{"id":474,"date":"2011-04-18T07:00:59","date_gmt":"2011-04-18T10:00:59","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=474"},"modified":"2011-04-18T09:26:37","modified_gmt":"2011-04-18T12:26:37","slug":"a-taxa-de-juros-e-a-principal-causa-dos-desequilibrios-macroeconomicos-do-brasil-e-ainda-o-copom-pode-ser-substituido-por-um-computador","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=474","title":{"rendered":"A taxa de juros \u00e9 a principal causa dos desequil\u00edbrios macroecon\u00f4micos do Brasil (e ainda, o Copom pode ser substitu\u00eddo por um computador)?"},"content":{"rendered":"

Quando se discutem os problemas macroecon\u00f4micos do Brasil, frequentemente surge o diagn\u00f3stico de que a causa de nossos males \u00e9 a alta taxa de juros. Basicamente, h\u00e1 quatro canais pelos quais os juros altos prejudicariam a economia:<\/p>\n

i)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 os juros altos desestimulam o investimento, o que, por sua vez, reduz a aumento da capacidade produtiva. Ao final do processo, a economia n\u00e3o cresce e cria-se um c\u00edrculo vicioso: a baixa oferta provoca mais infla\u00e7\u00e3o, que faz os juros subirem mais, que inibe novos investimentos, o que, ao final, leva a taxas de investimento mais baixas;<\/p>\n

ii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 os juros altos tamb\u00e9m desestimulam o consumo, porque tornam o consumo presente (em contraposi\u00e7\u00e3o ao consumo futuro) muito caro. O indiv\u00edduo passa a considerar mais seriamente a hip\u00f3tese de consumir menos hoje e utilizar os recursos poupados (acrescidos dos juros) para consumir mais no futuro. Sem ter consumidores, os empres\u00e1rios decidem reduzir sua produ\u00e7\u00e3o, e diminuem as contrata\u00e7\u00f5es. Mais gente sem emprego significa menos consumo, e o c\u00edrculo vicioso se perpetuaria;<\/p>\n

iii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 em situa\u00e7\u00f5es favor\u00e1veis no mercado internacional, os juros altos apreciam a taxa de c\u00e2mbio porque tornam aplica\u00e7\u00f5es em t\u00edtulos brasileiros mais atraentes. A taxa de c\u00e2mbio apreciada reduziria a competitividade da ind\u00fastria nacional, prejudicando nossas exporta\u00e7\u00f5es e emprego;<\/p>\n

iv)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 os juros altos aumentam o custo da d\u00edvida. O governo tem ent\u00e3o de desviar cada vez mais recursos do or\u00e7amento para pagar a d\u00edvida, deixando de realizar gastos considerados mais produtivos, seja investindo em infraestrutura, educa\u00e7\u00e3o ou em programas sociais.<\/p>\n

Pretendo argumentar neste artigo que a taxa de juros n\u00e3o \u00e9 causa, mas conseq\u00fc\u00eancia de outros desequil\u00edbrios de nossa economia. Para tanto, explicarei como funciona o regime de metas para a infla\u00e7\u00e3o. Por falta de espa\u00e7o, n\u00e3o discutirei a import\u00e2ncia de se manter a infla\u00e7\u00e3o baixa e est\u00e1vel. Mas, para citar somente um dos problemas com infla\u00e7\u00e3o alta, basta lembrar que, quanto mais alta e vol\u00e1til a infla\u00e7\u00e3o, mais dif\u00edcil se torna fazer previs\u00f5es sobre infla\u00e7\u00f5es futuras. Assim, quanto mais alta a infla\u00e7\u00e3o, maior o desest\u00edmulo para contratos de longo prazo, com s\u00e9rios preju\u00edzos para o desenvolvimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

Explicaremos ent\u00e3o por que o regime de metas para a infla\u00e7\u00e3o pode contribuir para que a infla\u00e7\u00e3o seja mantida em n\u00edveis baixos e est\u00e1veis. Aproveitaremos a oportunidade para responder a segunda pergunta do t\u00edtulo: o Copom (Comit\u00ea de Pol\u00edtica Monet\u00e1ria, \u00f3rg\u00e3o colegiado do Banco Central que decide a taxa de juros) pode ser substitu\u00eddo por um computador? A resposta para essa pergunta \u00e9 um claro n\u00e3o.<\/p>\n

Sinteticamente, um regime de metas para a infla\u00e7\u00e3o \u00e9 um regime em que o banco central utiliza os instrumentos de que disp\u00f5e para fazer com que a infla\u00e7\u00e3o atinja uma meta pr\u00e9-estabelecida.<\/p>\n

Uma caracter\u00edstica fundamental do regime de metas \u00e9 que a infla\u00e7\u00e3o \u00e9 o \u00fanico objetivo da pol\u00edtica monet\u00e1ria. Ao descartar outros objetivos, como c\u00e2mbio ou taxa de crescimento do PIB, o regime de metas ajuda a ancorar as expectativas dos agentes, aumentando a previsibilidade da infla\u00e7\u00e3o. N\u00e3o \u00e9 que c\u00e2mbio e PIB n\u00e3o interessem para o banco central. Indiretamente, como essas vari\u00e1veis afetam a infla\u00e7\u00e3o, elas influenciam as decis\u00f5es sobre pol\u00edtica monet\u00e1ria.<\/p>\n

H\u00e1 v\u00e1rias cr\u00edticas no sentido de que o banco central n\u00e3o se importa com o crescimento do PIB. Em primeiro lugar, j\u00e1 vimos que isso \u00e9 incorreto porque o n\u00edvel de atividade influencia a infla\u00e7\u00e3o. Em segundo lugar, conforme ser\u00e1 discutido mais adiante, h\u00e1 situa\u00e7\u00f5es em que o banco central deve optar por deixar a infla\u00e7\u00e3o subir, para n\u00e3o prejudicar o crescimento econ\u00f4mico. Mas, por que o banco central n\u00e3o deve ter o PIB como meta? Trata-se da escolha do instrumento correto para cada tipo de problema. O crescimento do produto \u00e9 uma vari\u00e1vel real, que depende de fatores estruturais da economia, como disponibilidade de capital (f\u00edsico e humano), de recursos naturais, produtividade, garantia do direito de propriedade e ambiente institucional. A pol\u00edtica monet\u00e1ria consegue influenciar o PIB, se muito, no curto e m\u00e9dio prazo. No longo prazo, a pol\u00edtica monet\u00e1ria influencia somente o n\u00edvel de pre\u00e7os. \u00c9 mais eficiente, portanto, que a pol\u00edtica monet\u00e1ria cuide somente dos pre\u00e7os, utilizando os instrumentos de forma a conduzir a expectativa dos agentes econ\u00f4micos em dire\u00e7\u00e3o \u00e0 meta, e deixar que outros instrumentos sejam utilizados para garantir a estabilidade do produto.<\/p>\n

No Brasil, a meta \u00e9 estabelecida pelo Conselho Monet\u00e1rio Nacional (CMN) e, atualmente, est\u00e1 fixada em 4,5% para o IPCA (\u00cdndice de Pre\u00e7os ao Consumidor Amplo, divulgado pelo IGBE), com intervalo de toler\u00e2ncia de 2 pontos percentuais. A meta \u00e9 estabelecida para o ano calend\u00e1rio. Assim, o Banco Central do Brasil (Bacen) ter\u00e1 cumprido a meta se a infla\u00e7\u00e3o acumulada no ano at\u00e9 dezembro ficar entre 2,5% e 6,5%. Se n\u00e3o tiver cumprido, ter\u00e1 de redigir uma carta aberta ao Ministro da Fazenda explicando por que n\u00e3o cumpriu, o que far\u00e1 para que a infla\u00e7\u00e3o retorne \u00e0 meta e em quanto tempo espera que esse retorno se verifique. Observe que, se ao longo do ano, a infla\u00e7\u00e3o acumulada nos doze meses anteriores superar 6,5%, n\u00e3o h\u00e1 problemas: a meta s\u00f3 \u00e9 aferida em dezembro.<\/p>\n

O Bacen disp\u00f5e de alguns instrumentos para conter a infla\u00e7\u00e3o. O principal deles \u00e9 o controle da taxa de juros b\u00e1sica da economia, chamada de taxa Selic. A meta para a taxa Selic \u00e9 decidida nas reuni\u00f5es do Comit\u00ea de Pol\u00edtica Monet\u00e1ria (Copom), que se re\u00fane oito vezes por ano. O Comit\u00ea \u00e9 formado pela diretoria do Banco Central, e a decis\u00e3o sobre a Selic \u00e9 tomada pela maioria dos membros, n\u00e3o havendo (e, frequentemente, n\u00e3o ocorrendo) necessidade de unanimidade. Um aumento da taxa de juros ajuda a combater a infla\u00e7\u00e3o por meio de dois canais principais: demanda agregada e c\u00e2mbio.<\/p>\n

Um aumento da taxa de juros desestimula o investimento e o consumo, conforme explicado nos primeiros par\u00e1grafos deste texto. Diante de uma menor demanda, os pre\u00e7os tendem a cair, o que reduz a infla\u00e7\u00e3o. H\u00e1 tamb\u00e9m o canal do c\u00e2mbio, descrito no in\u00edcio do texto: um aumento da taxa de juros estimula a entrada de capital externo no pa\u00eds. Isso aumenta a oferta de divisas, o que faz com que seu pre\u00e7o caia. Visto de outra forma, a queda do pre\u00e7o das divisas corresponde a uma aprecia\u00e7\u00e3o do real. Isso torna os produtos importados mais baratos, e limita a capacidade de reajuste de pre\u00e7os em reais dos produtos export\u00e1veis. Assim, pelo canal de c\u00e2mbio, um aumento da taxa de juros tamb\u00e9m tem o impacto de reduzir a infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Destaca-se que h\u00e1 v\u00e1rias outras taxas de juros na economia: as taxas variam conforme o prazo do empr\u00e9stimo, conforme o tomador (pessoa f\u00edsica ou jur\u00eddica, governo ou setor privado), conforme a modalidade do cr\u00e9dito (cart\u00e3o de cr\u00e9dito, cheque especial, cr\u00e9dito para aquisi\u00e7\u00e3o de ve\u00edculos, financiamento imobili\u00e1rio, hot money<\/em>, etc). Ainda assim, as demais taxas tendem a acompanhar a Selic, de forma que, quando a Selic varia, as demais taxas tendem a variar na mesma dire\u00e7\u00e3o. Dessa forma, ao ter o poder de fixar a Selic, o Bacen consegue influenciar (o que \u00e9 diferente de determinar) as demais taxas de juros da economia.<\/p>\n

H\u00e1 outros instrumentos \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o do Banco Central, como al\u00edquota de dep\u00f3sitos compuls\u00f3rios, requerimento de capital ou a taxa de assist\u00eancia financeira de liquidez. Mas, para o argumento que se segue, \u00e9 indiferente discutir qual o instrumento utilizado, de forma que podemos simplificar a exposi\u00e7\u00e3o nos referindo somente \u00e0 taxa Selic, ou taxa de juros.<\/p>\n

A regra geral para a atua\u00e7\u00e3o do banco central em um regime de metas seria aumentar os juros (ou usar outros instrumentos com o objetivo de reduzir a infla\u00e7\u00e3o) quando projetar uma infla\u00e7\u00e3o acima da meta, e reduzir os juros (ou usar devidamente os demais instrumentos) quando a infla\u00e7\u00e3o projetada for inferior \u00e0 meta.<\/p>\n

Mas as decis\u00f5es do Copom s\u00e3o bem mais complexas do que o descrito acima. Em primeiro lugar, n\u00e3o existe a<\/span> <\/strong>proje\u00e7\u00e3o de infla\u00e7\u00e3o. Haver\u00e1 tantas proje\u00e7\u00f5es quantos modelos existentes. Haver\u00e1 modelos projetando infla\u00e7\u00e3o acima da meta, outros abaixo da meta. Haver\u00e1 ainda modelos projetando infla\u00e7\u00e3o acima da meta para o ano corrente, e abaixo da meta para o ano seguinte.<\/p>\n

Em segundo lugar, h\u00e1 tamb\u00e9m incertezas sobre como a infla\u00e7\u00e3o reagir\u00e1 a varia\u00e7\u00f5es nos juros. N\u00e3o somente as estimativas oferecem diferentes respostas, como essa rea\u00e7\u00e3o depender\u00e1 de circunst\u00e2ncias espec\u00edficas do momento em que a decis\u00e3o for tomada. Por exemplo, o an\u00fancio de um aumento da taxa de juros ter\u00e1 um impacto mais forte sobre a infla\u00e7\u00e3o se a diretoria do banco central gozar de maior credibilidade junto \u00e0 sociedade.<\/p>\n

Em terceiro lugar, a melhor resposta do banco central depende dos choques que atingem a economia: se o choque \u00e9 de demanda ou de custos.<\/p>\n

Choques de demanda s\u00e3o choques associados a aumentos inesperados de componentes da demanda agregada, como consumo, investimento, gastos do governo ou exporta\u00e7\u00f5es. Por exemplo, um aumento de gastos do governo; um estado de maior euforia da popula\u00e7\u00e3o, que estimula o consumo (digamos, em decorr\u00eancia de ganhar a Copa do Mundo); ou um aumento da demanda externa por nossas exporta\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

J\u00e1 choques de custos est\u00e3o normalmente associados a fatores que aumentam os custos de produ\u00e7\u00e3o, ou a varia\u00e7\u00f5es na oferta. \u00c9 o caso de quebras de safra, de uma mudan\u00e7a no estado de confian\u00e7a dos mercados internacionais (que afetam diretamente a taxa de c\u00e2mbio), de aumentos salariais acima da produtividade do trabalho (por exemplo, em decorr\u00eancia da fixa\u00e7\u00e3o de um novo sal\u00e1rio m\u00ednimo) ou de trag\u00e9dias naturais.<\/p>\n

A rea\u00e7\u00e3o dos juros tamb\u00e9m depende da dura\u00e7\u00e3o esperada do choque. O problema \u00e9 que s\u00f3 sabemos a dura\u00e7\u00e3o do choque quando ele termina. Quando o Copom se re\u00fane, tem de definir a taxa Selic sem saber qual ser\u00e1 a dura\u00e7\u00e3o desse choque (por exemplo, quanto tempo durar\u00e1 a crise financeira internacional).<\/p>\n

De acordo com a teoria econ\u00f4mica, o banco central deve tentar neutralizar integralmente o impacto inflacion\u00e1rio de choques de demanda. Intuitivamente, choques de demanda tendem a aumentar a infla\u00e7\u00e3o e deixar a economia superaquecida (produzindo acima daquilo que \u00e9 capaz de produzir em condi\u00e7\u00f5es normais). Um aumento da taxa de juros teria o efeito simult\u00e2neo de pressionar a infla\u00e7\u00e3o para baixo e permitir que a economia volte a operar em um ritmo normal.<\/p>\n

J\u00e1 choques de custos tendem a pressionar a infla\u00e7\u00e3o e a levar a economia para uma situa\u00e7\u00e3o de desemprego porque desestimulam a produ\u00e7\u00e3o. Se o banco central tentar neutralizar totalmente o impacto inflacion\u00e1rio de um choque de oferta, aumentando os juros, poder\u00e1 ser bem sucedido em fazer a infla\u00e7\u00e3o voltar para a meta, mas agravar\u00e1 o problema do desemprego. Por esse motivo, a teoria recomenda que o banco central acomode parcialmente um choque de oferta, deixando a infla\u00e7\u00e3o subir um pouco, para preservar o produto no curto prazo.<\/p>\n

Observe que isso n\u00e3o \u00e9 contradit\u00f3rio com o fato de o banco central ter como \u00fanico objetivo controlar a infla\u00e7\u00e3o. Est\u00e1-se apenas sacrificando um pouco da infla\u00e7\u00e3o para evitar uma queda forte do produto no curto prazo, o que \u00e9 diferente de dizer que a pol\u00edtica monet\u00e1ria est\u00e1 orientada para garantir que o crescimento do PIB atinja determinado n\u00edvel. Por outro lado, se o custo a ser pago pela manuten\u00e7\u00e3o do crescimento do PIB for uma forte acelera\u00e7\u00e3o da infla\u00e7\u00e3o, o banco central poder\u00e1 optar\u00e1 por elevar os juros e manter a infla\u00e7\u00e3o na meta.<\/p>\n

Novamente, a teoria \u00e9 bem mais f\u00e1cil que a pr\u00e1tica. Muitas vezes, o mesmo fen\u00f4meno traz impactos semelhantes a choques de demanda e de oferta, simultaneamente, e em sentidos opostos. Por exemplo, no in\u00edcio da crise financeira internacional, no segundo semestre de 2008, o aumento da avers\u00e3o ao risco fez com que houvesse uma tend\u00eancia de desvaloriza\u00e7\u00e3o do real. Isso corresponderia a um choque de custos. Mas, ao mesmo tempo, a crise financeira empurrou o mundo para uma recess\u00e3o, o que provocou queda no pre\u00e7o das commodities<\/em> e na demanda por nossas exporta\u00e7\u00f5es. Isso corresponde a um choque negativo de demanda. Coube ao Banco Central avaliar qual desses impactos seria o mais relevante para a nossa trajet\u00f3ria de infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Outro exemplo de evento com conseq\u00fc\u00eancias em dire\u00e7\u00f5es opostas \u00e9 o terremoto acompanhado de tsunami que atingiu o Jap\u00e3o em mar\u00e7o. Por um lado, h\u00e1 um claro choque de oferta: perda de capital f\u00edsico, problemas para gera\u00e7\u00e3o de energia, e os estragos em geral diminu\u00edram a capacidade produtiva da economia e, portanto, tem um impacto inflacion\u00e1rio em todos os pa\u00edses que t\u00eam v\u00ednculos econ\u00f4micos relevantes com o Jap\u00e3o. Mas a trag\u00e9dia natural trouxe tamb\u00e9m uma forte deteriora\u00e7\u00e3o nas expectativas dos agentes acerca do ritmo da atividade econ\u00f4mica, o que pode ser interpretado como um choque de demanda negativo, com impacto deflacion\u00e1rio.<\/p>\n

Todas as incertezas colocadas acima mostram o qu\u00e3o dif\u00edcil e subjetivo deve ser a decis\u00e3o a respeito da taxa de juros. Ao contr\u00e1rio do que muitos sup\u00f5em, a decis\u00e3o sobre taxa de juros pode ser tudo, menos mecanicista. Modelos econ\u00f4micos podem ajudar a orientar o Copom, mas a decis\u00e3o \u00e9, antes de tudo, subjetiva: a op\u00e7\u00e3o entre diferentes modelos de previs\u00e3o; a interpreta\u00e7\u00e3o da natureza do choque; e o quanto o Banco Central est\u00e1 disposto a tolerar de infla\u00e7\u00e3o para reduzir o sacrif\u00edcio em termos de produto; tudo isso depende da interpreta\u00e7\u00e3o e das prefer\u00eancias de cada membro do Comit\u00ea.<\/p>\n

Tendo respondido a segunda pergunta (o Copom pode ser substitu\u00eddo por um computador), retornemos \u00e0 primeira pergunta: os juros s\u00e3o a causa de nossos problemas?<\/p>\n

Ora, se os juros constituem uma ferramenta para conter as press\u00f5es inflacion\u00e1rias, as causas de nossos problemas n\u00e3o podem ser os juros. O problema est\u00e1 nos fatores que causam as press\u00f5es inflacion\u00e1rias. Nos \u00faltimos anos vimos que, dificilmente, conseguimos sustentar taxas anualizadas de crescimento de 4,5% a.a. por v\u00e1rios semestres seguidos, sem pressionar a infla\u00e7\u00e3o. O Banco Central \u00e9 ent\u00e3o obrigado a reagir, aumentando a taxa de juros. Mas, e se o Bacen n\u00e3o reagisse? A economia continuaria crescendo indefinidamente a 5% a.a.? A resposta \u00e9 n\u00e3o!<\/p>\n

A infla\u00e7\u00e3o \u00e9 resultado de um excesso de demanda em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 oferta (seja porque a demanda aumentou ou porque a oferta diminuiu). Quando o Banco Central aumenta os juros, o desequil\u00edbrio entre demanda e oferta \u00e9 solucionado, principalmente, via redu\u00e7\u00e3o da demanda (embora n\u00e3o se possa ignorar que a aprecia\u00e7\u00e3o cambial permite um aumento da oferta de bens, via importa\u00e7\u00f5es).<\/p>\n

Se o Banco Central n\u00e3o reagir, o equil\u00edbrio, a solu\u00e7\u00e3o de mercado \u00e9 um aumento da infla\u00e7\u00e3o, pois o aumento de pre\u00e7os reduz a renda real e desestimula a demanda (tamb\u00e9m \u00e9 poss\u00edvel um impacto favor\u00e1vel sobre a oferta, pois aumentos de pre\u00e7os estimulam as empresas a produzir e vender mais, mas esse impacto tende a se reduzir \u00e0 medida que a infla\u00e7\u00e3o se torna mais alta e menos previs\u00edvel).<\/p>\n

\u00c9 poss\u00edvel tamb\u00e9m uma solu\u00e7\u00e3o extra-mercado, por exemplo, um racionamento. O racionamento faz justamente o papel do aumento de pre\u00e7os para conter a demanda, por\u00e9m, de forma mais ineficiente e insustent\u00e1vel no longo prazo. Ou seja, em todas as op\u00e7\u00f5es, a economia retornar\u00e1 para um novo equil\u00edbrio, com demanda (e, consequentemente, renda) menor. A diferen\u00e7a \u00e9 que, com o Banco Central atuando de forma correta, esse equil\u00edbrio \u00e9 atingido com infla\u00e7\u00e3o mais baixa.<\/p>\n

E por que n\u00e3o aumentar a oferta? Em primeiro lugar, isso \u00e9 muito dif\u00edcil no curto prazo (a n\u00e3o ser via aumento de importa\u00e7\u00f5es). No m\u00e9dio e longo prazos, \u00e9 poss\u00edvel, aumentando a produtividade da economia e os investimentos. Mas, para tanto, s\u00e3o necess\u00e1rias diversas reformas, frequentemente divulgadas na imprensa: redu\u00e7\u00e3o do tamanho do Estado na economia; maior efici\u00eancia dos gastos p\u00fablicos, com aumento da propor\u00e7\u00e3o de investimentos em rela\u00e7\u00e3o aos gastos correntes; maior investimento (p\u00fablico e privado) em educa\u00e7\u00e3o e qualifica\u00e7\u00e3o de m\u00e3o-de-obra; melhoria do ambiente institucional, com maior garantia para cumprimento de contratos; e aumento da poupan\u00e7a p\u00fablica e privada, necess\u00e1rio para financiar o aumento de investimentos[1]<\/a>. Para tanto, devem-se aprovar reformas que reduzam os gastos p\u00fablicos e o consumo privado. Desvincula\u00e7\u00e3o do uso de receitas governamentais, redu\u00e7\u00e3o de gastos obrigat\u00f3rios, uma pol\u00edtica mais realista para o sal\u00e1rio m\u00ednimo e uma reforma da previd\u00eancia que migrasse para o regime de capitaliza\u00e7\u00e3o individual poderiam contribuir para o aumento da poupan\u00e7a dom\u00e9stica.<\/p>\n

Em suma, a taxa de juros Selic \u00e9 um instrumento para conter a infla\u00e7\u00e3o no curto prazo. Garantir as condi\u00e7\u00f5es para crescimento mais acelerado e infla\u00e7\u00e3o mais baixa no longo prazo depende de pol\u00edticas e instrumentos que est\u00e3o fora do controle do Banco Central, e que devem ser da responsabilidade de todo o governo, em especial dos Minist\u00e9rios da Fazenda e do Planejamento.<\/p>\n

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