{"id":3479,"date":"2021-07-14T16:36:21","date_gmt":"2021-07-14T19:36:21","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3479"},"modified":"2021-07-14T16:36:21","modified_gmt":"2021-07-14T19:36:21","slug":"o-crime-compensa","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3479","title":{"rendered":"O crime compensa?"},"content":{"rendered":"

O crime compensa?<\/strong><\/h1>\n

Por Luiz Alberto Machado*<\/em><\/p>\n

Chama a aten\u00e7\u00e3o o volume de mat\u00e9rias divulgadas na m\u00eddia ou nas redes sociais envolvendo temas relacionados ao crime e \u00e0 corrup\u00e7\u00e3o no Brasil.<\/p>\n

Mesmo admitindo que h\u00e1 crime e corrup\u00e7\u00e3o no mundo todo e que a pandemia \u00a0expandiu os est\u00edmulos \u00e0 pr\u00e1tica de atos il\u00edcitos em raz\u00e3o da redu\u00e7\u00e3o do n\u00edvel de atividade econ\u00f4mica e da menor oferta de empregos formais, a sensa\u00e7\u00e3o que se tem \u00e9 que no Brasil o volume supera o normal.<\/p>\n

Sensa\u00e7\u00e3o, ali\u00e1s, confirmada pela Transpar\u00eancia Internacional, organiza\u00e7\u00e3o n\u00e3o governamental dedicada \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de um \u00edndice comparativo da percep\u00e7\u00e3o de corrup\u00e7\u00e3o em 180 pa\u00edses. A escala do \u00edndice vai de 0 a 100, em que 0 significa que o pa\u00eds \u00e9 percebido como\u00a0\u201caltamente corrupto\u201d<\/em>\u00a0e 100 \u00e9 a avalia\u00e7\u00e3o de um pa\u00eds percebido como\u00a0\u201cmuito \u00edntegro\u201d<\/em>. Notas abaixo de 50 indicam n\u00edveis graves de corrup\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Na \u00faltima edi\u00e7\u00e3o do IPC (\u00cdndice de Percep\u00e7\u00e3o da Corrup\u00e7\u00e3o), publicada janeiro de 2021, a nota do Brasil (38) ficou abaixo da m\u00e9dia da Am\u00e9rica Latina (41) e mundial (43) e distante da m\u00e9dia dos pa\u00edses do G20 (54) e da OCDE (Organiza\u00e7\u00e3o para a Coopera\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento Econ\u00f4mico) (64).<\/p>\n

A combina\u00e7\u00e3o de elevado volume de mat\u00e9rias sobre crimes e de alto \u00edndice de percep\u00e7\u00e3o da corrup\u00e7\u00e3o leva \u00e0 seguinte pergunta: o crime compensa no Brasil?<\/p>\n

Uma poss\u00edvel resposta a essa pergunta pode ser buscada na teoria econ\u00f4mica, gra\u00e7as, sobretudo, \u00e0 contribui\u00e7\u00e3o de Gary Becker, ganhador do Nobel de Economia em 1992, \u201cpor haver estendido os dom\u00ednios da an\u00e1lise microecon\u00f4mica ao vasto campo do comportamento humano e das suas intera\u00e7\u00f5es, incluindo o comportamento n\u00e3o mercadol\u00f3gico\u201d.<\/p>\n

Becker, que se engajara, de 1964 a 1967, numa linha de pesquisa liderada por Jacob Mincer e Theodore Schultz voltada \u00e0 teoria do capital humano, ampliou consideravelmente a problem\u00e1tica neocl\u00e1ssica (base da teoria do capital humano) ao estender para diversos outros fen\u00f4menos da vida social o mesmo argumento utilizado na an\u00e1lise do investimento em capital humano, fundamentada na racionalidade dos indiv\u00edduos. Nas mais diferentes situa\u00e7\u00f5es \u2013 para se casar, para se dedicar ao crime, para consumir drogas, para ter filhos, para comprar um eletrodom\u00e9stico ou para se divorciar \u2013 o indiv\u00edduo toma sua decis\u00e3o comparando racionalmente os custos e os benef\u00edcios, tendo em mente a maximiza\u00e7\u00e3o de sua satisfa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Como observa Shikida[1]<\/a>, \u201ca economia do crime, portanto, \u00e9 uma das abordagens no campo das ci\u00eancias sociais aplicadas que procura entender as motiva\u00e7\u00f5es para o crime a partir da an\u00e1lise econ\u00f4mica. No artigo \u201cCrime and punishment: an economic approach<\/em>\u201d, publicado em 1968, Becker, utilizando-se de modelagem matem\u00e1tica, ressaltou que uma pessoa propensa ao crime pondera, racionalmente, os custos e benef\u00edcios esperados de sua pr\u00e1tica il\u00edcita, para, a partir da\u00ed, escolher atuar (ou n\u00e3o) no mercado econ\u00f4mico ilegal\u201d.<\/p>\n

Detalhando mais o argumento, o indiv\u00edduo racional compara os ganhos que pode obter com as atividades il\u00edcitas aos seus custos, considerando as possibilidades de ser capturado e a extens\u00e3o da pena. Pode parecer simples, mas h\u00e1 uma s\u00e9rie de vari\u00e1veis envolvidas nessa an\u00e1lise. Pelo lado dos benef\u00edcios, o indiv\u00edduo compara o que ser\u00e1 poss\u00edvel ganhar e em quanto tempo de \u201ctrabalho\u201d. Leva em conta, alternativamente, quanto ganharia no exerc\u00edcio de uma atividade profissional regular, na qual provavelmente teria que trabalhar em tempo integral. Pelo lado dos custos, ele vai levar em conta as chances de ser flagrado, de ser condenado e de efetivamente ter que cumprir a pena. Se, por exemplo, for um indiv\u00edduo de baixa qualifica\u00e7\u00e3o, sem maiores oportunidades de obter um emprego com remunera\u00e7\u00e3o elevada, a perspectiva de correr risco na atividade criminosa torna-se mais atraente. Se ele considerar que a chance de ser flagrado e condenado \u00e9 remota em raz\u00e3o do n\u00famero reduzido de policiais, do despreparo dos mesmos ou dos equipamentos limitados de que disp\u00f5em, a perspectiva torna-se mais atraente ainda. Se, ainda por cima, ele constatar que a legisla\u00e7\u00e3o oferece uma s\u00e9rie de atenuantes e que por falta de pres\u00eddios a tend\u00eancia dos ju\u00edzes \u00e9 de aplicar penas suaves, sendo, portanto, muito remota a hip\u00f3tese de ter que passar um per\u00edodo muito longo de tempo atr\u00e1s das grades, a chance de optar pelo crime \u00e9 muito grande. Afinal, com essas vari\u00e1veis todas, a conclus\u00e3o a que o indiv\u00edduo chega \u00e9 de que \u201co crime compensa\u201d.<\/p>\n

Evidentemente, se as vari\u00e1veis fossem outras, como por exemplo: de um lado, o indiv\u00edduo possui bom n\u00edvel de qualifica\u00e7\u00e3o, a atividade econ\u00f4mica est\u00e1 em fase de expans\u00e3o, est\u00e3o surgindo boas oportunidades de emprego e a chance de obter sal\u00e1rios elevados \u00e9 alta; e de outro lado o sistema de seguran\u00e7a \u00e9 eficiente, recebe polpudos investimentos p\u00fablicos, resultando num efetivo policial bem preparado e equipado, capaz de exercer com compet\u00eancia o combate ao crime, agindo tanto na preven\u00e7\u00e3o como na repress\u00e3o, o sistema judicial \u00e9 \u00e1gil, permitindo a tramita\u00e7\u00e3o r\u00e1pida dos processos e as penas s\u00e3o duras, tendo que ser cumpridas \u00e0 risca, a possibilidade de se sair bem na atividade criminosa se reduz acentuadamente, e o indiv\u00edduo ir\u00e1 pensar muito mais antes de se dedicar a ela, j\u00e1 que na sua percep\u00e7\u00e3o, \u201co crime n\u00e3o compensa\u201d.<\/p>\n

Diante de tais considera\u00e7\u00f5es, a conclus\u00e3o inevit\u00e1vel \u00e9 de que no Brasil o crime compensa, pois, al\u00e9m de graves problemas na educa\u00e7\u00e3o, que geram enorme quantidade de profissionais com baixa qualifica\u00e7\u00e3o, temos um n\u00famero muito baixo de crimes esclarecidos ou de atos de corrup\u00e7\u00e3o efetivamente punidos. E, quando ocorre a puni\u00e7\u00e3o, a possibilidade de cumprimento integral da pena tamb\u00e9m <\/em><\/strong>\u00e9 muito baixa.<\/p>\n

Entre outros preju\u00edzos decorrentes dessa situa\u00e7\u00e3o, est\u00e1 o afugentamento de investimentos estrangeiros diretos, algo fundamental para um pa\u00eds cuja popula\u00e7\u00e3o \u2013 ou por n\u00e3o ter condi\u00e7\u00f5es ou por uma quest\u00e3o cultural \u2013 n\u00e3o cultiva o h\u00e1bito da poupan\u00e7a, pr\u00e9-requisito indispens\u00e1vel para o investimento. Por isso, a atra\u00e7\u00e3o de capitais provenientes do exterior \u00e9 essencial para a preserva\u00e7\u00e3o da nossa incipiente taxa de investimento.<\/p>\n

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* Luiz Alberto Machado<\/strong> \u00e9 economista, mestre em Criatividade e Inova\u00e7\u00e3o e conselheiro do Instituto Fernand Braudel.<\/p>\n

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Artigo publicado no Blog de Fausto Macedo em O Estado de S. Paulo<\/em> em 14 de julho de 2021.<\/p>\n

[1]<\/a> Dispon\u00edvel em http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/2021\/06\/07\/economia-do-crime\/<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

A partir da vis\u00e3o te\u00f3rica de Gary Becker, o autor examina as vantagens e desvantagens da pr\u00e1tica do crime no Brasil.<\/p>\n","protected":false},"author":156,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,772,776],"tags":[406,855,856],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3479"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/156"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3479"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3479\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3479"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3479"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3479"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}