out
23
2013

O que é o Plano Brasil Maior?

I) Introdução

O governo atual já adotou três políticas industriais. O Plano Brasil Maior (PBM) do início do governo Dilma sucedeu a Política de Desenvolvimento Produtivo (a PDP), de 2008, e a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004.

O objetivo deste artigo é fazer uma radiografia dos tipos de medidas do PBM.

II) Objetivos e Diretrizes do Plano Brasil Maior

O PBM está organizado de acordo com cinco “Diretrizes Estruturantes”(DEs).

1)    Fortalecimento das cadeias produtivas com “enfrentamento” do processo de substituição da produção nacional em setores industriais intensamente atingidos pela concorrência das importações.

2)    Ampliação e Criação de Novas Competências Tecnológicas.

3)    Desenvolvimento das Cadeias de Suprimento em Energias.

4)    Diversificação das Exportações e Internacionalização Corporativa.

5)    Promoção de produtos manufaturados de tecnologias intermediárias com consolidação de competências na economia do conhecimento natural.

A Diretriz Estruturante 1 (DE 1) indica uma postura mais reativa à concorrência de importados. As DEs “2” e “4” são as mais associadas a uma política industrial centrada na inovação, o que é considerado uma intervenção mais adequada. A DE 3 diz respeito às questões energéticas/ambientais, não sendo exatamente uma política industrial. A DE 5 é a mais confusa, pois é uma “consolidação de competência na economia do conhecimento natural”, com o objetivo de “ampliar o conteúdo científico e tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais”.

Sugere-se que se aplicará ciência e tecnologia às áreas mais extrativas ou agrícolas. No entanto, os exemplos principais de setores citados são comércio e serviços, o que deixa dúvida sobre o seu real propósito.

O PBM também apresenta uma “dimensão sistêmica”, “de natureza horizontal e transversal”. Isto quer dizer medidas cujos benefícios valem para todos ou grande parte dos setores. Esta dimensão sistêmica orientaria ações para “reduzir custos, acelerar o aumento da produtividade e promover bases mínimas de isonomia para as empresas brasileiras em relação a seus concorrentes internacionais”. Aqui se misturam elementos de incremento da eficiência com uma linguagem que pode sugerir simplesmente mais protecionismo.

A “dimensão sistêmica”, por sua vez, estaria conectada à questão da inovação ao buscar “consolidar o sistema nacional de inovação por meio da ampliação das competências científicas e tecnológicas e sua inserção nas empresas”.

A conexão destas dimensões com cada medida concreta do PBM não é muito clara. Menos evidente ainda é como este conjunto de medidas respeita as DEs e se articula entre si de forma a compor esta última dimensão sistêmica. Ou seja, não se vislumbra no PBM um plano integrado de política industrial.

III) PBM Setorial

O PBM Setorial, assim como as medidas anteriores de política industrial, constitui um plano com ênfase em medidas setoriais, o que lhe dá um perfil de uma política industrial clássica. Foram “eleitos” dezenove setores a receber estímulos especiais. São um total de 287 medidas distribuídas conforme o quadro abaixo.

Quadro I – Distribuição do Quantitativo de Medidas segundo os Setores do PBM

Quase ¼ das medidas do PBM são direcionadas à agroindústria. Este foco justamente no setor com reconhecido sucesso exportador pode indicar que o PBM é mais “seguidor” do que “definidor” dos setores economicamente mais competitivos. Em seguida vêm os setores automotivo (10% das medidas) com 29 medidas, e o complexo da saúde (também 10%). Merece destaque também a ênfase no setor de defesa, aeronáutica e espacial, com 9,76% das medidas (28), muito na esteira do bom desempenho do cluster de São José dos Campos com proeminência da Embraer. Por fim, bens de capital com 8,36% das medidas (24) e o setor de tecnologia da informação e complexo eletrônico (TICs) com 8,01% (23) têm papel destacado, em linha com as políticas industriais clássicas.

O PBM, tal como a PDP, vai além de uma política industrial strictu sensu, abarcando comércio atacadista e varejista e serviços. No complexo da saúde, por exemplo, há medidas que dizem respeito ao serviço e não à atividade manufatureira. Os itens 15,17,18 e 19 da tabela acima não pertencem à indústria.

Naturalmente, a quantidade de medidas constitui indicador imperfeito da avaliação da ênfase do PBM, até porque não mede cifras envolvidas de investimento/gasto público ou renúncia fiscal. No entanto, estes números não parecem destoar do que se ouve do discurso oficial sobre a importância relativa dos setores.

IV) Os Tipos de “Medidas” do PBM

As medidas do PBM, em grande parte, integram a agenda natural do respectivo órgão responsável. Isso quer dizer que é possível que boa parte das medidas não tenha sido construída de cima para baixo, como sugere o governo, mas de baixo para cima. As “Diretrizes” do PBM, portanto, seriam mais uma consequência da agenda de trabalho existente dentro de cada ministério do que um farol da atual política industrial brasileira.

Classificamos dois tipos de “medidas” do PBM. Uma parte delas é, na verdade, declaração de intenções,  “objetivos” ou simples “agendas de trabalho” para se fazer algo. Por exemplo, no caso de serviços, há a medida que na verdade é um objetivo muito vago de “implementar projetos direcionados ao setor de serviços”. No caso de “bens de capital’ também há a “medida” de “identificar oportunidades nos segmentos que compõem a cadeia produtiva dos bens de capital”, que naturalmente é mais uma agenda de trabalho. A medida concreta pode decorrer deste trabalho de identificação, mas não se pode confundir com a própria medida.

Há inclusive a programação de estudos ou simplesmente organização de simpósios e seminários. Por exemplo, no caso do setor “serviços” há a “medida” de “elaborar atlas de serviços” e “realizar o II Simpósio de Políticas Públicas para Comércio e Serviços”. As mesmas se repetem para o setor “comércio”, sendo o Simpósio, inclusive, o mesmo (Comércio e Serviços).

Desta forma, separamos o que consideramos como “medidas” do que seriam objetivos, intenções ou agendas, definidos como “não-medidas”.

Quadro II – Medidas e Não Medidas do PBM

Das 287 “medidas” do PBM, 69 ou 24,04% seriam objetivos, estudos ou agendas. Em alguns setores, chega-se a ter mais “não-medidas” do que “medidas” como são os casos do comércio (60%) e serviços logísticos (57,14%). Na indústria de mineração (50%) e no complexo da saúde (48,28%) também há um percentual significativo de “não medidas”. Setores com intervenção mais objetiva por não se verificarem “não medidas” seriam papel e celulose, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos e construção civil.

V) Novidades, Extensões e Ampliações nas Medidas do PBM

Nem todas as medidas são realmente novas. Há aquelas que apenas estendem para outros setores, regimes especiais ou benefícios que já existem ou simplesmente ampliam ou mantêm o que já existe no próprio setor. Assim, fizemos uma divisão das medidas em “novos”, “extensões” e “manutenção/ampliação”, gerando o quadro III.

Quadro III – Novidades, Extensões e Ampliações do PBM

Cumpre esclarecer que tudo que não se explicita constituir extensão ou ampliação, foi considerado como “novo”. Implementações de programas que já existem, regulamentações de leis ou decretos também pré-existentes, são todos considerados “novos”. Assim, uma definição mais restritiva do que se considera “novo” pode reduzir bastante o número de novidades.

São 60 medidas (21,51%) que correspondem a extensões para outros setores (8,96%) ou manutenções/ampliações do que já existe (12,54%). Papel e celulose é o setor com mais manutenções/ampliações do que já existe, e petróleo, gás e naval é o que tem percentualmente mais extensões (60%). As novidades, de qualquer forma, compreendem quase 80% do programa.

VI) Medidas com Viés Protecionista

Das 287 medidas setoriais do PBM, 40 (13,93% do total de medidas) contém viés protecionista. O setor de tecnologia da informação (TIC) é o que mais contém medidas protecionistas alcançando 22,5% do total deste tipo (9). Seguem os setores automotivo (8) e bens de capital (8) com 20% das medidas protecionistas cada, seguidos de defesa, aeronáutica, espacial (6) com 15% do total.

Quadro IV Quantitativo de Medidas com Viés Protecionista do PBM

VII) As Medidas de Fomento

O PBM inclui medidas de desoneração tributária e de crédito subsidiado, além do que chamamos de provisão de bens coletivos para um determinado setor como, por exemplo, a implantação de centro de treinamento e qualificação profissional em equipamentos médidos e hospitalares e produtos farmacêuticos. Sua distribuição setorial no PBM é apresentada abaixo.

Quadro V – Medidas do PBM de Desoneração Tributária, Crédito Subsidiado ou Provisão de Bens Coletivos

A grande parte das desonerações (pouco mais de ¼ com 12 medidas) do PBM está na agroindústria, seguida do setor automotivo (19,15% com 9 medidas) e TICs (17,02% com 8 medidas). No caso de crédito subsidiado, o setor com mais medidas é o de “energias renováveis” que representa 15,63% do total. O setor com maior percentual de medidas de provisão de bens coletivos, cujos efeitos tendem a ser apropriados de forma menos particularizada, é a agroindústria, que representa quase metade (48,05%) do total deste tipo de medida.

Uma grande parte das medidas do PBM está diretamente associada à inovação, investimento, produção, exportação ou emprego. Para efeito do esforço de classificação, colocamos o item “produção” de forma residual, ou seja, toda medida de fomento que não for para apoiar inovação, investimento, exportação e emprego/qualificação.

Quadro VI – Variável Fomentada no PBM

Dessas medidas de fomento, pouco mais de 1/3 (34,59% ou 55 medidas) são direcionadas às inovações, 15,09% para investimentos (24), 20,13% (32) para produção, 23,27% (37) para exportações e 6,92% para emprego e qualificação de mão de obra. Ou seja, há, de fato, alguma ênfase em inovação no PBM, mas que está longe de ser absoluta, pois restam 2/3 de medidas com outros objetivos de fomento.

Nos setores fomentados, em geral, não se constata um foco em uma única variável fomentada. Por exemplo, em petróleo, gás e naval são 20% das medidas para inovação, 20% para investimento, 40% para produção e 20% para exportação. No complexo da saúde há uma maior concentração de medidas (50%) destinadas à inovação, mas há também quase 30% em produção. Nos TICs há proeminência em inovação (50%) como esperado, secundado por medidas em favor do investimento (1/3). Não havendo um foco, torna-se mais difícil definir qual o objetivo principal da política industrial nestes setores. O objetivo genérico parece ser simplesmente o “crescimento” e “desenvolvimento” dos setores contemplados.

De outro lado, em energias renováveis em que se esperava mais inovação, não há nenhuma medida para tal objetivo, sendo metade em investimento e metade em exportações. Será mais relevante exportar do que inovar neste setor?

Curiosamente, todas as medidas de fomento na construção civil são na área de inovação. A maior parte das medidas de inovação vão para a agroindústria (15). Depois da construção civil, o setor com maior percentual de medidas de fomento baseados em inovação é o de defesa, aeronáutico, espacial seguido de, também curiosamente, couro, calçados, têxtil, confecções, gemas e joias e móveis.

VIII) Conclusões

As principais críticas ao PBM são comuns às duas políticas predecessoras. Não há exigência de contrapartida e nem desempenho dos beneficiários, com ausência de qualquer sinalização de que as vantagens serão removidas no caso de uma má performance. Na verdade, não está claro quais variáveis são relevantes em cada setor para o PBM dado, no mais das vezes, haver mais de uma variável sendo fomentada. É possível que o objetivo seja simplesmente “fazer crescer” o setor.

Há pelo menos ¼ das medidas que classificamos como “não medidas” por serem mais objetivos e estudos do que ações concretas. A grande maioria das medidas (80%) são “novas”. Outros critérios mais restritivos de “novidade” podem, no entanto, diminuir este percentual.

Quase 14% das medidas do PBM apresentam viés protecionista. Canedo-Pinheiro (2013) e Almeida (2013) realçam que um dos principais fatores explicativos para o fracasso das politicas industriais brasileiras anteriores teria sido a ênfase em proteção excessiva por tempo indeterminado. Menezes Filho e Kannebley Junior (2013) mostram que a produtividade total dos fatores no país aumentou em período de relativa abertura econômica (1990/97) e declinou no período de fechamento (1985/90). Assim, o conjunto de medidas protecionistas pode acabar tendo um efeito oposto ao esperado sobre o crescimento econômico.

A crítica fundamental parece ser o fato de que o PBM se baseia apenas em incentivos positivos (a cenoura), mas não em negativos (o chicote), originando uma estrutura assimétrica. A criança ganha o doce quando se comporta bem, mas não deixa de jogar vídeo game quando se comporta mal. Pior, a conexão dos incentivos positivos com a performance é fraca. Se a criança ganha sempre o doce, independente de seu comportamento, por que não prosseguir na malcriação?

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Referências

Almeida, M.: “Padroes de Politica Industrial: a velha, a nova e a brasileira”. In “ O Futuro da Industria no Brasil”. Eds. Bacha, E. e Bolle, M. B. Civilizacao Brasileira. Rio de Janeiro. Brasil. 2013.

Canedo-Pinheiro, M.: “Experiencias Comparadas de Politica Industrial no pos-guerra: licoes para o Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Menezes Filho e Kannebley Junior, S. : “Abertura comercial, exportacoes e inovacoes no Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Plano Brasil Maior: www.brasilmaior.mdic.gov.br

Politica de Desenvolvimento Produtivo: http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/sitio/inicial

Politica Industrial, de Comercio Exterior e Tecnologica: http://investimentos.mdic.gov.br/public/arquivo/arq1272980896.pdf

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