fev
18
2013

A interferência no preço da gasolina é um bom instrumento para se controlar a inflação?

Após meses de discussões, de notícias desencontradas e especulações, finalmente, no final de janeiro deste ano, foi anunciado o reajuste de 6,4% para o preço da gasolina e de 5,5% para o diesel. Trata-se de um reajuste que vinha sendo pleiteado pela Petrobras já há bastante tempo. No mínimo, desde 2011, os jornais publicam declarações do Ministro de Minas e Energia dizendo que não haverá reajuste no preço da gasolina. Em junho de 2012, o preço cobrado pela refinaria aumentou em 7,8% para a gasolina e em 3,9% no diesel, mas esse reajuste não chegou ao consumidor final porque, simultaneamente, o governo zerou a alíquota da CIDE que incidia sobre os combustíveis.

De acordo com especialistas, o reajuste foi insuficiente diante do aumento do preço internacional do petróleo e da depreciação do real que ocorreu no segundo semestre de 2012. Tanto é que, após seu anúncio, o valor das ações da Petrobras caiu quase 5%. Claramente, o objetivo do governo em postergar o aumento do preço da gasolina e em fazê-lo em nível insuficiente para equiparar os preços domésticos ao preço internacional é tentar segurar a inflação. Há aqui certamente uma mistura de pragmatismo – politicamente, é melhor represar a inflação controlando os preços do que via instrumentos convencionais de contenção de demanda agregada, como aumento da taxa de juros – com uma ideologia que defende maior intervenção sobre os preços. Também pode pesar o temor de vivenciarmos novamente os duros anos dos choques do petróleo.

Após o primeiro choque (embora não necessariamente ele tenha sido responsável por tudo que ocorreu a partir daí), em 1973, a inflação mudou de patamar e a taxa de crescimento caiu pela metade (felizmente, na época, o crescimento vinha entre 8% e 10% ao ano, de forma que cair pela metade não era assim tão trágico). Após o segundo choque do petróleo, em 1979, (novamente, sem responsabilizá-lo integralmente pelo que se sucedeu), a inflação disparou, ultrapassando pela primeira vez os 100% anuais, e o Brasil mergulhou em forte recessão.

Tal preocupação, contudo, não se justifica mais. Em primeiro lugar, porque a magnitude do reajuste do preço internacional do petróleo (ou mesmo do preço doméstico, em reais) é muito inferior à observada na época dos choques do petróleo. Em 1973, o preço do barril quase triplicou em um espaço de três meses. No segundo choque, o aumento foi da ordem de 2,5 vezes. Os reajustes agora têm sido bem menos intensos. Em 2010, por exemplo, o barril do óleo cru flutuou entre US$ 70 e US$ 80. Em 2012, o preço flutuou, na maior parte do tempo, entre US$ 90 e US$ 105.

Mais importante do que a menor intensidade de reajuste, é o fato de haver instrumentos de política monetária capazes de lidar com fortes mudanças de preços relativos. Desde 1999, com a introdução do regime de metas para inflação no Brasil, foi possível derrubar mitos de que alguns preços, simplesmente, não poderiam subir muito. Por exemplo, uma forte depreciação cambial (da ordem, digamos, de 30%) era vista como um catalisador de um surto inflacionário.

O regime de metas (no Brasil e em vários outros países) mostrou que uma depreciação cambial nada mais é do que uma mudança de preços relativos, em que opreços dos bens comercializáveis (aquilo que pode ser exportado ou importado) aumenta em relação ao preço dos bens não comercializáveis (aqueles que são muito difíceis de serem exportados ou importados, como serviços).  Uma política monetária bem conduzida é capaz de fazer com que haja forte realinhamento desses preços relativos com impacto relativamente moderado na inflação. Basta, para tanto, controlar a demanda agregada de forma a evitar, ou pelo menos, moderar substancialmente, o reajuste dos preços dos não comercializáveis.Com a gasolina não é diferente. Um reajuste do preço da gasolina pode ser contrabalançado por um reajuste menor dos demais preços, com impacto relativamente pequeno sobre a inflação.

O problema, portanto, não é o risco inflacionário que eventual reajuste da gasolina provocaria. O que existe é uma decisão de não deixar para a política monetária a tarefa de garantir a mudança de preços relativos com inflação baixa e estável (leia-se, eventual aumento de taxa de juros1). Ocorre que, como tudo em economia, a opção de manter o preço da gasolina constante (ou reajustá-lo abaixo do que deveria) tem seus custos, e esses custos são mais altos do que um eventual aumento da taxa de juros.

Ao impedir a mudança de preços relativos, o governo está fazendo com que o mercado emita sinais incorretos para os consumidores. As pessoas e firmas tomam suas decisões baseando-se nos preços, que, em última análise, refletem os custos de produção do bem. Se o preço do bem aumenta, significa que é necessário mais recursos da sociedade (capital, trabalho, terra, etc.) para produzi-lo. É salutar, portanto, que as pessoas e firmas passem a substituir esse bem por outros mais baratos. Quando o preço não reage ao aumento de custos, cessa o movimento de substituição, gerando ineficiência e perda de bem estar.

No caso do petróleo, especificamente, foi o aumento do preço internacional do barril que estimulou a exploração de novas áreas (como o Mar do Norte), novas descobertas (como o pré-sal brasileiro) e o uso de energias alternativas (como o nosso programa de álcool). O que teria ocorrido, em nível mundial, se houvesse um órgão regulador que tivesse impedido o aumento do preço do petróleo nos últimos 40 anos2? O uso do petróleo teria sido bem mais intenso e, provavelmente, as reservas já teriam se exaurido ou estariam próximas a isso. O pior, não teríamos desenvolvido nenhuma tecnologia capaz de utilizar alguma energia alternativa (se, com todo o estímulo decorrente do aumento do preço do petróleo, ainda não dispomos de energia alternativa, sem esse estímulo, certamente, a situação estaria ainda pior). Adicionalmente, o meio ambiente estaria mais deteriorado, tendo em vista que o preço mais baixo intensificaria o uso do hidrocarboneto.

A forma como a indústria petrolífera no Brasil vem se organizando torna ainda mais grave a limitação ao reajuste do preço da gasolina. A Petrobras adquire petróleo ao preço internacional (ou pode vender o petróleo que produz ao preço internacional) e é obrigada a vender a gasolina no mercado doméstico a um custo mais baixo. De acordo com especialistas, o não reajuste do preço da gasolina levou a um prejuízo de R$ 34 bilhões na área do abastecimento 3. Se a Petrobras fosse uma empresa privada, isso já seria ruim, por reduzir a arrecadação de impostos. Em sendo empresa estatal, além de menores impostos, o lucro distribuído para a União (seu acionista majoritário) tende a reduzir.

O problema, entretanto, é ainda mais grave. A Lei nº 12.351, de 2010, praticamente reestatizou a exploração de petróleo no Brasil para as áreas do pré-sal e para aquelas que vierem a ser consideradas estratégicas (que, provavelmente, serão todos os campos com alto potencial de produção que vierem a ser descobertos). No regime de partilha, instituído por aquela Lei, o Ministério de Minas e Energia poderá contratar a exploração diretamente com a Petrobras, sem licitação. E, onde houver licitação, a Petrobras participará com, no mínimo, 30% do consórcio. Adicionalmente, a Lei nº 12.276, de 2010, autorizou à União a ceder onerosamente (e sem licitação) o direito de exploração de 5 bilhões de barris para a Petrobras.

Ora, o petróleo não jorra de graça do subsolo. Estimativas feitas no final de 2012 mostravam necessidades de investimento da ordem de US$ 90 bilhões somente em quatro anos. Até 2020, estimativas da Petrobras apontam para uma necessidade total de US$ 1,2 trilhão. Ao segurar o preço do petróleo, o governo está limitando a capacidade de a Petrobras se capitalizar e, com isso, explorar em sua plenitude a riqueza do pré-sal. É claro que uma maior abertura do mercado, permitindo participação maior de outras empresas poderia amenizar substancialmente o problema. Mas limitar as receitas da Petrobras no marco regulatório atual é reduzir dramaticamente a probabilidade de pleno aproveitamento do pré-sal.

Certamente, não explorar plenamente o pré-sal e, com isso, deixar de arrecadar impostos e participações governamentais (somente em royalties e participação especial, estima-se que o pré-sal poderá gerar cerca de R$ 50 bilhões por ano, até o final da década) será muito mais prejudicial para nossa economia e bem-estar do que um eventual – e, enfatize-se aqui o eventual – aumento da taxa de juros para impedir que o impacto inflacionário do reajuste da gasolina e óleo diesel se propague para outros setores da economia.

Em resumo, utilizar o preço da gasolina como instrumento de controle de preços já é desaconselhável em situações normais. No Brasil, com as prerrogativas dadas à Petrobras na exploração do petróleo, torna-se temerário.

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1 O reajuste da gasolina, per si, provavelmente seria insuficiente para obrigar o Banco Central a aumentar a taxa de juros. O problema é a situação atual, em que se vive um ambiente de maior inflação e deterioração das expectativas. Nesse cenário, um reajuste da gasolina pode desestabilizar as expectativas de forma mais intensa do que ocorreria, digamos, há cinco anos.

2 Ainda que parte do aumento tenha se devido à cartelização do setor, com a criação da OPEC, a maior parte da evolução dos preços do petróleo no longo prazo pode ser explicada pelos movimentos usuais de oferta e demanda em um mercado concorrencial.

3 Vide matéria disponível no link abaixo: http://www.brasil247.com/pt/247/portfolio/93391/Especialista-lamenta-aumento-pequeno-da-gasolina.htm

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Sobre o Autor:

Paulo Springer

Editor do Brasil-Economia-Governo, Consultor Legislativo do Senado Federal e Professor do Programa de Mestrado em Economia do Setor Público do Departamento de Economia da UnB.

1 Comentário Comentar

  • Combate à inflação com política tributária é tipo atacar o sintoma, não a doença.

    Governos geralmente tem prioridades de curto prazo, não é?

    Deu até vontade de reler Buchanan e a Public Choice.

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