{"id":3395,"date":"2021-01-20T16:39:45","date_gmt":"2021-01-20T19:39:45","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3395"},"modified":"2021-02-02T15:50:16","modified_gmt":"2021-02-02T18:50:16","slug":"as-constituicoes-e-seu-papel-nas-relacoes-internacionais","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3395","title":{"rendered":"As Constitui\u00e7\u00f5es e seu papel nas Rela\u00e7\u00f5es Internacionais"},"content":{"rendered":"

Por Eiiti Sato<\/em><\/p>\n

Neste artigo, procurar-se-\u00e1 discutir o papel das constitui\u00e7\u00f5es diante da realidade internacional desde que se tornaram elementos centrais no Direito moderno, uma vez que definem os limites das a\u00e7\u00f5es e as caracter\u00edsticas do Estado Na\u00e7\u00e3o. Com efeito, no estudo das rela\u00e7\u00f5es internacionais as constitui\u00e7\u00f5es tornaram-se a pe\u00e7a que define n\u00e3o apenas os padr\u00f5es da conviv\u00eancia pol\u00edtica dom\u00e9stica, mas tamb\u00e9m os princ\u00edpios que devem orientar as a\u00e7\u00f5es e o car\u00e1ter de um Estado nas rela\u00e7\u00f5es com outros Estados. Para esse prop\u00f3sito parece \u00fatil, e at\u00e9 mesmo necess\u00e1rio, iniciar com algumas considera\u00e7\u00f5es de base hist\u00f3rica para, em seguida, discutir o papel desempenhado por esse tipo de documento nas rela\u00e7\u00f5es internacionais contempor\u00e2neas.<\/p>\n

A trajet\u00f3ria percorrida pelas sociedades desde a forma\u00e7\u00e3o do Estado moderno marcado pelo \u201ccontrato social\u201d em substitui\u00e7\u00e3o ao Estado patrimonialista baseado em costumes ancestrais e em leis n\u00e3o escritas, foi uma trajet\u00f3ria t\u00e3o complexa e variada como o da pr\u00f3pria conviv\u00eancia humana. Assim, este texto est\u00e1 longe de presumir que, em poucas p\u00e1ginas, seria capaz de resumir toda essa longa e rica trajet\u00f3ria e procura apenas apontar para algumas quest\u00f5es que, no entendimento do autor, refletem um mundo que, em poucos s\u00e9culos, passou por transforma\u00e7\u00f5es na esfera social e pol\u00edtica, muito mais amplas e profundas do que nos muitos mil\u00eanios que antecederam a era que chamamos genericamente de \u201cmodernidade\u201d. Al\u00e9m disso, a centralidade da experi\u00eancia europeia se explica pelo fato de que muito embora o Estado em seu sentido gen\u00e9rico tenha sido uma institui\u00e7\u00e3o presente em toda a humanidade, o Estado Nacional que conceitualmente organiza a rela\u00e7\u00f5es entre povos em nossos dias deriva da experi\u00eancia europeia.<\/p>\n

A constitui\u00e7\u00e3o escrita como contrato social<\/strong><\/p>\n

Na Antiguidade foram relativamente poucas as leis escritas e registradas como o C\u00f3digo de Hamurabi ou as leis de Mois\u00e9s. Da Gr\u00e9cia Antiga, chegaram at\u00e9 nossos dias alguns documentos como as leis que formaram o que chamamos de democracia ateniense. Na Idade M\u00e9dia, as sociedades europeias ainda se organizavam muito mais em torno de costumes, de normas e de institui\u00e7\u00f5es sociais n\u00e3o escritas. A Magna Carta<\/em> assinada por Jo\u00e3o Sem Terra e seus bar\u00f5es (1215, d.C.) foi um dos poucos acordos de alcance mais amplo registrados na forma de documento escrito. De qualquer forma, no mundo ocidental, a pr\u00e1tica de produzir compromissos sustentados em documentos organizados e escritos na forma de c\u00f3digos estruturados come\u00e7ou a se disseminar ainda na Baixa Idade M\u00e9dia.<\/p>\n

Na realidade, quando a Idade M\u00e9dia chegava ao fim, as sociedades na Europa tornavam-se mais populosas e complexas demandando tratados e acordos definindo formalmente direitos sobre propriedades, sobre territ\u00f3rios bem como sobre quest\u00f5es como direitos heredit\u00e1rios e pr\u00e1ticas religiosas. Esses documentos podiam ter por base costumes e direitos ancestrais mas, de forma crescente, precisavam ser tamb\u00e9m expressos e registrados em documentos escritos, coerentes com a for\u00e7a da raz\u00e3o e do direito praticado de forma consolidada por gera\u00e7\u00f5es. Uma caracter\u00edstica marcante dessa \u00e9poca aparece como fato hist\u00f3rico fundante da hist\u00f3ria da na\u00e7\u00e3o brasileira. Aprende-se nas escolas a import\u00e2ncia da Bula Papal Interc\u0153tera (1493) e do Tratado de Tordesilhas (1494) promulgados pelo Papa Alexandre VI. Do ponto de vista do presente ensaio, esses epis\u00f3dios s\u00e3o bastante ilustrativos do car\u00e1ter universal da autoridade da Igreja Cat\u00f3lica que, nesses documentos, revelava possuir a not\u00e1vel prerrogativa de arbitrar e at\u00e9 de dividir o mundo que se estendia para al\u00e9m do Mediterr\u00e2neo e do Mar do Norte, entre os reinos de Portugal e de Espanha.[1]<\/a><\/p>\n

A partir do s\u00e9culo XVI, com a progressiva substitui\u00e7\u00e3o das institui\u00e7\u00f5es feudais pelo Estado Nacional moderno, caracterizado pela racionalidade, pela laicidade e pela impessoalidade, a organiza\u00e7\u00e3o e o funcionamento do Estado na Europa passaram a ser expressos e registrados em documentos escritos. A emerg\u00eancia do contrato social como elemento definidor de um Estado Na\u00e7\u00e3o, figurativamente representado por Hobbes em seu Leviathan<\/em> (1651), foi marcada por esse decl\u00ednio do ancien r\u00e9gime<\/em> que identificava as unidades pol\u00edticas com as posses de nobres senhores, que podiam ser reis, duques, condes, ou portadores de outros t\u00edtulos que correspondiam a seus feudos. O Estado Nacional moderno, por sua vez, marcado pela territorialidade est\u00e1vel, pela impessoalidade e por direitos e obriga\u00e7\u00f5es racionalmente concebidos e estruturados, passou a depender tamb\u00e9m de documentos escritos que refletissem os compromissos assumidos por governantes e governados em torno de princ\u00edpios e de motivos pelos quais esses compromissos eram formalmente assumidos. A express\u00e3o latina verba volant, scripta manent<\/em> tornava-se cada vez mais essencial para registrar e assegurar direitos e compromissos entre fam\u00edlias que se ampliavam, entre povos que se misturavam e entre gera\u00e7\u00f5es que se sucediam.[2]<\/a><\/p>\n

Alguns escritos deixados por pensadores da \u00e9poca refletem essa passagem da ordem feudal cat\u00f3lica para a modernidade onde, de forma crescente, no ambiente pol\u00edtico e cultural europeu, as popula\u00e7\u00f5es passavam a se misturar e a conviver com outras religi\u00f5es e com outras culturas e etnias. Um jurista e te\u00f3logo como Francisco de Vit\u00f3ria, situado nesse ponto de inflex\u00e3o da hist\u00f3ria europeia, apesar de formado na educa\u00e7\u00e3o escol\u00e1stica cat\u00f3lica medieval, passou a divergir e a questionar o entendimento corrente de que os europeus tinham o direito de fazer a guerra contra os nativos das Am\u00e9ricas apenas porque seus reis n\u00e3o eram crist\u00e3os.[3]<\/a> A esse respeito, uma das obras mais not\u00e1veis e abrangentes dessa \u00e9poca em que se redefinia a ordem social e pol\u00edtica foi deixada por Jean Bodin. Seu \u201cSix livres de la R\u00e9publique<\/em>\u201d (1576) foi escrito na forma de um comp\u00eandio sobre o entendimento do Estado e a forma de govern\u00e1-lo. Nesse esfor\u00e7o de defini\u00e7\u00e3o do Estado, seu ponto de partida foi enunciar a compreens\u00e3o da soberania, um atributo que existia desde tempos imemoriais associado \u00e0s prerrogativas dos governantes mas que, no Estado moderno emergente, ganhava um sentido diferente, tornando-se um atributo primordial do pr\u00f3prio Estado e n\u00e3o mais de seu governante que, na ordem antiga, era confundido com o sentido de \u201cpropriet\u00e1rio\u201d. Assim, nesse esfor\u00e7o para definir e compreender o Estado e suas institui\u00e7\u00f5es, Bodin precisava, antes de tudo, come\u00e7ar por explicar onde come\u00e7ava e onde terminava a autoridade desse Estado.[4]<\/a><\/p>\n

Com efeito, no direito medieval n\u00e3o havia o conceito de pa\u00eds e nem de cidad\u00e3o, mas apenas de senhores, de vassalos, de reinos e de feudos distribu\u00eddos de forma pouco distinta pela cristandade. Ademais, nesse processo de surgimento do Estado moderno, foi preciso tamb\u00e9m que o conceito de cidad\u00e3o substitu\u00edsse o de vassalo na ordem social, juntamente com o de pa\u00eds como unidade central da ordem pol\u00edtica. O conceito de cidad\u00e3o \u00e9 importante porque, em ess\u00eancia, somente um cidad\u00e3o poderia \u201csubscrever\u201d um \u201ccontrato social\u201d. Como argumentava Hobbes, os cidad\u00e3os \u00e9 que integram a sociedade civil e, mesmo que n\u00e3o fossem portadores de t\u00edtulos e de virtudes morais desej\u00e1veis, o fato de desfrutarem uma condi\u00e7\u00e3o de igualdade natural entre si tornava importante sua ades\u00e3o ao contrato social. Para Hobbes, objetivamente, os homens n\u00e3o seriam iguais por uma abstrata dignidade inerente a todos os seres humanos, mas eram iguais pelo mal ou pelo bem que potencialmente podiam trazer \u00e0 conviv\u00eancia humana. Hobbes, uma mente arguta e sempre atenta aos acontecimentos e \u00e0 Hist\u00f3ria, observava as turbul\u00eancias pol\u00edticas de seu tempo. Na sua Inglaterra, o rei Charles I era abertamente confrontado em sua f\u00e9 e em sua autoridade por bar\u00f5es e tamb\u00e9m pelo povo at\u00e9 ser decapitado (1649), al\u00e9m disso, em 1610, ainda jovem, Hobbes certamente havia observado o homem mais poderoso da Fran\u00e7a \u2013 Henrique IV, denominado \u201cO Grande\u201d \u2013 ser assassinado por um simples mestre-escola.[5]<\/a> Em outras palavras, embora um rei pudesse ser rico, poderoso e alvo de muitas honrarias, e at\u00e9 mesmo dispor de uma guarda pessoal, a igualdade natural continuava a existir, uma vez que ainda podia assassinar ou ser assassinado por um homem comum.<\/p>\n

Na concep\u00e7\u00e3o de Hobbes, o meio internacional seria formado por v\u00e1rios Leviat\u00e3s, cada qual resultante de cidad\u00e3os que, hipoteticamente, se reuniam em torno de um \u201ccontrato social\u201d para definir sua organiza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e defender suas cren\u00e7as, seus interesses e, de uma forma geral, suas principais motiva\u00e7\u00f5es de vida. Na literatura corrente sobre rela\u00e7\u00f5es internacionais, reconhece-se o fato de que o termo \u201cinternacional\u201d foi utilizado pela primeira vez apenas no s\u00e9culo XVIII, por Jeremy Bentham na sua obra An Introduction to the Principles of Morals and Legislation<\/em>, publicada em 1789. Antes de Bentham os termos utilizados para Direito Internacional eram Direito das Na\u00e7\u00f5es<\/em> ou Direito das Gentes<\/em>.[6]<\/a> Tamb\u00e9m foi apenas nos fins do s\u00e9culo XVIII que, formalmente, aparece o primeiro \u201ccontrato social\u201d \u2013 a primeira constitui\u00e7\u00e3o \u2013 estabelecendo um Estado Nacional na acep\u00e7\u00e3o moderna: os Estados Unidos da Am\u00e9rica.<\/p>\n

A constitui\u00e7\u00e3o define o pa\u00eds<\/strong><\/p>\n

Como j\u00e1 mencionado, a constitui\u00e7\u00e3o \u00e9 o \u201ccontrato social\u201d que define os limites e as caracter\u00edsticas essenciais da organiza\u00e7\u00e3o social e pol\u00edtica do Estado Na\u00e7\u00e3o, que passou a receber a denomina\u00e7\u00e3o gen\u00e9rica de pa\u00eds<\/em>. Como j\u00e1 mencionado, na filosofia pol\u00edtica a constitui\u00e7\u00e3o seria a express\u00e3o pr\u00e1tica e escrita do contrato social preconizado por Thomas Hobbes na figura de seu Leviathan<\/em>.[7]<\/a> Na realidade, conceitualmente, a express\u00e3o contrato social<\/em> \u00e9 mais gen\u00e9rica uma vez que, filosoficamente, o termo designa o momento em que o ser humano deixa de viver no estado de natureza e passa a viver como um ser que, exatamente, se destaca da natureza estabelecendo leis morais, sociais e pol\u00edticas para organizar a conviv\u00eancia em sociedade. Nesse sentido, n\u00e3o se pode dizer que no mundo feudal europeu os povos n\u00e3o viviam segundo um contrato social<\/em>, no entanto, tratava-se de um contrato social baseado essencialmente em costumes e direitos ancestrais e na f\u00e9 crist\u00e3. Da leitura das obras de contratualistas<\/em> como Locke, Rousseau e do pr\u00f3prio Hobbes, pode-se deduzir que o sentido contido no termo passava a ter um conte\u00fado essencialmente racional no sentido moderno do termo, associado \u00e0 no\u00e7\u00e3o de que, ao inv\u00e9s de vassalo, o indiv\u00edduo tornava-se cidad\u00e3o, capaz de pensar e de julgar por si pr\u00f3prio seus interesses e seu lugar na sociedade.<\/p>\n

Objetivamente, a reinterpreta\u00e7\u00e3o da express\u00e3o contrato social<\/em> era um reflexo bastante vis\u00edvel de um mundo em que as popula\u00e7\u00f5es se expandiam e se integravam por meio de rela\u00e7\u00f5es cada vez mais complexas. Ao mesmo tempo em que algumas rela\u00e7\u00f5es tornavam-se cada vez mais est\u00e1veis e at\u00e9 permanentes, outras podiam ter dura\u00e7\u00e3o mais curta, como no com\u00e9rcio, mas que, apesar disso, demandavam garantias impessoais e atemporais. De qualquer modo, valorizava-se cada vez mais a raz\u00e3o e o entendimento de que cada povo podia ter seus pr\u00f3prios costumes ancestrais e suas pr\u00f3prias tradi\u00e7\u00f5es religiosas sem que, no entanto, fossem raz\u00f5es para torn\u00e1-los inimigos uns dos outros, os quais deveriam ser combatidos, convertidos, ou mesmo eliminados. Com os reformadores dos s\u00e9culos XVI e XVII, a religi\u00e3o passava a ser vista cada vez mais como algo a ser vivido essencialmente na consci\u00eancia do indiv\u00edduo misturando-se, cada vez menos, com as normas e padr\u00f5es de conviv\u00eancia na ordem pol\u00edtica e social.[8]<\/a> Dessa forma, a dissemina\u00e7\u00e3o do conceito de Estado Na\u00e7\u00e3o a partir do s\u00e9culo XVII foi, em grande parte, um desdobramento desse processo, primeiramente como forma de acomodar diferen\u00e7as dentro do pr\u00f3prio cristianismo e, depois, como forma de estender esse entendimento a outras culturas e a outras tradi\u00e7\u00f5es religiosas e \u00e9tnicas.<\/p>\n

Nesse quadro, \u00e9 poss\u00edvel entender que, na modernidade, a produ\u00e7\u00e3o de uma constitui\u00e7\u00e3o passou a ter o papel simb\u00f3lico de definidora de um Estado Na\u00e7\u00e3o em um sentido bastante semelhante ao da coroa\u00e7\u00e3o nos tempos das monarquias feudais. Com efeito, pode-se lembrar como exemplo a figura de Joana D\u2019Arc que, no in\u00edcio do s\u00e9culo XV, emergiu em meio a um tempo sombrio quando a exist\u00eancia do reino de Fran\u00e7a, na forma como havia sido herdado dos tempos de Carlos Magno, estava amea\u00e7ada.[9]<\/a> Ap\u00f3s 100 anos de guerra em que membros da casa real da Inglaterra reivindicavam a coroa da Fran\u00e7a, Joana D\u2019Arc, apesar de ser apenas uma jovem camponesa iletrada, por intui\u00e7\u00e3o ou por revela\u00e7\u00e3o divina, se apresenta diante dos franceses anunciando que sua divina miss\u00e3o era derrotar os ex\u00e9rcitos ingleses e fazer coroar<\/em> o Delfin Carlos, ungindo-o com os \u00f3leos sagrados em Reims, tornando-o assim Carlos VII da Fran\u00e7a.[10]<\/a> Em outras palavras, coroar o rei na forma estabelecida pelos costumes, era fundamental porque, ao faz\u00ea-lo, tornava inequ\u00edvoca a exist\u00eancia de um reino no qual os bar\u00f5es, que comandavam feudos como Champagne, Normandie, Anjou, Poitiers, Acquitaine ou Toulouse, reconheciam o direito de Carlos VII de exercer os direitos de suserania sobre esses feudos com seus bar\u00f5es, suas autoridades locais e suas popula\u00e7\u00f5es, com todos os seus bens e propriedades. Ou seja, na ordem medieval, pela for\u00e7a dos costumes ancestrais, ao definir a rela\u00e7\u00e3o de vassalagem das popula\u00e7\u00f5es e de seus bar\u00f5es, a coroa\u00e7\u00e3o definia tamb\u00e9m os limites da jurisdi\u00e7\u00e3o do reino.<\/p>\n

Com as constitui\u00e7\u00f5es acontece algo semelhante no sentido de que elas definem o alcance da jurisdi\u00e7\u00e3o sobre a qual uma certa autoridade \u00e9 exercida por direito a partir de institui\u00e7\u00f5es formalmente estabelecidas. Do mesmo modo que nas monarquias, os reis emitiam ordena\u00e7\u00f5es e as tornavam p\u00fablicas significando que seus s\u00faditos e vassalos deveriam obedecer e se comportar de acordo com essas ordena\u00e7\u00f5es, nas democracias modernas, os cidad\u00e3os, por meio de seus representantes, estabelecem suas constitui\u00e7\u00f5es e se comprometem a se submeterem a leis e a normas que s\u00e3o produzidas por um Congresso ou Parlamento, constitu\u00eddo de forma permanente, e sancionadas e tornadas p\u00fablicas pelos governantes constitucionalmente estabelecidos.<\/p>\n

O fato \u00e9 que na hist\u00f3ria do mundo, a produ\u00e7\u00e3o de constitui\u00e7\u00f5es nacionais escritas \u00e9 uma pr\u00e1tica relativamente recente datando apenas dos fins do s\u00e9culo XVIII, quando avan\u00e7a o processo de separa\u00e7\u00e3o entre Estado, direitos de fam\u00edlia e religi\u00e3o, e que os costumes, embora importantes, j\u00e1 n\u00e3o se revelavam mais suficientes para orientar com clareza os direitos e o comportamento de governantes e das pessoas e dos grupos organizados. Os historiadores costumam chamar de era da raz\u00e3o. \u00c9 nesse ambiente que a conviv\u00eancia social e pol\u00edtica passou a demandar uma revis\u00e3o do contrato social<\/em> sob novos princ\u00edpios e sob nova forma de express\u00e3o, o que ajuda a entender porque o grupo de col\u00f4nias americanas, ap\u00f3s sua separa\u00e7\u00e3o da Gr\u00e3-Bretanha, se viu diante da necessidade de elaborar uma constitui\u00e7\u00e3o<\/em>.<\/p>\n

Com efeito, comprovando o argumento de que a constitui\u00e7\u00e3o define o contrato social<\/em> que est\u00e1 por tr\u00e1s do Estado Na\u00e7\u00e3o, o processo de aprova\u00e7\u00e3o pelas 13 ex-col\u00f4nias foi longo e dif\u00edcil, mas percebido como essencial para o estabelecimento dos Estados Unidos da Am\u00e9rica como Estado Na\u00e7\u00e3o. A revolta contra a Coroa inglesa iniciada em princ\u00edpios da d\u00e9cada de 1770 com eventos como o Boston Tea Party<\/em> e que ganhou forma definida de uma revolu\u00e7\u00e3o com a Declara\u00e7\u00e3o da Independ\u00eancia <\/em>de 1776, n\u00e3o formava ainda um Estado Na\u00e7\u00e3o, mas um movimento pol\u00edtico de col\u00f4nias brit\u00e2nicas na Am\u00e9rica que haviam se rebelado contra a Metr\u00f3pole e que, a partir do Congresso Continental (1774-1775), estavam organizadas na forma de um acordo comum com o objetivo de arregimentar um ex\u00e9rcito entre os habitantes das 13 col\u00f4nias para enfrentar as for\u00e7as do ex\u00e9rcito brit\u00e2nico. Cada col\u00f4nia tinha seus pr\u00f3prios l\u00edderes, suas pr\u00f3prias autoridades e at\u00e9 mesmo suas pr\u00f3prias leis locais. A guerra contra as for\u00e7as inglesas havia demonstrado o valor e a import\u00e2ncia da uni\u00e3o, mas restava saber se as 13 ex-col\u00f4nias estavam dispostas a se unir em tempos de paz, formando uma unidade pol\u00edtica est\u00e1vel a que hoje chamamos de pa\u00eds<\/em>. Assim, a produ\u00e7\u00e3o de uma constitui\u00e7\u00e3o tornou-se um passo fundamental para o estabelecimento dos Estados Unidos da Am\u00e9ric<\/em>a, como nova unidade pol\u00edtica independente e permanente, com o mesmo status<\/em> da pr\u00f3pria Inglaterra, de quem as 13 col\u00f4nias haviam se separado formalmente em conjunto pelo Tratado de Paris de 1783.<\/p>\n

Os fatos mostram que a ideia de forma\u00e7\u00e3o de um Estado Na\u00e7\u00e3o a partir da uni\u00e3o das 13 ex-col\u00f4nias estava longe de ser uma ideia clara, e muito menos facilmente aceita pelas lideran\u00e7as pol\u00edticas e pela pr\u00f3pria popula\u00e7\u00e3o das 13 ex-col\u00f4nias. Apenas alguns l\u00edderes como George Washington e Alexander Hamilton viam com clareza a necessidade de reunir as 13 col\u00f4nias em uma uni\u00e3o mais completa e permanente. O Congresso convocado para Filad\u00e9lfia em 1786 teve por finalidade inicial a revis\u00e3o dos Artigos da Confedera\u00e7\u00e3o<\/em>, que assegurara a uni\u00e3o das col\u00f4nias para lutarem juntas contra a Inglaterra, mas tal como a pr\u00f3pria denomina\u00e7\u00e3o dizia, formavam apenas uma confedera\u00e7\u00e3o<\/em>, isto \u00e9, uma reuni\u00e3o de unidades pol\u00edticas independentes. O fato \u00e9 que, ap\u00f3s o t\u00e9rmino do Congresso da Filad\u00e9lfia, houve um intenso debate at\u00e9 que as ex-col\u00f4nias ratificassem o texto de uma Constitui\u00e7\u00e3o formando, um novo Estado Na\u00e7\u00e3o \u2013 um novo pa\u00eds \u2013 resultante da uni\u00e3o das 13 ex-col\u00f4nias. O longo debate para saber se as 13 ex-col\u00f4nias deveriam formar um agregado de unidades pol\u00edticas ou se passariam a ser uma uni\u00e3o, uma s\u00f3 na\u00e7\u00e3o, se estendeu por mais de um ano e os principais argumentos em favor da forma\u00e7\u00e3o de uma uni\u00e3o permanente est\u00e3o registrados na cole\u00e7\u00e3o de textos que ficou conhecida como The Federalist Papers<\/em>.[11]<\/a><\/p>\n

Em alguma medida, a experi\u00eancia vivida pelos EUA nos fins do s\u00e9culo XVIII, isto \u00e9, a defini\u00e7\u00e3o de um Estado Na\u00e7\u00e3o distinto por meio de uma Constitui\u00e7\u00e3o, foi vivida por todas as na\u00e7\u00f5es modernas. Com efeito, as experi\u00eancias individuais das na\u00e7\u00f5es variaram bastante. Em alguns casos como o de Portugal, cuja exist\u00eancia a hist\u00f3ria registra como tendo sido definida desde o ano de 1130, a primeira constitui\u00e7\u00e3o definindo Portugal como um Estado moderno surgiu apenas em 1822, como um pacto da sociedade que se movia do antigo regime<\/em> para uma monarquia constitucional<\/em>. Tamb\u00e9m \u00e9 not\u00e1vel o caso da Inglaterra, que se considera como tendo sido estabelecida no ano de 927, quando o rei \u00c6thelstan, com a conquista de York, deixou de ser Rei dos Anglo-Sax\u00f5es para tornar-se Rei da Inglaterra e, a partir de ent\u00e3o, acordos, tratados e leis \u2013 como a Magna Carta<\/em> de 1215 ou como o Bill of Rights<\/em> de 1689 \u2013 foram sendo assinados e, juntamente com costumes ancestrais n\u00e3o escritos, passaram a compor o que tem sido chamado de uma \u201cconstitui\u00e7\u00e3o n\u00e3o escrita\u201d. O fato desse conjunto de normas e de leis n\u00e3o ter sido jamais reunido e sistematizado em uma carta constitucional org\u00e2nica, n\u00e3o quer dizer que n\u00e3o exista uma ordem constitucional que estabelece os limites do Estado brit\u00e2nico e que orienta o comportamento e as a\u00e7\u00f5es de governantes, de representantes de condados e da pr\u00f3pria popula\u00e7\u00e3o brit\u00e2nica nos planos dom\u00e9stico e internacional.[12]<\/a><\/p>\n

As constitui\u00e7\u00f5es e a ordem internacional na atualidade<\/strong><\/p>\n

A ONU registra hoje a exist\u00eancia de 193 pa\u00edses membros, cada qual com sua respectiva carta constitucional definindo os limites de suas jurisdi\u00e7\u00f5es e demarcando padr\u00f5es e princ\u00edpios em torno dos quais, povo e governo organizam sua conviv\u00eancia dom\u00e9stica e tamb\u00e9m as rela\u00e7\u00f5es com outros pa\u00edses. Como j\u00e1 mencionado, a experi\u00eancia constitucional dessas quase duas centenas de pa\u00edses foi muito variada e, em sua grande maioria, datam do s\u00e9culo XX, um s\u00e9culo no qual a ado\u00e7\u00e3o do conceito de Estado Nacional, territorial e soberano, tornou-se efetivamente global. Com efeito, foi no s\u00e9culo XX que o conceito de Estado Nacional praticamente completou a substitui\u00e7\u00e3o de outras formas tradicionais de organiza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica. Em alguns lugares tribos e cl\u00e3s reuniram-se formando Estados e, na velha Europa, eliminou-se os sistemas coloniais que resultavam da incorpora\u00e7\u00e3o de povos e de territ\u00f3rios por meio da superioridade tecnol\u00f3gica, econ\u00f4mica e militar. Foi tamb\u00e9m no s\u00e9culo XX que os sistemas imperiais na Europa sofreram grandes abalos, ou finalmente se fragmentaram como ocorreu com o Imp\u00e9rio Habsburg na esteira da Primeira Guerra Mundial.<\/p>\n

Sob uma \u00f3tica institucional de longo prazo, \u00e9 poss\u00edvel dizer que as duas grandes guerras, que marcaram a primeira metade do s\u00e9culo XX, refletiram o ocaso desses sistemas de organiza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica que, na ess\u00eancia, se tornaram incompat\u00edveis com a evolu\u00e7\u00e3o dos padr\u00f5es de conviv\u00eancia pol\u00edtica internacional. O Estado Na\u00e7\u00e3o revelou-se um modelo de organiza\u00e7\u00e3o institucional que melhor se adequava \u00e0 realidade internacional marcada pela variedade \u00e9tnica e cultural e tamb\u00e9m pelas muitas tradi\u00e7\u00f5es e valores dos povos no que se refere ao ordenamento social e pol\u00edtico. Na realidade, mais da metade dos pa\u00edses membros da ONU foram formados ou tornaram-se independentes depois da Segunda Guerra Mundial, refletindo o avan\u00e7o do processo de consolida\u00e7\u00e3o de um sistema internacional verdadeiramente global.<\/p>\n

Ainda no s\u00e9culo XIX algumas organiza\u00e7\u00f5es internacionais foram formadas como a Uni\u00e3o Telegr\u00e1fica Internacional (1865), a Uni\u00e3o Postal Universal (1874) e a Conven\u00e7\u00e3o da Uni\u00e3o de Paris para a Propriedade Industrial (1883). Eram organiza\u00e7\u00f5es de natureza eminentemente t\u00e9cnica que revelavam dois aspectos presentes na natureza da crescente integra\u00e7\u00e3o internacional. De um lado, a base tecnol\u00f3gica do processo, que proporcionava os meios materiais para uma aproxima\u00e7\u00e3o sem precedentes entre os povos e, de outro, a crescente centralidade da vida civil em torno de Estados Nacionais constitucionalmente estabelecidos, conformando uma ordem social e pol\u00edtica distinta no plano dom\u00e9stico, mas cada vez mais coerentes entre si na esfera internacional.<\/p>\n

Com efeito, a partir dos fins do s\u00e9culo XIX, al\u00e9m do com\u00e9rcio e das comunica\u00e7\u00f5es sistem\u00e1ticas por meio postal e por meio da expans\u00e3o da rede telegr\u00e1fica, as viagens internacionais de civis come\u00e7avam a contar com linhas mar\u00edtimas intercontinentais regulares, al\u00e9m das atividades comerciais e industriais que passavam a ter na esfera internacional uma importante dimens\u00e3o. Assim, j\u00e1 havia uma percep\u00e7\u00e3o crescente acerca das vantagens e at\u00e9 mesmo da necessidade de se estabelecer padr\u00f5es comerciais e industriais comuns \u00e0s na\u00e7\u00f5es. A intensifica\u00e7\u00e3o do com\u00e9rcio e dos investimentos internacionais tornava a padroniza\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica um desdobramento inevit\u00e1vel. Com efeito, em 1914, \u00e0s v\u00e9speras da Primeira Guerra Mundial, os investimentos internacionais j\u00e1 somavam quase US$ 20 bilh\u00f5es e um pa\u00eds como a Inglaterra exportava quase 70% de sua produ\u00e7\u00e3o industrial e importava mais de 80% dos bens prim\u00e1rios de que necessitava.[13]<\/a> Nesse quadro, embora menos vis\u00edvel, padr\u00f5es industriais comuns passavam a ser adotados pelas ind\u00fastrias das principais economias.<\/p>\n

O fato \u00e9 que, apesar de alguns conflitos at\u00e9 mesmo de grandes propor\u00e7\u00f5es, desde meados do s\u00e9culo XIX as atividades e os interesses da vida civil, ganharam espa\u00e7o de forma cont\u00ednua e crescente na ordem social, pol\u00edtica e, principalmente, na esfera econ\u00f4mica. Na realidade, n\u00e3o seria exagero entender o surgimento dessas organiza\u00e7\u00f5es internacionais, embora voltados para assuntos t\u00e9cnicos, como verdadeiros precursores do multilateralismo que iria marcar as rela\u00e7\u00f5es internacionais da segunda metade do s\u00e9culo XX. Muito embora a Liga das Na\u00e7\u00f5es tenha sido criada em 1919, foi apenas na esteira da Segunda Guerra Mundial que, realmente, os conceitos de seguran\u00e7a coletiva e de multilateralismo tornaram-se elementos marcantes do sistema internacional. Na economia foram criadas as institui\u00e7\u00f5es como as de Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monet\u00e1rio Internacional), o GATT, al\u00e9m de muitas organiza\u00e7\u00f5es regionais na Europa e em outros continentes, voltadas para o com\u00e9rcio e o desenvolvimento. Na pol\u00edtica, al\u00e9m do sistema ONU, tamb\u00e9m foram criadas v\u00e1rias organiza\u00e7\u00f5es regionais com prop\u00f3sitos semelhantes, isto \u00e9, como foros de debate e de promo\u00e7\u00e3o da coopera\u00e7\u00e3o internacional em mat\u00e9ria de seguran\u00e7a e de rela\u00e7\u00f5es pol\u00edticas.<\/p>\n

A ideologia nas constitui\u00e7\u00f5es e seus efeitos na esfera internacional<\/strong><\/p>\n

Ao longo da hist\u00f3ria, o fator ideol\u00f3gico sempre foi um elemento de not\u00e1vel relev\u00e2ncia nas rela\u00e7\u00f5es entre povos e at\u00e9 mesmo nas rela\u00e7\u00f5es entre segmentos de um mesmo grupo social ou na\u00e7\u00e3o. Um fato not\u00e1vel envolvendo ideologias \u00e9 que n\u00e3o precisam estar presentes em constitui\u00e7\u00f5es ou em outros documentos oficiais. Os recentes acontecimentos associados \u00e0s elei\u00e7\u00f5es nos EUA, uma das grandes democracias do mundo, revelam o car\u00e1ter conflituoso que as ideologias podem assumir mesmo em uma sociedade formada em torno de valores e de ideologias de toler\u00e2ncia \u00e0s diferen\u00e7as religiosas e a outras formas de diferen\u00e7as que marcam a humanidade. A pr\u00f3pria forma\u00e7\u00e3o do Estado Nacional ocorreu em um ambiente de confronta\u00e7\u00e3o ideol\u00f3gica de base religiosa.<\/p>\n

No s\u00e9culo XVI todas as na\u00e7\u00f5es europeias eram crist\u00e3s. As diferen\u00e7as entre cat\u00f3licos e reformistas, portanto, n\u00e3o diziam respeito \u00e0 subst\u00e2ncia j\u00e1 que eram todos crist\u00e3os, mas baseavam-se em diferen\u00e7as na pr\u00e1tica religiosa e em sua proje\u00e7\u00e3o nas inst\u00e2ncias do poder temporal. Em outras palavras, aqueles que n\u00e3o praticavam a religi\u00e3o da maneira que consideravam como sendo \u201ca forma correta\u201d eram considerados hereges e podiam ser discriminados e at\u00e9 condenados ao supl\u00edcio. Algo semelhante pode ser dito a respeito da milenar diferen\u00e7a e oposi\u00e7\u00e3o entre as correntes do islamismo que, at\u00e9 hoje, servem de base para sustentar radicalismos e hostilidades m\u00fatuas.<\/p>\n

No s\u00e9culo XX, a exist\u00eancia da URSS por sete d\u00e9cadas representou um caso particular de ideologia, refletida no quadro constitucional da na\u00e7\u00e3o e que, na ordem internacional, desempenhou papel de grande relev\u00e2ncia. A constitui\u00e7\u00e3o promulgada em 1918 estabelecia a Rep\u00fablica Socialista Federativa Sovi\u00e9tica Russa<\/em> anunciando que rompia radicalmente com as tradi\u00e7\u00f5es da ordem social e pol\u00edtica das pot\u00eancias tradicionais, criando uma sociedade comunista, com base nas formula\u00e7\u00f5es de Karl Marx e de Friedrich Engels.[14]<\/a> Em seu Artigo 3\u00ba. essa constitui\u00e7\u00e3o estabelecia o car\u00e1ter e os princ\u00edpios da ordem social e pol\u00edtica de uma rep\u00fablica cuja base ideol\u00f3gica socialista contrastava notavelmente com a ideologia que moldava a ordem social e pol\u00edtica de outras pot\u00eancias no cen\u00e1rio internacional. Vale reproduzir parte desse artigo que ajuda a compreender essas peculiaridades do ordenamento social e pol\u00edtico e suas implica\u00e7\u00f5es para as rela\u00e7\u00f5es internacionais:<\/p>\n

Artigo 3\u00ba. \u201c… sendo sua tarefa fundamental (do Estado) a aboli\u00e7\u00e3o de toda a explora\u00e7\u00e3o do homem pelo homem, a completa elimina\u00e7\u00e3o da divis\u00e3o da sociedade em classes, a impiedosa repress\u00e3o da resist\u00eancia dos exploradores, o estabelecimento de uma organiza\u00e7\u00e3o socialista e o atingimento da vit\u00f3ria do socialismo em todos os pa\u00edses, o III Congresso de Deputados Trabalhadores, Soldados e Camponeses de Toda a R\u00fassia resolve:<\/p>\n

a) Visando \u00e0 concretiza\u00e7\u00e3o da socializa\u00e7\u00e3o da terra, fica abolida a propriedade privada da terra. Todos os im\u00f3veis agr\u00edcolas s\u00e3o declarados propriedade de todo o povo trabalhador e entregues, sem qualquer indeniza\u00e7\u00e3o, aos trabalhadores, com base no princ\u00edpio da utiliza\u00e7\u00e3o igualit\u00e1ria da terra.<\/p>\n

b) Todas as florestas, todos os recursos naturais e todas as \u00e1guas de significado estatal-geral, assim como todos os bens vivos ou mortos, fazendas de esp\u00e9cies e empresas agr\u00edcolas s\u00e3o declarados propriedade nacional.<\/p>\n

c) Como primeiro passo para a completa passagem das f\u00e1bricas, empresas, minas, estradas de ferro e demais meios de produ\u00e7\u00e3o e de transporte \u00e0 propriedade da Rep\u00fablica dos Conselhos (Sovietes) dos Trabalhadores e Camponeses, ratificam-se as Leis Sovi\u00e9ticas sobre o Controle Oper\u00e1rio e o Conselho Supremo da Economia, visando a assegurar o poder dos trabalhadores sobre os exploradores. Como um primeiro golpe a ser desferido contra o sistema banc\u00e1rio internacional, o capital financeiro, o III Congresso dos Conselhos (Sovietes) est\u00e1 deliberando uma Lei sobre a Anula\u00e7\u00e3o (Aniquila\u00e7\u00e3o) dos Empr\u00e9stimos, contra\u00eddos pelo Governo Czarista, pelos Propriet\u00e1rios Fundi\u00e1rios e pela Burguesia, ao mesmo tempo em que expressa a sua confian\u00e7a em que o Poder dos Conselhos (Sovietes) prosseguir\u00e1, com firmeza, nessa dire\u00e7\u00e3o, at\u00e9 \u00e0 mais plena vit\u00f3ria da insurrei\u00e7\u00e3o internacional dos trabalhadores contra o jugo do capitalismo.\u201d<\/p>\n

Em 1936 foi promulgada uma nova constitui\u00e7\u00e3o \u2013 a Constitui\u00e7\u00e3o Stalinista \u2013 introduzindo cl\u00e1usulas de liberdade religiosa e de direitos pol\u00edticos e sociais. Apesar de tudo, a rejei\u00e7\u00e3o \u00e0 URSS por parte das principais pot\u00eancias n\u00e3o se reduziu, tanto pelo fato de que na nova constitui\u00e7\u00e3o as caracter\u00edsticas b\u00e1sicas de uma sociedade comunista, descritas em sua primeira constitui\u00e7\u00e3o, foram mantidas, quanto em virtude de a URSS continuar sendo uma sociedade fechada da qual not\u00edcias eram \u201cvazadas\u201d para o meio internacional relatando a realiza\u00e7\u00e3o de julgamentos sum\u00e1rios de vozes discordantes do regime, que significavam persegui\u00e7\u00f5es, pris\u00f5es nos tem\u00edveis campos gelados da Sib\u00e9ria, e at\u00e9 mesmo execu\u00e7\u00f5es de pessoas consideradas inimigas do regime.[15]<\/a> Com efeito, os princ\u00edpios de organiza\u00e7\u00e3o social e pol\u00edtica enunciados na constitui\u00e7\u00e3o, como o confisco e o n\u00e3o reconhecimento da propriedade privada, contrastavam radicalmente com as tradi\u00e7\u00f5es sociais, pol\u00edticas e at\u00e9 culturais das pot\u00eancias tradicionais mas, provavelmente mais cr\u00edtico e mais problem\u00e1tico de imediato, era o fato de que a fam\u00edlia do czar e muitas outras fam\u00edlias importantes da velha R\u00fassia faziam parte de fam\u00edlias tradicionais da Europa e, tal como o pr\u00f3prio Czar, haviam sido perseguidos, assassinados e seus bens confiscados na forma descrita pelo Artigo 3\u00ba. acima transcrito.<\/p>\n

Ap\u00f3s sete d\u00e9cadas de tens\u00e3o, o colapso da URSS em 1991 provocou n\u00e3o apenas a redu\u00e7\u00e3o das tens\u00f5es com as pot\u00eancias ocidentais tradicionais, mas provocou tamb\u00e9m um movimento nas rela\u00e7\u00f5es internacionais no sentido de motivar a produ\u00e7\u00e3o de novas constitui\u00e7\u00f5es nos pa\u00edses do Leste Europeu que, desde o final da Segunda Guerra Mundial, haviam vivido sob a esfera de influ\u00eancia direta da URSS. Essas na\u00e7\u00f5es, rapidamente, produziram novas constitui\u00e7\u00f5es procurando reorientar suas institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas, sociais e econ\u00f4micas de acordo com os padr\u00f5es do Ocidente liberal-capitalista. Al\u00e9m disso, um dos casos mais not\u00e1veis decorrente desse processo foi a absor\u00e7\u00e3o, pela Rep\u00fablica Federal da Alemanha (RFA) do territ\u00f3rio que havia sido a Alemanha Oriental, que passara a existir desde 1949, quando fora promulgada a constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica Democr\u00e1tica Alem\u00e3 (RDA). Ao voltar a ser unificada, a Alemanha dava tamb\u00e9m um novo perfil \u00e0 distribui\u00e7\u00e3o internacional de poder, especialmente no \u00e2mbito europeu, ao incorporar uma popula\u00e7\u00e3o de 16 milh\u00f5es de pessoas, unificar a cidade de Berlin, que voltou a ser capital da na\u00e7\u00e3o, e incorporar centros urbano-industriais importantes da RDA e aumentar em quase 1\/3 o territ\u00f3rio da Rep\u00fablica Federal da Alemanha.<\/p>\n

Do ponto de vista das consequ\u00eancias internacionais do colapso da URSS vale destacar tamb\u00e9m a verdadeira corrida das na\u00e7\u00f5es que deixavam a esfera de poder sovi\u00e9tica no sentido de agregar-se o mais rapidamente poss\u00edvel \u00e0 Uni\u00e3o Europeia. Na realidade, a Uni\u00e3o Europeia, apesar de, formalmente, ter nascido de um arranjo internacional voltado para a integra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica, sua natureza pol\u00edtica baseada nas tradi\u00e7\u00f5es do pensamento liberal sempre esteve presente. Al\u00e9m disso, a trajet\u00f3ria de sucesso da integra\u00e7\u00e3o europeia servia de inspira\u00e7\u00e3o n\u00e3o apenas para as na\u00e7\u00f5es europeias, mas para todo o mundo, mesmo para as na\u00e7\u00f5es de tradi\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e culturais que antecediam a pr\u00f3pria Europa. O fato \u00e9 que, rapidamente, mais de uma dezena de na\u00e7\u00f5es que viviam sob o regime sovi\u00e9tico passaram a integrar a Uni\u00e3o Europeia e todas elas, ao mesmo tempo em que se associavam ao sistema europeu, recuperavam sua identidade hist\u00f3rica e cultural ancestral. At\u00e9 mesmo a ex-URSS (a Federa\u00e7\u00e3o Russa) que, apesar de n\u00e3o ter se integrado \u00e0 Uni\u00e3o Europeia, foi em busca de seus s\u00edmbolos ancestrais, al\u00e9m de produzir uma nova constitui\u00e7\u00e3o alinhada aos padr\u00f5es do Ocidente. Na bandeira a Federa\u00e7\u00e3o Russa abandonou a foice e o martelo e recuperou as cores branca, azul e vermelha com toda a sua simbologia da velha ordem. Na antiga R\u00fassia a cor vermelha simbolizava a coragem; o azul, a lealdade e a pureza moral; e a cor branca, a magnanimidade. A bandeira tricolor (branca, azul e ver\u00admelha) teria sido usada pela primeira vez nos barcos de guerra da Marinha Russa que, sob o comando do czar Pedro, o Grande, nos fins do s\u00e9culo XVII, tomaram a Fortaleza de Azov dos turcos. Al\u00e9m disso, igualmente not\u00e1vel, ocorreu com o bras\u00e3o da Federa\u00e7\u00e3o Russa, que recuperou a \u00e1guia de duas cabe\u00e7as coroadas e a figura de S\u00e3o Jorge cujas origens remontam ao imp\u00e9rio bizantino.<\/p>\n

Na \u00c1sia, a reconstru\u00e7\u00e3o do Jap\u00e3o ap\u00f3s a Segunda Guerra Mundial deu-se dentro do esp\u00edrito de harmoniza\u00e7\u00e3o com a ordem internacional sob o comando do Ocidente. Apesar de manter a fam\u00edlia imperial e suas antigas tradi\u00e7\u00f5es, a constitui\u00e7\u00e3o japonesa foi elaborada sob as for\u00e7as de ocupa\u00e7\u00e3o americana e todo o processo de reconstru\u00e7\u00e3o, moderniza\u00e7\u00e3o e desenvolvimento da economia japonesa baseou-se essencialmente na coopera\u00e7\u00e3o e na integra\u00e7\u00e3o \u00e0s institui\u00e7\u00f5es e \u00e0 vida econ\u00f4mica internacional. Historicamente, as diferen\u00e7as religiosas e culturais foram problem\u00e1ticas, mas nunca se constitu\u00edram em grandes obst\u00e1culos na mesma medida em que haviam se manifestado em outras regi\u00f5es. O isolamento de dois s\u00e9culos e meio desde a implanta\u00e7\u00e3o do xogunato de Tokugawa (in\u00edcio do s\u00e9culo XVII) se deveu essencialmente a raz\u00f5es pol\u00edticas. Dessa forma, apesar das diferen\u00e7as \u00e9tnicas e culturais, ao longo da guerra fria o Jap\u00e3o n\u00e3o se constituiu em obst\u00e1culo \u00e0 constru\u00e7\u00e3o da ordem internacional. Na realidade, al\u00e9m de n\u00e3o alimentar nem mesmo quaisquer ressentimentos decorrentes da Segunda Guerra Mundial, o Jap\u00e3o atuou como importante aliado na constru\u00e7\u00e3o da ordem internacional do p\u00f3s-guerra.<\/p>\n

Por outro lado, em alguns pa\u00edses como a China, a Coreia e o Vietn\u00e3, formaram-se governos e movimentos de oposi\u00e7\u00e3o ao Ocidente liberal-capitalista e, em alguns casos, constitu\u00edram-se em focos de conflitos armados ou geradores de tens\u00f5es internacionais cont\u00ednuas ao longo da guerra fria. A Guerra da Coreia (1950-1953) foi um caso bastante ilustrativo da dramaticidade dessas tens\u00f5es. Com efeito, o conflito foi, em larga medida, um reflexo da guerra fria, que ganhava momentum nos fins da d\u00e9cada de 1940, e que terminou com a divis\u00e3o da na\u00e7\u00e3o. Uma divis\u00e3o que permanece at\u00e9 hoje mesmo tendo j\u00e1 passado duas d\u00e9cadas desde o fim da guerra fria. Tamb\u00e9m no caso do Vietn\u00e3 as tens\u00f5es seriam marcantes e somente deixariam de existir ap\u00f3s um conflito armado que se estendeu por duas d\u00e9cadas e que terminou com a derrota do Vietn\u00e3 do Sul, apoiada pelos EUA. Embora a denomina\u00e7\u00e3o oficial da na\u00e7\u00e3o seja Rep\u00fablica Socialista do Vietn\u00e3, no que tange \u00e0s rela\u00e7\u00f5es com a comunidade internacional, sua trajet\u00f3ria em muitos aspectos se assemelha ao da China, no sentido de progressiva integra\u00e7\u00e3o \u00e0 economia globalizada.<\/p>\n

A China, por suas dimens\u00f5es, \u00e9 um caso que demanda uma reflex\u00e3o adicional. A pol\u00edtica na China est\u00e1 assentada sobre antigas tradi\u00e7\u00f5es e experi\u00eancias hist\u00f3ricas na pol\u00edtica substantivamente diferentes daquelas vividas pelo Ocidente. Ao longo do s\u00e9culo que antecedeu a ascens\u00e3o de Mao Ts\u00e9-Tung (1949) a experi\u00eancia pol\u00edtica vivida pela China foi a de uma sucess\u00e3o de governos notavelmente fracos em todos os sentidos. Desde o s\u00e9culo XIX n\u00e3o apenas as pot\u00eancias coloniais mantinham formas variadas de domina\u00e7\u00e3o sobre a sociedade chinesa. Mesmo no plano dom\u00e9stico, sob a dinastia Qing, a China enfrentava s\u00e9rios problemas de governabilidade. A revolta dos Boxers (1899-1901) foi uma t\u00edpica manifesta\u00e7\u00e3o desses intermin\u00e1veis problemas de governabilidade. John Delury, estudioso da cultura e da pol\u00edtica da China, usa de uma met\u00e1fora para fazer um relato dram\u00e1tico da situa\u00e7\u00e3o da China que antecedeu \u00e0 tomada de poder por Mao Ts\u00e9-Tung e pelo Partido Comunista em 1949: \u201cNos fins do s\u00e9culo XIX a Dinastia Qing era como um touro feroz na arena que sangrava por todos os membros por ter sido lancetado, perfurado e cortado desde os anos 1830 \u2013 quando os problemas realmente se tornaram \u00f3bvios \u2013 e, no in\u00edcio do s\u00e9culo XX, estava apenas \u00e0 espera de que o matador desferisse o golpe de miseric\u00f3rdia<\/em>\u201d. Nesse sentido, a maioria dos historiadores entende que o principal legado pol\u00edtico do per\u00edodo da China revolucion\u00e1ria de Mao Ts\u00e9-Tung foi um Estado renovado, fortalecido e bem disciplinado, em condi\u00e7\u00f5es de manter unidas as prov\u00edncias e as lideran\u00e7as locais. Sob o comando absolutista de Mao Ts\u00e9-Tung e do Partido Comunista as institui\u00e7\u00f5es do Estado e seus governantes recobraram a autoridade e o controle, ou seja, reconstru\u00edram a ordem sem a qual \u00e9 imposs\u00edvel prosperar, seja qual for a forma de organiza\u00e7\u00e3o da sociedade. Mesmo nos pa\u00edses ocidentais, em termos de prosperidade, um diferencial importante entre as v\u00e1rias sociedades qualificadas como democr\u00e1ticas \u00e9 o n\u00edvel de ordem vigente. Pa\u00edses onde indicadores como elevados \u00edndices de criminalidade, pr\u00e1ticas generalizadas de il\u00edcitos e transgress\u00f5es, baixa efici\u00eancia dos servi\u00e7os p\u00fablicos ou corrup\u00e7\u00e3o generalizada, que indicam baixos teores de ordem social e pol\u00edtica \u2013 isto \u00e9, de governabilidade \u2013 s\u00e3o os pa\u00edses que apresentam problemas cr\u00f4nicos de estagna\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica.<\/p>\n

O fato \u00e9 que a ascens\u00e3o da China trouxe ao mundo n\u00e3o mais uma amea\u00e7a baseada em ideologias hostis, mas uma amea\u00e7a \u00e0 lideran\u00e7a das pot\u00eancias tradicionais. O fator ideol\u00f3gico tornou-se um elemento secund\u00e1rio e, na realidade, o que \u00e9 not\u00e1vel no caso chin\u00eas \u00e9 que, de um lado, a organiza\u00e7\u00e3o e a lideran\u00e7a da sociedade exercida pelo Partido Comunista Chin\u00eas n\u00e3o constituiu problema para que a ascens\u00e3o da China ocorresse por meio de uma pol\u00edtica de longo prazo de coopera\u00e7\u00e3o com as pot\u00eancias econ\u00f4micas do Ocidente. De outro lado, h\u00e1 o fato de que, apesar de o Partido Comunista Chin\u00eas continuar controlando com m\u00e3o forte o poder, na pr\u00e1tica, esse poder e esse controle da economia e da sociedade n\u00e3o t\u00eam sido exercidos por meio de institui\u00e7\u00f5es e pr\u00e1ticas de inspira\u00e7\u00e3o marxista, como era o caso da URSS. Regimes duros e autorit\u00e1rios nunca foram privil\u00e9gios exclusivos de governos de inspira\u00e7\u00e3o marxista. Entre as not\u00e1veis diferen\u00e7as entre o regime da China e o que seria um regime tipicamente marxista pode ser apontada a exist\u00eancia de propriedade privada e de mercados livres e din\u00e2micos, inclusive para ativos financeiros. Outra diferen\u00e7a not\u00e1vel \u00e9 que, na educa\u00e7\u00e3o, nas escolas controladas pelo Estado, valoriza-se a pr\u00e1tica de tradi\u00e7\u00f5es e at\u00e9 mesmo de ritos e celebra\u00e7\u00f5es tradicionais e o respeito a valores como a senioridade, os ritos sociais e outros costumes antigos.[16]<\/a> Pr\u00e1ticas essas condenadas pela doutrina marxista.<\/p>\n

Com efeito, mesmo na primeira constitui\u00e7\u00e3o produzida sob o comando do Partido Comunista da China (1954) a propriedade privada n\u00e3o fora abolida, sendo admitida at\u00e9 mesmo a exist\u00eancia de \u201ccapitalistas\u201d. No Artigo 5\u00ba, a constitui\u00e7\u00e3o declara: \u201cNa Rep\u00fablica Popular da China existem atualmente as seguintes formas fundamentais de propriedade dos meios de produ\u00e7\u00e3o: a propriedade do Estado \u2014 isto \u00e9: a propriedade de todo o povo \u2014; a propriedade cooperativa \u2014 isto \u00e9: a propriedade coletiva dos trabalhadores \u2014; a propriedade dos trabalhadores individuais; e a propriedade dos capitalistas<\/em>.\u201d Vale reproduzir tamb\u00e9m trechos do Artigo 10\u00ba. da constitui\u00e7\u00e3o chinesa onde se explica como a constitui\u00e7\u00e3o entende a propriedade do capital e seu uso: \u201c… Mediante a dire\u00e7\u00e3o exercida pelos \u00f3rg\u00e3os administrativos do Estado, a dire\u00e7\u00e3o exercida pelo setor estatal e o controle por parte das massas trabalhadoras, o Estado aproveita o papel positivo da ind\u00fastria e do com\u00e9rcio capitalistas, que \u00e9 \u00fatil ao bem-estar nacional e \u00e0 prosperidade do povo; limita seu papel negativo, que prejudica o bem-estar nacional e a prosperidade do povo; estimula e orienta sua transforma\u00e7\u00e3o em setor do capitalismo de Estado, sob diferentes formas, e substitui gradualmente a propriedade dos capitalistas pela propriedade de todo o povo<\/em>\u201d.<\/p>\n

Observa-se que, diferentemente da URSS, mesmo a constitui\u00e7\u00e3o produzida por Mao Ts\u00e9-Tung, nos primeiros anos da revolu\u00e7\u00e3o comunista, a propriedade privada n\u00e3o deixava de existir significando, assim, que mesmo sem as reformas introduzidas por Deng Xiaoping (1978-1992) a ordem constitucional n\u00e3o proibia nem o lucro e nem a exist\u00eancia de propriedade privada. Em larga medida, as reformas introduzidas por Deng Xiaoping relacionavam-se muito mais com a forma de entender e de exercer o poder especialmente nas rela\u00e7\u00f5es com o meio internacional, em particular no que tange ao trato com o capital estrangeiro. Popularizou-se a frase atribu\u00edda a Deng Xiaoping \u201cn\u00e3o importa se o gato \u00e9 preto ou branco, desde que cace os ratos<\/em>\u201d, que reflete o fato de que as mudan\u00e7as institucionais n\u00e3o foram, nem de longe, t\u00e3o importantes quanto as mudan\u00e7as na atitude e na forma de conduzir o Estado Chin\u00eas, em especial nas rela\u00e7\u00f5es com outros pa\u00edses. Na realidade, a hist\u00f3ria tem mostrado que as atitudes dos governantes e as pol\u00edticas praticadas geralmente s\u00e3o bem mais importantes na forma\u00e7\u00e3o de focos de tens\u00e3o do que ideologias expressas em documentos oficiais. Com efeito, durante a maior parte da Idade M\u00e9dia, os reinos europeus eram todos cat\u00f3licos, mas esse fato n\u00e3o impedia que governos e governantes variassem em um amplo espectro de possibilidades: governantes podiam ser sensatos, benevolentes e s\u00e1bios ou podiam ser tiranos e ambiciosos, ou ainda podiam ser ego\u00edstas e presun\u00e7osos, mas tamb\u00e9m inseguros em suas decis\u00f5es. Ou seja, reinos e baronatos guerreavam entre si por direitos de sucess\u00e3o, por ofensas e inj\u00farias, por ambi\u00e7\u00e3o de governantes ou por quaisquer outras motiva\u00e7\u00f5es que movem povos e governantes at\u00e9 os dias de hoje. Pode-se dizer que o autoritarismo do regime na China hoje apresenta muito mais semelhan\u00e7as com o absolutismo dos regimes praticados na Europa nos s\u00e9culos XVII e XVIII do que com aquele praticado pelo pr\u00f3prio Mao Ts\u00e9-Tung da revolu\u00e7\u00e3o comunista. Em outras palavras, mesmo dentro de uma mesma ideologia laica ou religiosa, Estados e na\u00e7\u00f5es podem ter desempenhos muito diferentes, dependendo de muitos fatores, em especial do conjunto de virtudes, qualidades e percep\u00e7\u00f5es de seus governantes. A pol\u00edtica da d\u00e9tente<\/em> foi praticada tanto pelas na\u00e7\u00f5es l\u00edderes do Ocidente quanto pela URSS e pela China nas d\u00e9cadas de 1970 e 1980. Nesse quadro apenas a URSS mudou seu regime, uma mudan\u00e7a motivada muito mais pela evolu\u00e7\u00e3o do quadro pol\u00edtico e econ\u00f4mico da pr\u00f3pria URSS do que em eventuais transforma\u00e7\u00f5es ocorridas nas vis\u00f5es ideol\u00f3gicas de seus governantes. Os principais int\u00e9rpretes da mudan\u00e7a de regime na URSS concordam que a perda da for\u00e7a da ideologia comunista acompanhou a deteriora\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas do pa\u00eds.<\/p>\n

Nesse quadro pode-se extrair duas observa\u00e7\u00f5es ou hip\u00f3teses a respeito da experi\u00eancia vivida pela China nos \u00faltimos 40 anos. A primeira \u00e9 que, internamente, as mudan\u00e7as introduzidas na constitui\u00e7\u00e3o nas \u00faltimas d\u00e9cadas refletiram uma verdadeira redescoberta das tradi\u00e7\u00f5es ancestrais da China. A famosa frase de Deng Xiaoping sobre a cor dos gatos bem poderia ser adicionada aos Analectos<\/em> legados por Conf\u00facio.[17]<\/a> A segunda \u00e9 que, durante o per\u00edodo de Mao Ts\u00e9-Tung, os excessos da Revolu\u00e7\u00e3o Cultural foram objeto de preocupa\u00e7\u00e3o, sobretudo moral, das grandes pot\u00eancias, mas a ascens\u00e3o da China \u00e0 condi\u00e7\u00e3o de pot\u00eancia mundial de primeira grandeza transforma substancialmente a forma de ver e as preocupa\u00e7\u00f5es da comunidade internacional em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 China. Claramente o que se destaca \u00e9 a disputa por lideran\u00e7a internacional e n\u00e3o uma suposta guerra ideol\u00f3gica. Objetivamente, para as na\u00e7\u00f5es mais pobres e com recursos de poder mais limitados, a China torna-se uma alternativa entre as op\u00e7\u00f5es dispon\u00edveis no mundo, enquanto para as grandes pot\u00eancias a China torna-se um rival formid\u00e1vel nas suas equa\u00e7\u00f5es e hip\u00f3teses sobre o futuro das rela\u00e7\u00f5es internacionais, independente de sua ordem pol\u00edtica e jur\u00eddica dom\u00e9stica.<\/p>\n

A grande preocupa\u00e7\u00e3o da comunidade internacional com o fator ideol\u00f3gico n\u00e3o mais reside no que pode estar presente na constitui\u00e7\u00e3o, mas com as pr\u00e1ticas ideol\u00f3gicas que n\u00e3o est\u00e3o definidas nas constitui\u00e7\u00e3o, como \u00e9 o caso do terrorismo isl\u00e2mico, que \u00e9 negado por todos os Estados organizados constitucionalmente sob a orienta\u00e7\u00e3o da f\u00e9 isl\u00e2mica. Em termos substantivos, o caso dos pa\u00edses isl\u00e2micos s\u00e3o os mais not\u00e1veis da presen\u00e7a da religi\u00e3o na constitui\u00e7\u00e3o como elemento de orienta\u00e7\u00e3o ideol\u00f3gica para as na\u00e7\u00f5es em nossos dias. Em alguma medida, a trajet\u00f3ria constitucional dos pa\u00edses \u00e1rabes se desenvolveu entre a experi\u00eancia do Ir\u00e3, onde a religi\u00e3o e as tradi\u00e7\u00f5es dominam completamente a estrutura do comando pol\u00edtico, e o caso do Egito, onde embora o islamismo seja oficialmente a religi\u00e3o do Estado e da na\u00e7\u00e3o, \u00e9 bastante relevante a influ\u00eancia do pensamento ocidental na ordem econ\u00f4mica e pol\u00edtica. Entre as lideran\u00e7as do Ocidente n\u00e3o h\u00e1 grande preocupa\u00e7\u00e3o com os termos em que as constitui\u00e7\u00f5es desses pa\u00edses est\u00e3o expressas. O mais importante \u00e9 que o fato desses pa\u00edses declararem seguir a f\u00e9 isl\u00e2mica nenhum deles declara adotar o terrorismo como forma de a\u00e7\u00e3o. Na realidade, o terrorismo isl\u00e2mico que, em nosso tempo, tem estado na base de tens\u00f5es internacionais importantes, tem sido conduzido essencialmente por organiza\u00e7\u00f5es clandestinas isto \u00e9, sem qualquer suporte formal at\u00e9 mesmo a respeito de suas exist\u00eancias. De fato, muito embora os servi\u00e7os de intelig\u00eancia das pot\u00eancias do Ocidente busquem com insist\u00eancia ind\u00edcios de apoio de governos de pa\u00edses isl\u00e2micos a essas organiza\u00e7\u00f5es, essa liga\u00e7\u00e3o jamais foi cabalmente comprovada.<\/p>\n

As constitui\u00e7\u00f5es e as rela\u00e7\u00f5es internacionais de seu tempo<\/strong><\/p>\n

Pode-se dizer que a constitui\u00e7\u00e3o dos EUA guarda uma not\u00e1vel peculiaridade em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s demais constitui\u00e7\u00f5es. Ao longo de mais de duzentos anos de exist\u00eancia, a constitui\u00e7\u00e3o americana apenas adicionou emendas que introduziram cl\u00e1usulas a respeito de mudan\u00e7as importantes ocorridas na sociedade e que a constitui\u00e7\u00e3o n\u00e3o contemplava ou que n\u00e3o deixava expl\u00edcitas, como foram os casos da aboli\u00e7\u00e3o da escravid\u00e3o e da limita\u00e7\u00e3o dos mandatos presidenciais. Com efeito, durante os debates ocorridos antes da eclos\u00e3o da guerra civil em 1861, uma das preocupa\u00e7\u00f5es centrais de Abraham Lincoln era a de mostrar que a constitui\u00e7\u00e3o, embora n\u00e3o expressasse explicitamente, a postura anti-escravid\u00e3o estava de acordo com as cren\u00e7as e o modo de pensar dos Pais Fundadores<\/em> que a haviam concebido.[18]<\/a> Outra emenda not\u00e1vel \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o Americana foi a limita\u00e7\u00e3o para dois, os mandatos presidenciais ap\u00f3s as quatro elei\u00e7\u00f5es sucessivas de F. D. Roosevelt.[19]<\/a> Neste caso, vale lembrar que em seu discurso de despedida da vida p\u00fablica, George Washington come\u00e7a por explicar porque n\u00e3o deveria aceitar um terceiro mandato apesar da insist\u00eancia das principais lideran\u00e7as e de seus amigos, argumentando que um terceiro mandato n\u00e3o faria bem nem para ele e nem para o pa\u00eds.[20]<\/a><\/p>\n

Tamb\u00e9m chama a aten\u00e7\u00e3o o fato de a constitui\u00e7\u00e3o americana ser muito mais concisa do que outras constitui\u00e7\u00f5es.[21]<\/a> Em larga medida, pode-se dizer que a experi\u00eancia constitucional dos EUA foi fortemente influenciada pela tradi\u00e7\u00e3o jur\u00eddica anglo-sax\u00f4nica, que valoriza costumes e tradi\u00e7\u00f5es n\u00e3o escritas, ou seja, procura antes expressar princ\u00edpios e normas de comportamento presentes nos c\u00f3digos e nas decis\u00f5es das cortes do que enunciar provid\u00eancias, medidas e recursos espec\u00edficos. O fil\u00f3sofo poderia argumentar que reflete mais um desses curiosos paradoxos da natureza humana, ou seja, pelo fato de n\u00e3o serem escritos, costumes e tradi\u00e7\u00f5es tendem a apresentar n\u00edveis de resili\u00eancia mais elevados do que documentos escritos que, exatamente por serem escritos, podem ser reescritos, dependendo da vontade de governantes e da opini\u00e3o p\u00fablica, sempre cambiantes e sujeitas \u00e0s tenta\u00e7\u00f5es das circunst\u00e2ncias e das oportunidades, aparentemente sempre ao alcance das m\u00e3os. Apesar de tudo, talvez a explica\u00e7\u00e3o mais objetiva para que uma constitui\u00e7\u00e3o permane\u00e7a vigente por longo tempo, inclusive para servir de base para que as sociedades se adaptem \u00e0s mudan\u00e7as trazidas pelo tempo, seja oferecida pelo historiador Octaciano Nogueira que, ao analisar a constitui\u00e7\u00e3o brasileira de 1824, aponta para o Artigo 178 da Carta Imperial:<\/p>\n

\u201cS\u00f3 \u00e9 constitucional o que diz respeito aos limites e atribui\u00e7\u00f5es respectivas dos poderes pol\u00edticos, e aos direitos pol\u00edticos e individuais dos cidad\u00e3os; tudo o que n\u00e3o \u00e9 constitucional pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas legislaturas ordin\u00e1rias\u201d.[22]<\/a><\/p>\n

O fato \u00e9 que a tenta\u00e7\u00e3o no sentido de mudar ou de reescrever as constitui\u00e7\u00f5es \u00e9 sempre muito forte. Ditadores e usurpadores sempre justificam suas causas a partir do argumento de que uma interven\u00e7\u00e3o \u00e9 necess\u00e1ria para \u201csalvar a na\u00e7\u00e3o\u201d e que, para tanto, \u00e9 necess\u00e1rio produzir uma nova constitui\u00e7\u00e3o para que torne o pa\u00eds govern\u00e1vel e para que novos princ\u00edpios sejam introduzidos na ordem pol\u00edtica e social e da na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O fato \u00e9 que as constitui\u00e7\u00f5es da grande maioria dos 193 Estados, hoje Membros das Na\u00e7\u00f5es Unidas, como pe\u00e7as jur\u00eddicas refletindo sociedades vivas e din\u00e2micas, n\u00e3o se apresentam mais na forma como foram concebidas originalmente. Na Venezuela a constitui\u00e7\u00e3o vigente \u00e9 a 27\u00aa. de uma s\u00e9rie que se iniciou em 1811 e tudo indica que o fim do chavismo<\/em> ser\u00e1 marcado pela produ\u00e7\u00e3o de mais uma nova constitui\u00e7\u00e3o. Na Argentina, considera-se que a primeira constitui\u00e7\u00e3o produzida em 1853 foi reformada em 7 ocasi\u00f5es, sendo a \u00faltima em 1994, ap\u00f3s o fim dos governos militares. Mesmo a Fran\u00e7a tem em sua hist\u00f3ria mais de uma dezena de constitui\u00e7\u00f5es que refletiram primeiro as fases revolucion\u00e1rias e, depois, a fase napole\u00f4nica, a restaura\u00e7\u00e3o da monarquia Bourbon, seguidas pelas constitui\u00e7\u00f5es republicanas. A constitui\u00e7\u00e3o vigente na Fran\u00e7a corresponde \u00e0 V Rep\u00fablica e data de 1958. No Brasil, a constitui\u00e7\u00e3o vigente \u00e9 a sexta, n\u00e3o incluindo a reforma de 1967, que muitos constitucionalistas alegam ter introduzido modifica\u00e7\u00f5es t\u00e3o profundas que pode ser considerada como uma nova constitui\u00e7\u00e3o. O fato \u00e9 que revolu\u00e7\u00f5es e mudan\u00e7as pol\u00edticas com alguma profundidade resultam em reformas constitucionais amplas ou mesmo em novas constitui\u00e7\u00f5es. As alega\u00e7\u00f5es podem ser variadas, mas a base dos argumentos geralmente se assenta no entendimento de que o governante se v\u00ea impossibilitado pelos dispositivos constitucionais vigentes de produzir justi\u00e7a social e os bens p\u00fablicos de que a na\u00e7\u00e3o precisa para seu bem-estar e progresso.<\/p>\n

Em certos casos, altera\u00e7\u00f5es constitucionais podem ter origem em desenvolvimentos ocorridos na esfera internacional, como foi o caso dos pa\u00edses do Leste europeu diante do colapso da URSS em Dezembro de 1991. Por outro lado, o caso do avan\u00e7o da integra\u00e7\u00e3o europeia \u00e9 um dos casos mais not\u00e1veis de como desenvolvimentos na esfera internacional, mesmo em ambiente ordeiro e pac\u00edfico, podem influenciar as constitui\u00e7\u00f5es nacionais. Nos primeiros anos do processo de integra\u00e7\u00e3o, o estabelecimento da Comunidade Econ\u00f4mica Europeia (CEE) em termos jur\u00eddicos implicava essencialmente negocia\u00e7\u00f5es com organismos internacionais como o GATT e com outras na\u00e7\u00f5es dentro e fora do bloco, uma vez que, nos primeiros anos, a CEE vivia as fases iniciais da integra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica nas quais o bloco poderia ser classificado como um agregado de soberanias, semelhante ao que tem sido at\u00e9 hoje o Mercosul.<\/p>\n

Com o aprofundamento da integra\u00e7\u00e3o, especialmente a partir do Tratado de Maastricht (1992), surgiu a necessidade de os pa\u00edses integrantes do bloco reverem suas bases constitucionais, em particular no que tange a um dos princ\u00edpios essenciais de qualquer Estado moderno: o princ\u00edpio da soberania<\/em>. Com efeito, ap\u00f3s o Tratado de Maastricht (1992) a CEE foi transformada em Uni\u00e3o Europeia, e os pa\u00edses membros viram-se diante da necessidade de rever suas constitui\u00e7\u00f5es nacionais, introduzindo o princ\u00edpio da subsidiaridade<\/em>. Por esse princ\u00edpio, os Estados membros da Uni\u00e3o Europeia reconhecem soberanamente<\/em> que h\u00e1 quest\u00f5es econ\u00f4micas, pol\u00edticas e sociais para as quais os governos nacionais n\u00e3o podem mais decidir sem a aprova\u00e7\u00e3o de inst\u00e2ncias decis\u00f3rias da Uni\u00e3o Europeia.[23]<\/a><\/p>\n

A exist\u00eancia de uma moeda comum \u2013 o euro<\/em> \u2013 \u00e9 um dos exemplos mais materialmente vis\u00edveis da impossibilidade de manter intocado o princ\u00edpio da soberania<\/em> em sua forma original na Uni\u00e3o Europeia. Antes do euro<\/em>, as moedas nacionais, quase tanto quanto as bandeiras, desempenhavam um papel simb\u00f3lico como representativas das na\u00e7\u00f5es e, al\u00e9m disso, a pr\u00f3pria teoria econ\u00f4mica corrente afirmava que a moeda define um pa\u00eds, em grande parte pelo reconhecimento da import\u00e2ncia das pol\u00edticas cambiais e monet\u00e1rias para as economias nacionais.[24]<\/a> Por essa raz\u00e3o Robert Mundell que, no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1960, j\u00e1 previa o advento de uma moeda europeia, ficou sendo considerado por muito tempo como um vision\u00e1rio at\u00e9 que, afinal, o advento do euro<\/em> acabou por se tornar um forte argumento para que, em 1999, Mundell fosse agraciado com o Pr\u00eamio Nobel de Economia. O fato \u00e9 que a evolu\u00e7\u00e3o da economia, especialmente na Europa onde os mercados de bens, servi\u00e7os e de m\u00e3o de obra j\u00e1 haviam se integrado, para a maioria das economias da Europa os custos de transa\u00e7\u00e3o decorrentes da manuten\u00e7\u00e3o de v\u00e1rias moedas sob o argumento da soberania<\/em>, haviam se tornado um peso adicional que n\u00e3o mais compensava manter.<\/p>\n

Outro caso interessante da experi\u00eancia europeia em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s press\u00f5es sobre o princ\u00edpio da soberania \u00e9 o dos Acordos de Schengen, que trata da liberdade da livre movimenta\u00e7\u00e3o de pessoas atrav\u00e9s das fronteiras europeias.[25]<\/a> Os acordos preveem a uniformiza\u00e7\u00e3o das exig\u00eancias e dos procedimentos no que tange \u00e0 movimenta\u00e7\u00e3o de pessoas, isto \u00e9, concess\u00e3o de vistos e de asilo a refugiados e de tratamento de migrantes oriundos de outras regi\u00f5es, al\u00e9m de ampla coopera\u00e7\u00e3o judici\u00e1ria e policial entre os pa\u00edses europeus. Embora os Acordos de Schengen tenham sido incorporados pela Uni\u00e3o Europeia, a eclos\u00e3o de conflitos e guerras civis em regi\u00f5es pr\u00f3ximas do Mediterr\u00e2neo t\u00eam alimentado discuss\u00f5es sobre as normas e as pr\u00e1ticas sob os Acordos Schengen, uma vez que as press\u00f5es migrat\u00f3rias geradas por esses conflitos n\u00e3o afetam da mesma forma as na\u00e7\u00f5es integrantes da Uni\u00e3o Europeia. Tanto pela maior proximidade geogr\u00e1fica quanto pelo destino desejado pelos migrantes que passaram a chegar em grande n\u00famero em alguns pontos da Europa a press\u00e3o dos fluxos migrat\u00f3rios se fazem sentir de forma diferente pelas sociedades e pelos governos europeus dificultando a pr\u00e1tica de pol\u00edticas comuns.<\/p>\n

O Artigo 23 da Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica Federal da Alemanha trata especificamente do comprometimento do pa\u00eds com a Uni\u00e3o Europeia e enuncia como o princ\u00edpio da subsidiaridade<\/em> ser\u00e1 aplicado pelo governo e pelas institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e jur\u00eddicas da na\u00e7\u00e3o. Tamb\u00e9m a constitui\u00e7\u00e3o Francesa, produzida sob a lideran\u00e7a de Charles De Gaulle em 1958, ao longo do tempo introduziu emendas significativas para se adequar \u00e0s mudan\u00e7as em curso na cena internacional, especialmente europeu. Uma delas foi a inclus\u00e3o da \u201cCarta Ambiental de 2004\u201d na qual declara o profundo comprometimento da na\u00e7\u00e3o com as causas ambientais. Por exemplo, no Artigo 2\u00ba. e 3\u00ba. da Carta estabelece que \u201cToda pessoa tem o dever de participar da preserva\u00e7\u00e3o e da melhoria do meio ambiente… (<\/em>e que) deve, nas condi\u00e7\u00f5es definidas pela lei, prevenir as amea\u00e7as que pode causar ao meio ambiente ou, caso contr\u00e1rio, limitar suas consequ\u00eancias<\/em>\u201d. Em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Uni\u00e3o Europeia, a Constitui\u00e7\u00e3o Francesa dedica o Cap\u00edtulo XV que, embora sem empregar o termo subsidiaridade<\/em>, tal como o faz a Constitui\u00e7\u00e3o da Alemanha, estabelece os termos dentro dos quais o Tratado da Uni\u00e3o Europeia ser\u00e1 respeitado e posto em pr\u00e1tica naquele pa\u00eds, reconhecendo as muitas situa\u00e7\u00f5es em que disposi\u00e7\u00f5es da Uni\u00e3o Europeia devem prevalecer sobre o que poderia ser a vontade soberana da Fran\u00e7a.<\/p>\n

De forma semelhante, os demais pa\u00edses integrantes da Uni\u00e3o Europeia incorporaram em suas constitui\u00e7\u00f5es as institui\u00e7\u00f5es e pr\u00e1ticas estabelecidas pelo bloco. Na realidade, o pr\u00f3prio processo de ingresso na Uni\u00e3o Europeia j\u00e1 inclui, al\u00e9m da aceita\u00e7\u00e3o dos Tratados da Uni\u00e3o Europeia e dos princ\u00edpios contidos nesses tratados, a aceita\u00e7\u00e3o e o cumprimento de condi\u00e7\u00f5es tais como os padr\u00f5es de desempenho macroecon\u00f4mico que devem estar em harmonia com o bloco de tal forma que n\u00e3o prejudique a estabilidade econ\u00f4mica e social do bloco. A integra\u00e7\u00e3o europeia que havia se iniciado com 6 pa\u00edses membros chegou a ter 28 integrantes at\u00e9 a sa\u00edda do Reino Unido. No caso do Reino Unido, obviamente, a sa\u00edda da Uni\u00e3o Europeia, formalmente, implica a den\u00fancia do Tratado da Uni\u00e3o Europeia enquanto as discuss\u00f5es do Brexit<\/em> referem-se principalmente \u00e0 negocia\u00e7\u00e3o sobre custos e prazos dos compromissos assumidos durante o per\u00edodo em que foi membro pleno da Uni\u00e3o Europeia. Em um sentido mais geral, a sa\u00edda formal da Uni\u00e3o Europeia significa que o Reino Unido deixar\u00e1 de participar dos custos e das facilidades oferecidas pela Uni\u00e3o Europeia, passando a depender de seu pr\u00f3prio dinamismo a forma pela qual ser\u00e3o definidos os padr\u00f5es de relacionamento tanto com a Europa quanto com o resto do mundo.<\/p>\n

Considera\u00e7\u00f5es finais: as constitui\u00e7\u00f5es e as na\u00e7\u00f5es no mundo<\/strong><\/p>\n

Na ess\u00eancia, a hist\u00f3ria tem mostrado que a posi\u00e7\u00e3o de uma na\u00e7\u00e3o diante de outras na\u00e7\u00f5es depende diretamente das pr\u00e1ticas, dos valores e dos padr\u00f5es locais de conduta e de comportamento da popula\u00e7\u00e3o, e tamb\u00e9m da qualidade dos governantes. A qualidade do governante \u00e9 essencial muito menos pelos atos de governo em si, mas muito mais pelo que representa para a na\u00e7\u00e3o como modelo de conduta, de car\u00e1ter e de valores que devem ser representativos das expectativas da na\u00e7\u00e3o, frequentemente n\u00e3o expressos em documentos e manifesta\u00e7\u00f5es p\u00fablicas. Vale notar que a express\u00e3o \u201cqualidade do governante\u201d n\u00e3o se restringe apenas ao rei ou ao presidente, mas refere-se a toda classe dirigente da na\u00e7\u00e3o, ou seja, parlamentares, magistrados, ministros, e dirigentes de institui\u00e7\u00f5es que comandam a ordem social e pol\u00edtica da na\u00e7\u00e3o. Foi assim que, ao longo da hist\u00f3ria, povos e culturas se destacaram e algumas na\u00e7\u00f5es se tornaram grandes pot\u00eancias enquanto outras permaneceram \u00e0 sombra dos acontecimentos, ou ainda, em casos muito particulares, deixaram um not\u00e1vel legado de cultura e de civiliza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O fato de que alguns povos prosperaram e se tornaram ricos, poderosos e influentes enquanto outros n\u00e3o se destacaram, sendo at\u00e9 mesmo dominados por povos menos numerosos, continua sendo at\u00e9 nossos dias objeto de curiosidade e de reflex\u00e3o. Pensadores como Arnold Toynbee, Michael Oakeshott e Johann Herder procuraram oferecer um painel amplo e geral da hist\u00f3ria de povos e de civiliza\u00e7\u00f5es que deixaram marcas not\u00e1veis como testemunho de terem vivido no passado eras de gl\u00f3ria e de realiza\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e culturais. Em tempos mais recentes alguns fatos como a revolu\u00e7\u00e3o industrial continuam a intrigar historiadores e pensadores por seu enorme alcance que, como raros eventos na hist\u00f3ria, efetivamente mudaram de forma bastante radical os padr\u00f5es de vida de toda a humanidade. Por que um desenvolvimento t\u00e3o amplo e poderoso teve sua origem e seu desenvolvimento inicial na Inglaterra e n\u00e3o no \u00e2mbito de outras na\u00e7\u00f5es? Al\u00e9m disso, por que se estendeu para outras sociedades no mundo de modos t\u00e3o diferentes em intensidade e em caracter\u00edsticas, diferen\u00e7as essas que se manifestaram at\u00e9 mesmo em partes da Europa? Embora hajam interpreta\u00e7\u00f5es bastante correntes na economia que destacam o papel do capital no processo de industrializa\u00e7\u00e3o da Inglaterra, sempre fica a sensa\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o explicam a ess\u00eancia da quest\u00e3o, j\u00e1 que \u00e0 \u00e9poca havia outras na\u00e7\u00f5es bastante ricas. Por exemplo, a Fran\u00e7a no s\u00e9culo XVIII vivia um momento cultural e econ\u00f4mico de grande prest\u00edgio, mas houve a coroa\u00e7\u00e3o de Louis XVI, que estava longe de possuir as qualidades de um bom governante, associada ao fato de que no substrato da sociedade francesa se gestava a revolu\u00e7\u00e3o que iria lan\u00e7ar a na\u00e7\u00e3o num torvelinho de revolta e de paix\u00f5es que, por d\u00e9cadas, iria consumir os recursos e as energias da na\u00e7\u00e3o. Raymond-Leopold Bruckberger, historiador e pensador, integrante da Academia Francesa, argumenta que a revolu\u00e7\u00e3o industrial foi o modo ingl\u00eas de realizar as transforma\u00e7\u00f5es sociais e pol\u00edticas que a Fran\u00e7a iria tentar realizar de forma tr\u00e1gica e turbulenta a partir de 1789.[26]<\/a><\/p>\n

A hist\u00f3ria mostra que, tal como ocorre com a abund\u00e2ncia de recursos naturais e com as condi\u00e7\u00f5es geogr\u00e1ficas, as constitui\u00e7\u00f5es e a ordem pol\u00edtica por elas estabelecida s\u00e3o importantes, mas n\u00e3o impedem a ocorr\u00eancia de maus governantes e nem s\u00e3o as \u00fanicas respons\u00e1veis pela produ\u00e7\u00e3o de bons governos. Com efeito, no ancien r\u00e9gime<\/em> houve um Louis XIV que, nas palavras de Voltaire, conduziu a Fran\u00e7a em um momento de grande esplendor nas ci\u00eancias e na cultura \u2013 um verdadeiro s\u00e9culo de ouro.[27]<\/a> No entanto, foi sob o mesmo ancien r\u00e9gime<\/em> que Louis XVI foi coroado meio s\u00e9culo ap\u00f3s a morte de Louis XIV e foi sob Louis XVI que a Fran\u00e7a viu-se vivendo o caos e a revolu\u00e7\u00e3o de 1789. Por outro lado, na hist\u00f3ria da rep\u00fablica americana, houve um Abraham Lincoln e um Franklin D. Roosevelt, que conduziram a na\u00e7\u00e3o com not\u00e1vel denodo e compet\u00eancia em tempos dif\u00edceis de grandes incertezas e turbul\u00eancias. No entanto, sob o mesmo regime e sob a mesma constitui\u00e7\u00e3o, houve tamb\u00e9m v\u00e1rios presidentes que se notabilizaram pela pouca compet\u00eancia e por exercerem uma lideran\u00e7a sem brilho e bem pouco ben\u00e9fica para a na\u00e7\u00e3o.[28]<\/a> Assim, nos tempos modernos, as constitui\u00e7\u00f5es definem regimes e estabelecem padr\u00f5es e normas de conduta para os governantes, mas n\u00e3o impedem que as na\u00e7\u00f5es convivam com a altern\u00e2ncia entre bons e maus governantes.<\/p>\n

Provavelmente, nesse aspecto, as maiores diferen\u00e7as entre os tempos do ancien r\u00e9gime<\/em> e a era das modernas rep\u00fablicas \u00e9 que no ancien r\u00e9gime<\/em> o sistema era basicamente heredit\u00e1rio, quando o poder n\u00e3o era obtido pela for\u00e7a, enquanto nas rep\u00fablicas modernas estabelecem-se mandatos com per\u00edodos definidos para os governos eleitos.[29]<\/a> Com efeito, nas monarquias heredit\u00e1rias o tempo de dura\u00e7\u00e3o de um mau governo era limitado apenas pela morte do governante que poderia ocorrer de forma natural, ap\u00f3s arrastar o reino por d\u00e9cadas atrav\u00e9s de um reinado sem brilho e marcado por um ambiente de insatisfa\u00e7\u00e3o e de des\u00e2nimo ou, por vezes, um mau governo podia ser encerrado por um fim tr\u00e1gico como foi o caso de Louis XVI, deposto e guilhotinado pelos revolucion\u00e1rios em 1793. \u00a0Nas artes, os tr\u00e1gicos dilemas do poder que assolavam os homens antigos foram retratados em trag\u00e9dias imortalizadas pelo teatro grego ou por dramaturgos como Shakespeare. \u00a0Para al\u00e9m da ambi\u00e7\u00e3o, do \u00f3dio e da inveja, entre os dilemas cruciais, um dos aspectos mais angustiantes era o do sentimento moral entre o respeito \u00e0s leis e \u00e0s institui\u00e7\u00f5es e a consci\u00eancia de que os destinos da na\u00e7\u00e3o estavam inexoravelmente ligados \u00e0s qualidades, ou \u00e0 falta delas, que caracterizavam governantes e que afetavam a vida e a prosperidade das na\u00e7\u00f5es. Entre os antigos, o lado tr\u00e1gico desse dilema emergia do fato de que s\u00f3 a morte poderia interromper os efeitos nefastos de um mau governo.<\/p>\n

Nesse sentido, pode-se dizer que a altern\u00e2ncia de poder trazida pelas sociedades abertas, t\u00edpicas da modernidade, praticamente eliminou o conte\u00fado tr\u00e1gico dessa rela\u00e7\u00e3o entre a na\u00e7\u00e3o e o destino de seus governantes. Al\u00e9m disso, a modernidade tamb\u00e9m diluiu os impulsos para a ambi\u00e7\u00e3o em uma mir\u00edade de possibilidades no campo das artes, das ci\u00eancias, dos neg\u00f3cios e at\u00e9 mesmo da pr\u00f3pria pol\u00edtica ao limitar, por meio de leis, o poder dos governantes. Na realidade, a hist\u00f3ria mostra que os maus governantes na ordem antiga, em raz\u00e3o de suas fraquezas diante de ambi\u00e7\u00f5es desmedidas, geralmente transformavam-se em tiranos, fazendo com que suas a\u00e7\u00f5es se tornassem ainda mais odiosas e insuport\u00e1veis.<\/p>\n

Nos fins do s\u00e9culo XVIII houve um intenso debate intelectual sobre as diferen\u00e7as entre o mundo antigo e o mundo moderno. Benjamin Constant de Rebecque argumentava que uma diferen\u00e7a essencial era o do entendimento da liberdade que, no mundo antigo valorizava as liberdade das na\u00e7\u00f5es, mas n\u00e3o havia o governo representativo. Este sistema<\/em> (representativo) \u00e9 uma descoberta dos modernos e v\u00f3s vereis, Senhores, que a condi\u00e7\u00e3o da esp\u00e9cie humana na antiguidade n\u00e3o permitia que uma institui\u00e7\u00e3o desta natureza ali se introduzisse ou se instalasse. Os povos antigos n\u00e3o podiam nem sentir a necessidade nem apreciar as vantagens desse sistema. A organiza\u00e7\u00e3o social desses povos os levava a desejar uma liberdade bem diferente da que este sistema nos assegura<\/em>, escreve Benjamin Constant.[30]<\/a><\/p>\n

O grande problema \u00e9 que a representatividade n\u00e3o \u00e9 um conceito absoluto e precisa ser transformada em um sistema de escolha de representantes, isto \u00e9, em um sistema eleitoral. Dessa forma, como qualquer sistema constru\u00eddo pelo homem para organizar sua conviv\u00eancia, pode ser falho e necessita sempre de melhorias, de aperfei\u00e7oamentos e, principalmente, de adapta\u00e7\u00f5es cont\u00ednuas a uma realidade sempre em transforma\u00e7\u00e3o. Al\u00e9m disso, como j\u00e1 lembrava Arist\u00f3teles em seu tratado sobre a pol\u00edtica, os regimes podem ser bons e eficazes, mas podem degenerar-se. Os iluministas no s\u00e9culo XVIII, preocupados com as tiranias em que as monarquias se degeneravam com certa frequ\u00eancia, propunham o conhecimento e a educa\u00e7\u00e3o dos pr\u00edncipes como forma de recuperar e de fazer valer as virtudes de um bom regime mon\u00e1rquico. De acordo com Arist\u00f3teles, a demagogia seria a forma degenerada das democracias, isto \u00e9, governos, embora escolhidos e constitu\u00eddos pelo povo, ao inv\u00e9s de serem ben\u00e9ficos a esse povo, os governantes, valendo-se de argumentos distorcidos, mas aparentemente corretos e convincentes, podem produzir leis e agir em benef\u00edcio pr\u00f3prio e n\u00e3o em benef\u00edcio da sociedade e da na\u00e7\u00e3o. Isto \u00e9, mesmo governos representativos (democraticamente eleitos) ao inv\u00e9s de cuidarem da promo\u00e7\u00e3o do bem comum, podem ceder \u00e0 tenta\u00e7\u00e3o de usar da autoridade do Estado para seu pr\u00f3prio benef\u00edcio.<\/p>\n

Obviamente, distinguir at\u00e9 onde, ou a partir de quando, um interesse particular se choca com o bem comum n\u00e3o \u00e9 uma tarefa simples e, provavelmente mais dif\u00edcil, \u00e9 transferir essa distin\u00e7\u00e3o para um sistema pol\u00edtico de forma que seja capaz de produzir bons representantes e bons governantes. Al\u00e9m disso, a deteriora\u00e7\u00e3o de um sistema pol\u00edtico n\u00e3o deixa de ser uma manifesta\u00e7\u00e3o das leis gerais da entropia a que est\u00e3o sujeitos todos os sistemas, sejam eles do mundo f\u00edsico ou da ordem social.[31]<\/a> O conceito de entropia<\/em> foi originalmente desenvolvido no \u00e2mbito da termodin\u00e2mica. Por esse conceito, os sistemas perdem gradativamente suas caracter\u00edsticas originais na medida em que interagem com o ambiente. O exemplo mais simples dessa lei \u00e9 o do cubo de gelo em um copo de \u00e1gua que, gradativamente, vai perdendo seus contornos e sua consist\u00eancia \u00e0 medida que vai derretendo em raz\u00e3o da troca de calor com a \u00e1gua.<\/p>\n

O entendimento de que as constitui\u00e7\u00f5es refletem um sistema pol\u00edtico e social sujeito \u00e0 entropia, ajuda a explicar porque devem mudar ao longo do tempo ou, como no caso da constitui\u00e7\u00e3o americana ou de v\u00e1rios pa\u00edses na Europa, recebem emendas que incorporam transforma\u00e7\u00f5es ocorridas tanto na esfera dom\u00e9stica quanto na cena internacional. A esse respeito, pode-se dizer que algumas constitui\u00e7\u00f5es como a brasileira apresentam o problema do excessivo detalhamento. Por exemplo, o T\u00edtulo II da Constitui\u00e7\u00e3o que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais em seu Cap\u00edtulo I intitulado \u201cDos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos\u201d compreende basicamente o Artigo 5\u00ba. onde s\u00e3o enunciados 78 direitos e garantias que devem ser assegurados e providos pelo Estado. Al\u00e9m disso, no Cap\u00edtulo II (Artigo 6\u00ba.) s\u00e3o estabelecidos os \u201cDireitos Sociais\u201d que tamb\u00e9m devem ser assegurados pelo Estado aos indiv\u00edduos organizados ou n\u00e3o em corpora\u00e7\u00f5es. Nesse artigo, s\u00e3o enunciados mais 34 direitos ou circunst\u00e2ncias em que direitos podem emergir criando gastos e obriga\u00e7\u00f5es a serem cumpridas pelo Estado. O Artigo 9\u00ba, por exemplo, trata especificamente do \u201cdireito de greve\u201d, algo que praticamente s\u00f3 existe na constitui\u00e7\u00e3o brasileira. Em suma, de um lado, uma constitui\u00e7\u00e3o desse tipo est\u00e1 muito mais sujeito \u00e0s demandas por altera\u00e7\u00f5es pelo simples passar do tempo pois, em uma analogia, retomando o exemplo da termodin\u00e2mica, seria como um cubo de gelo esculpido artisticamente por um mestre escultor e que, em raz\u00e3o da riqueza e das sutilezas dos detalhes, perde seus contornos e suas formas originais muito mais f\u00e1cil e mais rapidamente. Por outro lado, o que os artigos 5\u00ba. \u00a0e 6\u00ba. dizem \u00e9 que praticamente tudo \u00e9 constitucional. Qualquer assunto relativo \u00e0 defesa de direitos civis, econ\u00f4micos e sociais seja em rela\u00e7\u00e3o a atores p\u00fablicos ou privados, nacionais ou internacionais, tudo est\u00e1 mencionado nos referidos artigos, ou seja, s\u00e3o quest\u00f5es constitucionais. Em termos pr\u00e1ticos, significa que qualquer causa pode, sem dificuldades, ser tratado como quest\u00e3o constitucional e levado at\u00e9 a inst\u00e2ncia do Supremo Tribunal Federal. \u00c9 o que explica em grande parte, porque o STF no Brasil tem dezenas de milhares de processos a serem julgados enquanto seu equivalente nos EUA julga apenas poucas dezenas de processos por ano.<\/p>\n

Em termos econ\u00f4micos, esse quadro ajuda a explicar tamb\u00e9m porque a economia brasileira, ao longo das duas d\u00e9cadas deste mil\u00eanio, cresceu significativamente menos do que a economia mundial, isto \u00e9, a na\u00e7\u00e3o ficou mais pobre em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 m\u00e9dia mundial. Em termos da posi\u00e7\u00e3o internacional do pa\u00eds, o Artigo 4\u00ba. que trata especificamente das rela\u00e7\u00f5es exteriores tem muito pouca import\u00e2ncia, ou simplesmente \u00e9 dilu\u00edda nas dobras e nas sutilezas jur\u00eddicas de uma constitui\u00e7\u00e3o barroca e marcada por cuidados que, na pr\u00e1tica, protege prioritariamente as autoridades constitu\u00eddas nos tr\u00eas poderes. Um sistema judici\u00e1rio que leva em m\u00e9dia anos para julgar as inevit\u00e1veis pend\u00eancias que emergem da atividade econ\u00f4mica e da conviv\u00eancia social de uma forma geral, torna-se um forte desest\u00edmulo \u00e0 inova\u00e7\u00e3o e ao empreendedorismo. Na teoria econ\u00f4mica trabalha-se com o conceito de \u201ccusto de transa\u00e7\u00e3o\u201d para referir-se aos custos tanto em termos financeiros quanto em termos de tempo e de esfor\u00e7o para a realiza\u00e7\u00e3o dos neg\u00f3cios em geral. Ou seja, os custos de transa\u00e7\u00e3o impostos pela constitui\u00e7\u00e3o s\u00e3o excessivamente elevados quando comparados com os padr\u00f5es mundiais.<\/p>\n

A constitui\u00e7\u00e3o brasileira de 1988 pode n\u00e3o ser a causa do decl\u00ednio da posi\u00e7\u00e3o brasileira no cen\u00e1rio internacional, mas certamente vem dando uma consider\u00e1vel contribui\u00e7\u00e3o a esse processo ao estabelecer normas e cl\u00e1usulas que transformam o Estado e suas institui\u00e7\u00f5es em fatores de verdadeiras externalidades negativas<\/em> \u00e0 atividade econ\u00f4mica, isto \u00e9, funciona ao contr\u00e1rio das externalidades positivas<\/em> como aquelas geradas pela constru\u00e7\u00e3o de uma ponte que, ao ser constru\u00edda, favorece o desenvolvimento da ind\u00fastria, do com\u00e9rcio, do turismo, e de outras atividades econ\u00f4micas na regi\u00e3o. Pelo quadro jur\u00eddico atual, nada menos do que 94% de toda a arrecada\u00e7\u00e3o fiscal prevista no or\u00e7amento est\u00e3o comprometidos com despesas compuls\u00f3rias (Uni\u00e3o, Estados e Munic\u00edpios) tais como o pagamento de sal\u00e1rios dos tr\u00eas poderes, aposentadorias, pens\u00f5es, indeniza\u00e7\u00f5es, subs\u00eddios e benef\u00edcios a certas categorias e atividades, etc. Ou seja, s\u00e3o despesas derivadas de leis e de decis\u00f5es judiciais que os governos eleitos n\u00e3o podem deixar de cumprir. Em pa\u00edses como os EUA a propor\u00e7\u00e3o das despesas compuls\u00f3rias gira em torno de 65% da arrecada\u00e7\u00e3o fiscal. Por essa raz\u00e3o, no Brasil, qualquer esfor\u00e7o adicional, ou que n\u00e3o estejam previstos no or\u00e7amento anual, \u00e9 transformado inevitavelmente em d\u00e9ficit p\u00fablico, como est\u00e1 ocorrendo com os gastos inevit\u00e1veis com o enfrentamento da crise gerada pela dissemina\u00e7\u00e3o da Covid-19. Mesmo antes da crise da Covid-19 a previs\u00e3o de d\u00e9ficit p\u00fablico para 2020 j\u00e1 era de R$ 124 bilh\u00f5es e calcula-se que em 2020 tenha atingido a casa dos R$ 800 bilh\u00f5es. Em outros pa\u00edses grande parte dos gastos p\u00fablicos com a Covid-19 est\u00e1 sendo coberta por meio de transfer\u00eancia de gastos previstos em outras rubricas. No Brasil, cada tost\u00e3o gasto com o combate \u00e0 Covid-19 tem sido feito por meio de endividamento. Os efeitos desse quadro parecem \u00f3bvios: press\u00f5es inflacion\u00e1rias crescentes, grandes dificuldades na retomada do crescimento econ\u00f4mico, press\u00e3o por aumento nos impostos e, de uma forma geral, maior distanciamento dos padr\u00f5es tecnol\u00f3gicos e econ\u00f4mico mundiais. Em larga medida, esse quadro \u00e9 uma decorr\u00eancia das possibilidades abertas e at\u00e9 estimuladas ao longo do tempo pela constitui\u00e7\u00e3o vigente, que v\u00ea com desconfian\u00e7a a efici\u00eancia econ\u00f4mica e a integra\u00e7\u00e3o \u00e0 economia mundial.<\/p>\n

<\/h3>\n

[1]<\/a> O Tratado de Tordesilhas alterou de 100 para 370 l\u00e9guas a oeste de Cabo Verde, o meridiano separando os territ\u00f3rios atribu\u00eddos \u00e0 Espanha e aquelas atribu\u00eddas a Portugal. Com o decl\u00ednio do poder universal da Igreja Cat\u00f3lica e com ascens\u00e3o do Estado Nacional moderno, os tratados patrocinados por Alexandre VI passaram a ser contestados politicamente por outras pot\u00eancias europeias como a Inglaterra, a Fran\u00e7a e a Holanda que ainda lutava para se separar do reino de Espanha.<\/p>\n

[2]<\/a> A express\u00e3o significa literalmente \u201cas palavras voam, os escritos permanecem<\/em>\u201d foi popularizada ainda na Idade M\u00e9dia.<\/p>\n

[3]<\/a> Francisco de Vit\u00f3ria. Relectiones. Sobre os \u00cdndios e o Poder Civil<\/em>. Editora UnB e Funag, 2016. A primeira edi\u00e7\u00e3o de Relectiones<\/em> data de 1532. O direito dos crist\u00e3os fazerem a guerra contra os \u201cb\u00e1rbaros\u201d era enunciado claramente em documentos como a Bula Papal Interc\u0153tera<\/em> (1493).<\/p>\n

[4]<\/a> O foco de interesse de Bodin era o Estado Franc\u00eas, que era um dos Estados mais poderosos e organizados da Europa. A soberania<\/em> \u00e9 o objeto de seu Livro Primeiro<\/em> pois, na ess\u00eancia, tudo come\u00e7ava por compreender at\u00e9 onde se estendia a autoridade do governo do reino de Fran\u00e7a.<\/p>\n

[5]<\/a> Thomas Hobbes em De Cive<\/em> (1642) explica esse sentido do termo cidad\u00e3o.<\/p>\n

[6]<\/a> Ver M. W. Janis, Jeremy Bentham and the Fashioning of “International Law”<\/em>, publicado em The American Journal of International Law. <\/em>Vol. 78, No. 2 (Apr., 1984), pp. 405-418. O livro de Emer de Vattel, pioneiro na elabora\u00e7\u00e3o de um c\u00f3digo estruturado de Direito Internacional, foi publicado em 1758 e tinha por t\u00edtulo Le Droit des Gens<\/em>.<\/p>\n

[7]<\/a> A capa da primeira edi\u00e7\u00e3o de Leviathan <\/em>(1651) apresenta o gigante b\u00edblico tendo uma espada em sua m\u00e3o direita e o cetro do poder na m\u00e3o esquerda e tem seu corpo composto por pessoas. A ilustra\u00e7\u00e3o foi criada por Abraham Bosse.<\/p>\n

[8]<\/a> A Constitui\u00e7\u00e3o Brasileira de 1824<\/em> \u00e9 um bom reflexo dessa transforma\u00e7\u00e3o. O Artigo 5\u00ba., ao mesmo tempo que estabelece o cristianismo de Roma como religi\u00e3o oficial do Imp\u00e9rio, reconhece a liberdade de culto de seus cidad\u00e3os. Por outro lado, a no\u00e7\u00e3o de que a religi\u00e3o deveria ser vivida na consci\u00eancia dos indiv\u00edduos j\u00e1 era percebida no s\u00e9culo XIII, como se pode deduzir da obra de Dante Alighieri (Da Monarquia<\/em>) e da figura da her\u00e1ldica da \u00e1guia das duas cabe\u00e7as coroadas.<\/p>\n

[9]<\/a> Pelo Tratado de Verdun (843 d.C.) os tr\u00eas filhos de Carlos Magno (Lot\u00e1rio, Lu\u00eds o Germ\u00e2nico e Carlos o Calvo) dividiram entre si o Imp\u00e9rio Carol\u00edngio, cabendo a Carlos o Calvo a parte do territ\u00f3rio aproximadamente correspondente ao que \u00e9 a Fran\u00e7a de hoje.<\/p>\n

[10]<\/a> Bi\u00f3grafos de Joana D\u2019Arc, em alguma medida, tomaram partido na discuss\u00e3o sobre a origem divina de sua sabedoria e de sua determina\u00e7\u00e3o, mas n\u00e3o questionaram em nenhum momento a clareza com que Joana D\u2019Arc via a necessidade de coroar o Delfin em Reims. O fato \u00e9 que ser\u00e1 sempre um enigma da hist\u00f3ria saber como uma pastora iletrada, mal sa\u00edda da adolesc\u00eancia e, portanto, sem qualquer cultura e experi\u00eancia pol\u00edtica, pudesse ver com tanta clareza que coroar o rei era t\u00e3o importante quanto vencer o inimigo no campo de batalha (J. Guitton, Problema e Mist\u00e9rio de Joana D\u2019Arc<\/em>. Dominus Editora, S. Paulo, 1963).<\/p>\n

[11]<\/a> The Federalist Papers<\/em>\u00a0\u00e9 uma cole\u00e7\u00e3o composta de 85 artigos ou ensaios escritos por Alexander Hamilton, James Madison, e\u00a0John Jay sob o pseud\u00f4nimo “Publius<\/em>” e publicado em 1787. O objetivo principal desses ensaios era o de convencer l\u00edderes e o povo em geral das 13 ex-col\u00f4nias brit\u00e2nicas acerca da import\u00e2ncia e das vantagens da ratifica\u00e7\u00e3o da Constitui\u00e7\u00e3o formando uma s\u00f3 na\u00e7\u00e3o, os Estados Unidos da Am\u00e9rica.<\/p>\n

[12]<\/a> Walter Bagehot, em 1867, publicou seu The English Constitution<\/em> no qual re\u00fane esse conjunto de leis, normas, costumes e as institui\u00e7\u00f5es e procedimentos que comp\u00f5em essa constitui\u00e7\u00e3o n\u00e3o escrita e define a ordem pol\u00edtica da na\u00e7\u00e3o. Vale notar que, apesar de n\u00e3o reunida organicamente, a monarquia constitucional inglesa serviu de inspira\u00e7\u00e3o para muitas das na\u00e7\u00f5es modernas, inclusive o Brasil, que foi uma monarquia constitucional at\u00e9 o advento da rep\u00fablica em 1889.<\/p>\n

[13]<\/a> A. G. Kenwood & A. L. Lougheed. The Growth of the International Economy, 1820-1980<\/em>. Unwin Hyman, London, 1983.<\/p>\n

[14]<\/a> A denomina\u00e7\u00e3o Uni\u00e3o das Rep\u00fablicas Socialistas Sovi\u00e9ticas (URSS) foi adotada na Constitui\u00e7\u00e3o de 1924, ap\u00f3s o tratado de uni\u00e3o, ou incorpora\u00e7\u00e3o pela R\u00fassia, da Ucr\u00e2nia, da Bielorr\u00fasia e da Rep\u00fablica Transcaucasiana, realizada em 1922.<\/p>\n

[15]<\/a> Ap\u00f3s a morte de J. Stalin, Nikita Kruschev (Secret\u00e1rio Geral do Partido Comunista da URSS) preparou um relat\u00f3rio dos crimes cometidos pelo regime durante o per\u00edodo em que Stalin esteve \u00e0 frente do governo da Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica (1922-1953)<\/p>\n

[16]<\/a> Vale notar que autores como Norberto Bobbio enfatizaram em seus escritos o fato de que o marxismo jamais produziu uma teoria do estado, at\u00e9 por entender que o Estado constitu\u00eda uma \u201csuperestrutura\u201d, um instrumento de domina\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

[17]<\/a> Diferentemente da tradi\u00e7\u00e3o ocidental, o confucionismo n\u00e3o deixou tratados filos\u00f3ficos, mas deixou os Analectos<\/em>, que \u00e9 uma cole\u00e7\u00e3o de \u201csabedorias\u201d sobre o papel dos governantes e sobre a moral e as virtudes necess\u00e1rias para bem governar um Estado (Conf\u00facio. Os Analectos<\/em>, Folha de S. Paulo, 2015).<\/p>\n

[18]<\/a> A\u00a013\u00aa. Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o dos\u00a0EUA<\/em> foi aprovada pelo\u00a0Senado\u00a0em\u00a08 de abril\u00a0de\u00a01864 e, depois pela\u00a0C\u00e2mara dos Representantes\u00a0em\u00a031 de janeiro\u00a0de\u00a01865\u00a0e adotada formalmente em\u00a06 de dezembro\u00a0de\u00a01865.<\/p>\n

[19]<\/a> Roosevelt havia sido eleito sucessivamente em 1932, 1936, 1940 e 1944, falecendo em abril de 1945. A 22\u00aa. Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o dos EUA<\/em> foi aprovada pelo Congresso em 1947 estabelecendo que os presidentes n\u00e3o poderiam mais eleger-se para al\u00e9m de dois mandatos. Alguns constitucionalistas como Walter Costa Porto costumam dizer que, de fato, o sistema americano estabelece um mandato de 8 anos para o presidente que, no entanto, na metade de seu mandato precisa ser \u201cconfirmado\u201d pelo voto popular. \u00c9 o que explica porque o presidente candidato a re-elei\u00e7\u00e3o goza de certos privil\u00e9gios no processo eleitoral em rela\u00e7\u00e3o a outros candidatos.<\/p>\n

[20]<\/a> Washington\u2019s Farewell Address<\/em>, 1796.<\/p>\n

[21]<\/a> A Constitui\u00e7\u00e3o dos EUA \u00e9 composta apenas por sete artigos que definem basicamente a composi\u00e7\u00e3o do governo e a ordem federativa. O longo do tempo foram sendo introduzidas as emendas constitucionais cuja aprova\u00e7\u00e3o necessita da aprova\u00e7\u00e3o de dois ter\u00e7os do Senado e da C\u00e2mara dos Deputados e da ratifica\u00e7\u00e3o pelos Estados.<\/p>\n

[22]<\/a> O. Nogueira, A Constitui\u00e7\u00e3o de 1824<\/em>. Centro de Ensino \u00e0 Dist\u00e2ncia, Bras\u00edlia, 1987 (p. 3). Obviamente essa afirma\u00e7\u00e3o n\u00e3o se aplica ao caso brasileiro, uma vez que no T\u00edtulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais<\/em>) a constitui\u00e7\u00e3o inclui praticamente todas as situa\u00e7\u00f5es em que eventuais direitos de cidad\u00e3os e de corpora\u00e7\u00f5es podem ser objeto de disputa.<\/p>\n

[23]<\/a> O enunciado cl\u00e1ssico do princ\u00edpio da subsidiaridade<\/em> que aparece nos dicion\u00e1rios, diz que esse princ\u00edpio est\u00e1 presente quando uma autoridade central deve ter apenas uma fun\u00e7\u00e3o subsidi\u00e1ria, agindo somente em quest\u00f5es que n\u00e3o podem ser decididas em um pa\u00eds individualmente.<\/p>\n

[24]<\/a>R. A. Mundell, em A Theory of Optimum Currency Areas.<\/em> American Economic Review, Sept. 1961 (pp.657-665) levanta a hip\u00f3tese da ado\u00e7\u00e3o de uma moeda supranacional. Outro trabalho importante de R. Mundell dessa \u00e9poca foi publicado pelo FMI em 1962 intitulado The Appropriate Use of Monetary and Fiscal Policy for Internal and External Stability<\/em>.<\/p>\n

[25]<\/a> O 1\u00ba. Acordo de Schengen foi assinado em 1985 entre Alemanha, B\u00e9lgica, Fran\u00e7a, Luxemburgo e os Pa\u00edses Baixos. Em 1990, esses pa\u00edses assinaram a Conven\u00e7\u00e3o de Schengen que introduzia regras, condi\u00e7\u00f5es e garantias para a livre movimenta\u00e7\u00e3o de pessoas nesse espa\u00e7o. Outros pa\u00edses decidiram aderir ao acordo e, em 1997, o Acordo foi incorporado pela Uni\u00e3o Europeia muito embora sem a obriga\u00e7\u00e3o de que todos os pa\u00edses integrantes do bloco participassem do arranjo.<\/p>\n

[26]<\/a> R. L. Bruckberger, La R\u00e9publique Am\u00e9ricaine<\/em>. Librairie Gallimard, Paris, 1958.<\/p>\n

[27]<\/a> Voltaire publicou Le Si\u00e8cle de Louis XIV<\/em> em 1751 no qual compara a Fran\u00e7a de Louis XIV \u00e0 Gr\u00e9cia de P\u00e9ricles, \u00e0 Roma dos C\u00e9sares e \u00e0 It\u00e1lia dos M\u00e9dici e dos Sforza em termos de brilho nas ci\u00eancias e na cultura.<\/p>\n

[28]<\/a> Nathan Miller, em seu livro Star spangled men. <\/em>The America\u2019s ten worst presidents<\/em>, faz um apanhado do desempenho de uma dezena de presidentes que, na sua avalia\u00e7\u00e3o, foram governantes fracos e incompetentes (Simon & Schuster Pub. N.Y. 1998).<\/p>\n

[29]<\/a> Em O Pr\u00edncipe<\/em> Maquiavel argumenta que \u201cOs principados ou s\u00e3o heredit\u00e1rios … ou s\u00e3o totalmente novos …<\/em>\u201d por meio de aquisi\u00e7\u00e3o ou pela for\u00e7a das armas (O Pr\u00edncipe<\/em>, Cap\u00edtulo I).<\/p>\n

[30]<\/a> Discurso pronunciado em 1819 por Benjamin Constant de Rebecque no Ath\u00e9n\u00e9e Royal de Paris. Tradu\u00e7\u00e3o de Laura Silveira, edi\u00e7\u00e3o organizada por Marcel Gauchet, intitulada De la Libert\u00e9 cliez les Modernes <\/em>\u00a0(Le Livre de Poche, Collection Pluriel. Paris, 1980).<\/p>\n

[31]<\/a> A entropia \u00e9 entendida como o processo f\u00edsico que rege a segunda lei da termodin\u00e2mica, a qual estabelece que nos sistemas abertos, no limite, a entropia do universo avan\u00e7a pela troca de calor de forma cont\u00ednua, devendo aumentar at\u00e9 atingir um valor m\u00e1ximo num estado de equil\u00edbrio.<\/p>\n

Eiiti Sato<\/strong><\/em><\/p>\n

Professor de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais na Universidade de Bras\u00edlia<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O artigo discute o papel das constitui\u00e7\u00f5es diante da realidade internacional desde que se tornaram elementos centrais no Direito moderno, uma vez que definem os limites das a\u00e7\u00f5es e as caracter\u00edsticas do Estado Na\u00e7\u00e3o.<\/p>\n","protected":false},"author":149,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[253,787,13],"tags":[804,806,805,807,803],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3395"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/149"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3395"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3395\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3395"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3395"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3395"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}