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2012

Vale a pena desenvolver o biodiesel?

A produção mundial de biodiesel, em 2010, foi de 19,5 bilhões de litros. Os continentes europeu e americano respondem por quase 80% dessa produção, com 13 bilhões de litros de biodiesel (US EIA, 2011). A estimativa para 2020 é de uma produção de 41,9 bilhões de litros (FAO, 2011)[1].

Em 2010, a capacidade total brasileira, já instalada, de produção de biodiesel alcançou 5,8 bilhões de litros ao passo que a demanda pelo combustível foi da ordem de 2,5 bilhões de litros, o que indica uma sobreinstalação de 137%[2]. Além disso, há grande disparidade no tamanho das usinas. Há casos, como no Mato Grosso e em Minas Gerais, em que a maior usina tem 191 e 126 vezes, respectivamente, a capacidade de produção da menor (MME, 2011).

Nos últimos dois anos, em decorrência da expansão significativa da capacidade ociosa da indústria de produção de biodiesel, têm surgido demandas recorrentes perante os poderes Executivos e Legislativos para criação de um novo marco regulatório para o combustível[3].

Entre as demandas mais comuns, ressaltadas, por exemplo, pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura[4] – estão: i) incentivos à exportação do biocombustível; ii) estabelecimento de metas compulsórias mais robustas para mistura de biodiesel; iii) redução da carga tributária; iv) reformulação do sistema de leilões para a comercialização do produto; v) políticas mais inclusivas para a agricultura familiar; vi) fomento à diversificação de matérias-primas para a produção do biodiesel[5].

O grande problema decorrente do atendimento de demandas dessa natureza pode ser uma maior intervenção estatal no setor, o que acaba provocando distorções alocativas, já que parte das medidas modifica não só o preço pago pelo biodiesel, mas também o custo repassado para a sociedade.

Por outro lado, a falta de intervenção pode inviabilizar o desenvolvimento de uma indústria da qual o país dispõe de clara vantagem comparativa: não só terras abundantes, mas também inúmeras fontes de matéria-prima e um inestimável pacote tecnológico já desenvolvido.

Atualmente, o cenário produtivo de biodiesel é nebuloso: mais da metade da capacidade produtiva encontra-se ociosa; o país praticamente não exporta nada de biodiesel; a produção existente é altamente concentrada no insumo soja; o critério social ainda é cambaleante porque há necessidade de consolidação da participação da agricultura familiar, principalmente com uso de uma maior diversidade de matérias-primas; o custo tecnológico ainda é alto, pois o preço do biodiesel é superior ao do diesel; enfim, há vários temas a serem debatidos na consideração de proposta de um novo marco regulatório.

Inicialmente, cabe ponderar que fomentar a introdução de um novo marco regulatório deve passar pela análise dos prós e contras da utilização de biodiesel na matriz energética do país. De fato, nesta oportunidade, não se está discutindo a introdução desse biocombustível na matriz brasileira, o que ocorreu com a edição da Lei nº 11.097, 13 de janeiro de 2005, mas das condições que levam à necessidade de aprimoramento ou “refundação” de um marco regulatório[6].

O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) foi lançado pelo Presidente da República em dezembro de 2004. Em 2005, foi aprovada a mencionada Lei nº 11.097, de 2005. A partir de então, o Estado passou a ter metas de uso de biodiesel na matriz energética nacional. De 2005 a 2007, a adição de dois por cento de biodiesel ao diesel fóssil era facultativa, evoluindo para ser obrigatória, no mesmo percentual (2%), de 2008 a 2012. O percentual subiria para cinco por cento a partir de 2013.

Em 2008, foi lançada a mistura de diesel com 2% de biodiesel, o chamado B2.  Em julho de 2009, o País adotou o B4 (diesel com 4% de biodiesel) e, em janeiro de 2010, entrou no mercado o B5 (diesel com 5% de biodiesel). Com essas medidas, o Governo Federal adiantou a meta do ano de 2013 em três anos.

Holanda (2004) entendeu que as motivações para produção de biodiesel no Brasil seriam os benefícios sociais e ambientais. A geração de emprego e renda a partir da produção do biodiesel e a redução de emissões de gases provocadores do efeito estufa seriam fortes elementos para o Brasil optar pela produção de biodiesel.

A seguir, na Tabela 1, são reproduzidas as diretrizes para o lançamento do PNPB, conforme Rodrigues (2006), como pontos positivos para uso do biodiesel, e feitos alguns comentários.

Tabela 1 – Prós do uso do biodiesel no Brasil

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A seguir, é apresentada a Tabela 2, que traz uma compilação de críticas ao PNPB, em seu período inicial, apresentadas por Campos e Cornélio (2009)[8], e suplementada por outros argumentos contrários ao uso do biodiesel.

Tabela 2 – Contras do uso do biodiesel no Brasil
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O setor de biodiesel tem que lidar com alguns obstáculos e desafios para sua consolidação no Brasil. Entre eles, a necessidade de criação de um mercado mundial para o biodiesel, a resolução de questões produtivas internas e de choques tecnológicos, redução de contestações ambientais e a necessidade do convencimento de seu papel social. Há, ainda, a demanda por aprimoramentos operacionais, como o do sistema de leilão de venda de biodiesel, para uma maior inclusão de pequenos produtores, e legais, como no caso de se propor um projeto para um novo marco legal ou outras medidas legislativas.

À luz desses prós e contras, entende-se que a instituição, manutenção ou modificação de uma política de biodiesel (uso obrigatório, isenção tributária, subsídio ao produtor, etc.) só se justifica se o uso do biocombustível gerar ganhos de bem-estar à sociedade.

Por outro lado, se não for um bom negócio produzir e usar biodiesel (tanto em termos econômicos quanto em termos de suas externalidades ambientais e sociais), não se deveria insistir nessa estratégia, e a criação de incentivos poderia ser resultado apenas de lobby de setores interessados em viabilizar suas produções ineficientes ou mesmo sua expansão.

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[1] Para uma visão energética complementar da importância dos biocombustíveis, ver Worldwatch Institute (2007).

[2] Considerando a hipótese de o País não poder exportar o excedente produzido.

[3] Para um debate ampliado sobre a questão, vide Távora (2012).

[4] Vide Valor Econômico (2012).

[5] A UBRABIO defende avanço no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) com a ampliação para a mistura B7 e a introdução do Biodiesel Metropolitano (B20) – 20% de biodiesel adicionado ao Diesel 50 –, e também a criação de um Programa de Certificação de Qualidade do Biodiesel. Para maiores detalhes, vide UBRABIO (2012).

[6] Ver Távora (2012) para uma discussão ampliada sobre o tema.

[7] Ver http://www.brasileconomico.ig.com.br/noticias/anp-calcula-menos-us-14-bilhao-em-importacao-de-diesel-com-b5_74290.html. Acesso em 14/5/2012. Para outros dados detalhados sobre biocombustíveis, ver ANP (2012).

[8] Os autores contestam muitas dessas questões com argumentos mais técnicos.

[9] Estima-se, por exemplo, que o dendê, a soja e o girassol produzam 4.752, 554-922 e 767 l/ha, respectivamente (Wikipédia, vide http://pt.wikipedia.org/wiki/Biodiesel. Acesso em 27/6/2012). No entanto, o custo do biodiesel a partir de soja é muito inferior. Para uma análise de dados, ver, por exemplo, Barros et al. (2006).


Bibliografia

Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP (2012) http://www.anp.gov.br/ Acesso em março de 2012.

Barros, G. S. de C., Silva, A. P., Ponchio, L. A., Alves, L. R. A., Osaki M, Cenamo, M. (2006) Custos de produção de biodiesel no Brasil. Revista de Política Agrícola, Ano XV – nº 3 – Jul./Ago./Set. 2006.

Campos, A. A., Carmélio, E. C. (2009) Construir a diversidade da matriz energética: o biodiesel no Brasil. Biocombustíveis – a energia da controvérsia. Editora Senac, São Paulo.

Companhia Nacional de Abastecimento – Conab (2008). Perfil do setor do Açúcar e do Álcool no Brasil, Brasília, Brasil, Abril 2008: http://www.conab.gov.br/conabweb/download/safra/perfil.pdf. Acesso em abril de 2008.

Food and Agricutlure Organization – FAO (2011) http://www.fao.org/ Acesso em fev./2012.

Goldemberg, J., Coelho, S. T., Nastari, P. M., Lucon, O. (2004). Ethanol learning curve – the Brazilian experience. Biomass and Bionergy, 26 (2004), 301 – 304.

Holanda, A. (2004) Biodiesel e inclusão social. Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, Brasília.

Ministério das Minas e Energia – MME (2011). Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Apresentação realizada na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, em 14 de julho de 2011. http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/CRA/AudPub.asp Acesso em ago./2011.

Revista Valor Econômico (2008) Biocombustíveis – A força do verde, Edição especial.

Jornal Valor Econômico (2012) Produção de biodiesel ainda derrapa, Edição de 13/3/2012.

Távora, F. L. (2012) Biodiesel e Proposta de um Novo Marco Regulatório: Obstáculos e Desafios. Textos para Discussão 116, Senado Federal, Brasília. Disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD116-FernandoLagaresTavora.pdf. Acesso em agosto de 2012.

União Brasileira do Biodiesel – UBRABIO (2012) Boletim Informativo UBRABIO, Brasília, 7ª edição, abril/maio de 2012.

US Energy Information Administration – US EIA (2011) http://www.eia.gov/cfapps/ipdbproject/IEDIndex3.cfm?tid=79&pid=79&aid=1. Acesso em janeiro de 2012.

Worldwatch Institute (2007) Biofuels for transport: global potential and implications for energy and agriculture. Earthscan, London, UK and USA

Sobre o Autor:

Fernando Lagares Távora

Engenheiro Civil e Mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília, Brasil. Ingenieur (Ir.), MSc in Management, Economics and Consumer Studies pela Wageningen University, Holanda.

5 Comentários Comentar

  • Eu concordo que o biodiesel ainda tem um grande potencial que não é explorado pelo Brasil. No entanto, além da questão econômica (alto preço de produção, entre outros) também há o problema social. Apesar de a produção de biodiesel poder melhorar a condição econômica de milhares de pessoas que trabalham no campo, ainda há muitas pessoas que vivem sob o sistema escravista e que atuam na base da produção do biodiesel. Portanto, é preciso fazer não só uma reformulação da condição econômica, mas também fiscalizar melhor a situação dessas pessoas e também dos boias-frias, que são outra parte de trabalhadores rurais que atuam diretamente com o biodiesel.

  • O biodiesel reduz emissões de material particulado?

    • Não caro Ph. Já trabalhei em uma delas e, na verdade, é o oposto pois emitem uma grande quantidade de gases na natureza. Principalmente o Co2 pela queima da madeira utilizada no processo de aquecimento pelas caldeiras.
      O processo lembra os filmes da revolução industrial.

  • É duvidoso que o biodiesel melhore a renda do produtor familiar justamente porque a área de cultivo é pequena. Estas indústrias são todas automatizadas e geram empregos irrizórios. Os incentivos são massivos e o recolhimento de impostos é quase inexistente. Alheio ao fato de que algumas indústrias particulares, sócias da Petrobrás, servem apenas para evasão de divisas desta estatal.
    Assim, não gera benefício social algum.

  • Quero contribuir com um ponto importante!
    a torta de soja(ou de qualquer outra oleaginosa usada no processo) possui mais de 40% de proteína bruta, portanto pode ter mais valor do que o grão intacto, então o ganho final de uma lavoura de soja sera maior, embora eles estão queimando este bagaço para cogeração elétrica. E mais um ponto, os países Asiáticos importam nossa soja, espremem o grão, produzem óleo, e o que fazem com a torta??? exportar o grão é uma evazão de nutrientes(que repor com fertilizantes custa muito caro!), o governo precisa incentivar a exportação de óleo, melhor que isso, trabalhar fontes oleaginosas mais eficientes que a soja.

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