{"id":431,"date":"2011-04-06T07:13:12","date_gmt":"2011-04-06T10:13:12","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=431"},"modified":"2011-04-12T11:19:57","modified_gmt":"2011-04-12T14:19:57","slug":"valeu-a-pena-privatizar-a-vale","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=431","title":{"rendered":"Valeu a pena privatizar a Vale?"},"content":{"rendered":"

Baixada a poeira da campanha presidencial, talvez j\u00e1 seja poss\u00edvel avaliar de forma menos emotiva os efeitos da privatiza\u00e7\u00e3o. Antes tarde do que nunca. Inferir os efeitos da introdu\u00e7\u00e3o de gest\u00e3o privada no desempenho de uma empresa n\u00e3o \u00e9 tarefa f\u00e1cil. Exige que se compare o desempenho da empresa como ela \u00e9 hoje com o desempenho de uma empresa que n\u00e3o existe: uma Vale do Rio Doce que n\u00e3o tivesse sido privatizada e estivesse funcionando hoje. Essa seria a situa\u00e7\u00e3o ideal: duas empresas id\u00eanticas, enfrentando condi\u00e7\u00f5es de mercado id\u00eanticas, no mesmo momento hist\u00f3rico e econ\u00f4mico, tendo como \u00fanica diferen\u00e7a o fato de uma ser privada e a outra ser estatal. Nesse caso, se poderia atribuir a diferen\u00e7a dos retornos econ\u00f4micos das duas empresas \u00e0 \u00fanica caracter\u00edstica que as distingue: ser estatal ou privada. \u00c9 o que os economistas chamam de\u00a0 \u201cexerc\u00edcio contra-factual\u201d: qual seria o retorno da empresa privatizada se ela tivesse permanecido sob controle estatal?<\/p>\n

Se as empresas de um mesmo setor fossem privatizadas aleatoriamente, comparar\u00edamos os retornos das empresas privatizadas com os das p\u00fablicas, como fazem pesquisadores de um laborat\u00f3rio farmac\u00eautico quando testam uma nova droga, trabalhando, de forma controlada, com dois grupos: um de tratamento (que recebe a droga) e outro de controle (que toma um placebo). Para o bem ou para o mal, o acesso a tais experimentos nas ci\u00eancias sociais \u00e9 limitado.\u00a0 Empresas n\u00e3o s\u00e3o privatizadas aleatoriamente. Por exemplo, o setor privado tem mais interesse por empresas mal geridas porque os ganhos com a troca de controle s\u00e3o maiores. Assim, a melhora na gest\u00e3o pode ocorrer tanto por revers\u00e3o \u00e0 m\u00e9dia (como diria o Tiririca, \u2018pior do que est\u00e1 n\u00e3o fica\u2019), ou porque, de fato, a gest\u00e3o privada \u00e9 mais eficiente.<\/p>\n

Tomemos o caso da VALE. Ao analisar seus retornos nos \u00faltimos anos, a primeira impress\u00e3o \u00e9 que a privatiza\u00e7\u00e3o melhorou espetacularmente seu desempenho. Entre junho de 1997 e janeiro de 2011, a ADR (American Depositary Receipts)[1]<\/a> da VALE gerou um retorno nominal em d\u00f3lar (incluindo distribui\u00e7\u00e3o de dividendos) de incr\u00edveis 3.019%. No entanto, no mesmo per\u00edodo, o principal produto vendido pela VALE, o min\u00e9rio de ferro, tamb\u00e9m se valorizou fortemente em decorr\u00eancia do aumento da demanda advinda da China. Entre 2003 (primeiro ano para o qual h\u00e1 dados dispon\u00edveis) e 2010, o pre\u00e7o do min\u00e9rio de ferro CIF[2]<\/a> na China subiu 750%, tendo a maior parte desse aumento ocorrido a partir de 2005 quando, coincidentemente ou n\u00e3o, o retorno da VALE se acentua. Como o aumento do pre\u00e7o do min\u00e9rio n\u00e3o tem a ver com a privatiza\u00e7\u00e3o, parte do retorno n\u00e3o pode ser atribu\u00edda \u00e0 troca de gest\u00e3o.<\/p>\n

Resta perguntar o seguinte: a privatiza\u00e7\u00e3o explica a diferen\u00e7a entre os 3.019% de retorno do papel e a aprecia\u00e7\u00e3o de 750% no pre\u00e7o do min\u00e9rio?<\/p>\n

A quantidade produzida aumentou 70% entre 2003 e 2010. Para evitar qualquer alega\u00e7\u00e3o de que nossas conclus\u00f5es dependem disso, faremos a suposi\u00e7\u00e3o her\u00f3ica de que a privatiza\u00e7\u00e3o em nada contribuiu para o aumento de sua produ\u00e7\u00e3o. Ou seja, a capacidade adicional j\u00e1 estaria dispon\u00edvel ou seria facilmente adicionada mesmo sob controle estatal.<\/p>\n

Tamb\u00e9m para simplificar a argumenta\u00e7\u00e3o, suporemos que o custo unit\u00e1rio subiu proporcionalmente com o pre\u00e7o. Assim, a margem de lucro teria crescido os mesmos 750% do aumento de pre\u00e7os (se pre\u00e7os e custos de produzir uma unidade sobem na mesma propor\u00e7\u00e3o, o lucro por unidade, definido como a diferen\u00e7a entre pre\u00e7o e custo, tamb\u00e9m cresce nessa mesma propor\u00e7\u00e3o). Nesse caso, o lucro da empresa subiria 1.345%[3]<\/a>, devido ao aumento de 70% na quantidade vendida e ao aumento de 750% na margem de lucro.<\/p>\n

Ou seja, h\u00e1 uma diferen\u00e7a substancial entre o aumento do lucro da empresa (acima calculado em 1.345%) e o retorno nominal dos ADR (de 3.019%). S\u00e3o\u00a0 1.674 pontos percentuais (pp) do retorno do ADR que ainda n\u00e3o est\u00e3o explicados por aumento de pre\u00e7os e de quantidades vendidas, sob a hip\u00f3tese de que o custo unit\u00e1rio subiu junto com o pre\u00e7o.<\/p>\n

Portanto, a nossa hip\u00f3tese de que o custo unit\u00e1rio de produ\u00e7\u00e3o havia subido tanto quanto o pre\u00e7o parece n\u00e3o se aplicar. Ser\u00e1 que foi a troca para a gest\u00e3o privada que derrubou os custos e aumentou o lucro e o retorno da empresa? Ou ter\u00e3o sido economias de escala[4]<\/a> que geraram os ganhos?<\/p>\n

Na aus\u00eancia de experimentos controlados, que permitam comparar a Vale privada a uma inexistente Vale estatal, emulamos o que seriam grupos de tratamento e controle. As tr\u00eas maiores empresas de minera\u00e7\u00e3o s\u00e3o listadas em bolsas de valores: BHP, Rio Tinto (RIO) e VALE. As duas primeiras sempre foram privadas. J\u00e1 a VALE, como sabemos, foi privatizada em 1997. A RIO \u00e9 mais compar\u00e1vel com a VALE porque sua exposi\u00e7\u00e3o ao min\u00e9rio de ferro \u00e9 maior do que a da BHP (62% versus 34% da margem EBITDA em 2010).<\/p>\n

A l\u00f3gica do argumento para inferir o efeito da gest\u00e3o privada na VALE \u00e9 simples. A menos da privatiza\u00e7\u00e3o, RIO e VALE foram basicamente expostas aos mesmos choques (por exemplo., aumento de demanda na China). \u00c9 razo\u00e1vel, portanto, atribuir diferen\u00e7as de rentabilidade \u00e0 mudan\u00e7a de gest\u00e3o na VALE.\u00a0 A Figura 1[5]<\/a> mostra a evolu\u00e7\u00e3o dos retornos das ADRs de RIO e de VALE desde maio de 1995 (incluindo dividendos). Entre junho de 1997 e janeiro de 2011, a diferen\u00e7a nos retornos \u00e9 de impressionantes 1.696 pp. Sobre isso, cinco coment\u00e1rios:<\/p>\n

1.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Antes da privatiza\u00e7\u00e3o, o retorno da RIO aumentou mais do que o da VALE. Portanto, a diferen\u00e7a n\u00e3o pode ser explicada por diferentes tend\u00eancias pr\u00e9-privatiza\u00e7\u00e3o. Como os retornos s\u00e3o muito baixos em rela\u00e7\u00e3o aos atuais, n\u00e3o fica muito evidente no gr\u00e1fico que a RIO tinha maior retorno que a VALE no per\u00edodo.<\/p>\n

2.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 O frete transoce\u00e2nico aumentou 400% entre setembro 2005 e setembro de 2008. A base de opera\u00e7\u00f5es da RIO \u00e9 na Austr\u00e1lia, mais perto da China. Portanto, o aumento no pre\u00e7o do frete prejudica mais o lucro da VALE do que da RIO (o que torna o nosso argumento ainda mais robusto: a Vale privatizada teve retorno maior que a RIO, mesmo enfrentando maiores custos de transporte).<\/p>\n

3.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 A exposi\u00e7\u00e3o da RIO ao min\u00e9rio de ferro \u00e9 menor, mas, incorporando-se a opera\u00e7\u00e3o de cobre, as exposi\u00e7\u00f5es agregadas em cobre e ferro s\u00e3o parecidas e o pre\u00e7o do cobre subiu tanto quanto o do min\u00e9rio.<\/p>\n

4.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Quaisquer ganhos de escala que a VALE possa ter tido s\u00e3o parecidos com os que a RIO teve, pois ambas trabalham com processos produtivos similares.<\/p>\n

5.\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 Os m\u00faltiplos[6]<\/a> pagos por empresas brasileiras aumentaram porque o Brasil melhorou institucionalmente; como Austr\u00e1lia j\u00e1 era um pa\u00eds organizado em 1997, os m\u00faltiplos n\u00e3o aumentaram muito por l\u00e1. Por isso o Ibovespa subiu mais do que o AUS 200 (principal \u00edndice australiano), e isso n\u00e3o \u00e9 m\u00e9rito da privatiza\u00e7\u00e3o da Vale. Entre junho de 1997 e janeiro de 2011, o Ibovespa teve um retorno real de 210%, contra 28% do AUS 200. Ou seja, 182 pontos percentuais da diferen\u00e7a se devem \u00e0 melhoria do Brasil em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Austr\u00e1lia.<\/p>\n

Tirando esses 182 p.p. que diferenciam os dois pa\u00edses da diferen\u00e7a de retorno entre as duas empresas (1.696 p.p), restam ainda impressionantes 1.514 p.p. de valoriza\u00e7\u00e3o do ADR da Vale em rela\u00e7\u00e3o ao da RIO. A explica\u00e7\u00e3o para tal\u00a0 diferen\u00e7a \u00e9 a privatiza\u00e7\u00e3o;\u00a0 a mudan\u00e7a que afetou apenas a Vale.<\/p>\n

Por fim, considerando apenas o per\u00edodo \u201cpr\u00e9-China\u201d, a diferen\u00e7a de retornos foi de 231 pontos percentuais.<\/p>\n

Os benef\u00edcios da privatiza\u00e7\u00e3o foram amplificados durante o boom<\/em>, fen\u00f4meno n\u00e3o surpreendente para os especialistas em Economia das Organiza\u00e7\u00f5es. As mudan\u00e7as de gest\u00e3o dificilmente s\u00e3o cont\u00ednuas. Em geral, s\u00e3o necess\u00e1rios choques ex\u00f3genos significativos (inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas, aumento substancial do pre\u00e7o de um insumo relevante, ou eleva\u00e7\u00f5es de pre\u00e7os dos produtos vendidos) para que tais mudan\u00e7as sejam iniciadas. Al\u00e9m disso, as mudan\u00e7as de gest\u00e3o envolvem v\u00e1rias dimens\u00f5es que apresentam complementaridades e geram sinergia. Portanto, como sugerem Milgrom e Roberts (\u201cThe Economics of Modern Manufacturing: Technology, Strategy and Organization\u201d, American Economic Review<\/em>, 1990), mudan\u00e7as tendem a ocorrer em todas as dimens\u00f5es complementares, amplificando seus benef\u00edcios. Em decorr\u00eancia da retro-alimenta\u00e7\u00e3o, o efeito total \u00e9 maior do que a soma das partes. Por j\u00e1 ser privada, a RIO n\u00e3o p\u00f4de explorar a mesma gama de ganhos gerenciais que beneficiaram a VALE.<\/p>\n

Estabelecer rela\u00e7\u00f5es causais em ci\u00eancias sociais \u00e9 miss\u00e3o espinhosa. Tendo essa ressalva em mente, a evid\u00eancia dispon\u00edvel sugere que a gest\u00e3o privada adicionou enorme valor \u00e0 VALE. N\u00e3o \u00e9 demais lembrar que tais ganhos de gest\u00e3o foram, em grande parte, apropriados pelo contribuinte atrav\u00e9s de tributos e dos dividendos recebidos pelo BNDES e PREVI (atrav\u00e9s da gera\u00e7\u00e3o de super\u00e1vits reconhecidos no resultado do Banco do Brasil) em decorr\u00eancia de sua participa\u00e7\u00e3o na VALEPAR (empresa que controla o Conselho de Administra\u00e7\u00e3o da VALE e det\u00e9m a maioria do capital votante).<\/p>\n

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