jun
8
2020

Por um diretor-geral da Polícia Federal com mandato fixo e intercalado com o mandato presidencial

Na madrugada de sexta-feira 24 de abril de 2020 o Presidente Jair Bolsonaro exonerou o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Maurício Valeixo. No mesmo dia o Ministro da Justiça Sérgio Moro apresentou seu pedido de demissão, alegando ingerência política na PF. No dia 28/4 o presidente nomeou o diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem para o cargo vago de diretor-geral da PF; no entanto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes decidiu na manhã do dia 29/4 anular essa nomeação. Em decisão-relâmpago, o presidente Bolsonaro nomeou e empossou na segunda-feira 4/5 o secretário de Planejamento e Gestão da Abin como diretor-geral da PF, que teve como uma das primeiras decisões a substituição do superintendente da PF no Rio de Janeiro.

A pergunta que se impõe é: Essa crise institucional poderia ter sido evitada se o desenho institucional de nossa PF fosse outro? E a resposta é imediata: Sim, se o diretor-geral da PF tivesse um mandato com prazo fixo, após aprovação pelo Congresso Nacional, blindando assim a PF de ingerências políticas uma vez nomeado seu diretor-geral. Existe, atualmente, uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 412/2009) em discussão na Câmara dos Deputados (CCJC) que propõe justamente a autonomia da PF, de forma a ser explicitada em lei ordinária. Ademais, no próprio dia 24/4 o deputado federal Celso Sabino (PSDB-PA) começou a coleta das assinaturas necessárias para iniciar a tramitação de uma PEC de sua autoria com o mesmo objetivo.

Uma questão menos evidente, mas extremamente pertinente é a seguinte: Caso seja aprovada a autonomia da PF e ao diretor-geral seja atribuído mandato com prazo fixo, quando deve ser esse mandato iniciado?

A literatura econômica pode contribuir para responder s essa questão. Em artigo recente aceito para publicação na Revista Brasileira de Economia[1], este autor e sua coautora Fábia Carvalho se valem de um modelo de política monetária, baseado na teoria dos jogos, para afirmar a importância não só de termos um banco central (BC) independente em que o presidente do BC tem mandato fixo, mas também de que o mandato do presidente do BC seja intercalado com o do presidente da república. Ou seja, ao assumir seu mandato, o presidente da república “herda” por mais dois anos o presidente do BC nomeado anteriormente e apenas passados esses dois anos poderá nomear um novo dirigente para o BC por um período de quatro anos.

Essa proposta –que é adotada alhures, como nos Estados Unidos e no Chile[2]– tem uma simples justificativa: a informação é uma variável fundamental na formação das expectativas de inflação da sociedade. Em período eleitoral é natural haver incerteza quanto à futura condução da administração pública, em geral associada à eleição de um novo presidente. Quando o presidente estreante tem a autonomia de nomear o responsável pelo BC no início de seu mandato, adiciona-se a insegurança quanto à condução da política monetária do país. Isso explica os piques inflacionários e de taxas de juros em períodos próximos a uma troca de presidente no Brasil, o que parece não ocorrer nos Estados Unidos ou no Chile, por exemplo. Se um presidente do BC já conhecido da sociedade for mantido por mais dois anos, reduz-se a incerteza eleitoral, limitando-se assim o impacto econômico de uma troca do executivo federal.

Esse argumento desenvolvido para o BC estende-se facilmente para outros órgãos governamentais que têm a característica de serem órgãos de Estado, e não de um governo particular, com uma missão que extrapola os interesses de um presidente específico.

A Polícia Federal (PF) se encaixa naturalmente nessa categoria. De fato, “Cabe à PF apurar infrações que envolvam danos ao patrimônio e aos interesses da União, contra a ordem política e social ou que tenham repercussão em mais de um Estado ou país.”[3] Por essa razão, com frequência a PF é levada a investigar integrantes do governo federal, como no caso da “Operação Lava-Jato” ou do inquérito sigiloso conduzido pelo Supremo Tribunal Federal sobre as “fake news”[4]. Portanto, quando um novo presidente é eleito, e ele tem a autonomia de indicar imediatamente o novo diretor-geral da Polícia Federal, a sociedade não sabe exatamente como será conduzida pela PF a investigação dos atos da administração. Se, por outro lado, o diretor-geral já estiver na condução da PF há dois anos, já há informação revelada por sua atuação pregressa e, portanto, há menor incerteza pelo menos quanto a esse aspecto do novo governo. Esse aumento de informação disponível à sociedade quanto à futura condução da PF constitui a grande vantagem de se ter o mandato do diretor-geral da PF intercalado com o do presidente da república.

Em suma, se o requerimento de um mandato fixo para o diretor-geral da PF evita que um presidente substitua integrantes dessa força pública por razões pessoais injustificáveis, é a exigência de mandatos intercalados que reduz a incerteza que naturalmente se forma em período eleitoral, diminuindo os custos econômicos e sociais associados a esse processo fundamental em uma nação democrática moderna.

Referências:

Bugarin, Maurício e Fábia Carvalho (2020). Elections, Heterogeneity of Central Bankers and Inflationary Pressure: The case for staggered terms for the president and the central banker. Revista Brasileira de Economia, no prelo. Link para o trabalho:

https://bugarinmauricio.files.wordpress.com/2020/05/bugarincarvalho-20200429-rbe.pdf

Colon, Leandro (2020). PF identifica Carlos Bolsonaro como articulador em esquema criminoso de fake news. Jornal Folha de São Paulo, 25/04/2020. Link para a matéria:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/pf-identifica-carlos-bolsonaro-como-articulador-em-esquema-criminoso-de-fake-news.shtml

Jácome, Luis (2001). Legal central bank independence and inflation in Latin America during the 1990s. IMF Working Paper WP 01/212, International Monetary Fund.Link para o trabalho: http://docdigital.economiayfinanzas.gob.bo/jspui/bitstream/123456789/129/1/Capitulo8final.pdf

 

Lupion, Bruno (2017). Como funciona a autonomia da Polícia Federal e qual a chance de um governo interferir em investigações. Nexo Jornal, 17/02/2017. Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/02/19/Como-funciona-a-autonomia-da-Pol%C3% ADcia-Federal-e-qual-a-chance-de-um-governo-interferir-em-investiga%C3%A7

[1] Bugarin e Carvalho (2020).

[2] Jácome (2001).

[3] Lupion (2017).

[4] Colon (2020).

Sobre o Autor:

Maurício S. Bugarin

PhD em Economia pela Universidade de Illinois. Professor Titular do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Diretor do Centro de Investigação em Economia e Finanças, CIEF/UnB.

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