{"id":3669,"date":"2022-08-10T19:14:37","date_gmt":"2022-08-10T22:14:37","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3669"},"modified":"2022-08-10T19:14:37","modified_gmt":"2022-08-10T22:14:37","slug":"estaria-a-saga-da-regulamentacao-do-lobby-no-brasil-perto-de-seu-fim","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3669","title":{"rendered":"Estaria a saga da regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no Brasil perto de seu fim?"},"content":{"rendered":"

Estaria a saga da regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no Brasil perto de seu fim?<\/strong><\/h3>\n

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Por Ricardo Jos\u00e9 Pereira Rodrigues<\/em><\/p>\n

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Ao encaminhar \u00e0 C\u00e2mara dos Deputados, em dezembro de 2021, um projeto para disciplinar o lobby no pa\u00eds, o Poder Executivo n\u00e3o apenas adicionou mais um cap\u00edtulo \u00e0 verdadeira saga que se tornou a hist\u00f3ria da regulamenta\u00e7\u00e3o da atividade no Brasil.\u00a0 A a\u00e7\u00e3o legiferante promovida pelo Poder Executivo, de fato, colocou em evid\u00eancia a import\u00e2ncia que a regulamenta\u00e7\u00e3o da representa\u00e7\u00e3o privada de interesses junto a agentes p\u00fablicos assumiu como fator de aprimoramento da imagem e do desempenho do pa\u00eds relativo \u00e0 integridade de sua governan\u00e7a p\u00fablica, sobretudo para os organismos internacionais.<\/p>\n

Foram muitas as tentativas frustradas de regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no Brasil.\u00a0 A \u201csaga\u201d teve in\u00edcio ainda nos anos 1980, com a apresenta\u00e7\u00e3o do Projeto de Lei do Senado n\u00ba 25, de 1984, pelo ent\u00e3o Senador Marco Maciel.\u00a0 No Senado federal tramitaram, entre 1984 e 2016, quatro outras proposi\u00e7\u00f5es sobre o tema, incluindo uma Proposta de Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o.\u00a0 Na C\u00e2mara dos Deputados, no mesmo per\u00edodo e sobre o mesmo tema, tramitaram nada menos que 7 projetos de lei e 11 projetos de resolu\u00e7\u00e3o da C\u00e2mara. S\u00e3o quase 40 anos de iniciativas parlamentares que n\u00e3o resultaram em norma jur\u00eddica, com a maioria das proposi\u00e7\u00f5es sendo arquivada por falta de delibera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Mas por que tem sido t\u00e3o dif\u00edcil aprovar no Brasil uma lei do lobby?\u00a0 E, se o pa\u00eds tem vivido sem uma lei de lobby, qual import\u00e2ncia teria a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby?\u00a0 Por que insistir em regulamentar a atividade?<\/p>\n

Primeiramente, cabe salientar que a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby n\u00e3o \u00e9 uma empreitada f\u00e1cil de se operacionalizar at\u00e9 porque compreende desafios nada triviais.\u00a0 N\u00e3o se trata apenas de restringir ou proibir a atividade dos grupos ou de lobistas individuais.\u00a0 Como j\u00e1 tive oportunidade de frisar em outras ocasi\u00f5es[1]<\/a>, trata-se de viabilizar uma legisla\u00e7\u00e3o caracterizada por dois objetivos distintos que, para alguns, podem at\u00e9 parecer contradit\u00f3rios. Por um lado, a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby deve necessariamente conter dispositivos que estimulem e fortale\u00e7am a pluralidade dos grupos de interesse sem, por outro lado, permitir que tal atua\u00e7\u00e3o degenere em tr\u00e1fico de influ\u00eancia ou corrup\u00e7\u00e3o, crimes previstos pelo C\u00f3digo Penal Brasileiro.<\/p>\n

O est\u00edmulo \u00e0 representa\u00e7\u00e3o de interesses no \u00e2mbito das esferas p\u00fablicas, seja realizada por profissionais do lobby, seja realizada por grupos oriundos dos mais diversos setores da sociedade civil organizada, \u00e9 plenamente amparada por nossa Carta Magna.\u00a0 Tal est\u00edmulo deve-se ao car\u00e1ter pluralista do pr\u00f3prio modelo democr\u00e1tico adotado pelo Brasil.\u00a0 Os constituintes al\u00e7aram o pluralismo \u00e0 condi\u00e7\u00e3o de princ\u00edpio fundamental do nosso Estado democr\u00e1tico de direito.\u00a0 A Constitui\u00e7\u00e3o Federal de 1988 consagra o pluralismo pol\u00edtico em seu artigo primeiro, inciso V, como um dos fundamentos da democracia brasileira.<\/p>\n

Outros artigos da nossa Constitui\u00e7\u00e3o refor\u00e7am esse est\u00edmulo \u00e0 participa\u00e7\u00e3o de grupos no processo de tomada de decis\u00e3o acerca de pol\u00edticas p\u00fablicas.\u00a0 O direito de peti\u00e7\u00e3o, por exemplo, \u00e9 assegurado pela Constitui\u00e7\u00e3o como uma das garantias fundamentais da sociedade.\u00a0 O inciso XXXIV do art. 5\u00ba garante aos brasileiros \u201co direito de peti\u00e7\u00e3o aos poderes p\u00fablicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder\u201d[2]<\/a>.\u00a0 Esse direito \u00e9 ainda reiterado pela Constitui\u00e7\u00e3o em seu art. 58, \u00a7 2\u00ba, inciso IV, quando determina \u00e0s comiss\u00f5es das Casas do Congresso Nacional \u201creceber peti\u00e7\u00f5es, reclama\u00e7\u00f5es, representa\u00e7\u00f5es ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omiss\u00f5es das autoridades ou entidades p\u00fablicas\u201d[3]<\/a>.<\/p>\n

Cabe salientar que o assunto tem ocupado a agenda de diversos organismos internacionais. A ONU e a OCDE, por exemplo, defendem a ado\u00e7\u00e3o da regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby como um requisito para se alavancar a boa governan\u00e7a de seus pa\u00edses membros. Curiosamente, s\u00e3o poucas as democracias que disp\u00f5em de normas legais para disciplinar a atividade de representa\u00e7\u00e3o de interesses.\u00a0 Neste sentido, continua a valer a conclus\u00e3o a que chegou Margaret Malone, em 2004, segundo a qual \u201cpa\u00edses com regras espec\u00edficas para regulamentar as atividades de lobistas e grupos de interesse constituem muito mais a exce\u00e7\u00e3o do que a regra\u201d[4]<\/a>.\u00a0 Tanto assim que na linha do tempo elaborada pela OCDE para detalhar a evolu\u00e7\u00e3o da regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no mundo, de 1945 a 2014, constam apenas 15 pa\u00edses. Desses, somente 11 pa\u00edses promulgaram sua regulamenta\u00e7\u00e3o da atividade depois de 2005.\u00a0 \u00a0\u00a0Para a Organiza\u00e7\u00e3o para a Coopera\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento Econ\u00f4mico \u2013 OCDE, apenas uma minoria dos pa\u00edses no mundo adotou o instrumento da regulamenta\u00e7\u00e3o para reduzir os riscos representados pelo lobby aos seus arranjos de governan\u00e7a.\u00a0 Segundo a organiza\u00e7\u00e3o, \u201cem 2020, apenas 23 de 41 democracias analisadas supria (por meio de legisla\u00e7\u00e3o) algum n\u00edvel de transpar\u00eancia \u00e0s atividades de lobby\u201d[5]<\/a>.<\/p>\n

N\u00e3o obstante o baixo n\u00famero de pa\u00edses com leis para disciplinar as atividades do lobby, o tema tornou-se central para a agenda da OCDE desde 2009 quando lan\u00e7ou seu primeiro relat\u00f3rio dedicado ao assunto[6]<\/a>.\u00a0 Para a OCDE, a aus\u00eancia de uma regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby eficaz tem gerado, em muitos pa\u00edses, aloca\u00e7\u00f5es equivocadas de recursos p\u00fablicos, muitas vezes escassos, com redu\u00e7\u00e3o de produtividade e aumento de desigualdades.\u00a0 De acordo com a OCDE, pr\u00e1ticas inapropriadas e censur\u00e1veis do lobby contribuem para \u201cdebilitar a confian\u00e7a do cidad\u00e3o no processo democr\u00e1tico\u201d[7]<\/a>.<\/p>\n

Para analistas que acompanham as tratativas do Brasil para integrar a OCDE, a falta de uma regulamenta\u00e7\u00e3o de lobby representa uma barreira, que embora transpon\u00edvel, dificulta a ades\u00e3o do pa\u00eds ao organismo.\u00a0 Complementando um conjunto de leis voltado para o controle da corrup\u00e7\u00e3o e a melhoria da integridade no servi\u00e7o p\u00fablico, a aprova\u00e7\u00e3o da regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby poria fim a uma defasagem regulat\u00f3ria que vem marcando a experi\u00eancia brasileira no que concerne \u00e0 rela\u00e7\u00e3o dos agentes p\u00fablicos com o mercado e os grupos de interesse.\u00a0 Tamb\u00e9m consolidaria a converg\u00eancia do Brasil com os princ\u00edpios da OCDE relativos \u00e0 governan\u00e7a p\u00fablica.\u00a0 Ressalte-se que numa pesquisa realizada pela OCDE sobre indicadores de regula\u00e7\u00e3o de produtos de mercado (PMR) com 46 pa\u00edses, o Brasil obteve a pior coloca\u00e7\u00e3o do grupo.\u00a0 Segundo manifesta\u00e7\u00e3o da representante do Minist\u00e9rio da Economia durante a audi\u00eancia p\u00fablica realizada na Comiss\u00e3o de Trabalho, de Administra\u00e7\u00e3o e Servi\u00e7o P\u00fablico, da C\u00e2mara dos Deputados, a aprova\u00e7\u00e3o de uma adequada regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby \u00e9 o caminho para remediar a defasagem regulat\u00f3ria e melhorar o desempenho do pa\u00eds com rela\u00e7\u00e3o aos \u00edndices de PMR (Product Market Regulation) da OCDE.<\/p>\n

A apresenta\u00e7\u00e3o pelo Poder Executivo do Projeto de Lei n\u00ba 4.391, de 2021, ap\u00f3s quase 40 anos de proposi\u00e7\u00f5es malogradas por parte de parlamentares, d\u00e1 revigorada energia ao debate sobre a quest\u00e3o.\u00a0 Com a import\u00e2ncia que o tema assumiu para os organismos internacionais, o disciplinamento legal da representa\u00e7\u00e3o de interesses privados deixou de ser uma preocupa\u00e7\u00e3o apenas dom\u00e9stica para o pa\u00eds.\u00a0 A tem\u00e1tica passou a ser uma quest\u00e3o de Estado, cuja condu\u00e7\u00e3o e fecho pode ter influ\u00eancia nos objetivos diplom\u00e1ticos e de com\u00e9rcio exterior do pa\u00eds.<\/p>\n

Apensado ao Projeto de Lei n\u00ba 4.391, de 2021, tramita o Projeto de Lei n\u00ba 1.535, de 2022, de autoria do Deputado Carlos Zarattini. Ambos s\u00e3o compreensivos e abrangentes, incorporando em seus respectivos textos, princ\u00edpios e diretrizes da OCDE para a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby.\u00a0 Espera-se que, desta vez, o Parlamento consiga alcan\u00e7ar um consenso m\u00ednimo, para, finalmente, transformar em norma jur\u00eddica o disciplinamento de uma atividade que \u00e9 intr\u00ednseca ao processo democr\u00e1tico vigente no pa\u00eds.\u00a0 Constituiria um passo firme na dire\u00e7\u00e3o do aprimoramento e do aumento da qualidade de nossa democracia.<\/p>\n

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[1]<\/a> RODRIGUES, Ricardo J. P. A ado\u00e7\u00e3o dos par\u00e2metros da OCDE para a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no brasil. Revista Eletr\u00f4nica Direito e Pol\u00edtica, v.10, n.3, 2015, p. 1437-1458; RODRIGUES, Ricardo J. P.\u00a0 A regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby: desafios e par\u00e2metros para sua ado\u00e7\u00e3o.\u00a0 STPC Caf\u00e9, Bras\u00edlia, 2014, p. 27-35.<\/p>\n

[2]<\/a> BRASIL. Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica Federativa do Brasil. Bras\u00edlia: Edi\u00e7\u00f5es C\u00e2mara, 2012, p. 15.<\/p>\n

[3]<\/a> BRASIL. Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica Federativa do Brasil, p. 51.<\/p>\n

[4]<\/a> MALONE, Margaret M.\u00a0 Regulation of lobbyists in developed countries.\u00a0 Current rules and practices.\u00a0 Dublin: Institute of Public Administration, 2004, p. 3.<\/p>\n

[5]<\/a> OECD.\u00a0 Lobbyin in the 21st<\/sup> Centurty: transparency, integrity and access. Paris: OECD Publishing, 2021, p. 15.<\/p>\n

[6]<\/a> OCDE.\u00a0 Lobbyists, government and public trust.\u00a0 Vol. 1: increasing transparency through legislation.\u00a0 Paris: OCDE Publishing, 2009<\/p>\n

[7]<\/a> OCDE, 2021, Ibid, p.<\/p>\n

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Ricardo Jos\u00e9 Pereira Rodrigues<\/strong> \u00e9 doutor em ci\u00eancia pol\u00edtica pela State University of New York, consultor legislativo na C\u00e2mara dos Deputados e professor no curso de p\u00f3s-gradua\u00e7\u00e3o em Direito e Rela\u00e7\u00f5es Governamentais do Uniceub em Bras\u00edlia.<\/p>\n

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O autor examina as raz\u00f5es pelas quais \u00e9 t\u00e3o dif\u00edcil aprovar a regulamenta\u00e7\u00e3o do lobby no Brasil, comenta a situa\u00e7\u00e3o em outros pa\u00edses e indica alguns impactos de uma eventual aprova\u00e7\u00e3o pelo Congresso.<\/p>\n","protected":false},"author":200,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[829],"tags":[88,458,800],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3669"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/200"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3669"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3669\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3669"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3669"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3669"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}