maio
27
2013

O que distingue o sistema educacional de alto desempenho da Finlândia?

Até recentemente, pouco se ouvia falar da Finlândia nos debates sobre política educacional comparada. O ponto de inflexão, em 2001, foi a divulgação dos primeiros resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA)1, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o objetivo de monitorar o desempenho dos sistemas educacionais dos países participantes, de maneira rigorosa, sistemática e internacionalmente comparável.

Entre 2000 e 2009, data dos últimos dados disponíveis do Pisa, a Finlândia esteve sempre entre os primeiros colocados, nas três áreas avaliadas (leitura, matemática e ciências), alcançando resultados significativamente acima das médias da OCDE. E com uma característica distintiva: no caso finlandês, qualidade anda de mãos dadas com equidade – o país registra a menor diferenciação de resultados entre escolas.

As reformas que levaram ao sucesso educacional finlandês recente foram implementadas ao longo de quatro décadas, a partir dos anos 1960. Paralelamente, durante o mesmo período, a Finlândia experimentou mudanças sociais e econômicas de monta, transformando-se em uma das

sociedades mais avançadas do mundo em termos de bem-estar social, competitividade econômica e inovação tecnológica.

O marco inicial das reformas foi a introdução da escolarização básica de caráter público, universal e compulsório, dos 7 aos 16 anos de idade, sem barreiras de seleção ou concursos de admissão. Essa etapa foi delegada às escolas municipais, às quais se integrou a maioria das escolas privadas até então existentes. Hoje, apenas 3% dos alunos finlandeses de ensino fundamental frequentam escolas privadas, que também são financiadas por recursos públicos e oferecem ensino gratuito.

Peça-chave nesse processo de reforma foi a construção de um novo currículo básico nacional. Outro fator crucial foi o reconhecimento de que, para lograr um sistema educacional que atendesse bem a todos os alunos – independentemente de aptidões específicas, status socioeconômico ou origem familiar –, seria imprescindível contar com um corpo docente altamente qualificado.

De fato, a qualificação docente é considerada pedra angular do sistema educacional finlandês. A partir dos anos 1970, a formação docente passou a ser feita pelas universidades, em nível de mestrado, com ênfase na prática didática. Os aspirantes aos cursos de formação de professores são submetidos a rigorosos exames de admissão, em que são aprovados os estudantes mais destacados no ensino médio.

O salário docente é importante, mas os professores finlandeses não são a categoria profissional mais bem remunerada naquele país. Mesmo em perspectiva comparada, a média salarial dos docentes na Finlândia situa-se um pouco abaixo da média da OCDE3. Mais do que a remuneração, portanto, as estratégias de recrutamento e formação, bem como o prestígio social do magistério naquele país parecem ser os determinantes da qualidade dos profissionais da educação finlandeses.

Outro aspecto distintivo do sistema finlandês é o alto grau de autonomia e liberdade de atuação dos municípios, diretores de escola e docentes, em termos de currículo, materiais didáticos e organização escolar.

O princípio da equidade também é fundamental e está amparado por uma política abrangente de atenção a alunos com necessidades especiais. Além do atendimento escolar especializado permanente, em classe ou instituição especial, para reduzido número de alunos, um modelo inclusivo de atendimento especializado complementar e temporário, inclusive para dificuldades leves de aprendizagem, é amplamente disseminado. As estimativas são de que cerca de metade dos concluintes do ensino fundamental passa por esse tipo de acompanhamento temporário em algum momento de sua escolarização, o que revela a prevalência de estratégias de prevenção e identificação precoce de necessidades especiais de aprendizagem, voltadas para garantir o sucesso de todos os alunos.

No tocante à avaliação e à padronização do ensino, a Finlândia adota uma perspectiva divergente da agenda hegemônica de reformas educacionais, delineada a partir dos anos 1990. As avaliações padronizadas em larga escala, voltadas para mensurar o rendimento dos alunos finlandeses, são amostrais, espaçadas e destinam-se apenas a fornecer

informações sobre o funcionamento do sistema, sem a produção de rankings entre estabelecimentos de ensino ou a introdução de bônus remuneratórios para os profissionais da educação.

Um dos resultados dessa perspectiva é que os gastos com avaliação educacional na Finlândia são significativamente menores do que em sistemas educacionais que privilegiam esse tipo de medida em suas políticas. Ademais, na visão de muitos educadores finlandeses, a pouca ênfase dada a avaliações padronizadas permite fugir do incentivo perverso de reduzir o ensino à preparação para os testes, permitindo uma abordagem mais ampla e aplicada dos conteúdos curriculares e a salvaguarda das prerrogativas de autonomia e independência profissional do docente.

Além dos avanços na educação básica, a Finlândia hoje é reconhecida como um exemplo de sociedade do conhecimento, baseada em uma economia altamente competitiva e inovadora. Parte desses resultados se deve à centralidade dada às políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação no contexto finlandês, desde o final dos anos 1980. Tal prioridade refletiu-se no direcionamento de vultosos recursos humanos e financeiros para o setor e da instituição de mecanismos efetivos de cooperação entre as instituições de ensino superior e a indústria, a partir de um sistema nacional de inovação pioneiro.

De modo geral, a experiência finlandesa no campo da educação tem raízes históricas, políticas, culturais e sociais próprias, que não podem ser transpostas para outros contextos. No entanto, ao entender o que está por trás de exemplos bem-sucedidos, podemos refletir sobre a nossa própria trajetória de políticas educacionais e sobre os caminhos de reforma que se vislumbram no horizonte.

Nesse sentido, dois aspectos se destacam. Em primeiro lugar, os resultados alcançados pela Finlândia na educação – com reflexos na transformação experimentada por aquele país em direção a uma economia intensiva em conhecimento – foram fruto de reformas de longo prazo, sustentadas e aprofundadas ao longo de pelo menos três décadas. Sua materialização dependeu da construção de amplos consensos pluripartidários e sociais, mobilizando atores políticos diversos no debate e na implementação das decisões.

Em segundo lugar, a Finlândia adotou estratégia divergente do pensamento ortodoxo sobre política educacional, que preconiza uma série de medidas inspiradas por modelos ditos “empresariais” da educação e geralmente inclui: a fixação de prescrições curriculares rígidas e padronizadas, enfocando especialmente habilidades básicas em leitura e matemática; a intensificação do uso de testes padronizados externos; o estímulo à competição entre estabelecimentos de ensino; e a responsabilização direta dos profissionais da educação pelos resultados alcançados pelos alunos.

No caso finlandês, os elementos de accountability estão inseridos em uma abordagem que privilegia a autonomia profissional dos docentes e diretores de escola e a responsabilidade compartilhada pelo sucesso escolar dos alunos.

________________

(Artigo baseado no Texto para Discussão nº 129 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, ”O que é que a Finlândia tem? Notas sobre um sistema educacional de alto desempenho”, disponível no site http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/homeestudoslegislativos.)

1 Programme for International Student Assessment, em inglês.

2 Deve-se lembrar, contudo, que, diante da distribuição de renda bastante igualitária que existe no país, a discrepância entre a remuneração dos professores e as categorias mais bem pagas é relativamente pequena.

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Sobre o Autor:

Tatiana Feitosa de Britto

Consultora Legislativa do Senado Federal na área de Educação. Mestre em Políticas e Gestão Pública pelo Institute of Social Studies (Haia – Holanda).

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7 Comentários Comentar

  • A educação é uma mola que impulsiona economias. Esperamos melhoras.

    • Esperar ou fazer algo a respeito ? Tem filhos ? Comece por eles …

  • Um experimento natural que seria interessante analisar. A Finlândia recebe e envia migrantes.

    Poderia-se estudar o desempenho escolar de imigrantes de segunda ou terceira geração que estudam na Finlândia e o desempenho escolar de emigrantes finlandeses em outros países, como EUA, Estônia e Suécia.

    Se o sistema escolar finlandês é o responsável pelo bom desempenho (e não, digamos, o ambiente ou cultura familiar) esperaríamos que imigrantes, digamos, russos ou suecos, e que estudam na Finlândia, fossem melhor do que seus colegas que não emigraram.

    Por outro lado, esperaríamos que emigrantes finlandeses que estudaram na Suécia, EUA ou Estônia, por exemplo, fossem pior do que aqueles que ficaram na Finlândia.

    Esse estudo seria complicado pelo fato de migrantes não serem muitas vezes comparáveis com os não-migrantes, mas seria o jeito mais rigoroso de atribuir o bom desempenho educacional dos Finlandeses a um determinado sistema educacional e não a outros fatores.

    • Não faz nenhum sentido o seu comentário. É óbvio que o sistema educacional finlandês é de grande excelência, afinal os alunos estão tendo uma educação formal na escola e é essa educação formal que os fazem atingir os resultados que eles atingem. Agora, para que esse excelente sistema educacional viesse a existir foi necessária a existência de um ambiente familiar que se preocupasse com a educação e uma sociedade que demandasse essa escola de qualidade. Não há como separar a escola do resto da sociedade, uma é reflexo direto da outra, pois uma péssima escola gera uma péssima sociedade e vive-versa enquanto que uma boa escola gera uma boa sociedade e vice-versa.

      • O comentário do P faz sim muito sentido, pois todo fato deve ser investigado para se determinar suas causas. Não é prudente pré confirmar causas para explicar um fato como o Paulo está fazendo, pois isso é exatamente o oposto da metodologia científica.

        Veja, os seres humanos existem! Este é um fato irrefutável. Agora, como eles chegaram até aquí deve ser investigado por meio da observação do fato, que gera hipoteses, que se desenvolve teorias (como a Seleção Natural, por exemplo) e essas teorias são comprovadas ou não por meio de experimentos.

        Veja, a Finlândia tem uma das melhores educações do mundo! Esso é um fato visível e irrefutável. Agora, como eles chegaram lá deve ser investigado.

        A investigação proposta pelo P é interessante pois pode determinar o quanto a mentalidade familiar influi no grau de educação de um país.
        No Brasil há um grande clamor por educação, mas esse clamor é sempre traduzido em cobrança ao governo por parte da sociedade por uma educação publica melhor, quando essa mesma sociedade talvez esteja fazendo muito pouco para melhorar esse quadro.
        O Brasil é um dos países que mais tem universidades publicas no mundo, enquanto o Chile, que não tem nenhuma, tem índices de educação muito melhores com mais que o dobro da população entre 25 e 64 anos com diploma superior em comparação com o Brasil. Assim como o Chile, a Coreia do Sul em meados do século XX, era tomada pela miséria e subdesenvolvimento. Depois de algumas décadas o país passou a prosperar muito e hoje tem
        A evolução na educação apresentada por esses dois países, assim como em muitos outros, não foi devido à um investimento estratégico do governo em educação mas sim, pelo investimento e esforço das famílias. Quantas vezes vemos na TV protestos de estudantes chilenos nas praças de Santiago reclamando do sistema de educação local?
        Pois esse mesmo país que até pouco tempo era muitíssimo mais pobre que o Brasil e que até hoje não tem universidades gratuitas e pessoas reclamando da má educação tem 24% de pessoas entre 25 e 64 anos com curso superior. Na Coreia do Sul a porcentagem é de 56% enquanto o Brasil tem 10%.
        Sabemos também que os EUA não tem universidades gratuitas e mesmo assim, se tornou o país com maiores descobertas científicas e tecnológicas do mundo tendo centenas de prêmios Nobels.

        Dado tudo isso, podemos então ver que não adianta muito o governo investir em educação nas escolas enquanto a cultura familiar não valorizar a educação.

      • P e Bruno têm razão. Resumindo o seu comentário Bruno, é aquela velha estória que muitos já observaram: brasileiro tem mania de culpar os outros pelos seus problemas, a culpa é do governo, é da colonização, é do papa etc. Mas estudar que é bom ninguém quer. Brasileiro quer tudo fácil, na base da lei do menor esforço e que, principalmente, não atrapalhe o carnaval, os feriados religiosos etc. Acham lindo presidente analfabeto e jogador de futebol ignorante (no sentido literal da palavra), que conseguiram poder e grana sem ter que estudar. E pensam: se eles podem porque não eu ?

  • Oi, fiquei interessada na referência 3 que faltou colocar no texto, “Mesmo em perspectiva comparada, a média salarial dos docentes na Finlândia situa-se um pouco abaixo da média da OCDE ref 3.”
    Obrigada, Isabela

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