{"id":577,"date":"2011-06-06T09:36:58","date_gmt":"2011-06-06T12:36:58","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=577"},"modified":"2011-06-06T09:36:58","modified_gmt":"2011-06-06T12:36:58","slug":"os-estados-e-municipios-devem-receber-royalties-de-petroleo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=577","title":{"rendered":"Os estados e munic\u00edpios devem receber royalties de petr\u00f3leo?"},"content":{"rendered":"

Ao final de 2010 o Congresso Nacional aprovou um conjunto de leis conhecido como \u201cnovo marco regulat\u00f3rio do petr\u00f3leo\u201d, que \u00e9 um conjunto de regras a serem seguidas na explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo rec\u00e9m-descoberto na camada pr\u00e9-sal[1]<\/a>. O \u00fanico ponto que restou pendente foi o crit\u00e9rio de divis\u00e3o dos royalties<\/em> recebidos pelo setor p\u00fablico entre estados e munic\u00edpios. H\u00e1 uma disputa em que, de um lado est\u00e3o os estados e munic\u00edpios que se situam em frente aos campos mar\u00edtimos de petr\u00f3leo e que se julgam no direito de receber a maior parte dos recursos, e de outro lado est\u00e3o os demais estados e munic\u00edpios, que pleiteiam uma distribui\u00e7\u00e3o equitativa entre todos. Para entender essa disputa, \u00e9 importante responder, primeiro, \u00e0 pergunta que d\u00e1 t\u00edtulo ao texto: por que os estados e munic\u00edpios deveriam receber rendas derivadas da explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo?<\/p>\n

Vejamos o que s\u00e3o os royalties<\/em>. Eles s\u00e3o um pagamento mensal feito ao governo pelas empresas que exploram petr\u00f3leo. No Brasil cobra-se, tamb\u00e9m, a chamada \u201cparticipa\u00e7\u00e3o especial\u201d, que \u00e9 uma esp\u00e9cie de tributa\u00e7\u00e3o sobre o lucro, incidente no caso dos po\u00e7os de alta produtividade. A primeira justificativa para o pagamento de royalties <\/em>e participa\u00e7\u00e3o especial\u00a0 (doravante chamaremos os dois tipos de pagamento apenas de royalties, para simplificar) \u00e9 que o petr\u00f3leo \u00e9 uma riqueza de propriedade do Estado, que deve ser remunerado pela sua extra\u00e7\u00e3o. Colabora o fato de que \u00e9 grande a diferen\u00e7a entre o custo de extra\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo e o seu pre\u00e7o no mercado internacional. A alta margem de lucro permite que o governo se aproprie de parte dos ganhos sem que a atividade deixe de ser atrativa para as empresas exploradoras.<\/p>\n

O segundo ponto \u00e9 que esses recursos s\u00e3o finitos: o petr\u00f3leo que se extrai da terra hoje n\u00e3o estar\u00e1 dispon\u00edvel para as gera\u00e7\u00f5es futuras. Por isso, a cobran\u00e7a de royalties <\/em>e outras compensa\u00e7\u00f5es financeiras pagas pelos extratores de recursos naturais ao governo (existem compensa\u00e7\u00f5es similares na extra\u00e7\u00e3o mineral e no uso de recursos h\u00eddricos) t\u00eam o papel fundamental de equilibrar os interesses da gera\u00e7\u00e3o presente e das gera\u00e7\u00f5es futuras. Trata-se de impor um custo adicional \u00e0 extra\u00e7\u00e3o dos recursos hoje, para dosar o ritmo de seu consumo e permitir que as gera\u00e7\u00f5es futuras tamb\u00e9m disponham de recursos naturais.<\/p>\n

Em geral, s\u00e3o apontadas tr\u00eas justificativas para que os estados e munic\u00edpios participem das receitas de royalties<\/em>. A primeira est\u00e1 associada \u00e0 explora\u00e7\u00e3o de um recurso que pertence ao ente federativo. Como no Brasil os recursos do subsolo pertencem \u00e0 Uni\u00e3o, essa justificativa n\u00e3o se aplica.<\/p>\n

A segunda justificativa \u00e9 que os royalties<\/em> pagos a munic\u00edpios e estados servem para compens\u00e1-los pelos danos ambientais e sociais (atra\u00e7\u00e3o excessiva de m\u00e3o-de-obra para a regi\u00e3o, com os associados problemas de criminalidade, desemprego, etc), al\u00e9m de garantir condi\u00e7\u00f5es \u00e0 expans\u00e3o da urbaniza\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria para receber mais popula\u00e7\u00e3o e mais empresas ligadas \u00e0 explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo.<\/p>\n

A terceira \u00e9 que os estados e munic\u00edpios produtores poderiam utilizar os royalties<\/em> para construir uma base econ\u00f4mica que preparasse a localidade para quando as jazidas se esgotarem, evitando o esvaziamento econ\u00f4mico da regi\u00e3o ap\u00f3s o fim da explora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Por\u00e9m esses argumentos n\u00e3o parecem fortes para o caso brasileiro. Primeiro porque, pelas regras atualmente vigentes (que valem para os po\u00e7os de petr\u00f3leo que n\u00e3o est\u00e3o no pr\u00e9-sal), h\u00e1 um descasamento entre os munic\u00edpios beneficiados e a efetiva localiza\u00e7\u00e3o e impacto da extra\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo. Parte relevante do royalty<\/em> \u00e9 atribu\u00edda aos munic\u00edpios que estejam mais pr\u00f3ximo do po\u00e7o situado na plataforma continental, sem que, necessariamente, o petr\u00f3leo extra\u00eddo daquele po\u00e7o seja processado, embarcado ou gere qualquer impacto adverso de ordem econ\u00f4mica ou ambiental no munic\u00edpio. Esse crit\u00e9rio, conforme registra (Serra 2006, p. 213) \u201cn\u00e3o tem associa\u00e7\u00e3o com o impacto local da atividade de explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo e acaba por tornar alguns munic\u00edpios privilegiados recebedores de um \u2018man\u00e1\u201d<\/em>: recebem dinheiro sem ter o correspondente impacto negativo. Ainda segundo Serra (2006, p. 217), no caso dos munic\u00edpios, apenas 26% do total dos royalties<\/em> referentes \u00e0 produ\u00e7\u00e3o terrestre de petr\u00f3leo guardam alguma rela\u00e7\u00e3o com a intensidade do impacto local da atividade de explora\u00e7\u00e3o, com esse percentual caindo para 8,75% no caso da explora\u00e7\u00e3o em plataforma continental.<\/p>\n

Adicionalmente, a pr\u00f3pria atividade petrol\u00edfera j\u00e1 estimula bastante a atividade local, aumentando substancialmente a base de arrecada\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria. No que diz respeito aos impactos ecol\u00f3gicos, a dist\u00e2ncia entre os campos do pr\u00e9-sal e a costa, de centenas de quil\u00f4metros, torna praticamente imposs\u00edvel associar qualquer dano ecol\u00f3gico ao munic\u00edpio confrontante: o munic\u00edpio efetivamente afetado depender\u00e1 muito mais das correntes mar\u00edtimas e de outros fatores geol\u00f3gicos do que da proximidade do plataforma de explora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Outro problema fundamental \u00e9 que os crit\u00e9rios de partilha atuais geram grande concentra\u00e7\u00e3o dos recursos em alguns poucos munic\u00edpios. De fato, de acordo com Serra (2006, p. 228), 24,3% das rendas petrol\u00edferas devidas a munic\u00edpios s\u00e3o pagos a um \u00fanico munic\u00edpio: Campos de Goytacazes-RJ e os dez maiores benefici\u00e1rios dessas rendas det\u00eam 64% do total distribu\u00eddo.<\/p>\n

Some-se a isso o fato de que os valores transferidos s\u00e3o muito elevados: a participa\u00e7\u00e3o dos estados e munic\u00edpios produtores, dependendo do tipo de po\u00e7o explorado, fica entre 50% e 90% do total dos royalties<\/em>. Mesmo antes de os po\u00e7os do pr\u00e9-sal come\u00e7arem a produzir, j\u00e1 ocorre, hoje, com a imposi\u00e7\u00e3o de royalties sobre os campos em atividade, uma transfer\u00eancia a estados e munic\u00edpios da ordem de R$ 12,1 bilh\u00f5es anuais[2]<\/a>.<\/p>\n

Munic\u00edpios que recebem muito dinheiro de royalties<\/em> sem ter que, ao mesmo tempo, usar esse dinheiro para mitigar os problemas gerados pela explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo, acabam atraindo popula\u00e7\u00e3o, que vem em busca de se beneficiar desse dinheiro. O argumento de que o dinheiro do royalty <\/em>\u00e9 para compensar o aumento de popula\u00e7\u00e3o tem que ser virado de ponta-cabe\u00e7a: \u00e9 o dinheiro do royalty <\/em>que atrai popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Estudo recente[3]<\/a> mostra que, no caso brasileiro, n\u00e3o se detecta um impacto positivo e significativo da explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo nas demais atividades econ\u00f4micas municipais. Logo, a popula\u00e7\u00e3o n\u00e3o teria sido atra\u00edda por novos empregos no setor privado, decorrentes da atividade petrol\u00edfera. Os autores mostram que o principal impacto econ\u00f4mico ocorre via or\u00e7amento p\u00fablico, com a entrada dos royalties<\/em> nos cofres locais. Seria, ent\u00e3o, de se esperar uma expans\u00e3o dos servi\u00e7os p\u00fablicos municipais. Mas os pesquisadores n\u00e3o encontram tal efeito. Aparentemente o dinheiro \u00e9 gasto, mas n\u00e3o produz efeitos em termos de aumento de servi\u00e7os p\u00fablicos prestados ou de qualidade de vida local. Pode-se concluir que boa parte do dinheiro \u00e9 aplicada de forma improdutiva ou \u00e9 desviada.<\/p>\n

Existem evid\u00eancias a esse respeito na literatura. Sousa e Stosic (2003)[4]<\/a>, em um estudo que compara a efici\u00eancia dos munic\u00edpios brasileiros, mostram que h\u00e1 grande concentra\u00e7\u00e3o de munic\u00edpios que s\u00e3o benefici\u00e1rios de royalties <\/em>no grupo dos menos eficientes. Mendes (2005)[5]<\/a> mostra que os principais benefici\u00e1rios de compensa\u00e7\u00f5es financeiras relacionadas ao petr\u00f3leo gastam entre 20% e 50% a mais que a m\u00e9dia dos munic\u00edpios brasileiros com a manuten\u00e7\u00e3o de suas c\u00e2maras de vereadores.<\/p>\n

O que parece ocorrer \u00e9 que, ainda que mal gasto, parte do dinheiro dos royalties<\/em> continua circulando na \u00e1rea de influ\u00eancia econ\u00f4mica dos munic\u00edpios beneficiados. Sal\u00e1rios p\u00fablicos elevados, despesas p\u00fablicas improdutivas e desvios geram uma din\u00e2mica econ\u00f4mica com baixo potencial de gera\u00e7\u00e3o de riqueza futura, mas que \u00e9 capaz de fomentar a demanda local por bens e servi\u00e7os, como constru\u00e7\u00e3o de resid\u00eancias, despesas no com\u00e9rcio, contrata\u00e7\u00e3o de empregados dom\u00e9sticos, etc.<\/p>\n

Em vez de os royalties<\/em> representarem uma indeniza\u00e7\u00e3o aos munic\u00edpios pela futura decad\u00eancia econ\u00f4mica, quando n\u00e3o houver mais petr\u00f3leo na regi\u00e3o, eles criam uma depend\u00eancia do munic\u00edpio em rela\u00e7\u00e3o a esses recursos no presente. Quando acabar a explora\u00e7\u00e3o do petr\u00f3leo e os royalties<\/em> secarem, esses munic\u00edpios n\u00e3o ter\u00e3o constru\u00eddo nenhuma base sustent\u00e1vel para sua atividade econ\u00f4mica e ir\u00e3o, efetivamente, entrar em depress\u00e3o econ\u00f4mica.<\/p>\n

Manter esse modelo distorcido de distribui\u00e7\u00e3o de royalties<\/em>, em um contexto em que os valores se multiplicar\u00e3o devido \u00e0 explora\u00e7\u00e3o do pr\u00e9-sal, n\u00e3o parece ser uma boa id\u00e9ia.<\/p>\n

Por outro lado, tamb\u00e9m n\u00e3o nos parece aconselh\u00e1vel simplesmente dividir os recursos igualmente entre todos os munic\u00edpios e estados. Se isso for feito, tal receita ser\u00e1 mais um recurso a ser aplicado nos gastos correntes, sem perspectiva de que venham a ser adequadamente investidos em favor das gera\u00e7\u00f5es futuras.<\/p>\n

Para ter uma aplica\u00e7\u00e3o eficaz dos recursos dos royalties<\/em> \u00e9 preciso faz\u00ea-lo pensando nas gera\u00e7\u00f5es futuras, que n\u00e3o ter\u00e3o a oportunidade de consumir o petr\u00f3leo que se extrai no presente. Por isso, \u00e9 recomend\u00e1vel que a receita financeira obtida com os royalties<\/em> seja investida para gerar ativos capazes de impulsionar o crescimento econ\u00f4mico hoje e no futuro: infra-estrutura econ\u00f4mica, conhecimento cient\u00edfico, preserva\u00e7\u00e3o ambiental.<\/p>\n

Parte significativa das pol\u00edticas geradoras de ativos em favor das gera\u00e7\u00f5es futuras diz respeito a a\u00e7\u00f5es t\u00edpicas do Governo Federal. \u00c9 a esse n\u00edvel de governo que cabem as principais a\u00e7\u00f5es de investimentos em ci\u00eancia e tecnologia, prote\u00e7\u00e3o ambiental e amplia\u00e7\u00e3o da infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, etc.). \u00c9 pequeno o papel que os municipais podem fazer nessas \u00e1reas; com os governos estaduais tendo algum espa\u00e7o para atuar em tais \u00e1reas.<\/p>\n

H\u00e1 uma outra \u00e1rea de investimento nas gera\u00e7\u00f5es futuras, a educa\u00e7\u00e3o, para a qual estados e munic\u00edpios podem contribuir bastante. No entanto, seria importante criar mecanismos que garantissem a efetiva aplica\u00e7\u00e3o dos royalties<\/em> nas escolas p\u00fablicas estaduais e municipais.<\/p>\n

Pelo exposto, seria interessante redesenhar a partilha dos royalties<\/em> do pr\u00e9-sal com base nos seguintes princ\u00edpios:<\/p>\n