{"id":3596,"date":"2022-03-18T16:56:10","date_gmt":"2022-03-18T19:56:10","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3596"},"modified":"2022-03-18T16:56:10","modified_gmt":"2022-03-18T19:56:10","slug":"planejamento-de-medio-prazo-do-processo-orcamentario","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3596","title":{"rendered":"Planejamento de M\u00e9dio Prazo do Processo Or\u00e7ament\u00e1rio"},"content":{"rendered":"
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Por Helio Tollini e Paulo Bijos[1]<\/a><\/em><\/p>\n <\/p>\n Uma parte significativa das decis\u00f5es relativas a receitas e despesas tem implica\u00e7\u00f5es que se prolongam bem al\u00e9m do habitual ciclo de uma lei or\u00e7ament\u00e1ria anual (LOA). O horizonte temporal curto da LOA, portanto, n\u00e3o estimula que o planejamento fiscal e o planejamento estrat\u00e9gico das despesas sejam consistentes, pois tende a desconsiderar o impacto plurianual das decis\u00f5es tomadas no momento presente.<\/p>\n Quando o foco do processo or\u00e7ament\u00e1rio \u00e9 apenas o exerc\u00edcio de refer\u00eancia, o interesse em propor modifica\u00e7\u00f5es nas legisla\u00e7\u00f5es que provocam rigidez or\u00e7ament\u00e1ria \u00e9 menor, visto que os ganhos de flexibilidade tendem a ocorrer nos exerc\u00edcios seguintes. Se o foco or\u00e7ament\u00e1rio for o m\u00e9dio prazo, haver\u00e1 est\u00edmulos para que boa parte dos ganhos de flexibilidade seja incorporada ao novo processo alocativo.<\/p>\n Um instrumento adotado por diversos pa\u00edses, chamado Quadro da Despesa de M\u00e9dio-Prazo – QDMP (em ingl\u00eas, Medium-Term Expenditure Framework – MTEF<\/em>)[2]<\/a>, permite ao governo ampliar o horizonte da aloca\u00e7\u00e3o dos recursos p\u00fablicos para al\u00e9m do calend\u00e1rio or\u00e7ament\u00e1rio anual. O QDMP compatibiliza as prioridades estrat\u00e9gicas de cada setor com limites alocativos plurianuais definidos conforme a capacidade fiscal do Estado. Para tal, estabelece com anteced\u00eancia, para o m\u00e9dio prazo, tetos gerais anuais em conson\u00e2ncia com os objetivos de longo prazo da pol\u00edtica fiscal, e subtetos de gastos espec\u00edficos por \u00e1rea tem\u00e1tica conforme as prioridades definidas setorialmente.<\/p>\n O QDMP costuma ser constru\u00eddo com amparo em um Cen\u00e1rio Fiscal de M\u00e9dio Prazo (CFMP), que dilata o horizonte da pol\u00edtica fiscal ao apresentar a estimativa de evolu\u00e7\u00e3o plurianual dos grandes agregados de receitas e despesas. Nesse modelo de planejamento de m\u00e9dio prazo, a limita\u00e7\u00e3o \u201cde cima para baixo\u201d (top-down<\/em>) oriunda do CFMP interage com a programa\u00e7\u00e3o setorial de gastos \u201cde baixo para cima\u201d (bottom-up<\/em>), decorrente do cen\u00e1rio-base (baseline<\/em>) e das novas iniciativas. Os objetivos da ado\u00e7\u00e3o conjunta de um CFMP\/QDMP seriam impor, com anteced\u00eancia, metas fiscais estabelecidas para o m\u00e9dio prazo, em conson\u00e2ncia com os objetivos de longo prazo da pol\u00edtica fiscal, e alocar recursos p\u00fablicos em linha com essa restri\u00e7\u00e3o fiscal e com prioridades estrat\u00e9gicas definidas de antem\u00e3o.<\/p>\n Se adaptado com base na exitosa experi\u00eancia sueca, o teto global de gastos seria de car\u00e1ter impositivo e irretrat\u00e1vel[3]<\/a>, fixado anualmente na LDO para o m\u00e9dio prazo (at\u00e9 o exerc\u00edcio \u201ct+2\u201d), em base m\u00f3vel, por proposta do Poder Executivo. Os subtetos seriam definidos por \u00e1rea tem\u00e1tica, e impositivos apenas entre a LDO rec\u00e9m-aprovada e o projeto de LOA a ser submetido ao Congresso dois meses depois (e de car\u00e1ter indicativo para os exerc\u00edcios futuros). As atribui\u00e7\u00f5es do Congresso Nacional na aplica\u00e7\u00e3o dos recursos p\u00fablicos seriam refor\u00e7adas, pois passaria a definir antecipadamente o montante m\u00e1ximo de gastos e como se daria a divis\u00e3o desse montante entre as \u00e1reas tem\u00e1ticas.<\/p>\n Dentre outras, destacam-se as seguintes vantagens de se elaborar um QDMP em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 or\u00e7amenta\u00e7\u00e3o anual tradicional:<\/p>\n Ademais, o arcabou\u00e7o CFMP\/QDMP seria uma alternativa mais interessante do que o atual Novo Regime Fiscal (NRF) para nortear a pol\u00edtica fiscal, pois manteria a rigidez fiscal no m\u00e9dio prazo, com a vantagem de ser flex\u00edvel no longo prazo. Por ter horizonte temporal mais curto e base m\u00f3vel, admitiria a corre\u00e7\u00e3o de curso da pol\u00edtica fiscal no m\u00e9dio prazo, em sintonia com a altera\u00e7\u00e3o dos indicadores econ\u00f4micos.<\/p>\n Adicionalmente, informaria melhor o Congresso Nacional a respeito da evolu\u00e7\u00e3o das contas p\u00fablicas nos anos subsequentes, dotando-o de melhores condi\u00e7\u00f5es para calibrar o impacto financeiro de suas decis\u00f5es de acordo com a trajet\u00f3ria desejada de evolu\u00e7\u00e3o da d\u00edvida p\u00fablica. A participa\u00e7\u00e3o de uma Institui\u00e7\u00e3o Fiscal Independente robusteceria esse modelo com apoio t\u00e9cnico na elabora\u00e7\u00e3o e no monitoramento de cen\u00e1rios fiscais.<\/a><\/p>\n A mudan\u00e7a fundamental \u00e9 o deslocamento do foco do processo de elabora\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria do curto para o m\u00e9dio prazo, com afeta\u00e7\u00e3o direta da forma como os recursos p\u00fablicos s\u00e3o alocados.<\/p>\n Quanto ao Plano Plurianual (PPA), dentro desse novo arcabou\u00e7o ele se torna dispens\u00e1vel enquanto instrumento legal de planejamento or\u00e7ament\u00e1rio no m\u00e9dio prazo. O PPA possui limita\u00e7\u00f5es estruturais que o tornaram ineficaz. Apesar dos diversos formatos tentados desde o in\u00edcio da d\u00e9cada de 1990, nunca conseguiu determinar a aloca\u00e7\u00e3o plurianual dos recursos p\u00fablicos. No novo modelo de planejamento or\u00e7ament\u00e1rio, a tr\u00edade de \u201cleis or\u00e7ament\u00e1rias\u201d (PPA, LDO e LOA) cederia lugar a apenas duas \u2013 LDO e LOA. A LDO incorporaria as fun\u00e7\u00f5es de CFMP\/QDMP e a LOA continuaria aprovando despesas anuais \u00e0 luz de uma estrutura fiscal de m\u00e9dio prazo. O planejamento plurianual, em suma, n\u00e3o mais assumiria a forma de \u201clei de PPA\u201d, mas a atividade de planejamento, evidentemente, n\u00e3o deixaria de existir, sobretudo em n\u00edvel setorial. O planejamento central, por sua vez, poderia materializar-se por meio do ainda pouco explorado \u201cplano de governo\u201d a que se refere o art. 84, inciso XI, da Constitui\u00e7\u00e3o. Para esse instrumento j\u00e1 existente poderia ser canalizado todo aprendizado obtido a partir da experi\u00eancia hist\u00f3rica com o PPA.<\/p>\n Adicionalmente, o modelo trazido \u00e0 baila deveria ser idealmente complementado por um processo de Revis\u00e3o do Gasto P\u00fablico (em ingl\u00eas, Spending Review<\/em>), a fim de evitar o comportamento inercial da \u201cbase or\u00e7ament\u00e1ria\u201d existente. \u00c9 preciso institucionalizar um processo de reavalia\u00e7\u00e3o peri\u00f3dica de programas, a\u00e7\u00f5es, vincula\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias, gastos tribut\u00e1rios e subs\u00eddios (financeiros e credit\u00edcios). A Revis\u00e3o do Gasto P\u00fablico teria o objetivo de aprimorar a aloca\u00e7\u00e3o de recursos escassos em favor de programa\u00e7\u00f5es que propiciem maiores benef\u00edcios \u00e0 sociedade. Isso permite que a redu\u00e7\u00e3o de gastos ineficientes abra espa\u00e7o fiscal para incorpora\u00e7\u00e3o de outros mais eficientes (evitando-se tamb\u00e9m os malfadados \u201ccortes lineares\u201d, que muitas vezes atingem despesas correntes essenciais e investimentos). Para tal, prop\u00f5em-se revis\u00f5es espec\u00edficas (de um ou alguns poucos setores escolhidos) no \u00e2mbito de cada projeto de Lei de Diretrizes Or\u00e7ament\u00e1rias (LDO), e uma revis\u00e3o mais abrangente apresentada juntamente com o projeto de LDO do \u00faltimo ano do mandato presidencial (para que suas conclus\u00f5es eventualmente sirvam de base para discuss\u00f5es pol\u00edticas dos candidatos \u00e0 Presid\u00eancia nas elei\u00e7\u00f5es do mesmo ano).<\/p>\n Por fim, a LOA precisa dialogar melhor com a abordagem da or\u00e7amenta\u00e7\u00e3o por desempenho (em ingl\u00eas, performance budgeting<\/em>). Em sua estrutura\u00e7\u00e3o moderna, por programas, a LOA deve ser encarada como leis de fins. Isso significa que as a\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias n\u00e3o s\u00e3o \u201cpe\u00e7as soltas\u201d no ambiente de planejamento governamental. As a\u00e7\u00f5es final\u00edsticas do or\u00e7amento t\u00eam compromisso com entregas na forma de bens e servi\u00e7os, que por sua vez visam contribuir para a melhoria das condi\u00e7\u00f5es socioecon\u00f4micas do Pa\u00eds. Por isso as a\u00e7\u00f5es final\u00edsticas da LOA s\u00e3o expressamente dotadas de produtos e respectivas \u201cmetas f\u00edsicas\u201d, que quantificam as entregas associadas a cada dota\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria. Essa informa\u00e7\u00e3o deve ser levada mais a s\u00e9rio. A fixa\u00e7\u00e3o e a execu\u00e7\u00e3o das metas f\u00edsicas precisam ser consistentes e transparentes, de forma a permitir o acompanhamento da efic\u00e1cia das a\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias. A LOA j\u00e1 divulga metas f\u00edsicas, desde 1987, mas n\u00e3o h\u00e1 qualquer justificativa para os valores fixados para as metas das despesas discricion\u00e1rias, nem controle social sobre a execu\u00e7\u00e3o delas. O ideal \u00e9 que haja divulga\u00e7\u00e3o de justificativa espec\u00edfica para o valor de cada meta f\u00edsica fixada, assim como a publiciza\u00e7\u00e3o de sua execu\u00e7\u00e3o ao longo do ano, de forma a permitir o controle social da efic\u00e1cia da a\u00e7\u00e3o governamental. O argumento de que tal informa\u00e7\u00e3o eventualmente \u201cburocratizaria\u201d o processo or\u00e7ament\u00e1rio n\u00e3o procede. No mundo contempor\u00e2neo, altamente digitalizado, n\u00e3o deveria haver \u00f3bices para a disponibiliza\u00e7\u00e3o dessas informa\u00e7\u00f5es \u00e0 sociedade.<\/p>\n \u00a0<\/strong><\/p>\n Refer\u00eancias<\/strong><\/p>\n ORGANIZA\u00c7\u00c3O PARA A COOPERA\u00c7\u00c3O E O DESENVOLVIMENTO ECON\u00d4MICO (OCDE). Budgeting and public expenditures in OECD countries<\/strong>. Paris: OECD – Publishing, 2019.<\/p>\n Obs.: aos leitores interessados nos temas tratados neste artigo, sugerimos adiante algumas refer\u00eancias pertinentes, em car\u00e1ter n\u00e3o exaustivo:<\/p>\n AFONSO, Jos\u00e9 Roberto; RIBEIRO, Leonardo. Revis\u00e3o dos gastos p\u00fablicos no Brasil. Revista Conjuntura Econ\u00f4mica<\/strong>, set. 2020.<\/p>\n ALMEIDA, Dayson P.B.; BIJOS, Paulo R.S. Planejamento e or\u00e7amento no Brasil: propostas de inova\u00e7\u00e3o. In<\/em>: SALTO, Felipe S.; PELLEGRINI, Josu\u00e9 A. (org.). Contas p\u00fablicas no Brasil<\/strong>. S\u00e3o Paulo: Saraiva, 2020.<\/p>\n BIJOS, Paulo R.S. Spending Review<\/em> e MTEF \u2013 caminhos para maior estabilidade? [Publica\u00e7\u00e3o preliminar]. In<\/em>: Governan\u00e7a Or\u00e7ament\u00e1ria no Brasil<\/strong>. COUTO, Leandro F.; RODRIGUES, J\u00falia M. (org.). Bras\u00edlia: Instituto de Pesquisa Econ\u00f4mica Aplicada (Ipea), 2021.<\/p>\n COURI, Daniel V.; BIJOS, Paulo R.S. Subs\u00eddios para uma reforma or\u00e7ament\u00e1ria no Brasil. In<\/em>: Reconstru\u00e7\u00e3o: o Brasil nos anos 20<\/strong>. SALTO, Felipe; VILLAVERDE, Jo\u00e3o; KARPUSKA, Laura (org.). Bras\u00edlia: S\u00e9rie IDP\/Saraiva, 2022.<\/p>\n FORTIS, Martin; GASPARINI, Carlos E. Plurianualidade: marcos de gasto de m\u00e9dio prazo. In<\/em>: GIMENE, M\u00e1rcio. (org.). Planejamento, or\u00e7amento e sustentabilidade fiscal<\/strong>. Bras\u00edlia, DF: Assecor, 2020.<\/p>\n MACIEL, Pedro J.; ARA\u00daJO, Rafael C. Regras fiscais no Brasil: proposta de harmoniza\u00e7\u00e3o do arcabou\u00e7o fiscal de m\u00e9dio prazo. In<\/em>: GIAMBIAGI, F\u00e1bio. (org.). O futuro do Brasil<\/strong>. S\u00e3o Paulo: Atlas, 2021.<\/p>\n SALTO, Felipe S. O trip\u00e9 or\u00e7ament\u00e1rio Couri-Bijos<\/strong>. O Estado de S. Paulo<\/em>, S\u00e3o Paulo, 15 mar. 2022.<\/p>\n TOLLINI, H\u00e9lio. Deslocando o foco or\u00e7ament\u00e1rio do curto para o m\u00e9dio prazo. In<\/em>: GIAMBIAGI, F.; FERREIRA, S.G.; AMBR\u00d3ZIO, A.M.H. (org). Reforma do Estado brasileiro<\/strong>: transformando a atua\u00e7\u00e3o do governo. S\u00e3o Paulo: Atlas, 2020.<\/p>\n <\/p>\n [1]<\/a> Consultores de Or\u00e7amento da C\u00e2mara dos Deputados.<\/p>\n\n
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