{"id":3391,"date":"2021-01-18T16:57:49","date_gmt":"2021-01-18T19:57:49","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3391"},"modified":"2021-02-02T15:59:35","modified_gmt":"2021-02-02T18:59:35","slug":"o-novo-marco-do-saneamento-e-a-remocao-da-barreira-aos-investimentos-privados","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3391","title":{"rendered":"O novo marco do saneamento e a remo\u00e7\u00e3o da barreira aos investimentos privados"},"content":{"rendered":"
Por C\u00edntia Leal Marinho de Ara\u00fajo, <\/em>Gabriel Godofredo Fiuza de Bragan\u00e7a & <\/em>Diogo Mac Cord de Faria<\/em><\/p>\n A aprova\u00e7\u00e3o da Lei 14.026\/2020 (Novo Marco Legal) \u00e9 um divisor de \u00e1guas no saneamento b\u00e1sico brasileiro. Ela traz in\u00fameras inova\u00e7\u00f5es liberalizantes no aparato legal do mercado e estabelece obriga\u00e7\u00f5es para a universaliza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os de \u00e1gua e esgoto at\u00e9 2033[1]<\/a>. Os investimentos necess\u00e1rios para a consecu\u00e7\u00e3o dessa universaliza\u00e7\u00e3o s\u00e3o estimados em R$ 753 bilh\u00f5es de reais[2]<\/a>. Trata-se de um montante vultoso que demandar\u00e1 uma participa\u00e7\u00e3o significativa de recursos privados. Dada a magnitude desse desafio, concentraremos o presente artigo em analisar a contribui\u00e7\u00e3o do atual marco legal para a remo\u00e7\u00e3o de barreiras hist\u00f3ricas ao investimento privado nos setores de abastecimento de \u00e1gua e esgotamento sanit\u00e1rio. Por conta disso, a an\u00e1lise do setor de saneamento b\u00e1sico neste artigo ter\u00e1 como foco esses dois segmentos[3]<\/a>.<\/p>\n Os setores de \u00e1gua e esgotamento sanit\u00e1rio quando pensados conjuntamente, al\u00e9m de tratarem da provis\u00e3o de um bem essencial e sem substitutos, possuem peculiaridades como economia de escala e elevado custo dos investimentos que os caracterizam como um caso cl\u00e1ssico de Monop\u00f3lio Natural em que n\u00e3o \u00e9 economicamente eficiente ter mais do que uma firma provendo os servi\u00e7os. Essa caracter\u00edstica faz com que seja economicamente eficiente que a presta\u00e7\u00e3o desse servi\u00e7o seja estruturada de forma que uma localidade seja atendida por apenas um prestador. Por outro lado, para evitar que haja abuso de poder de mercado, capturar ganhos de efici\u00eancia e maximizar o bem estar social, monop\u00f3lios naturais demandam uma regula\u00e7\u00e3o apropriada e ainda mais cuidados para garantir que haja concorr\u00eancia pelo direito de oferta do servi\u00e7o de partida. Em outras palavras, \u00e9 primordial que se promova no saneamento b\u00e1sico uma concorr\u00eancia efetiva pela presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o (competi\u00e7\u00e3o pelo mercado) ainda que n\u00e3o seja salutar que haja concorr\u00eancia na presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o (competi\u00e7\u00e3o no mercado).<\/p>\n Apesar de se tratar de um princ\u00edpio econ\u00f4mico plenamente consolidado, o aparato normativo do setor de saneamento b\u00e1sico brasileiro escolheu ignor\u00e1-lo at\u00e9 a san\u00e7\u00e3o do Novo Marco Legal. A legisla\u00e7\u00e3o que vigorava at\u00e9 a edi\u00e7\u00e3o da Lei 14.026\/2020 inviabilizava a devida competi\u00e7\u00e3o pelo servi\u00e7o atrav\u00e9s de um processo licitat\u00f3rio, criando barreiras quase intranspon\u00edveis para que o prestador privado concorresse pela presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o. Na pr\u00e1tica, a estrutura normativa posta impossibilitava que ganhos de efici\u00eancia fossem exauridos no in\u00edcio da opera\u00e7\u00e3o em benef\u00edcio da sociedade.<\/p>\n O mais curioso \u00e9 que essa incongru\u00eancia econ\u00f4mica se dava tamb\u00e9m ao arrepio de comandos constitucionais. O art. 175[4]<\/a> da Constitui\u00e7\u00e3o Federal \u00e9 bastante claro com a necessidade de que esse tipo de presta\u00e7\u00e3o seja submetido a um procedimento licitat\u00f3rio, havendo inclusive manifesta\u00e7\u00e3o pela irregularidade de contrato de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o por contrariar a regra constitucional[5]<\/a>.<\/p>\n O que se verificou na pr\u00e1tica foi a utiliza\u00e7\u00e3o de artif\u00edcios jur\u00eddicos engenhosos para n\u00e3o submeter a presta\u00e7\u00e3o desse servi\u00e7o a um procedimento competitivo e delegar a presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o \u00e0 Companhia de Saneamento do Estado. Esses subterf\u00fagios, al\u00e9m de violarem o preceito constitucional, tamb\u00e9m se caracterizam como uma barreira \u00e0 entrada para que o privado dispute essa presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico.<\/p>\n O pre\u00e7o pago pela sociedade \u00e9 alto. Essa situa\u00e7\u00e3o tem \u00f3bvia rela\u00e7\u00e3o com o atual cen\u00e1rio do saneamento b\u00e1sico, em que quase 100 milh\u00f5es de brasileiros n\u00e3o possuem acesso a esgotamento sanit\u00e1rio, e mais de 30 milh\u00f5es ainda n\u00e3o possuem abastecimento de \u00e1gua[6]<\/a>.<\/p>\n <\/a>1\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 A situa\u00e7\u00e3o de atendimento do setor e a necessidade de endere\u00e7ar<\/strong><\/p>\n Atualmente, o setor de saneamento b\u00e1sico conta, majoritariamente, com a opera\u00e7\u00e3o das companhias estaduais de saneamento b\u00e1sico \u2013 CESBs, que est\u00e3o presentes em 72% dos munic\u00edpios. Por outro lado, o setor privado atende apenas 5,2% dos munic\u00edpios e 25,7% s\u00e3o atendidos pelos servi\u00e7os municipais (ABCON, 2020). Nota-se que a somat\u00f3ria[7]<\/a> ultrapassa 100%, isto se deve ao fato de que em muitos munic\u00edpios o operador p\u00fablico presta apenas o servi\u00e7o de abastecimento de \u00e1gua, cabendo ao privado o servi\u00e7o de coleta e tratamento de esgoto.<\/p>\n A presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o de abastecimento de \u00e1gua e de esgotamento sanit\u00e1rio por diferentes operadores n\u00e3o tende a ser eficiente por n\u00e3o se beneficiar das economias de escopo pela presta\u00e7\u00e3o concomitante desses servi\u00e7os pelo mesmo operador (NAUGES; VAN DEN BERG, 2008). Todavia, a presta\u00e7\u00e3o desses servi\u00e7os por diferentes operadores est\u00e1 entre uma das in\u00fameras inefici\u00eancias observadas no setor.<\/p>\n Muitas vezes isso ocorre pela falta de capacidade do p\u00fablico em prestar o servi\u00e7o de esgotamento sanit\u00e1rio, que muito se deve pela indisponibilidade de capacidade econ\u00f4mica financeira para realizar os investimentos necess\u00e1rios para o servi\u00e7o. Assim, esse servi\u00e7o \u00e9 subdelegado a um prestador privado com capacidade para tal, o que explica a diferen\u00e7a entre o n\u00famero total de prestadores e o n\u00famero de munic\u00edpios.<\/p>\n Apesar de estar presente em apenas 5,2% dos munic\u00edpios, dados da Abcon (2020) mostram que o setor privado foi respons\u00e1vel por mais de 20% dos investimentos direcionados ao setor em 2018.<\/p>\n Segundo dados do Sistema Nacional de Informa\u00e7\u00f5es sobre Saneamento \u2013 SNIS, em 2018, o total de investimentos realizados por todos os prestadores de servi\u00e7os no setor correspondeu a R$ 10,959 bilh\u00f5es. Esses valores est\u00e3o muito aqu\u00e9m do necess\u00e1rio para universalizar o saneamento no Brasil. Conforme mencionado anteriormente, ser\u00e3o necess\u00e1rios R$ 753 bilh\u00f5es em investimentos para que a universaliza\u00e7\u00e3o do setor seja poss\u00edvel at\u00e9 o ano de 2033, conforme meta do Plano Nacional de Saneamento B\u00e1sico \u2013 Plansab.<\/p>\n Para se atingir essa meta nos pr\u00f3ximos anos, ser\u00e3o necess\u00e1rios muito mais investimentos do que o montante investido atualmente no setor. A grande necessidade de investimentos ocorre pois al\u00e9m dos investimentos necess\u00e1rios para a expans\u00e3o do atendimento, tamb\u00e9m sendo preciso realizar investimentos para compensar a deprecia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Segundo destacou o estudo da Abcon, do montante total estimado de investimentos, R$ 255 bilh\u00f5es ser\u00e3o necess\u00e1rios apenas para repor a deprecia\u00e7\u00e3o do estoque de capital, enquanto para a expans\u00e3o da rede para a universaliza\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o ser\u00e3o necess\u00e1rios mais R$ 144 bilh\u00f5es para abastecimento de \u00e1gua e R$ 354 bilh\u00f5es para esgotamento sanit\u00e1rio, totalizando R$ 498 bilh\u00f5es.<\/p>\n Esses investimentos na melhoria, manuten\u00e7\u00e3o e recomposi\u00e7\u00e3o dos sistemas de saneamento b\u00e1sico se fazem extremamente necess\u00e1rios, especialmente quando se avalia os dados de perdas de \u00e1gua na distribui\u00e7\u00e3o. A Tabela 1 abaixo apresenta os dados de perdas por regi\u00e3o no pa\u00eds.<\/p>\n Tabela <\/strong>1<\/strong>: \u00cdndice de perdas na distribui\u00e7\u00e3o (IN049) – SNIS2018<\/strong><\/p>\n