dez
18
2013

A Justiça é igual em todos os estados da federação?

O funcionamento das instituições, no qual se inclui o Sistema de Justiça no Brasil, precisa estar corretamente calibrado de forma a contribuir com uma eficiente coordenação do sistema econômico. A definição de Douglass North, renomado autor institucionalista, deixa clara essa importância: “as instituições são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições elaboradas pelos homens que dão forma à interação humana. Em consequência, elas estruturam incentivos no intercâmbio entre os homens, seja ele político, social ou econômico”.

O Poder Judiciário especificamente pode prejudicar o desempenho econômico quando gera insegurança jurídica e demora a dar respostas rápidas, em tempo hábil, a questões relacionadas ao cumprimento dos contratos, à garantia dos direitos de propriedade ou à definição de disputas decorrentes dos vários marcos regulatórios.

Uma distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Outro grave problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demoram-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

A intuição acima parece se confirmar com o recém-lançado Atlas do Acesso à Justiça no Brasil (www.acessoajustica.gov.br), onde estão disponibilizados dados que podem contribuir para a construção de políticas públicas que melhorem o Sistema de Justiça, este entendido em três dimensões: judicial, integrada pelo conjunto de órgãos do Poder Judiciário; essencial, composta pelos órgãos e membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil; e extrajurisdicional, que abrange as instituições e órgãos que atuam como portas de acesso à justiça.

O gráfico a seguir, disponível no Atlas, mostra a quantidade de defensores públicos para cada cem mil habitantes, por estado da federação. O pior caso é o de Goiás, com 0,1 defensor para cada cem mil pessoas e o melhor é o do Amapá, onde a proporção é de 13 defensores para cada cem mil habitantes.

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Há também estatística similar, mas considerando a quantidade de juízes para cada cem mil habitantes. O pior caso é o Maranhão e o melhor, novamente o Amapá.

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Por fim, tem-se a quantidade de membros do Ministério Público (MP) para cada cem mil habitantes. O Pará é o pior estado e o Distrito Federal, o melhor.

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O mais interessante dessas informações é quando calculamos a correlação entre essas três séries, juntamente com informações de desenvolvimento humano e de riqueza das unidades da federação.

Procedendo ao cálculo da correlação entre o número de defensores e juízes (0,60);  defensores e membros do MP (0,64); e juízes e membros do MP (0,70), temos o resultado apontando para uma correlação positiva razoavelmente alta entre eles, demonstrando que onde há mais assistência jurídica ao cidadão carente, também há mais magistrados, bem como promotores defendendo o cumprimento das leis. A parte ruim disso é que, nos piores estados, o Sistema de Justiça está mal em todas as suas dimensões.

Se correlacionarmos o número de juízes per capita com o IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal) consolidado para os estados, conseguimos um resultado de 0,47. Essa correlação denota que os estados com pior desenvolvimento humano são aqueles onde a Justiça está menos presente, dificultando o acesso a direitos básicos que deveriam ser garantidos à população.

Por fim, há uma correlação negativa fraca (-0,26) entre o número de defensores e o PIB de cada estado. O ideal é que a correlação fosse maior em valor absoluto (próxima de um), pois aí poderíamos dizer que haveria mais defensores nos estados mais pobres. Com o resultado obtido, não há como afirmar que a assistência jurídica aos carentes acontece de forma efetiva onde ela é mais necessária.

Essa análise superficial demonstra que as condições socioeconômicas diferenciadas entre os brasileiros geram também aplicações judiciais desiguais entre os cidadãos. Apesar de as normas determinarem igualdade entre todos, inclusive como garantia constitucional, na prática, a atuação seletiva da justiça cria e reforça desigualdades sociais. Em outras palavras, aqueles que não podem pagar bons advogados, não possuem os mesmos direitos dos mais abastados. Esperamos que a disponibilização de dados possa melhorar a atuação do Estado, tornando o Sistema de Justiça mais eficiente.

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Sobre o Autor:

Fernando Meneguin

Doutor em Economia. Consultor-Geral Adjunto/Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado Federal.

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