{"id":3659,"date":"2022-07-26T11:50:29","date_gmt":"2022-07-26T14:50:29","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3659"},"modified":"2022-07-26T11:50:29","modified_gmt":"2022-07-26T14:50:29","slug":"emenda-constitucional-no-123-de-14-7-2022-aspectos-fiscais-e-orcamentarios%c2%b9","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3659","title":{"rendered":"Emenda Constitucional n\u00ba 123, de 14.7.2022: Aspectos Fiscais e Or\u00e7ament\u00e1rios\u00b9"},"content":{"rendered":"

<\/a>Emenda Constitucional n\u00ba <\/strong>123, de 14.7.2022<\/strong><\/a>: <\/strong>Aspectos Fiscais e Or\u00e7ament\u00e1rios<\/strong> [1]<\/strong><\/a><\/h1>\n

 <\/p>\n

Por Eug\u00eanio Greggianin*, Jos\u00e9 Fernando Cosentino Tavares<\/em>** e Marcia Rodrigues Moura***<\/em><\/p>\n

 <\/p>\n

1\u00a0 \u00a0Considera\u00e7\u00f5es Iniciais: Descri\u00e7\u00e3o do Conte\u00fado das PEC<\/h3>\n

1.1 A Emenda Constitucional\u00a0 n\u00ba 123\/2022<\/strong><\/p>\n

A EC n\u00ba 123\/2022 \u00e9 oriunda da Proposta de Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o (PEC) n\u00ba 15\/2022<\/a>, \u00e0 qual foi apensada a PEC n\u00ba 1\/2022. O trabalho, al\u00e9m de descrever o conte\u00fado das proposi\u00e7\u00f5es, teve o prop\u00f3sito de verificar os pressupostos f\u00e1ticos do estado de emerg\u00eancia<\/em> reconhecido em 2022, bem como o impacto decorrente da fragiliza\u00e7\u00e3o dos princ\u00edpios fiscais ao se prever, para o fim almejado (concess\u00e3o de benef\u00edcios), o afastamento de praticamente todas as regras, limites e mecanismos de compensa\u00e7\u00e3o fiscal atinentes \u00e0 preserva\u00e7\u00e3o do equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas.<\/p>\n

1.2 PEC n\u00ba 1\/2022<\/strong><\/p>\n

A PEC n\u00ba 1\/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo \u201creconhecer o estado de emerg\u00eancia, decorrente da eleva\u00e7\u00e3o extraordin\u00e1ria e imprevis\u00edvel dos pre\u00e7os do petr\u00f3leo, combust\u00edveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes\u201d<\/em>. Para enfrentamento ou mitiga\u00e7\u00e3o dos impactos decorrentes do estado de emerg\u00eancia, a PEC autoriza o pagamento, at\u00e9 31.12.2022, de uma s\u00e9rie de benef\u00edcios.<\/p>\n

A tabela a seguir apresenta os benef\u00edcios previstos na PEC, acompanhados dos limites de gastos nela tamb\u00e9m previstos.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Dentre os benef\u00edcios, apenas tr\u00eas j\u00e1 existem: o Programa Aux\u00edlio Brasil, o Programa Alimenta Brasil – ambos criados pela Medida Provis\u00f3ria (MPV) n\u00ba 1.061, de 09.08.2021, convertida na Lei 14.284, de 29.12.2021 – e o Aux\u00edlio G\u00e1s dos Brasileiros – criado pela Lei n\u00ba 14.237, de 19.11.2021.<\/p>\n

O Programa Aux\u00edlio Brasil \u00e9 o que possui maior representatividade nos disp\u00eandios totais previstos na PEC, de 63% (R$ 26 bilh\u00f5es). A PEC assegura a extens\u00e3o dos benef\u00edcios \u00e0s fam\u00edlias que ainda n\u00e3o fazem parte do Programa, mas que s\u00e3o eleg\u00edveis. Estima-se que o quantitativo de novas fam\u00edlias seja em torno de 2,6 milh\u00f5es. Considerando que atualmente o programa j\u00e1 atende 18,2 milh\u00f5es de fam\u00edlias[2]<\/sup><\/a>, o quantitativo mensal de fam\u00edlias atendidas poder\u00e1 atingir 21 milh\u00f5es.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, a PEC assegura um acr\u00e9scimo extraordin\u00e1rio do benef\u00edcio para todas as fam\u00edlias, no valor de R$ 200,00, durante 5 meses. Atualmente o Programa Aux\u00edlio Brasil \u00e9 composto pelos benef\u00edcios ordin\u00e1rios previstos nos incisos I a IV do art. 4\u00ba da Lei n\u00ba 14.284\/2021, e pelo benef\u00edcio extraordin\u00e1rio previsto na Lei n\u00ba 14.342, de 18.05.2022, origin\u00e1ria da MPV 1.076, de 07.12.2021. Somados os benef\u00edcios, estes alcan\u00e7am um valor m\u00e9dio mensal por fam\u00edlia em torno de R$ 400,00[3]<\/sup><\/a>. Com a PEC, esse valor alcan\u00e7ar\u00e1 pouco mais de R$ 600,00.<\/p>\n

Como previsto na PEC, o impacto da entrada de novas fam\u00edlias no programa e o pagamento do acr\u00e9scimo extraordin\u00e1rio de R$ 200,00 para todas as fam\u00edlias implicar\u00e1 em um gasto adicional de R$ 26 bilh\u00f5es, que, somados aos valores j\u00e1 previstos no or\u00e7amento para 2022, de R$ 89,1 bilh\u00f5es, far\u00e3o com que o disp\u00eandio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benef\u00edcios nela previstos at\u00e9 31.12.2022, a entrada das novas fam\u00edlias no programa ser\u00e1 sentida tamb\u00e9m nos pr\u00f3ximos exerc\u00edcios. Exclu\u00eddo o pagamento do acr\u00e9scimo extraordin\u00e1rio de R$ 200,00, cujo pagamento est\u00e1 limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milh\u00f5es de fam\u00edlias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilh\u00f5es em 2023.<\/p>\n

O Alimenta Brasil \u00e9 um programa de aquisi\u00e7\u00e3o de alimentos de pequenos produtores rurais e posterior distribui\u00e7\u00e3o a fam\u00edlias carentes. O valor previsto na PEC \u00e9 de R$ 500 milh\u00f5es.<\/p>\n

O Auxilio G\u00e1s dos Brasileiros \u00e9 um programa de aux\u00edlio \u00e0 compra do g\u00e1s de cozinha, pago bimestralmente \u00e0s fam\u00edlias de baixa renda. O valor do benef\u00edcio corresponde a 50% da m\u00e9dia, verificada nos \u00faltimos 6 meses, do pre\u00e7o nacional de refer\u00eancia do botij\u00e3o de 13 Kg[4]<\/sup><\/a>. No m\u00eas de junho do corrente ano, 5,7 milh\u00f5es de fam\u00edlias[5]<\/sup><\/a> receberam o benef\u00edcio, no valor de R$ 53,00. A PEC prev\u00ea um disp\u00eandio de R$ 1,05 bilh\u00e3o, pago em 3 meses. O valor previsto na PEC e aquele j\u00e1 previsto no or\u00e7amento para 2022, de R$ 1,8 bilh\u00e3o, far\u00e3o com que o disp\u00eandio total com o Programa alcance a cifra de R$ 2,85 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Al\u00e9m do incremento financeiro de benef\u00edcios j\u00e1 existentes, a PEC prev\u00ea o pagamento de quatro outros benef\u00edcios que ainda n\u00e3o fazem parte do rol de despesas da Uni\u00e3o. S\u00e3o eles: aux\u00edlio aos Transportadores Aut\u00f4nomos de Cargas; aux\u00edlio financeiro a Estados e DF que outorgarem cr\u00e9ditos tribut\u00e1rios de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado; assist\u00eancia financeira \u00e0 Uni\u00e3o, Estados, DF e Munic\u00edpios para concess\u00e3o de transporte gratuito a idosos e aux\u00edlio a motoristas de t\u00e1xis.<\/p>\n

O aux\u00edlio aos Transportadores Aut\u00f4nomos de Cargas ser\u00e1 pago durante 6 meses, com valor mensal por benefici\u00e1rio de R$ 1.000,00 e disp\u00eandio total de R$ 5,4 bilh\u00f5es. Estima-se um atendimento mensal em torno de 900 mil transportadores aut\u00f4nomos de carga.<\/p>\n

O aux\u00edlio financeiro a Estados e DF que outorgarem cr\u00e9ditos tribut\u00e1rios de ICMS aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado ser\u00e1 pago durante 5 meses, com um disp\u00eandio total de R$ 3,8 bilh\u00f5es. O benef\u00edcio ser\u00e1 proporcional \u00e0 participa\u00e7\u00e3o dos Estados e do DF em rela\u00e7\u00e3o ao consumo total do etanol hidratado em todos os Estados e no DF no ano de 2021 sendo que o valor m\u00e1ximo mensal \u00e9 de R$ 760 milh\u00f5es por ente.<\/p>\n

A assist\u00eancia financeira \u00e0 Uni\u00e3o, Estados, DF e Munic\u00edpios para concess\u00e3o de transporte gratuito a idosos tem um disp\u00eandio total previsto na PEC de R$ 2,5 bilh\u00f5es. A PEC n\u00e3o disp\u00f4s sobre a periodicidade de pagamento. O valor pago por ente depender\u00e1 de uma s\u00e9rie de requisitos previstos no \u00a7 4\u00ba do art. 3\u00ba da PEC.<\/p>\n

O aux\u00edlio a motoristas de t\u00e1xi ser\u00e1 pago a todos aqueles registrados at\u00e9 31.05.2022, em 6 parcelas, com um disp\u00eandio total de R$ 2 bilh\u00f5es. O quantitativo de benefici\u00e1rios depender\u00e1 da forma\u00e7\u00e3o do cadastro para operacionaliza\u00e7\u00e3o do benef\u00edcio (\u00a7 7\u00ba do art. 3\u00ba da PEC). O valor por benefici\u00e1rio tamb\u00e9m est\u00e1 sujeito a regulamenta\u00e7\u00e3o posterior.<\/p>\n

Destaca-se que o Substitutivo aprovado pela Comiss\u00e3o Especial n\u00e3o promoveu altera\u00e7\u00f5es de m\u00e9rito na PEC, mantendo assim todos os benef\u00edcios e valores originalmente previstos.<\/p>\n

1.3 PEC n\u00ba 15\/2022<\/strong><\/p>\n

A PEC n\u00ba 15\/2022, de autoria do Senado Federal, tem por objetivo assegurar ao setor de biocombust\u00edveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, tributa\u00e7\u00e3o inferior \u00e0 incidente sobre os combust\u00edveis f\u00f3sseis – com rela\u00e7\u00e3o, especialmente, ao PIS\/PASEP, Cofins e ICMS – capaz de garantir diferencial competitivo para os biocombust\u00edveis. No Brasil, atualmente, o biocombust\u00edvel destinado ao consumo final \u00e9 o etanol hidratado.<\/p>\n

A PEC n\u00e3o apresenta implica\u00e7\u00e3o sobre a receita, tendo em vista que a regra transit\u00f3ria nele prevista disp\u00f5e que dever\u00e1 ser mantida a estrutura tribut\u00e1ria vigente em 15.05.2022, em patamar igual ou superior. Alternativamente, quando o diferencial competitivo n\u00e3o for determinado pelas al\u00edquotas, este ser\u00e1 garantido pela manuten\u00e7\u00e3o do diferencial da carga tribut\u00e1ria efetiva entre os combust\u00edveis.<\/p>\n

<\/a>2\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0Aspectos Fiscais<\/h3>\n

2.1. Fragiliza\u00e7\u00e3o das regras fiscais<\/strong><\/p>\n

Do ponto de vista econ\u00f4mico, a fragiliza\u00e7\u00e3o continuada dos princ\u00edpios fiscais talvez seja o aspecto mais preocupante decorrente da aprova\u00e7\u00e3o da PEC n\u00ba 1\/2022 em an\u00e1lise. Regras fiscais servem para nortear o comportamento dos agentes pol\u00edticos e refrear o desequil\u00edbrio or\u00e7ament\u00e1rio. O ciclo pol\u00edtico, na aus\u00eancia de restri\u00e7\u00f5es, seria profundamente marcado pela concess\u00e3o de mais e mais benef\u00edcios quanto mais pr\u00f3xima a data das elei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

A meta de resultado prim\u00e1rio foi a principal regra fiscal ao longo de quase 20 anos. Na medida em que passou a ser fixada com ampla folga, revista com frequ\u00eancia, e tamb\u00e9m a comportar n\u00famero crescente de exce\u00e7\u00f5es, perdeu a credibilidade como instrumento de controle das finan\u00e7as p\u00fablicas. Para 2022 \u00e9 previsto d\u00e9ficit prim\u00e1rio de R$ 65,5 bilh\u00f5es, enquanto a LDO do exerc\u00edcio admite saldo negativo de at\u00e9 R$ 170 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Destaque-se, principalmente, a regra que se considerava a \u00faltima e mais eficaz \u00e2ncora fiscal no arsenal brasileiro, o teto de gastos. O teto foi criado em 2016, mediante Emenda Constitucional (EC n\u00ba 95\/2016), para reverter o ritmo descontrolado das finan\u00e7as p\u00fablicas que levou \u00e0 crise de 2015\/2016. A regra deu alguma previsibilidade \u00e0 pol\u00edtica fiscal, permitiu a redu\u00e7\u00e3o sustent\u00e1vel da taxa de juros, at\u00e9 a pandemia, e induziu reformas, como a previdenci\u00e1ria. Principalmente, tinha subjacente a obriga\u00e7\u00e3o de o governante escolher entre usos alternativos do dinheiro p\u00fablico.<\/p>\n

Limites quantitativos, por poder e \u00f3rg\u00e3o, para a despesa prim\u00e1ria tiveram o intuito de impor regras mais fortes, al\u00e9m de mais est\u00e1veis, visto que s\u00f3 poderiam ser alteradas com qu\u00f3rum qualificado. No entanto, desde ent\u00e3o j\u00e1 houve seis altera\u00e7\u00f5es constitucionais e caminha-se para a s\u00e9tima revis\u00e3o[6]<\/a>.<\/p>\n

2.2. Estado de Emerg\u00eancia<\/strong><\/p>\n

Com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 decreta\u00e7\u00e3o de estado de emerg\u00eancia como pressuposto para descumprimento de regras fiscais, h\u00e1 significativas obje\u00e7\u00f5es. Em primeiro lugar, regras fiscais costumam ter cl\u00e1usulas de escape que permitem sua flexibiliza\u00e7\u00e3o em casos excepcionais. A regra do teto de gastos, por exemplo, prev\u00ea que cr\u00e9ditos extraordin\u00e1rios abertos em raz\u00e3o de urg\u00eancia e imprevisibilidade n\u00e3o precisam se submeter ao limite. A meta de resultado prim\u00e1rio pode ser alterada durante o exerc\u00edcio com a modifica\u00e7\u00e3o da Lei de Diretrizes Or\u00e7ament\u00e1rias. A chamada regra de ouro, que impede o endividamento para atender despesas correntes, tamb\u00e9m pode ser excetuada mediante aprova\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito espec\u00edfico pelo Congresso Nacional, por maioria absoluta.<\/p>\n

Ainda h\u00e1 que se considerar quais condi\u00e7\u00f5es estariam dadas para a decreta\u00e7\u00e3o de um estado de emerg\u00eancia ou de calamidade p\u00fablica. Eventos clim\u00e1ticos extremos ou uma pandemia que inviabilizasse o funcionamento dos processos produtivos por um per\u00edodo consider\u00e1vel de tempo seriam os exemplos t\u00edpicos. Crises econ\u00f4micas por si s\u00f3 seriam um argumento bem mais fr\u00e1gil, visto que recorrentes e muitas vezes refor\u00e7adas por a\u00e7\u00f5es inadequadas ou intempestivas dos pr\u00f3prios agentes p\u00fablicos.<\/p>\n

Flutua\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os de commodities<\/em> e em especial do barril de petr\u00f3leo n\u00e3o \u00e9 novidade, como mostra gr\u00e1fico a seguir. Tais varia\u00e7\u00f5es n\u00e3o podem ser consideradas necessariamente imprevis\u00edveis. Nem mesmo quando decorrem de guerra em outros pa\u00edses.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Processos inflacion\u00e1rios tamb\u00e9m n\u00e3o representam fator at\u00edpico na hist\u00f3ria recente do Pa\u00eds. Para 2022, o progn\u00f3stico para o IPCA \u00e9 de 7,67%, n\u00e3o muito distante da infla\u00e7\u00e3o apurada em 1996, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2015 e 2021.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Crises econ\u00f4micas podem exigir medidas excepcionais de gastos, mas devem vir acompanhadas de estrat\u00e9gia robusta e cr\u00edvel de retorno \u00e0 normalidade e de ajustes necess\u00e1rios para evitar ou mitigar eventos posteriores. A falta de um planejamento sobre a sa\u00edda da situa\u00e7\u00e3o de emerg\u00eancia e a fragiliza\u00e7\u00e3o do teto fiscal deixam o Pa\u00eds sem uma \u00e2ncora fiscal capaz de sinalizar retomada econ\u00f4mica consistente adiante.<\/p>\n

2.3. Custo da ren\u00fancia fiscal<\/strong><\/p>\n

O custo da PEC n\u00ba 1\/2022, j\u00e1 descrito no item 2, n\u00e3o pode ser analisado isoladamente. Outras tantas medidas v\u00eam sendo tomadas nos \u00faltimos meses com impacto consider\u00e1vel e que n\u00e3o se restringe ao exerc\u00edcio de 2022.<\/p>\n

O teto de gastos trouxe restri\u00e7\u00f5es \u00e0 eleva\u00e7\u00e3o de despesas. A redu\u00e7\u00e3o de receitas, por outro lado, passou a apresentar-se como caminho mais curto para conceder benef\u00edcios. Assim redu\u00e7\u00f5es de al\u00edquotas de impostos e desonera\u00e7\u00f5es tendem a alcan\u00e7ar R$ 130 bilh\u00f5es em 2023, conforme Tabela 2.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/strong><\/p>\n

Outros R$ 34,6 bilh\u00f5es em impostos federais sobre combust\u00edveis foram perdidos com a redu\u00e7\u00e3o a zero das al\u00edquotas at\u00e9 dezembro de 2022. Caso os pre\u00e7os de combust\u00edveis sigam elevados, haver\u00e1 press\u00e3o por prorroga\u00e7\u00e3o da ren\u00fancia em 2023, com impacto em doze meses de cerca de R$ 70 bilh\u00f5es, o que elevaria a perda de arrecada\u00e7\u00e3o de quase R$ 200 bilh\u00f5es, ou 2% do PIB. Antes das concess\u00f5es mencionadas, os gastos tribut\u00e1rios da Uni\u00e3o para 2023 est\u00e3o estimados na LDO em R$ 368,9 bilh\u00f5es ou 3,97% do PIB.<\/p>\n

2.4. Propens\u00e3o ao gasto<\/strong><\/p>\n

\u00c0s despesas criadas pela PEC acrescentem-se as postergadas pela Emenda Constitucional n\u00ba 114, de dezembro de 2021. Os precat\u00f3rios devidos e n\u00e3o pagos em 2022 aproximam-se de R$ 30 bilh\u00f5es, montante similar ao que n\u00e3o deve ser pago tamb\u00e9m em 2023. As senten\u00e7as devidas e n\u00e3o pagas entre 2022 e 2026, com corre\u00e7\u00e3o monet\u00e1ria, possivelmente na casa de centenas de bilh\u00f5es de reais, representam esqueleto a ser desembolsado em 2027 e salto significativo na d\u00edvida p\u00fablica federal.<\/p>\n

No auge da pandemia, as medidas de maior impacto, tais como o Aux\u00edlio Emergencial, deram-se por iniciativa do Congresso. Nos anos subsequentes, outros benef\u00edcios concedidos ou em an\u00e1lise, tais como pisos salariais e aux\u00edlios para categorias profissionais, pelo seu impacto nas contas p\u00fablicas tamb\u00e9m elevam o risco fiscal a curto e m\u00e9dio prazo.<\/p>\n

2.5. Indicadores econ\u00f4micos<\/strong><\/p>\n

Os indicadores econ\u00f4micos se deterioram, refletindo em particular a percep\u00e7\u00e3o de um maior risco fiscal no horizonte. Veio se elevando em torno da emerg\u00eancia do pre\u00e7o dos combust\u00edveis um risco fiscal com consequ\u00eancias previs\u00edveis para 2023. A administra\u00e7\u00e3o subsequente enfrentar\u00e1 quedas de receitas, j\u00e1 contratadas ou decorrentes do arrefecimento da atividade econ\u00f4mica, e aumentos variados de despesas, al\u00e9m de um grau mais elevado de engessamento or\u00e7ament\u00e1rio, e ter\u00e1 que decidir entre retirar benef\u00edcios ou continuar a se endividar. Diante da necessidade do corte de despesas, o investimento p\u00fablico em obras e equipamentos ser\u00e1 o primeiro a perder, afetando as perspectivas de crescimento.<\/p>\n

O novo governo ter\u00e1 dificuldade de retirar ou reduzir benef\u00edcios, mesmo aqueles com vig\u00eancia apenas at\u00e9 dezembro deste ano, em particular o Aux\u00edlio Brasil. Os Estados, desfalcados recentemente de R$ 90 bilh\u00f5es de suas receitas sobre derivados de petr\u00f3leo, por sua vez, poder\u00e3o precisar do aux\u00edlio do governo federal.<\/p>\n

Isso se d\u00e1, \u00e9 bom lembrar, dentro de um cen\u00e1rio mundial que ruma agora em dire\u00e7\u00e3o ao aperto monet\u00e1rio e talvez \u00e0 recess\u00e3o. C\u00e2mbio em alta, volatilidade dos pre\u00e7os de commodities<\/em>, bolsas em queda, aumento do risco Brasil, todos esses indicadores se movem em desfavor do crescimento.<\/p>\n

A contrario sensu<\/em> do que se apresenta nas motiva\u00e7\u00f5es que afastaram a incid\u00eancia das regras fiscais durante o \u201cestado de emerg\u00eancia\u201d, a percep\u00e7\u00e3o do mercado quanto ao aumento do risco fiscal poder\u00e1 levar o d\u00f3lar para patamares de oscila\u00e7\u00e3o ainda mais elevados, o que influencia a precifica\u00e7\u00e3o interna do petr\u00f3leo. Adotam-se na PEC a compensa\u00e7\u00e3o de gastos, sobretudo em rela\u00e7\u00e3o ao Aux\u00edlio Brasil, a press\u00e3o sobre o c\u00e2mbio e os pr\u00eamios de juros da d\u00edvida p\u00fablica cobrados pelo mercado seriam menores. Ademais, as press\u00f5es inflacion\u00e1rias, n\u00e3o apenas em rela\u00e7\u00e3o ao petr\u00f3leo, mas de todos os bens e servi\u00e7os sens\u00edveis ao c\u00e2mbio tenderiam a apresentar melhor comportamento. Paralelamente, a menor press\u00e3o sobre a trajet\u00f3ria da d\u00edvida p\u00fablica permitiria maiores espa\u00e7os fiscais em um futuro pr\u00f3ximo.<\/p>\n

2.6. Juros<\/strong><\/p>\n

Juros aqui e no exterior aumentaram significativamente, e no Brasil a infla\u00e7\u00e3o persistente come\u00e7a a indicar que a Selic poder\u00e1 elevar-se acima dos 13,25% ao ano por conta do aumento do pr\u00eamio de risco. Os juros v\u00e3o ficar por mais tempo em patamar de dois d\u00edgitos no Brasil.<\/p>\n

O mercado financeiro est\u00e1 exigindo juros mais altos para adquirir t\u00edtulos de longo prazo do governo. O Tesouro Nacional j\u00e1 aceita pagar juros reais de 6,17% para vender seus pap\u00e9is atrelados ao IPCA, as NTN-B, com vencimento em 40 anos, o mais longo da d\u00edvida p\u00fablica dom\u00e9stica. Em janeiro de 2019, as taxas eram de 4,76%.\u00a0 As NTN-F, com vencimento em 10 anos, alcan\u00e7aram 13,21%.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/strong><\/p>\n

2.7.<\/strong> Infla\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

O Banco Central alerta, em seu \u00faltimo Relat\u00f3rio de Infla\u00e7\u00e3o (30 de junho), \u201cque as medidas tribut\u00e1rias em tramita\u00e7\u00e3o e discuss\u00e3o podem reduzir sensivelmente a infla\u00e7\u00e3o no ano corrente, embora elevem, em menor magnitude, a infla\u00e7\u00e3o no horizonte relevante de pol\u00edtica monet\u00e1ria. Contudo, pol\u00edticas fiscais que impliquem sustenta\u00e7\u00e3o da demanda agregada no curto prazo, mas que piorem a trajet\u00f3ria fiscal do pa\u00eds \u2013 assim como a incerteza sobre o futuro do arcabou\u00e7o fiscal \u2013 podem pressionar os pr\u00eamios de risco e a confian\u00e7a dos agentes, com impactos negativos, possivelmente defasados, sobre a atividade econ\u00f4mica e os investimentos em particular<\/em>.\u201d<\/p>\n

O IPCA previsto no relat\u00f3rio Focus para 2023 j\u00e1 est\u00e1 em 5,1% e tem subido. As empresas, que est\u00e3o trabalhando com alta de insumos e margem apertada, v\u00e3o buscar reajustar os pre\u00e7os, sustentados pelo aumento da demanda.<\/p>\n

2.8<\/strong>. Crescimento<\/strong><\/p>\n

A expectativa de um crescimento baixo da economia tem sido apenas adiada. Os analistas t\u00eam melhorado suas previs\u00f5es para o terceiro trimestre e para o PIB em 2022 gra\u00e7as \u00e0s redu\u00e7\u00f5es de impostos e aos aumentos de despesas p\u00fablicas, com novas transfer\u00eancias como o aumento do Aux\u00edlio Brasil e de outros benef\u00edcios previstos na PEC. A revers\u00e3o dessas medidas, no todo ou em parte, poder\u00e1 fazer o PIB encolher adiante.<\/p>\n

<\/a>3\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 Aspectos Normativos e Or\u00e7ament\u00e1rios<\/h3>\n

3.1. A caracteriza\u00e7\u00e3o do Estado de Emerg\u00eancia da PEC n\u00ba 1\/2022<\/strong><\/p>\n

A PEC 1\/2022 cria e amplia benef\u00edcios sociais aproveitando-se da dispensa de v\u00e1rias regras fiscais voltadas ao equil\u00edbrio fiscal – teto para as despesas prim\u00e1rias, resultados fiscais, regra de ouro e necessidade de compensa\u00e7\u00e3o do aumento de gastos obrigat\u00f3rios. Como fundamento, \u00e9 reconhecida no Pa\u00eds a exist\u00eancia de um \u201cestado de emerg\u00eancia\u201d decorrente de eleva\u00e7\u00e3o extraordin\u00e1ria e imprevis\u00edvel dos pre\u00e7os do petr\u00f3leo, combust\u00edveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes.<\/p>\n

A distin\u00e7\u00e3o entre estado de emerg\u00eancia e estado de calamidade p\u00fablica pode ser encontrada no \u00e2mbito da pol\u00edtica de defesa civil. Depende da intensidade da situa\u00e7\u00e3o e do alcance dos danos provocados. No estado de emerg\u00eancia a capacidade de resposta do Poder P\u00fablico \u00e9 parcialmente comprometida, sendo que os danos s\u00e3o suport\u00e1veis e super\u00e1veis. No estado de calamidade p\u00fablica o comprometimento \u00e9 substancial (desastres).<\/p>\n

De acordo com o Decreto n\u00ba 10.593\/2020:<\/p>\n

Art. 2\u00ba Para fins do disposto neste Decreto, considera-se:<\/p>\n

(…)<\/p>\n

VIII – estado de calamidade p\u00fablica<\/strong> – situa\u00e7\u00e3o anormal provocada por desastre que causa danos e preju\u00edzos que impliquem o comprometimento substancial da capacidade de resposta do Poder P\u00fablico<\/strong> do ente federativo atingido ou que demande a ado\u00e7\u00e3o de medidas administrativas excepcionais para resposta e recupera\u00e7\u00e3o;<\/p>\n

(…)<\/p>\n

XIV – situa\u00e7\u00e3o de emerg\u00eancia<\/strong> – situa\u00e7\u00e3o anormal provocada por desastre que causa danos e preju\u00edzos que impliquem o comprometimento parcial <\/strong>da capacidade de resposta do Poder P\u00fablico do ente federativo atingido ou que demande a ado\u00e7\u00e3o de medidas administrativas excepcionais para resposta e recupera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A autoriza\u00e7\u00e3o para que governos deixem de cumprir, de forma tempor\u00e1ria, o conjunto de normas legais ou fiscais, sempre foi tratada como procedimento de exce\u00e7\u00e3o que exige fundamento f\u00e1tico e cautelas especiais.<\/p>\n

O atendimento de situa\u00e7\u00f5es excepcionais que exigem prote\u00e7\u00e3o especial j\u00e1 conta, no caso da calamidade p\u00fablica, com um arsenal de medidas de enfrentamento. O art. 65 da LRF, al\u00e9m de suspender prazos de retorno aos limites de pessoal e d\u00edvida, dispensa o atingimento de metas fiscais e a ado\u00e7\u00e3o de medidas de compensa\u00e7\u00e3o. Aplica-se, no entanto, exclusivamente aos atos de gest\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria e financeira necess\u00e1rios ao atendimento das respectivas despesas.<\/p>\n

De acordo com a Constitui\u00e7\u00e3o, a abertura de cr\u00e9dito extraordin\u00e1rio pode ser feita por medida provis\u00f3ria quando se tratar de despesas imprevis\u00edveis e urgentes, tais como as decorrentes de guerra, como\u00e7\u00e3o interna ou calamidade p\u00fablica. Sobre o tema, o STF esclarece que as despesas devem ser apenas aquelas necess\u00e1rias para o atendimento de \u201crealidades ou situa\u00e7\u00f5es f\u00e1ticas de extrema gravidade e de consequ\u00eancias imprevis\u00edveis para a ordem p\u00fablica e a paz social, e que dessa forma requerem, com a devida urg\u00eancia, ado\u00e7\u00e3o de medidas singulares e extraordin\u00e1rias\u201d[7]<\/a>. Assim, n\u00e3o deve haver d\u00favidas em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s situa\u00e7\u00f5es que ensejam a excepcionalidade.<\/p>\n

Exemplo disso foi a situa\u00e7\u00e3o vivenciada em fun\u00e7\u00e3o da pandemia da COVID-19 no exerc\u00edcio de 2020. Naquele ano foram editadas regras fiscais extraordin\u00e1rias (EC n\u00ba 106\/20, LC n\u00ba 173\/2020 e LDO 2020) que dispensaram ou afastaram exig\u00eancias do regime fiscal ordin\u00e1rio. De outra parte, as dispensas foram acompanhadas de v\u00e1rias ressalvas e cautelas, o que j\u00e1 refletia a preocupa\u00e7\u00e3o do pr\u00f3prio Legislativo quanto ao impacto futuro no endividamento p\u00fablico e \u00e0 necessidade de recupera\u00e7\u00e3o fiscal no per\u00edodo p\u00f3s-pandemia.<\/p>\n

Delimitou-se o regime extraordin\u00e1rio somente para 2020 e apenas naquilo em que a urg\u00eancia viesse a se mostrar incompat\u00edvel com o regime regular, e desde que n\u00e3o viesse implicar despesa permanente,<\/strong> prevenindo-se assim abusos e desvios na utiliza\u00e7\u00e3o das normas excepcionais. Ao mesmo tempo, a lei complementar estabeleceu proibi\u00e7\u00f5es espec\u00edficas para aumentos, cria\u00e7\u00e3o de cargos, benef\u00edcios, concursos, reajustes, progress\u00f5es etc., com algumas exce\u00e7\u00f5es, como forma de compensar, ao menos em parte, o aumento imprevisto de despesas.<\/p>\n

Nem mesmo a continuidade dos efeitos da pandemia em 2021 foi motivo para a prorroga\u00e7\u00e3o do estado de calamidade p\u00fablica, visto que j\u00e1 se contava ent\u00e3o com a expectativa de recupera\u00e7\u00e3o a partir dos efeitos da vacina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Como visto, encontra-se impl\u00edcito no regime de exce\u00e7\u00e3o, al\u00e9m da exist\u00eancia de um fundamento f\u00e1tico, a dispensa de requisitos sempre de forma restrita \u00e0s medidas necess\u00e1rias e suficientes[8]<\/a>.<\/p>\n

De acordo com a reda\u00e7\u00e3o da PEC n\u00ba 1\/2022, o estado de emerg\u00eancia, reconhecido no ano de 2022, decorre da \u201celeva\u00e7\u00e3o extraordin\u00e1ria e imprevis\u00edvel dos pre\u00e7os do petr\u00f3leo, combust\u00edveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes\u201d.<\/p>\n

Durante o estado de emerg\u00eancia assim definido, permitir-se-\u00e1 atender as despesas criadas por cr\u00e9dito extraordin\u00e1rio, independentemente do atendimento do requisito de imprevisibilidade previsto no art. 167, \u00a7 3\u00ba da CF. Ademais, os novos gastos n\u00e3o ser\u00e3o considerados para fins de cumprimento da meta fiscal prevista na LDO, no limite de despesas prim\u00e1rias (teto), no limite estabelecido pela regra de ouro e ser\u00e3o dispensadas da necessidade de compensa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Ou seja, ainda que a situa\u00e7\u00e3o de \u201cemerg\u00eancia\u201d seja menos grave, adota-se na PEC praticamente as mesmas dispensas e privil\u00e9gios concedidos para situa\u00e7\u00f5es mais cr\u00edticas que caracterizam o estado de calamidade p\u00fablica, o que n\u00e3o parece razo\u00e1vel. Abre-se m\u00e3o de praticamente todo mecanismo de defesa fiscal de forma desproporcional \u00e0 situa\u00e7\u00e3o que se vislumbra.<\/p>\n

Segue-se ao caput<\/em> do art. 2\u00ba da PEC o par\u00e1grafo \u00fanico, o qual determina que os limites dos montantes devem constar de uma \u201c\u00fanica e exclusiva norma constitucional\u201d. O texto, aparentemente, procura mitigar a falta de pressupostos f\u00e1ticos dessa iniciativa pelo fato de n\u00e3o poder haver outra norma constitucional que amplie os limites, o que parece ser in\u00f3cuo, porque nada impede que outra emenda constitucional altere o pr\u00f3prio par\u00e1grafo \u00fanico.<\/p>\n

\u00a0<\/strong>3.2. A compensa\u00e7\u00e3o das despesas continuadas como princ\u00edpio fiscal<\/strong><\/p>\n

Como comentado, o impacto da entrada de novas fam\u00edlias no programa e o pagamento do acr\u00e9scimo extraordin\u00e1rio de R$ 200,00 para todas as fam\u00edlias implicar\u00e1 um gasto adicional de R$ 26 bilh\u00f5es, que, somados aos valores j\u00e1 previstos no or\u00e7amento para 2022, de R$ 89,1 bilh\u00f5es, far\u00e3o com que o disp\u00eandio total com o Programa alcance a cifra de R$ 115,1 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Apesar de a PEC limitar o pagamento dos benef\u00edcios nela previstos at\u00e9 31.12.2022, a entrada das novas fam\u00edlias no programa ser\u00e1 sentida tamb\u00e9m nos pr\u00f3ximos exerc\u00edcios. Exclu\u00eddo o pagamento do acr\u00e9scimo extraordin\u00e1rio de R$ 200,00, cujo pagamento est\u00e1 limitado a 31.12.2022, estima-se que o impacto da entrada das 2,6 milh\u00f5es de fam\u00edlias no programa pode atingir o montante de R$ 12,5 bilh\u00f5es em 2023.<\/p>\n

Considerada a atual situa\u00e7\u00e3o de d\u00e9ficit fiscal, a PEC, da forma como se encontra, em especial quanto ao fato de n\u00e3o prever compensa\u00e7\u00e3o de despesas com car\u00e1ter nitidamente continuado (Aux\u00edlio Brasil), atinge princ\u00edpios basilares de equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas e aumenta o risco fiscal, precedente que aparenta ser excessivo.<\/p>\n

\u00c9 sabido que crescentes demandas sociais tendem sempre a superar a capacidade tribut\u00e1ria e as disponibilidades do Estado, raz\u00e3o pela qual princ\u00edpios e regras[9]<\/sup><\/a> estabilizadores s\u00e3o formulados para conter a tend\u00eancia de endividamento p\u00fablico crescente. De fato, a percep\u00e7\u00e3o quanto \u00e0 falta de capacidade de solv\u00eancia das contas p\u00fablicas induz a eleva\u00e7\u00e3o das taxas de juros e provoca o aumento dessas despesas, um c\u00edrculo vicioso bastante conhecido.<\/p>\n

No \u00e2mbito das finan\u00e7as p\u00fablicas existem diversas normas diretamente relacionadas \u00e0 necessidade de se impor limites financeiros ao governo e aos agentes pol\u00edticos, em especial no final de mandato.<\/p>\n

A exist\u00eancia de um conjunto funcional e harmonizado de preceitos reduz a discricionariedade e o excesso de poder dos governantes, aumenta a transpar\u00eancia e, em especial, a seguran\u00e7a e a credibilidade da pol\u00edtica fiscal. Neste desiderato, hip\u00f3teses de afastamento e dispensas podem at\u00e9 existir no sistema normativo, mas sempre como exce\u00e7\u00e3o amparada por elementos f\u00e1ticos e jur\u00eddicos bem determinados e que devem ser interpretados de forma restritiva.<\/p>\n

A relev\u00e2ncia e o alcance dos princ\u00edpios no conjunto normativo justificam o cuidado pela sua preserva\u00e7\u00e3o, raz\u00e3o pela qual costumam ser inseridos de forma permanente dentro da pr\u00f3pria Constitui\u00e7\u00e3o, o que n\u00e3o impede normas de elevada densidade valorativa enunciadas em textos infraconstitucionais, como \u00e9 o caso do equil\u00edbrio or\u00e7ament\u00e1rio.<\/p>\n

Um dos princ\u00edpios fiscais mais conhecidos \u00e9 o da busca do equil\u00edbrio temporal das finan\u00e7as p\u00fablicas, que, em \u00faltima an\u00e1lise, visa \u00e0 justi\u00e7a intergeracional na divis\u00e3o dos benef\u00edcios e \u00f4nus do endividamento p\u00fablico. Nesse sentido, estabelece o art. 1\u00ba da LRF que a\u00e7\u00e3o fiscal respons\u00e1vel \u201cpressup\u00f5e a a\u00e7\u00e3o planejada e transparente, em que se previnem riscos<\/strong> e corrigem desvios capazes de afetar o equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas\u201d. (grifo nosso).<\/p>\n

Novas despesas que tendem a ser perpetuar somente podem ser aprovadas se indicada a fonte de financiamento, uma forma de mitigar o aumento da rigidez or\u00e7ament\u00e1ria e do d\u00e9ficit. De acordo com a legisla\u00e7\u00e3o complementar (art. 16 e 17 da LRF), altera\u00e7\u00f5es que impliquem aumento de despesas obrigat\u00f3rias de dura\u00e7\u00e3o continuada devem ser compensadas[10]<\/strong><\/a>, mantendo-se o equil\u00edbrio impl\u00edcito na lei or\u00e7ament\u00e1ria.<\/p>\n

Essa regra de neutralidade or\u00e7ament\u00e1ria permite o controle difuso e pr\u00e9vio de proposi\u00e7\u00f5es e demais atos que criam despesas obrigat\u00f3rias. A restri\u00e7\u00e3o se justifica pelo fato de que, aprovada a legisla\u00e7\u00e3o, cria-se um fato consumado, de dif\u00edcil revers\u00e3o.<\/p>\n

Despesas obrigat\u00f3rias, uma vez aprovadas, n\u00e3o se submetem aos limites do or\u00e7amento, como ocorre com as discricion\u00e1rias. Ao contr\u00e1rio, \u00e9 o or\u00e7amento que fica submetido \u00e0s despesas obrigat\u00f3rias. A necessidade de maior cuidado com a aprova\u00e7\u00e3o de despesas obrigat\u00f3rias encontra-se expressa na Constitui\u00e7\u00e3o que, ao tempo que cria tetos para as despesas prim\u00e1rias (ADCT, art. 107), estabelece mecanismo de controle dessas despesas quando seu montante ultrapassa 95% da despesa prim\u00e1ria total (ADCT, art. 109). Adicionalmente, o art. 113 do ADCT exige a estimativa do impacto or\u00e7ament\u00e1rio e financeiro de toda proposi\u00e7\u00e3o legislativa que crie ou altere despesa obrigat\u00f3ria (ou ren\u00fancia de receita).<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida acerca da import\u00e2ncia do objetivo de atenuar o impacto do aumento dos pre\u00e7os dos combust\u00edveis e dos pre\u00e7os em geral sobre a renda dos cidad\u00e3os.<\/p>\n

Ainda que se admita tratar-se de despesa extraordin\u00e1ria \u2013 o que implicaria a dispensa autom\u00e1tica do cumprimento da regra do teto (ADCT, art. 107, \u00a7 6\u00ba, III) \u2013 n\u00e3o se vislumbra, por outro lado, raz\u00e3o ou necessidade para afastamento da regra de compensa\u00e7\u00e3o, em detrimento da preserva\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio do equil\u00edbrio temporal.<\/p>\n

A compensa\u00e7\u00e3o, ao atuar como freio e contrapeso pol\u00edtico ao desejo dos governos de expans\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria, em especial no final de mandato, preserva o n\u00edvel atual de equil\u00edbrio (j\u00e1 deficit\u00e1rio[11]<\/a>) para, pelo menos, n\u00e3o agravar ainda mais a situa\u00e7\u00e3o fiscal.<\/p>\n

N\u00e3o se justifica, portanto, a falta de indica\u00e7\u00e3o de fontes permanentes para o atendimento das despesas correntes continuadas criadas pela PEC (art. 2\u00ba, par\u00e1grafo \u00fanico, III), em especial quanto ao Programa Aux\u00edlio Brasil, implantada aos moldes do Bolsa Fam\u00edlia[12]<\/a>. Tratando-se de benef\u00edcios sociais com natureza de despesa corrente continuada, \u00e9 grande a dificuldade de sua posterior redu\u00e7\u00e3o, seja do ponto de vista pol\u00edtico ou mesmo jur\u00eddico (princ\u00edpio do n\u00e3o retrocesso dos direitos sociais).<\/p>\n

Por esse motivo, a extens\u00e3o de tais benef\u00edcios deveria ter sido compensada,<\/strong> para que possa ser mantida, garantindo-se a neutralidade fiscal da medida e a preserva\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio do equil\u00edbrio temporal do or\u00e7amento.<\/p>\n

3.3. Limita\u00e7\u00e3o das despesas em final de mandato<\/strong><\/p>\n

As regras que limitam despesas de final de mandato, ainda que em legisla\u00e7\u00e3o infraconstitucional (LRF, arts. 21, 31, 42 e lei eleitoral), d\u00e3o concretude, em seu conjunto, ao princ\u00edpio que imp\u00f5e aos agentes pol\u00edticos, nos per\u00edodos de transi\u00e7\u00e3o, disciplina fiscal ainda mais rigorosa do que aquela comumente adotada. O bem jur\u00eddico protegido \u00e9 a igualdade da disputa eleitoral, reduzindo-se assimetria no exerc\u00edcio de direitos pol\u00edticos em benef\u00edcio de candidatura pr\u00f3pria ou de terceiros.<\/p>\n

Dentre outras condutas proibidas pela lei eleitoral, veda-se nos tr\u00eas meses que antecedem o pleito, \u201crealizar transfer\u00eancia volunt\u00e1ria de recursos da Uni\u00e3o aos Estados e Munic\u00edpios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obriga\u00e7\u00e3o formal preexistente para execu\u00e7\u00e3o de obra ou servi\u00e7o em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situa\u00e7\u00f5es de emerg\u00eancia <\/strong>e de calamidade p\u00fablica\u201d (CF. art. 73, inciso VI, al\u00ednea \u201ca\u201d, da Lei n\u00ba 9.504, de 1997, grifo nosso). O \u00a7 10[13]<\/a> do mesmo artigo pro\u00edbe, no ano de elei\u00e7\u00e3o, a distribui\u00e7\u00e3o gratuita de bens, valores ou benef\u00edcios por parte da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica, exceto nos casos de calamidade p\u00fablica, de estado de emerg\u00eancia<\/strong> ou de programas sociais autorizados em lei e j\u00e1 em execu\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria.<\/p>\n

Entretanto, entende-se que o estado de emerg\u00eancia reconhecido pela PEC em an\u00e1lise \u00e9 peculiar, com aplica\u00e7\u00e3o restrita t\u00e3o somente aos benef\u00edcios nela elencados. Desta forma, n\u00e3o deve ter o cond\u00e3o de afastar, de forma gen\u00e9rica, as veda\u00e7\u00f5es referidas na lei eleitoral.<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

 <\/p>\n

____________________________________________________<\/p>\n

[1]<\/a> Este texto se baseia em Nota T\u00e9cnica da Consultoria da C\u00e2mara dos Deputados elaborada pelos mesmos Autores (Subs\u00eddios \u00e0 aprecia\u00e7\u00e3o das PECs n\u00ba 1 e 15, de 2022).<\/p>\n

[2]<\/sup><\/a> Dispon\u00edvel em https:\/\/aplicacoes.mds.gov.br\/sagi\/ri\/relatorios\/cidadania\/index.php<\/a>; <\/u>\u00daltimo acesso em 11\/07\/2022.<\/p>\n

[3]<\/sup><\/a> Idem.<\/p>\n

[4]<\/sup><\/a> Decreto n\u00ba 10.881, de 02.12.2021.<\/p>\n

[5]<\/sup><\/a> Dispon\u00edvel em https:\/\/aplicacoes.mds.gov.br\/sagi\/vis\/data3\/data-explorer.php<\/a>.<\/u><\/p>\n

\u00daltimo acesso em 11.07.2022.<\/p>\n

[6]<\/a> EC 102\/2019, EC 108\/2020, EC 109\/2021, EC 113\/2021, EC 114\/2021 e EC 119\/2022.<\/p>\n

[7]<\/a> https:\/\/www.stf.jus.br\/portal\/constituicao\/artigo.asp?item=1634&tipo=CJ&termo=3#:~:text=Al%C3%A9m%20dos%20requisitos%20de%20relev%C3%A2ncia,de%20relev%C3%A2ncia%20e%20urg%C3%AAncia%20(art.<\/p>\n

[8]<\/a> \u00c9 exemplo, no caso das despesas com pessoal durante o estado de calamidade p\u00fablica de 2020, a viabiliza\u00e7\u00e3o da contrata\u00e7\u00e3o de pessoal apenas nas \u00e1reas voltadas ao enfrentamento \u00e0 pandemia, sendo que, de outra parte, houve restri\u00e7\u00f5es \u00e0 contrata\u00e7\u00e3o nas demais \u00e1reas.<\/p>\n

[9]<\/sup><\/a> Consideram-se aqui como \u201cregras\u201d, fiscais ou or\u00e7ament\u00e1rias, aquelas normas ou preceitos com maior grau de determina\u00e7\u00e3o, vinculantes e objetivas. E, como \u201cprinc\u00edpios\u201d, aqueles enunciados que fundamentam um conjunto de regras e o pr\u00f3prio regime jur\u00eddico. Apesar de mais gen\u00e9ricos, t\u00eam import\u00e2ncia vital, pois estruturam valores que derivam da raz\u00e3o e do conhecimento normalmente aceito e consolidado, estabelecendo substrato que justifica, no caso, o conjunto espec\u00edfico de regras or\u00e7ament\u00e1rias e fiscais criadas para desestimular d\u00e9ficits e atenuar ou reduzir o endividamento p\u00fablico.<\/p>\n

[10]<\/a>\u00a0 De acordo com o art. 17 da LRF, o aumento de despesa obrigat\u00f3ria continuada exige a redu\u00e7\u00e3o de outra despesa, ou o aumento de receita.<\/p>\n

[11]<\/a> A meta de resultado prim\u00e1rio para 2022, conforme LDO, \u00e9 de d\u00e9ficit.<\/p>\n

[12]<\/a> De acordo com a PEC, a extens\u00e3o do programa \u00e9 assegurada a todas as fam\u00edlias eleg\u00edveis na data de promulga\u00e7\u00e3o da Emenda Constitucional.<\/p>\n

[13]<\/a> Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 legisla\u00e7\u00e3o eleitoral, a lei n\u00ba 14.352 de 2022, alterou a LDO 2022, inserindo novo dispositivo no seu texto: Art. 81-A. A doa\u00e7\u00e3o de bens, valores ou benef\u00edcios por parte da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica a entidades privadas, desde que com encargo para o donat\u00e1rio, anterior a tr\u00eas meses que antecedem o pleito eleitoral, n\u00e3o se configura em descumprimento do \u00a7 10 do art. 73 da Lei n\u00ba 9.504, de 30 de setembro de 1997.<\/p>\n

 <\/p>\n

* Eug\u00eanio Greggianin<\/strong> \u00e9 consultor de Or\u00e7amento e Fiscaliza\u00e7\u00e3o Financeira da C\u00e2mara dos Deputados<\/p>\n

 <\/p>\n

** Jos\u00e9 Fernando Cosentino Tavares<\/strong> \u00e9 consultor de Or\u00e7amento e Fiscaliza\u00e7\u00e3o Financeira da C\u00e2mara dos Deputados<\/p>\n

 <\/p>\n

*** Marcia Rodrigues Moura<\/strong> \u00e9 consultora de Or\u00e7amento e Fiscaliza\u00e7\u00e3o Financeira da C\u00e2mara dos Deputados<\/p>\n

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Os autores fazem uma an\u00e1lise cr\u00edtica da Emenda Constitucional n\u00ba 123, reconhecendo algumas virtudes, mas enfatizando os riscos que pode trazer ao Pa\u00eds em quest\u00f5es como ren\u00fancia fiscal, estouro do teto de gastos, impacto inflacion\u00e1rio etc.<\/p>\n","protected":false},"author":199,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,6],"tags":[238,957,130,956,958,662],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3659"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/199"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3659"}],"version-history":[{"count":2,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3659\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":3667,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3659\/revisions\/3667"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3659"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3659"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3659"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}