{"id":598,"date":"2011-06-13T08:56:07","date_gmt":"2011-06-13T11:56:07","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=598"},"modified":"2011-06-13T08:56:07","modified_gmt":"2011-06-13T11:56:07","slug":"sera-a-divisao-do-estado-do-para-uma-boa-ideia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=598","title":{"rendered":"Ser\u00e1 a divis\u00e3o do Estado do Par\u00e1 uma boa id\u00e9ia?"},"content":{"rendered":"

O Congresso Nacional promulgou em 26 de maio o Decreto Legislativo n\u00ba 136, que disp\u00f5e sobre a realiza\u00e7\u00e3o de plebiscito para cria\u00e7\u00e3o do Estado do Caraj\u00e1s. Corre simultaneamente no Legislativo o projeto para cria\u00e7\u00e3o do estado do Tapaj\u00f3s, que foi aprovado com modifica\u00e7\u00f5es na C\u00e2mara dos Deputados e, por isso, dever\u00e1 retornar ao Senado para reaprecia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Apesar da aprova\u00e7\u00e3o iminente destes dois Decretos Legislativos, ainda pairam v\u00e1rias d\u00favidas legais sobre o processo, das quais a mais importante \u00e9 aquela sobre a abrang\u00eancia do plebiscito. N\u00e3o se sabe ainda se todos os paraenses ser\u00e3o consultados, ou se s\u00f3 os habitantes dos futuros estados decidir\u00e3o sobre a cis\u00e3o.<\/p>\n

Essa quest\u00e3o, assim como muitas outras ser\u00e3o deixadas para decis\u00e3o judicial, evitando assim um poss\u00edvel desgaste pol\u00edtico da proposi\u00e7\u00e3o. Outra decis\u00e3o estrat\u00e9gica que parece ter sido tomada pelos apoiadores da divis\u00e3o \u00e9 a de se votar conjuntamente as duas divis\u00f5es, o que aparentemente aumentaria as chances de sucesso de ambas.<\/p>\n

\u00c9 importante ressaltar que estes projetos s\u00e3o os primeiros de uma lista de 14 proposi\u00e7\u00f5es de cria\u00e7\u00e3o de novos estados ou territ\u00f3rios e, portanto, possuem um car\u00e1ter, se n\u00e3o de jurisprud\u00eancia, pelo menos de forma\u00e7\u00e3o de precedentes. Em suma, o tr\u00e2mite e procedimentos eleitorais das outras proposi\u00e7\u00f5es ser\u00e3o balizados pelas decis\u00f5es estabelecidas nesses dois casos.<\/p>\n

Se levados a cabo, tais projetos reduziriam o Estado do Par\u00e1 a 22% da sua \u00e1rea atual (Figura 1). No entanto, o territ\u00f3rio que restaria do Estado do Par\u00e1 conservaria 71% de sua popula\u00e7\u00e3o atual de cerca de 7,5 milh\u00f5es de habitantes. Caraj\u00e1s somaria uma popula\u00e7\u00e3o de cerca de 1,5 milh\u00e3o de pessoas e Tapaj\u00f3s, de pouco mais de 800 mil[1]<\/a>.<\/p>\n

Figura 1<\/p>\n

Como Ficaria o Atual Estado do Par\u00e1<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Um ponto not\u00e1vel dessa reordena\u00e7\u00e3o territorial seria a discrep\u00e2ncia de densidades demogr\u00e1ficas dela resultante: o Par\u00e1 ficaria com 18,1 habitantes por km2<\/sup>, o que representa cerca de quatro vezes a densidade de Caraj\u00e1s e dezesseis vezes aquela que seria observada no Tapaj\u00f3s.<\/p>\n

Sob o ponto de vista econ\u00f4mico, os dois estados nascentes seriam bastante d\u00edspares. Caraj\u00e1s teria um PIB estadual de cerca de 20 bilh\u00f5es de reais, enquanto Tapaj\u00f3s contaria com um PIB de pouco mais de 4 bilh\u00f5es[2]<\/a>. A divis\u00e3o setorial dos PIBs tamb\u00e9m se revela bastante distinta: em Caraj\u00e1s ocorre uma predomin\u00e2ncia industrial, setor que responderia por 54% do futuro estado, enquanto que o setor de servi\u00e7os, com 42% da produ\u00e7\u00e3o, seria o mais importante no caso de Tapaj\u00f3s.<\/p>\n

Mas talvez a maior diferen\u00e7a entre os dois estados esteja nos PIBs per capita. Quando esses valores s\u00e3o apreciados, parece que o Par\u00e1 est\u00e1 sendo dividido em regi\u00f5es por ordem de pobreza. A regi\u00e3o que formaria o Estado do Tapaj\u00f3s apresentou em 2008 um PIB per capita de R$ 5.628, o que corresponde a 70% do PIB per capita paraense naquele ano. J\u00e1 para Caraj\u00e1s, tal valor chega a R$ 14.000, sendo 76% maior que o PIB do Par\u00e1. A diferen\u00e7a entre os PIBs per capita de Caraj\u00e1s e Tapaj\u00f3s seria de 150%, o que grosseiramente quer dizer que cada habitante de Caraj\u00e1s seria 2,5 vezes mais rico em m\u00e9dia que os moradores do Tapaj\u00f3s.<\/p>\n

Um forte argumento, a meu ver, contra a cria\u00e7\u00e3o desses estados \u00e9 a insustentabilidade financeira de ambos. Utilizando uma metodologia desenvolvida para estimar os custos de manuten\u00e7\u00e3o das unidades federativas brasileiras[3]<\/a> \u00e9 poss\u00edvel ter uma ideia de qual seria o montante de gastos anuais necess\u00e1rios para a condu\u00e7\u00e3o das m\u00e1quinas estaduais dos governos a serem criados.<\/p>\n

Essa metodologia calcula o custo do governo estadual baseada no PIB estadual, na popula\u00e7\u00e3o do estado, na sua \u00e1rea geogr\u00e1fica e no n\u00famero de munic\u00edpios que o estado cont\u00e9m. A l\u00f3gica aqui \u00e9 a de que quanto mais popula\u00e7\u00e3o e PIB o estado tiver, maiores dever\u00e3o ser os gastos estaduais, uma vez que a produ\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os p\u00fablicos, tanto sociais quanto de infraestrutura, tamb\u00e9m ter\u00e1 que ser majorada.<\/p>\n

Os valores estimados por este m\u00e9todo apontam para um total de gastos estaduais de R$ 1,9 bilh\u00e3o no Estado de Tapaj\u00f3s e de R$ 3,7 bilh\u00f5es no caso de Caraj\u00e1s[4]<\/a>.<\/p>\n

Quando esses valores s\u00e3o confrontados com a produ\u00e7\u00e3o local, pode-se ter uma ideia preliminar sobre a viabilidade econ\u00f4mica dos novos estados. Os PIBs dos potenciais estados podem ser calculados pela agrega\u00e7\u00e3o dos PIBs dos munic\u00edpios que o formariam.<\/p>\n

Por exemplo, o Estado do Tapaj\u00f3s gastaria com o seu governo estadual a propor\u00e7\u00e3o de 44% do seu PIB. Naturalmente, isso n\u00e3o quer dizer que essa propor\u00e7\u00e3o do PIB do estado seria alocada para financiar as despesas estaduais, mas sim que a m\u00e1quina estadual consumiria um valor equivalente a 44% da produ\u00e7\u00e3o local.<\/p>\n

No caso do Estado de Caraj\u00e1s a situa\u00e7\u00e3o, embora melhor, ainda estaria longe de ser confort\u00e1vel. Esse Estado gastaria o equivalente a 19% do seu PIB com o governo estadual, o que \u00e9 bem menos que a propor\u00e7\u00e3o do Tapaj\u00f3s, mas ainda assim \u00e9 maior que a m\u00e9dia nacional (12,5%) e maior que a m\u00e9dia do Par\u00e1 (16%).<\/p>\n

Um ponto que merece ser frisado \u00e9 que esses gastos acima citados dizem respeito apenas ao funcionamento regular dos governos estaduais e n\u00e3o computam os gastos necess\u00e1rios \u00e0 constru\u00e7\u00e3o da infraestrutura para seu funcionamento (sedes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judici\u00e1rio; sede do Minist\u00e9rio P\u00fablico; equipamentos para as secretarias de governo; etc.).<\/p>\n

Tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel se ter uma ideia, ainda que aproximada, do montante de receitas dispon\u00edveis a cada um destes novos estados. Para se realizar este exerc\u00edcio, tomam-se como base as receitas totais do estado do Par\u00e1 em 2009, cujos valores s\u00e3o os \u00faltimos dispon\u00edveis[5]<\/a>. Calcula-se ent\u00e3o quanto desta receita iria para os novos estados baseado na propor\u00e7\u00e3o da arrecada\u00e7\u00e3o municipal das novas unidades. Assim se a receita municipal do conjunto dos munic\u00edpios do novo estado corresponde a 20% da receita do total dos munic\u00edpios paraenses, sup\u00f5e-se que a receita total do novo estado ser\u00e1 igual a 20% da receita estadual do Par\u00e1. Baseado nessas propor\u00e7\u00f5es, os valores encontrados para os Estados de Tapaj\u00f3s e Caraj\u00e1s s\u00e3o, respectivamente, 1,057 e 2,666 bilh\u00f5es de reais.<\/p>\n

Tais receitas e despesas dos novos estados implicam um d\u00e9ficit conjunto de R$ 1,873 bilh\u00f5es, distribu\u00eddos entre Tapaj\u00f3s (R$ 864 milh\u00f5es) e Caraj\u00e1s (R$ 1,009 bilh\u00f5es). A Tabela 1 consolida essas estimativas:<\/p>\n

Tabela 1<\/p>\n

Estimativas Fiscais para os Estados de Caraj\u00e1s e Tapaj\u00f3s<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
<\/td>\nCarj\u00e1s<\/td>\nTapaj\u00f3s<\/td>\nTotal<\/td>\n<\/tr>\n
Gasto Estimado do Estado em R$ bilh\u00f5es<\/td>\n3,676<\/td>\n1,922<\/td>\n5,597<\/td>\n<\/tr>\n
PIB* em R$ bilh\u00f5es<\/td>\n19,232<\/td>\n4,343<\/td>\n23,574<\/td>\n<\/tr>\n
Gasto em %PIB<\/td>\n19,1<\/td>\n44,2<\/td>\n23,74<\/td>\n<\/tr>\n
Receita Or\u00e7ament\u00e1ria Estimada em R$ bilh\u00f5es<\/td>\n2,666<\/td>\n1,057<\/td>\n3,724<\/td>\n<\/tr>\n
D\u00e9ficit Anual Estimado em R$ bilh\u00f5es<\/td>\n1,009<\/td>\n0,864<\/td>\n1,874<\/td>\n<\/tr>\n
Gasto por Habitante em R$<\/td>\n2.681<\/td>\n2.490<\/td>\n2.613<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Os n\u00fameros apontam para um d\u00e9ficit conjunto de 1,8 bilh\u00e3o de reais anuais. Esse valor teria que ser coberto de alguma forma, provavelmente, para n\u00e3o dizer inevitavelmente, pela Uni\u00e3o.<\/p>\n

As informa\u00e7\u00f5es apresentadas n\u00e3o pretendem menosprezar os anseios das popula\u00e7\u00f5es locais por melhores servi\u00e7os p\u00fablicos e qualidade de vida. Muitos dos habitantes dessas regi\u00f5es se sentem negligenciados pelo governo estadual, em muitos casos com raz\u00e3o. O fato de o Par\u00e1 ter amplo territ\u00f3rio faz com que a dist\u00e2ncia entre Bel\u00e9m e os rinc\u00f5es mais long\u00ednquos muitas vezes seja um obst\u00e1culo para a boa governan\u00e7a necess\u00e1ria ao desenvolvimento local. \u00c9 ineg\u00e1vel que governos mais pr\u00f3ximos da popula\u00e7\u00e3o seriam mais responsabiliz\u00e1veis[6]<\/a> e que as regi\u00f5es seriam beneficiadas pela cria\u00e7\u00e3o dos respectivos estados.<\/p>\n

No entanto, podem existir raz\u00f5es menos nobres, de maior ou menor legitimidade por tr\u00e1s das proposi\u00e7\u00f5es de cria\u00e7\u00e3o destes estados. Dentre elas a cria\u00e7\u00e3o de in\u00fameros novos cargos eletivos e de confian\u00e7a que permitiriam uma dilui\u00e7\u00e3o da concorr\u00eancia pol\u00edtica por posi\u00e7\u00f5es p\u00fablicas.<\/p>\n

O dom\u00ednio pol\u00edtico de \u00e1reas potencialmente geradoras de tributos tamb\u00e9m pode ser uma das raz\u00f5es motivadoras dessas proposi\u00e7\u00f5es. A regi\u00e3o que formaria o Estado do Caraj\u00e1s \u00e9 rica em minerais e j\u00e1 conta com uma grande opera\u00e7\u00e3o da Vale. A usina de Belo Monte, a ser constru\u00edda nos pr\u00f3ximos anos, ser\u00e1 localizada em Vit\u00f3ria do Xingu, munic\u00edpio que integraria o estado do Tapaj\u00f3s. Dificilmente o or\u00e7amento monumental dessa opera\u00e7\u00e3o ter\u00e1 passado despercebido.<\/p>\n

Contudo, a principal motiva\u00e7\u00e3o para as proposi\u00e7\u00f5es parece ser a inevitabilidade de aplica\u00e7\u00e3o de recursos federais nas regi\u00f5es ap\u00f3s o surgimento dos novos estados. Seja para construir a infraestrutura f\u00edsica, seja para saldar o d\u00e9ficit que, como foi visto acima, ser\u00e1 criado a partir da cria\u00e7\u00e3o das novas unidades federativas. Parece imposs\u00edvel que n\u00e3o haja aplica\u00e7\u00e3o adicional de fundos da Uni\u00e3o na hip\u00f3tese de concretiza\u00e7\u00e3o da divis\u00e3o.<\/p>\n

Tal ideia \u00e9 facilmente vendida para a popula\u00e7\u00e3o local, geralmente carente de servi\u00e7os p\u00fablicos. A perspectiva de atra\u00e7\u00e3o de novos recursos, inclusive federais, traz uma esperan\u00e7a de que setores como sa\u00fade e educa\u00e7\u00e3o possam ter melhorias significativas. O problema \u00e9 que mais recursos para a regi\u00e3o significam ou menos recursos para outras regi\u00f5es, ou maior tributa\u00e7\u00e3o em n\u00edvel nacional, ou crescimento da d\u00edvida federal. Em uma sociedade democr\u00e1tica, pode-se escolher gastar mais em uma determinada regi\u00e3o, arcando-se com uma dessas conseq\u00fc\u00eancias. O problema aqui \u00e9 que esta forma de atrair recursos federais \u00e9 cara e antiecon\u00f4mica. As estimativas sugerem que a cria\u00e7\u00e3o de um estado novo na federa\u00e7\u00e3o brasileira adiciona ao gasto p\u00fablico total R$ 995 milh\u00f5es[7]<\/a> anualmente, somente para manter as estruturas criadas. Assim, o desmembramento do Par\u00e1 em tr\u00eas estados acrescentar\u00e1 cerca de 2 bilh\u00f5es de reais \u00e0s despesas de governo no Brasil, dos quais, como vimos, cerca de 1,8 bilh\u00e3o n\u00e3o poder\u00e3o ser cobertos por receitas pr\u00f3prias dos novos estados.<\/p>\n

Existem circulando hoje no Congresso Nacional propostas para a cria\u00e7\u00e3o de 13 novos estados e territ\u00f3rios. Caso todas se concretizem, teremos uma federa\u00e7\u00e3o com 37 estados, 3 territ\u00f3rios e cerca de 13 bilh\u00f5es mais cara. Isso sem contar novas proposi\u00e7\u00f5es que poder\u00e3o surgir na esteira do sucesso dos projetos que ora tramitam. Por tudo isso, a divis\u00e3o do Estado do Par\u00e1 n\u00e3o parece ser uma boa id\u00e9ia.<\/p>\n

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