficiário e a recusa dele em participar de tais ações não impede a manutenção do benefício. Usada em outros países, tal previsão inviabilizaria as pretensões daqueles que buscam o seguro-desemprego apenas como fonte de recebimento de recursos em curto prazo, sem terem o ônus e a fragilidade da situação de desemprego.
  • Variação no valor do benefício de acordo com a taxa de desemprego corrente do país ou da região do desempregado (no caso de países com área geográfica maior), sendo maior o valor do beneficio nos períodos de maior desemprego. Tal medida contribuiria para tornar o seguro-desemprego de fato “contracíclico”: atualmente a quantidade de beneficiários e os gastos crescem justamente nos períodos de crescimento da economia (efeito “pró-cíclico”), por conta da rotatividade. Ao reduzir o valor do benefício quando a taxa de desemprego está baixa – e as contratações (admissões) estão em alta -, há um desestímulo para comportamentos oportunistas voltados aos ganhos de curto prazo do desligamento.

Ainda, para Courseil et. al (2014), deve haver estímulos à qualificação, que  gere incentivos para que empregadores e empregados “invistam na relação de trabalho”. O desenho de uma política como essa deveria dividir o custo do treinamento entre empregador e empregado, para que ambos não tenham incentivo a buscar o desligamento.

Já as centrais sindicais são simpáticas à regulamentação do § 4º do art. 239 da Constituição, que prevê “contribuição adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice médio da rotatividade do setor” e o cumprimento da Convenção nº 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do desligamento por iniciativa do empregador. Essa política, entretanto, pode estimular comportamento negligente por parte dos trabalhadores. A situação extrema é justamente o serviço público, onde o custo de demissão se aproxima de infinito. Apesar de a rotatividade ser baixa, há evidências anedóticas de baixa produtividade.

Em que pese a motivação fiscal de sua edição, a MP 665/2014 possibilitou o retorno do debate sobre o problema da rotatividade. Com o reconhecimento do papel que o incremento da produtividade deve ter para que a economia brasileira volte a crescer, espera-se que esse antigo problema do mercado de trabalho brasileiro possa ser melhor compreendido e combatido.

________________

1 Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho brasileiro. Dieese: 2011. Disponível em: http://www.dieese.org.br/livro/2011/livroRotatividade11.pdf

2 Existem outras óticas sobre o problema. Ramos e Carneiro (1997) argumentam, em bases teórica e empírica, que a escolha que leva o trabalhador a se desligar de um posto é racional, buscando sair de um posto de trabalho ruim para um posto de trabalho melhor, e não devido aos recursos que ele pode receber no curto prazo com a troca. No mesmo sentido, Machado e Silva (2010) estimam que a insatisfação no trabalho é um bom preditor da rotatividade futura.

Ver: Ramos e Carneiro (1997): RAMOS, C. A.; CARNEIRO, F. G. Rotatividade e Instituições: Benefícios ao Trabalhador Desligado Incentivam os Afastamentos? Texto para Discussão no 503. Ipea, 1997. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2226/1/td_0503.pdf; MACHADO, D. C.; SILVA, A. R. E. Um indicador de satisfação no trabalho e a mobilidade do mercado de trabalho: um estudo para homens e mulheres. Texto para Discussão no 263. Universidade Federal Fluminense, julho de 2010. Disponível em: http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD263.pdf

Observe-se que essas teses não contradizem a exposta nesse artigo, de que (más) instituições podem contribuir aumentar a rotatividade (ruim). Ou seja, mesmo que o principal motivo para a rotatividade seja a insatisfação com o emprego, isso não elimina a possibilidade de que outros motivos estimulem o trabalhador a trocar de empresa.

3 O Gráfico se refere às pequenas empresas, onde a rotatividade é maior.

4 GONZAGA, G.; PINTO, R. C. Rotatividade do trabalho e incentivos da legislação trabalhista. Texto para Discussão no 625. Departamento de Economia – PUC-Rio, 2014. Disponível em: http://www.econ.puc-rio.br/uploads/adm/trabalhos/files/td625.pdf

5 COURSEIL, C. H.; FOGUEL, M.; GONZAGA, G.; PONTUAL RIBEIRO, E. A rotatividade dos jovens no mercado de trabalho brasileiro. Ipea, 2013. Disponível em: http://ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/mercadodetrabalho/bmt55_nt02_rotatividade.pdf.

6 Ver Gonzaga (2003). GONZAGA, G. Labor turnover and Labor Legislation in Brazil. Economia, v. 4, n. 1. 2003.

 

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Sobre o Autor:

Pedro Fernando Nery

Doutorando e Mestre em Economia (UnB). Consultor Legislativo do Senado da área de Economia do Trabalho, Renda e Previdência.

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4 Comentários Comentar

  • Muito mais simples acabar com essa espoliação do trabalhador chamada de FGTS.

    O seguro-desemprego, este sim, vale a pena ser reformado.

  • Excelente artigo.

  • […] distorção é a grande rotatividade da mão-de-obra (já analisada em outro post nesse blog). Segundo estudo do DIEESE em conjunto com o Ministério do Trabalho e Emprego2, a taxa de […]

  • Prezados,

    A questão é comparativa com base na rede público, cuja percentual de rotatividade é mínima. quais as atribuições a que se pode dedicar este índice, muito embora sabe-se que quanto menor a qualificação maior a insatisfação?

    Um fator interessante nos dias atuais é a auto produtividade, exigência de produção e qualidade que implica em um salário e benefícios mais satisfatórios, mesmos nos níveis hierarquias menos privilegiadas com relação a qualificações e função, há uma certa injustiça porque se define o salário pela qualificação e não pela produção, ora em se tratando de linha de produção, o salário e benefícios deve ser equiparados a característica da produção e não a qualificação. isto é discriminatório e desvalorizante, ficando subentendido que que quer ganhar mais deve se formar, a questão não é ganhar mais e sim o justo, mesmo porque não existe, se não por motivos de força maior pessoal com curso superior exercendo atividades fora de sua área.

    Concordo que o trabalho deve ser satisfatório e não um problema, revoga se direitos da constituídos, porém converte-os em benefícios se peso salarial, e salário adequado a função conforme o peso do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário e Classificação Brasileira de Ocupação (NTEP e CBO) dentre outros estudos como o LTCAT, o PPRA, o PCMSO, ue não são levados em consideração porém atestam o nível de insalubridade do ambiente, Porque? Porque são indicadores de nível de dificuldades da execução do trabalho causadores de estresse e fadiga e desgastes precoces proveniente do próprio ambiente e como o trabalhador está engajado.

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