{"id":418,"date":"2011-04-04T13:51:38","date_gmt":"2011-04-04T16:51:38","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=418"},"modified":"2011-04-04T13:51:38","modified_gmt":"2011-04-04T16:51:38","slug":"quanto-custa-ao-brasil-manter-um-elevado-nivel-de-reservas-internacionais","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=418","title":{"rendered":"Quanto custa ao Brasil manter um elevado n\u00edvel de reservas internacionais?"},"content":{"rendered":"

O governo brasileiro disp\u00f5e atualmente de aproximadamente US$ 300 bilh\u00f5es de d\u00f3lares registrados como reservas internacionais no balan\u00e7o do Banco Central. O ac\u00famulo desse valor se deu pelos sucessivos super\u00e1vits no com\u00e9rcio internacional (exporta\u00e7\u00f5es em valores maiores que as importa\u00e7\u00f5es) e pela entrada de investimentos externos no pa\u00eds.<\/p>\n

Quando os d\u00f3lares entram no pa\u00eds em fun\u00e7\u00e3o das exporta\u00e7\u00f5es, eles s\u00e3o da propriedade das firmas exportadoras. Quando entram por investimentos em a\u00e7\u00f5es, por exemplo, eles pertencem a quem vendeu as a\u00e7\u00f5es a investidores internacionais. Quando entram por investimentos em t\u00edtulos banc\u00e1rios, pertencem aos bancos que venderam tais t\u00edtulos. Como, ent\u00e3o, esses d\u00f3lares v\u00e3o parar nas m\u00e3os do governo, mais especificamente do Banco Central?<\/p>\n

V\u00e3o para o Banco Central porque ele compra tais d\u00f3lares das m\u00e3os de seus detentores privados. Em um primeiro momento, essa compra significaria o Banco Central recolher d\u00f3lares no mercado, e entregar reais. Mas isso implicaria aumentar substancialmente o volume de reais em circula\u00e7\u00e3o na economia. Para que esse imenso volume de compras n\u00e3o gere efeitos inflacion\u00e1rios, o pr\u00f3prio Banco Central utiliza t\u00edtulos de sua carteira para fazer o que se chama tecnicamente de \u201cesterilizar\u201d os efeitos dessa compra de divisas externas. Em resumo, troca t\u00edtulos por dinheiro. Para levantar os reais necess\u00e1rios \u00e0 compra dos d\u00f3lares, o governo aumenta a sua d\u00edvida dentro do pa\u00eds.<\/p>\n

Se o governo tivesse super\u00e1vit nas suas contas fiscais (receitas maiores que os gastos p\u00fablicos) ele at\u00e9 poderia usar esse dinheiro poupado para comprar as reservas. Mas como o governo brasileiro \u00e9 deficit\u00e1rio, a \u00fanica forma de comprar d\u00f3lares \u00e9 expandindo o seu endividamento.<\/p>\n

O governo tem diferentes motivos para acumular reservas em moeda estrangeira. O principal \u00e9 garantir uma esp\u00e9cie de seguro contra crises internacionais. Quando uma crise interrompe o fluxo de empr\u00e9stimos em d\u00f3lares no mercado internacional, os pa\u00edses que n\u00e3o t\u00eam uma reserva dessa moeda n\u00e3o podem fazer importa\u00e7\u00f5es (no caso do Brasil, por exemplo, ningu\u00e9m aceitaria pagamentos em Reais, pois esta n\u00e3o \u00e9 uma moeda de circula\u00e7\u00e3o internacional). Nos anos 80 e 90 do s\u00e9culo passado, por exemplo, por diversas vezes o Brasil viu-se sem d\u00f3lares e precisou pedir aux\u00edlio ao FMI e adotar medidas para lidar com o problema. Tais medidas s\u00e3o sempre custosas: eleva\u00e7\u00e3o das taxas de juros internas (para atrair investidores internacionais), redu\u00e7\u00e3o do ritmo de crescimento da economia (para reduzir a demanda por importa\u00e7\u00f5es e gerar excedentes n\u00e3o consumidos no pa\u00eds a serem exportados), ajuste das contas p\u00fablicas (para reduzir a necessidade de financiamento externo \u00e0 d\u00edvida do governo).<\/p>\n

A import\u00e2ncia de dispor de grandes reservas internacionais pode ser vista no impacto da crise de 2009 sobre a economia brasileira. Tendo em vista que n\u00e3o sofremos escassez de d\u00f3lares, devido ao alto volume de reservas, n\u00e3o foi necess\u00e1rio elevar os juros. Foi poss\u00edvel, inclusive, reduzi-los, para estimular a atividade econ\u00f4mica. A abund\u00e2ncia de recursos externos tamb\u00e9m permitiu ampliar o d\u00e9ficit p\u00fablico, como forma adicional de alavancar a atividade econ\u00f4mica. A pr\u00f3pria d\u00edvida p\u00fablica caiu como propor\u00e7\u00e3o do PIB, devido \u00e0 combina\u00e7\u00e3o de dois fatores: i) o Pa\u00eds, \u00e0quela altura, j\u00e1 tinha se tornado um credor l\u00edquido em d\u00f3lares; ii) houve desvaloriza\u00e7\u00e3o do real em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar, o que significa que as reservas dispon\u00edveis, depositadas em d\u00f3lares, passaram a valer mais quando avaliadas em reais. Como o valor das reservas (um ativo p\u00fablico) aumentou em reais (mesmo mantendo-se constante em d\u00f3lares) e \u00e9 deduzido da d\u00edvida p\u00fablica bruta para se apurar a d\u00edvida p\u00fablica l\u00edquida, o resultado final foi uma queda da d\u00edvida l\u00edquida[1]<\/a>.<\/p>\n

H\u00e1, portanto, o benef\u00edcio de n\u00e3o ter sido necess\u00e1rio gastar recursos p\u00fablicos pagando-se juros mais altos, al\u00e9m do benef\u00edcio de n\u00e3o ter havido uma redu\u00e7\u00e3o dr\u00e1stica da atividade econ\u00f4mica (com perda de empregos e renda). Como n\u00e3o houve um choque de juros sobre a d\u00edvida p\u00fablica, o pr\u00eamio de risco pago pelas empresas brasileiras que tomam empr\u00e9stimo no exterior tamb\u00e9m n\u00e3o cresceu.<\/p>\n

N\u00e3o obstante esses benef\u00edcios, \u00e9 preciso ficar claro que h\u00e1 um custo em se manter elevadas (e crescentes) reservas internacionais no Banco Central.<\/p>\n

Deve existir, assim, um ponto em que os custos de carregamento das reservas passem a superar seus benef\u00edcios e que determinaria o volume \u00f3timo de reservas. Saber com exatid\u00e3o os custos das reservas, portanto, \u00e9 crucial para que o Pa\u00eds possa avaliar os custos e benef\u00edcios envolvidos na acumula\u00e7\u00e3o de reservas. S\u00e3o duas as fontes de custos:<\/p>\n

(a) a diferen\u00e7a entre os juros que o governo paga sobre os recursos que tomou emprestados para comprar as reservas (juros sobre a d\u00edvida interna) e os juros que rendem as reservas internacionais;<\/p>\n

(b) quando o real se valoriza em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar, isso significa que as reservas em d\u00f3lares passaram a valer menos reais, representando uma perda para o Banco Central e para o governo.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 estat\u00edsticas oficiais regularmente publicadas que apresentem o custo de manuten\u00e7\u00e3o das reservas. Aparecem na imprensa, esporadicamente, valores estimados pelo governo e pelas entidades de mercado, que nem sempre t\u00eam coincidido.<\/p>\n

Em mar\u00e7o de 2011 os dirigentes do Banco Central afirmaram[2]<\/a> que o custo fiscal das reservas internacionais no ano de 2010 teria sido de R$ 26 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Tal valor diverge daquele calculado pelo Departamento Econ\u00f4mico do Bradesco, por exemplo, que avaliou esse custo em aproximadamente R$ 46 bilh\u00f5es[3]<\/a>.<\/p>\n

A diferen\u00e7a poderia decorrer do fato de o Banco Central ter estimado apenas os custos descritos no item (a) acima (diferen\u00e7a de juros), n\u00e3o considerando os do item (b) (varia\u00e7\u00f5es na cota\u00e7\u00e3o do real frente ao d\u00f3lar).\u00a0 Pode-se justificar esse m\u00e9todo de c\u00e1lculo argumentando que a perda decorrente de valoriza\u00e7\u00e3o do real s\u00f3 seria efetiva se o Banco Central vendesse os d\u00f3lares. J\u00e1 que o BC n\u00e3o vendeu d\u00f3lares no per\u00edodo, \u00a0ele n\u00e3o teria realizado o \u201cpreju\u00edzo\u201d. No futuro, na ocorr\u00eancia de aprecia\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar, essa perda seria revertida.<\/p>\n

Mas a diferen\u00e7a de estimativas n\u00e3o decorre desse tipo de procedimento, at\u00e9 porque a citada estimativa do Banco Bradesco tamb\u00e9m n\u00e3o computa a deprecia\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar.<\/p>\n

A origem da discrep\u00e2ncia parece estar no fato de o Banco Central ter utilizado em seu c\u00e1lculo um custo de financiamento da d\u00edvida interna muito baixo, de 7,8% ao ano.<\/p>\n

No ano de 2010, a taxa Selic m\u00e9dia, segundo dados do pr\u00f3prio Banco Central, foi de 9,8%, o que, por si s\u00f3, levaria a uma diferen\u00e7a no custo de 2 pontos percentuais ao ano em rela\u00e7\u00e3o aos 7,8% utilizados no c\u00e1lculo do custo da reserva.<\/p>\n

A posi\u00e7\u00e3o do BC sobre o custo das reservas foi exposta em mat\u00e9ria da rep\u00f3rter Martha Beck, de O Globo, em 24 de fevereiro:<\/p>\n

Segundo o diretor de administra\u00e7\u00e3o do BC, Anthero Meirelles, o custo de capta\u00e7\u00e3o de recursos no ano passado foi de 7,76%, enquanto a rentabilidade das reservas ficou em 1,88%. Isso resultou numa diferen\u00e7a de 5,86% que quando aplicada sobre o saldo m\u00e9dio das reservas – de R$ 455 bilh\u00f5es – resulta num gasto de R$ 26,6 bilh\u00f5es[4]<\/strong><\/a>. <\/em><\/p>\n

Tomando como refer\u00eancia a pr\u00f3pria base de c\u00e1lculo do Banco Central, de R$ 455 bilh\u00f5es, o custo fiscal adicional decorrente da diferen\u00e7a de 2 pontos percentuais na taxa incidente sobre a d\u00edvida interna seria de R$ 9,1 bilh\u00f5es, o que elevaria o custo total dos R$ 26,6 bilh\u00f5es para R$ 35,7 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Ocorre, entretanto, que esse c\u00e1lculo pode ainda ser considerado subestimado. O custo da d\u00edvida para o Tesouro foi superior \u00e0 taxa Selic, como demonstra o Anexo 4.2. do Relat\u00f3rio Mensal da D\u00edvida P\u00fablica Federal divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional. Para o m\u00eas de dezembro de 2010, o custo da D\u00edvida P\u00fablica Mobili\u00e1ria Federal Interna (DPFMi) acumulado nos \u00faltimos doze meses foi de 11,83%.<\/p>\n

Tabela 1. Custo da DPMFi em 2010<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Fonte: STN<\/p>\n

Com base nesse custo efetivo de capta\u00e7\u00e3o do Tesouro Nacional, de 11,83%, tomando-se os valores di\u00e1rios das reservas internacionais, e, ainda, considerando-se a rentabilidade das reservas assumida pelo Bacen \u2013 1,9% ao ano \u2013 a estimativa de custo fiscal do carregamento das reservas foi de R$ 42,5 bilh\u00f5es. Muito pr\u00f3ximo, portanto, dos R$ 46 bilh\u00f5es estimados pelo Banco Bradesco.<\/p>\n

Assim, o custo fiscal das reservas, sem computar o impacto da desvaloriza\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar ao longo de 2010, ficou no intervalo entre R$ 35,7 bilh\u00f5es e R$ 42,5 bilh\u00f5es. No primeiro caso, o custo de capta\u00e7\u00e3o equivale \u00e0 taxa Selic; no segundo caso, equivale \u00e0 taxa m\u00e9dia apontada pelo Tesouro Nacional para a DPMFi.<\/p>\n

O custo relativo \u00e0 desvaloriza\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar tamb\u00e9m pode ser calculado aproximadamente como o somat\u00f3rio das perdas ou ganhos di\u00e1rios decorrentes da desvaloriza\u00e7\u00e3o\/valoriza\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar em rela\u00e7\u00e3o ao saldo de reservas da v\u00e9spera[5]<\/a>. Usando essa metodologia, o custo da desvaloriza\u00e7\u00e3o das reservas em 2010 pode ser calculado em R$ 16,9 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Desse modo, o custo total \u2013 o de diferen\u00e7a de taxas de juros \u00a0e o relativo \u00e0 deprecia\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar \u2013 pode ser estimado entre R$ 52,8 bilh\u00f5es e R$ 59,4 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Seria importante que o Banco Central estabelecesse com clareza a sua metodologia de c\u00e1lculo do custo fiscal das reservas internacionais e, especialmente, justificasse o uso da taxa de d\u00edvida interna utilizada. A publica\u00e7\u00e3o regular desses valores, acompanhada da respectiva metodologia de c\u00e1lculo, seria importante medida de transpar\u00eancia das contas p\u00fablicas. Todos reconhecem os benef\u00edcios das reservas internacionais detidas pelo Pa\u00eds. N\u00e3o faz sentido que haja d\u00favidas quanto aos seus custos.<\/p>\n

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