{"id":3421,"date":"2021-03-13T12:14:30","date_gmt":"2021-03-13T15:14:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3421"},"modified":"2021-03-13T12:19:20","modified_gmt":"2021-03-13T15:19:20","slug":"por-que-o-pessimismo-com-a-pec-emergencial-aprovada-no-congresso","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3421","title":{"rendered":"Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso?"},"content":{"rendered":"

Por que o pessimismo com a PEC Emergencial aprovada no Congresso?<\/strong><\/h3>\n

Por Alexandre Manoel <\/em><\/p>\n

Se olharmos o \u201cfilme\u201d, e n\u00e3o a fotografia do atual desequil\u00edbrio fiscal brasileiro, inferiremos que a PEC Emergencial (recentemente aprovada no Senado e na C\u00e2mara) pode ser entendida de duas formas: i) \u201ccompromisso final\u201d de que o governo federal far\u00e1 (pela PRIMEIRA VEZ) o ajuste fiscal pelo lado da despesa; ii) PRIMEIRA participa\u00e7\u00e3o conjunta dos entes federativos no esfor\u00e7o de ajuste fiscal, no intuito de recuperar a poupan\u00e7a p\u00fablica nacional.<\/p>\n

A fim de raciocinarmos sobre o filme do desequil\u00edbrio fiscal atual, vale mencionar, inicialmente, que os dados hist\u00f3ricos sobre contas p\u00fablicas sugerem que o desequil\u00edbrio fiscal no Brasil n\u00e3o \u00e9 conjuntural, e sim estrutural, e vige desde o in\u00edcio da Rep\u00fablica. A \u00faltima d\u00e9cada do s\u00e9culo XIX e o s\u00e9culo XX s\u00e3o marcados por crises de d\u00edvida e de infla\u00e7\u00e3o, decorrentes do excesso de gasto p\u00fablico.<\/p>\n

Nesse sentido, destaque-se que as inten\u00e7\u00f5es de ajuste fiscal no Brasil foram sempre transit\u00f3rias e de curta dura\u00e7\u00e3o, buscando frequentemente onerar o setor produtivo (de maneira desorganizada), sem NUNCA ter sido feito um ajuste pelo lado da despesa.<\/p>\n

A prop\u00f3sito, considerando apenas os ajustes fiscais recentes (para n\u00e3o me alongar muito), vale lembrar que o Plano Real foi um plano de estabiliza\u00e7\u00e3o monet\u00e1ria, trazendo consigo um forte endividamento (a d\u00edvida bruta saiu de 34% do PIB em 1995 para 76% do PIB em 2002) e um grande aumento de carga tribut\u00e1ria (aumento de uns 4 pontos percentuais do PIB de 1995 a 2002). Em outras palavras, em virtude de n\u00e3o termos conseguido fazer o necess\u00e1rio ajuste fiscal (pelo lado das despesas) para complementar a estabiliza\u00e7\u00e3o monet\u00e1ria, trocamos, ao longo da consolida\u00e7\u00e3o do Plano Real, infla\u00e7\u00e3o por maior endividamento e maior carga tribut\u00e1ria.<\/p>\n

Vale tamb\u00e9m mencionar que, em 2003, o ajuste fiscal no governo Lula I foi feito em cima de aumento de carga tribut\u00e1ria (aumento de uns 2,5 pontos percentuais do PIB entre 2003 e 2006) e pedaladas nas despesas prim\u00e1rias por meios de crescentes restos a pagar (varia\u00e7\u00e3o positiva e crescente dos restos a pagar \u2013 a monografia ganhadora do primeiro pr\u00eamio SOF de Finan\u00e7as P\u00fablicas, realizado em 2007, documenta bem isso).<\/p>\n

Ademais, relembremos que a pol\u00edtica fiscal expansionista do per\u00edodo 2007- 2014 (que levou ao d\u00e9ficit prim\u00e1rio vigente desde 2014) decorreu de gastos prim\u00e1rios crescentes (aumento de 2,3 pontos percentuais do PIB na despesa prim\u00e1ria federal), de forte aumento das ren\u00fancias (gastos ou subs\u00eddios) tribut\u00e1rias (cerca de 2,3 pontos percentuais do PIB) e de intensifica\u00e7\u00e3o das pedaladas fiscais, que redundaram no impeachment da presidente Dilma.<\/p>\n

Portanto, para aqueles que querem cortes IMEDIATOS na despesa prim\u00e1ria em plena pandemia, lembremos: at\u00e9 2016, o Brasil NUNCA tinha feito ajuste fiscal pelo lado das despesas.<\/p>\n

De fato, em 2016, quando foi aprovado o teto dos gastos p\u00fablicos, houve a primeira tentativa e sinaliza\u00e7\u00e3o de ajuste pelo lado das despesas. Nesse sentido, pergunto aos navegantes que tiveram paci\u00eancia de ler o texto at\u00e9 aqui: foi feito ajuste de imediato nas despesas prim\u00e1rias concomitantemente \u00e0 implanta\u00e7\u00e3o do teto? N\u00c3O.<\/p>\n

Pelo contr\u00e1rio, em 2016, foi dado (ou ratificado) um forte aumento real nas despesas com pessoal, que perdurou at\u00e9 2020. Vale tamb\u00e9m lembrar que o teto somente abrangia as despesas federais, assim como n\u00e3o possu\u00eda regras claras que apontassem como ele seria furado, de maneira que as travas para trazer a despesa de volta ao teto fossem acionadas.<\/p>\n

De qualquer forma, todos devem ter MUITO orgulho da constru\u00e7\u00e3o do TETO, pois foi a PRIMEIRA vez que se fez (ou se come\u00e7ou a fazer) ajuste fiscal pelo lado das despesas. Entre 2016 e 2018, os ajustes feitos foram a diminui\u00e7\u00e3o dos benef\u00edcios financeiros e credit\u00edcios (especialmente reforma no FIES, in\u00edcio da devolu\u00e7\u00e3o dos empr\u00e9stimos da STN ao BNDES e troca da TJLP pela TLP), levando-os de 1,8% do PIB para aproximadamente 0,6% do PIB. Contudo, \u00e9 preciso ser dito que quase NENHUM daqueles ajustes tinham efeito imediato \u2013 eles viriam ao longo do tempo, como de fato vieram.<\/p>\n

Ali\u00e1s, esta me parece (a evid\u00eancia tem mostrado) a forma vi\u00e1vel e correta de se fazer ajuste pelo lado da despesa no Brasil. E foi a forma utilizada e refor\u00e7ada pela PEC emergencial recentemente aprovada no Congresso Nacional, que trouxe mecanismo claro (95% da despesa obrigat\u00f3ria) para acionar o teto, garantindo constitucionalmente que o ajuste ser\u00e1 feito pelo lado da despesa. Isso (definitivamente) n\u00e3o \u00e9 pouco, embora muitos teimem em achar que seja. Mas, com o tempo, ver\u00e3o que n\u00e3o \u00e9.<\/p>\n

Por que n\u00e3o \u00e9 pouco? Ora, temos o teto garantido CONSTITUCIONALMENTE at\u00e9 2036. Se ousarem mudar, ter\u00e3o de enfrentar dois turnos em cada casa, com 3\/5 em cada uma. Antes de a mudan\u00e7a se efetivar, o mundo desabar\u00e1 nas costas do governo de plant\u00e3o. Dado o hist\u00f3rico brasileiro, se a PEC Emergencial fizesse somente isso, j\u00e1 seria um GRANDE avan\u00e7o. Em tese, somente isso deveria ser suficiente para alinhar as expectativas relativas \u00e0 sustentabilidade da d\u00edvida.<\/p>\n

Mas, insistem em diminuir a pot\u00eancia da PEC. Por exemplo, tenho ouvido analistas falarem de risco fiscal por conta do protocolo emergencial. Isso tamb\u00e9m \u00e9 fantasia. Com a PEC Emergencial, o Presidente da Rep\u00fablica ter\u00e1 que propor a calamidade p\u00fablica ao Congresso Nacional, que a decretar\u00e1. Se o pedido de calamidade n\u00e3o estiver alinhado, o mundo tamb\u00e9m desabar\u00e1 sobre o governo de plant\u00e3o; haver\u00e1 tempo suficiente para o mercado corrigir eventuais desvios de rota do governo.<\/p>\n

A prop\u00f3sito, risco fiscal \u00e9 o que existe hoje (sem a PEC Emergencial) em que uma leitura atenta do artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mostrar\u00e1 que o Congresso Nacional pode de uma hora para outra acionar a Calamidade e jogar a conta nas costas do Poder Executivo. Por que ningu\u00e9m tem atentado publicamente para isso?<\/p>\n

Ouvi tamb\u00e9m de analistas e jornalistas que a PEC \u201cs\u00f3\u201d ser\u00e1 acionada em 2024\/25. Ainda bem, n\u00e3o \u00e9? Essa an\u00e1lise pressup\u00f5e que o governo at\u00e9 l\u00e1 ser\u00e1 minimamente respons\u00e1vel, pois, se ousar n\u00e3o ser, praticando ativismo populista, com aumentos exacerbados de despesa obrigat\u00f3ria, a PEC emergencial disparar\u00e1 os gatilhos antes. Por que ningu\u00e9m comenta isso? Por que n\u00e3o comenta que a PEC Emergencial IMPEDE arroubos populistas. Ser\u00e1 que \u00e9 pop ser pessimista?<\/p>\n

Al\u00e9m disso, a PEC Emergencial (que considero o PRINCIPAL marco fiscal at\u00e9 hoje estruturado no Pa\u00eds) possui ao menos quatro outros significativos avan\u00e7os, do ponto de vista fiscal.<\/p>\n

Primeiro, a PEC Emergencial sinaliza o retorno dos subs\u00eddios (gastos) tribut\u00e1rios para o mesmo n\u00edvel de 2007, contribuindo, inclusive, para o retorno do super\u00e1vit prim\u00e1rio. Alguns \u201canalistas exigentes\u201d t\u00eam sugerido que ficaram de fora os principais (SIMPLES, ZFM, etc) e que com isso restam pouco mais de 1,9% do PIB. Como isso pode ser motivo para tristeza?<\/p>\n

Pensemos de outra forma. Isso pode significar que n\u00e3o haver\u00e1 ren\u00fancia adicional com o Simples, por exemplo. Pode significar tamb\u00e9m que os que restaram (1,9% do PIB) ter\u00e3o que ser extintos ao longo do tempo. Enfim, significa que, de alguma forma, o montante total de subs\u00eddios tribut\u00e1rios, pouco mais de 4,3% do PIB, diminuir\u00e1 ao longo do tempo, de modo que o ajuste ser\u00e1 feito, ou, no m\u00ednimo, que teremos uma discuss\u00e3o no Congresso no assunto, baseado na Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A prop\u00f3sito, somente a garantia ou a sinaliza\u00e7\u00e3o de que o governo n\u00e3o poder\u00e1 fazer nada (ou n\u00e3o ter\u00e1 est\u00edmulos para isso) ao longo dos pr\u00f3ximos oito anos J\u00c1 \u00e9 uma GRANDE vit\u00f3ria. Quem passou pelo governo sabe as recorrentes tentativas (por parte de v\u00e1rios setores) de aument\u00e1-los; agora, a Constitui\u00e7\u00e3o ir\u00e1 impedir, diminuindo-os ao longo do tempo, ou, ao menos, sinalizando sua diminui\u00e7\u00e3o. O governo tentou fazer isso em 2018 por meio da LDO, que infelizmente se mostrou um instrumento legal fraco para tanto. Fico contente de ver que isso subiu para a Constitui\u00e7\u00e3o e que a ca\u00e7a aos subs\u00eddios tribut\u00e1rios virou uma \u201cca\u00e7ada constitucional\u201d.<\/p>\n

Segundo, a PEC Emergencial traz \u201cfortes incentivos\u201d (praticamente deixando os entes desajustados sem rela\u00e7\u00e3o com o governo federal) para que Estados, Munic\u00edpios e Distrito Federal participem do ajuste fiscal. Claro que seria interessante que o Judici\u00e1rio e o Legislativo dos entes subnacionais tamb\u00e9m participassem do ajuste. Ocorre que a participa\u00e7\u00e3o destes \u00e9 mais uma quest\u00e3o moral, pois pouco representam (em termos financeiros e fiscais) relativamente \u00e0 necessidade de ajuste. Neste caso, a imprensa, principalmente a nacional, deveria ou dever\u00e1 cobrar a participa\u00e7\u00e3o destes 4 outros poderes quando algum Poder Executivo subnacional entrar na regra das restri\u00e7\u00f5es devido \u00e0 regra de o gasto superar 95% das receitas correntes.<\/p>\n

Terceiro, pela PRIMEIRA vez a Avalia\u00e7\u00e3o de Pol\u00edticas P\u00fablicas est\u00e1 sendo constitucionalizada. Isso \u00e9 um \u201ccanh\u00e3o\u201d. Muitos ainda n\u00e3o perceberam, ou n\u00e3o querem se dar conta (\u00e9 pop ser pessimista no Brasil) do que isso pode significar em termos de enforcement para o Executivo utilizar a Avalia\u00e7\u00e3o no necess\u00e1rio corte de despesas futuro para cumprir o teto at\u00e9 2036. A prop\u00f3sito, a Avalia\u00e7\u00e3o era a \u00fanica parte das quatro etapas do Ciclo Or\u00e7ament\u00e1rio (Planejamento, Execu\u00e7\u00e3o Or\u00e7ament\u00e1ria\/Financeira, Controle e Avalia\u00e7\u00e3o) que n\u00e3o estava na Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Quarto, a PEC Emergencial imp\u00f5e a cria\u00e7\u00e3o de Lei Complementar que harmonize as regras fiscais (prim\u00e1rio e teto) com o objetivo de sustentabilidade da d\u00edvida p\u00fablica, determinando a trajet\u00f3ria do super\u00e1vit\/d\u00e9ficit prim\u00e1rio, desfazimento de ativos, etc, que garantam a sustentabilidade da d\u00edvida. Isso aqui \u00e9 assunto para um texto. Outro \u201ccanh\u00e3o fiscal\u201d na constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Ademais, existem v\u00e1rios outros avan\u00e7os pontuais na PEC (como a desvincula\u00e7\u00e3o dos fundos e de receitas, assim como a constitucionaliza\u00e7\u00e3o de itens da LRF) que merecem um texto cada um deles.<\/p>\n

Ouso dizer, inclusive, que, com essa PEC e a independ\u00eancia do Bacen, n\u00e3o d\u00e1 mais para falarmos de Domin\u00e2ncia Fiscal (DF) no Brasil, pois basicamente estamos constitucionalizando o regime de Domin\u00e2ncia Monet\u00e1ria no Brasil. Para voltar \u00e0 possibilidade de DF, teremos de alterar a Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Por fim, resta torcer para que os artigos da PEC sejam crescentemente compreendidos ao longo do tempo, considerando n\u00e3o apenas a desidrata\u00e7\u00e3o que existiu em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 vers\u00e3o inicial, mas sobretudo o avan\u00e7o que ela representa em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 situa\u00e7\u00e3o fiscal atual e a perspectiva que existia no final do ano passado. E, como tenho f\u00e9 em Deus, sempre creio que a verdade se estabelecer\u00e1 um dia, de modo que esta Emenda Constitucional ainda h\u00e1 de ganhar o devido respeito que ela merece, de fato.<\/p>\n

 <\/p>\n

Alexandre Manoel<\/strong> \u00e9 s\u00f3cio e economista-chefe da MZK Investimentos e ex-secret\u00e1rio de Avalia\u00e7\u00e3o de Pol\u00edticas P\u00fablicas, Planejamento, Energia e Loteria dos minist\u00e9rios da Fazenda e da Economia (2018-2020).<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Considera\u00e7\u00f5es sobre a PEC Emergencial aprovada pelo Congresso em mar\u00e7o de 2021.<\/p>\n","protected":false},"author":157,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[6],"tags":[72,230,823,45],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3421"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/157"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3421"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3421\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3421"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3421"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3421"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}