mar
18
2013

Conservar a natureza é estratégia de desenvolvimento?

As economias sustentam-se ou não a depender do adequado manejo dos bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas. No Brasil, a conservação da natureza é fundamento para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida intergeracional, conforme o art. 225 da Constituição da República.

Em termos de pesquisas que balizem a racionalidade necessária ao tema, o estudo intitulado A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (na sigla em inglês, TEEB1) aponta a importância de se incorporarem variáveis ecológicas às políticas públicas, dada a dependência direta de bilhões de pessoas aos recursos naturais, base da segurança alimentar e de praticamente todas as atividades econômicas.O País participa do estudo por meio do projeto TEEB Brasil, ainda em fase de desenvolvimento, sem dados publicados.

O TEEB nasceu da Iniciativa de Potsdam2 para proteção da biodiversidade e analisa valores econômicos dos bens (por exemplo, água) e dos serviços ecossistêmicos (por exemplo, recarga natural de aquíferos e ciclagem de nutrientes) – definidos como externalidades ambientais positivas – com o intuito de incorporá-los ao processo decisório de governos e empresas. Esses bens são, em geral, públicos, sem mercados nem preços estabelecidos, o que dificulta sua regulação, mesmo quando próximos à exaustão.  Já os serviços ambientais são comumente prestados de forma gratuita e, consequentemente, sua perda ou degradação com frequência não é assimilada pelo sistema de incentivos econômicos. De fato, em especial no Brasil – dada sua abundância em recursos naturais – são insuficientes os mecanismos para incentivar indivíduos ou grupos a protegerem ecossistemas.

Destacam-se a seguir exemplos de impactos econômicos dos serviços prestados pela natureza, com dados apresentados no relatório do TEEB direcionado a formuladores de políticas públicas3:

  • Na Costa Rica, a presença de agentes polinizadores que habitam florestas nativas incrementa em 20% as colheitas de café das fazendas localizadas a menos de um quilômetro dessas matas;
  • Um terço das cem maiores cidades do mundo depende da água fornecida a partir de florestas localizadas em áreas protegidas, a um custo significativamente menor em comparação com outras formas de abastecimento. A título de exemplo, em Nova Iorque, o custo de preservação dos mananciais hídricos da bacia de Catskills, que fornece água para a metrópole, é de US$ 1 a 1,5 bilhão, em comparação com os US$ 6 e 8 bilhões necessários para a implantação de um sistema de tratamento da água captada em mananciais não preservados;
  • Áreas protegidas já cobrem cerca de 14% da superfície da Terra e o ecoturismo é uma das áreas mais dinâmicas da indústria de turismo. Nos EUA, essas atividades responderam por aproximadamente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006, totalizando US$ 122 bilhões, de acordo com o Serviço de Pesca e Vida Selvagem.

Os impactos econômicos de medidas conservacionistas podem ser ainda maiores, a depender da realidade socioeconômica da região investigada, já que para populações rurais de baixa renda, por exemplo, tais bens e serviços são essenciais, devido à sua dependência direta desses recursos locais como alimento, abrigo, medicamento e energia. De fato, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 70% das populações que passam fome encontram-se em áreas rurais.

Populações sujeitas à fome foram fortemente atingidas pela alta do preço de alimentos ocorrida em 2008, e aqui cabem ressalvas acerca da valoração econômica de bens oriundos da natureza, no caso da comoditização e da conversão de ativos naturais em derivativos financeiros. Em 1999, o Governo dos EUA desregulamentou o mercado futuro de commodities, o que permitiu aos bancos moldar derivativos agrícolas como um mercado de ações e atuar com uma liberdade de negociação antes restrita aos setores diretamente relacionados à produção agrícola.

Com as crises da década de 2000, esses derivativos eram um porto seguro para grandes investidores. Isso criou uma bolha especulativa e determinou parte considerável do aumento dos insumos agrícolas e de quase 80% no preço mundial de alimentos, de 2005 a2008. A alta explica o ingresso de 250 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar, classificação que alcançou 1 bilhão de pessoas em 2008, de acordo com a FAO4.

Portanto, deve-se avaliar com olhar crítico a valoração econômica da natureza –em especial se servir à comoditização e à criação de derivativos financeiros (como no exemplo dos alimentos) – de maneira a torná-la um instrumento de proteção ambiental e de promoção da dignidade humana, em vez de mera forma de lucro aos mercados.

De todo modo, estudos como o TEEB reforçam a racionalidade na utilização dos recursos naturais. O marco regulatório brasileiro também, ao vincular o conceito de conservação ao uso racional, em vez de uma natureza intocada.

Os princípios ambientais definidos na Constituição – em especial o dever imposto ao Poder Público de preservar os processos ecológicos essenciais, proteger a diversidade genética e definir espaços protegidos – já haviam sido previstos pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, e que no art. 1º definiu como uma de suas finalidades assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico. Esses princípios foram reforçados por meio da Lei nº 9.985, de 15 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC) e trouxe a definição de conservação da natureza no art. 2º, inciso II. Esses dispositivos legais determinam o manejo do uso humano da natureza e sua utilização sustentável com vistas ao desenvolvimento econômico e social.

Um exemplo dessa racionalidade pode ser encontrado no caso das culturas de grãos, que em geral envolvem processos agrícolas modernos, com métodos adaptados aos trópicos, como o plantio direto5. Nos cultivos de soja em cerrados do Piauí, os custos de fertilização e controle de processos erosivos nas terras que utilizaram esse tipo de plantio foram cerca de 6% menores que os custos no plantio convencional, na safra de soja 2007/2008. O manejo racional de um agroecossistema, portanto,resulta em melhoria na estrutura do solo e na produtividade agrícola, em função da melhor ciclagem de nutrientes6.

Um dos maiores desafios econômicos das próximas décadas será atender a demanda por alimentos e, ao mesmo tempo, manter os sistemas naturais de suporte à atividade. Entretanto, no Brasil, a modernidade agrícola mencionada no caso do plantio direto da soja convive com um histórico de ineficiência no campo, incluindo técnicas rudimentares adotadas desde o Século XVI, como as queimadas, que acarretam a literal combustão de nossa diversidade biológica.

Nesse sentido, a expansão da fronteira agrícola tem resultado na instalação de grandes extensões de propriedades dedicadas à pecuária de baixa produtividade, que ocupam 211 milhões de hectares, cerca de 25% das terras brasileiras (e que correspondem a 76% da área ocupada pela agropecuária). A adoção de técnicas mais eficientes propiciaria um aumento médio de produtividade que liberaria em torno de 69 milhões de hectares (hoje dedicados a esse tipo de pecuária) ao estoque de terras agrícolas7. Um dos principais benefícios seria a preservação do repositório de patrimônio genético contido em matas nativas, dado seu incalculável valor potencial diante dos avanços em biotecnologia.

Na Amazônia, a pecuária ocupa cerca de 60% da área desmatada e tem sido considerada um dos principais vetores do desmatamento. Por outro lado, desde pelo menos 2008, ações coordenadas de comando e controle têm conseguido conter e até diminuir os índices de desmate, mesmo com as altas nos preços das commodities agrícolas8.

Se conservar implica uso racional de recursos naturais (e não natureza intocada), esperam-se avanços de eficiência no caso da agropecuária, com destaque para a governança fundiária e a disseminação de tecnologias, em especial por meio de assistência técnica adaptada à agricultura tropical. Dado o potencial de avanço da fronteira agrícola, dessas medidas dependem, de forma considerável, a manutenção dos bens e serviços fornecidos pelo estoque de ecossistemas ainda existentes: cerca de 85% da Amazônia, 51% do Cerrado e 88% do Pantanal, apenas para citar os biomas mais preservados.

Conservar a natureza é estratégia de desenvolvimento, e o Brasil pode consolidar-se como um dos países com maior capacidade biológica do planeta, em áreas que estão na vanguarda do avanço econômico e científico, destacando-se a biotecnologia9 para fins medicinais e alimentares, assim como a produção de energia. Além disso, temos uma das mais fortes capacidades do mundo em ciência da conservação. Em próximo artigo, abordaremos essas questões, com foco na associação entre diversidade biológica e desenvolvimento e nas principais políticas públicas de proteção da natureza brasileira.

(Este texto tem por base o trabalho “Serviços e Bens Fornecidos pelos Ecossistemas: Conservação da Natureza como Estratégia de Desenvolvimento”.  O estudo integral consta do Texto para Discussão nº 120 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm)

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1The Economics of Ecosystems and Biodiversity, versão em português do relatório preliminar disponível em http://www.teebtest.org/wp-content/uploads/Study%20and%20Reports/Additional%20Reports/Interim%20report/
TEEB%20Interim%20Report_Portuguese.pdf
(acesso em 6/11/12).

2 A iniciativa resultou da reunião entre ministros do meio ambiente de países do G8, ocorrida em Potsdam, na Alemanha, em março de 2007. Foram estabelecidas metas, destacando-se avaliações sobre o impacto econômico da perda da diversidade biológica e sobre padrões de produção e consumo. Essas avaliações fundamentam o TEEB.

3Disponível em http://www.teebtest.org/teeb-study-and-reports/main-reports/local-and-regional-policy-makers/ (acesso em 6/11/12).

4Cultivo conservacionista em que se busca manter o solo sempre por plantas em desenvolvimento e por resíduos vegetais, com a finalidade de protegê-lo da erosão, de potencializar a ciclagem de nutrientes e de aumentar sua capacidade de retenção de água.

5Dantas, K. P. e Monteiro, M. S. L. (2010). Valoração econômica dos efeitos internos da erosão: Impactos da Produção de Soja no Cerrado Piauiense. Revista de Economia e Sociologia Rural, Vol. 48, nº 4, pp. 619-633. Piracicaba/ SP.

6Sparovek, G., Barreto, A., Klug, I. ePapp, L. (2010). A Revisão do Código Florestal Brasileiro, Novos Estudos vol. 88,), pp.181-205. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), São Paulo/ SP.

7How Goldman Sachs Created the Food Crisis, por Frederic Kaufman.ForeignPolicy, 27/11/11. Disponível em http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/04/27/how_goldman_sachs_created_the_food_crisis?page=0,1 (Acesso em 28/11/12).

8Avaliação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), 2010. Elaborado, a pedido do MMA, pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), pela Cooperação Alemã para o Desenvolvimento por meio da Deutsche GesellschaftfürInternationaleZusammenarbeit (GIZ) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Disponível em http://www.eclac.org/ddsah/publicaciones/sinsigla/xml/7/45887/
IPEA_GIZ_Cepal_2011_Avaliacao_PPCDAm_2007-2011_web.pdf
(acesso em 14/12/2012).

9Conjunto de tecnologias que utilizam sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados em produtos e processos para usos específicos (médicos, industriais, agrícolas, alimentares, etc.).

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Sobre o Autor:

Habib Jorge Fraxe Neto

Bacharel e Mestre em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília. Consultor Legislativo do Senado Federal na área de Meio Ambiente do Núcleo Social. Na área ambiental, atuou como perito do Ministério Público Federal e como Técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA.

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2 Comentários Comentar

  • Gostei muito desse texto, pelas informações, pela pertinência do tema, e sobretudo pelo contexto da abordagem que trata os recursos naturais sob um enfoque à luz da teoria da escassez, ou seja, como bens econômicos e ecológicos em beneficio do social, posto que, se não forem usados de modo racional e zeloso seguem pelo caminho da escassez ou da exaustão, alguns deles sem retorno (irreversível). Geralmente com consequências dramáticas e recuperações muito onerosas para toda a sociedade. A meu ver é exatamente isto que está faltando, darmos mais valor, valorizarmos inclusive monetariamente tanto os bens, quanto os serviços prestados pela nossa megadiversa natureza brasileira. Quero parabenizar ao MSc. Habib Neto por este brilhante artigo. Entretanto, ficou uma dúvida para mim, quando você faz referência aos conceitos de serviços ecossistêmicos e serviços ambientais. Qual a diferença entre um serviço e o outro? Tipos de serviços ecossistêmicos foram citados. E os tipos de serviços ambientais? Muito grato pela atenção.

    • Caro Ricardo, só hoje vi esse comentário então busco esclarecer sua dúvida. Serviços ambientais e ecossistêmicos têm sido utilizados como sinônimos. O primeiro é termo mais utilizado na América Latina. Na Europa, serviços ecossistêmicos. Caso seja de seu interesse, incluo link com material produzido pelo MMA, a partir de diversos seminários e reuniões, sobre pagamentos por serviços ecossistêmicos, em que se aborda essa conceituação.

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