{"id":3389,"date":"2021-01-09T12:26:26","date_gmt":"2021-01-09T15:26:26","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3389"},"modified":"2021-02-02T15:55:36","modified_gmt":"2021-02-02T18:55:36","slug":"politica-externa-do-brasil-desde-a-redemocratizacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3389","title":{"rendered":"Pol\u00edtica Externa do Brasil desde a redemocratiza\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"

<\/a><\/strong><\/h2>\n

Por Eiiti Sato<\/em><\/p>\n

Nas rela\u00e7\u00f5es exteriores, o fim dos governos militares marcou tamb\u00e9m o fim do projeto \u201cBrasil Pot\u00eancia\u201d. Os equ\u00edvocos e, por fim, o fracasso na administra\u00e7\u00e3o da crise do petr\u00f3leo levaram o pa\u00eds a um pesado endividamento que se revelaria um fardo cujo peso seria decisivo para impedir qualquer possibilidade de dar continuidade a um projeto como o \u201cBrasil Pot\u00eancia\u201d, que demandaria taxas de crescimento econ\u00f4mico consistentes e mais elevadas do que a m\u00e9dia mundial, al\u00e9m de investimentos pesados em infraestrutura econ\u00f4mica e estrat\u00e9gica para servir de base para um longo per\u00edodo de crescimento consistente. Em outras palavras, a manuten\u00e7\u00e3o de um tal projeto exigiria capacidade para atuar em conson\u00e2ncia com as lideran\u00e7as inovadoras em escala mundial, al\u00e9m de condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas para participar com desenvoltura dos mercados comerciais e financeiros, que se ampliavam e se tornavam cada vez mais competitivos, o que seria imposs\u00edvel com uma economia debilitada como era o caso do Brasil do in\u00edcio da d\u00e9cada de 1980.<\/p>\n

O fim dos governos militares tamb\u00e9m coincidiu com mudan\u00e7as substanciais no cen\u00e1rio internacional, onde a guerra fria perdia seu papel e a crise do petr\u00f3leo mudava de forma bastante radical as condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas internacionais, inviabilizando a continuidade das pol\u00edticas que o pa\u00eds vinha praticando inclusive na esfera das rela\u00e7\u00f5es exteriores. Em consequ\u00eancia, ap\u00f3s a d\u00e9cada de 1980, os governos n\u00e3o tinham outra op\u00e7\u00e3o a n\u00e3o ser buscar novos caminhos para a inser\u00e7\u00e3o do Brasil no cen\u00e1rio internacional. O caminho escolhido foi o de passar a olhar mais para a vizinhan\u00e7a e para as economias em desenvolvimento e menos para as grandes pot\u00eancias. Nesse quadro, algumas op\u00e7\u00f5es encontradas foram investir na integra\u00e7\u00e3o regional e no multilateralismo e, de uma forma geral, procurar construir novas alian\u00e7as, em especial com os pa\u00edses em desenvolvimento. O problema \u00e9 que nessa busca, os sucessivos governos, preocupados com a retomada da democracia entendida apenas como voto e representa\u00e7\u00e3o, n\u00e3o conseguiram imprimir o necess\u00e1rio dinamismo e a integra\u00e7\u00e3o das for\u00e7as econ\u00f4micas e pol\u00edticas da na\u00e7\u00e3o. O resultado tem sido o baixo desempenho da economia e a consequente estagna\u00e7\u00e3o da posi\u00e7\u00e3o brasileira no cen\u00e1rio internacional.<\/p>\n

Assim, neste breve ensaio, esse processo de mudan\u00e7a ser\u00e1 analisado resumidamente para construir algumas especula\u00e7\u00f5es sobre as perspectivas do Brasil no futuro pr\u00f3ximo, no \u00e2mbito das rela\u00e7\u00f5es internacionais neste primeiro quarto do s\u00e9culo XXI j\u00e1 notavelmente marcado por turbul\u00eancias, transforma\u00e7\u00f5es e por muitas incertezas.<\/p>\n

Uma vis\u00e3o renovada da integra\u00e7\u00e3o regional<\/strong><\/p>\n

A orienta\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica exterior do Brasil no sentido da forma\u00e7\u00e3o de um sistema regional viveu seu momento de maior interesse na d\u00e9cada de 1990. Ap\u00f3s a transforma\u00e7\u00e3o da Alalc em Aladi pelo Tratado de Montevideo em 1980, entre outras disposi\u00e7\u00f5es, incorporou uma cl\u00e1usula semelhante \u00e0 cl\u00e1usula XXIV do Gatt, permitindo que as diferen\u00e7as sub-regionais fossem levadas em conta em projetos de integra\u00e7\u00e3o na Am\u00e9rica Latina. Tratava-se de uma disposi\u00e7\u00e3o importante pois, como argumentavam analistas e observadores como H\u00e9lio Jaguaribe, uma das grandes dificuldades de um processo de integra\u00e7\u00e3o na Am\u00e9rica Latina formando um s\u00f3 bloco, como se pretendia com a Alalc, eram as enormes disparidades econ\u00f4micas, culturais e sociais, formando um \u201caglomerado excessivamente heterog\u00eaneo e desequilibrado de pa\u00edses\u201d, e fazendo com que uma integra\u00e7\u00e3o horizontal de toda a regi\u00e3o fosse completamente invi\u00e1vel.[2]<\/a> Nesse sentido, um arranjo sub-regional como o Mercosul, ao reunir apenas quatro pa\u00edses vizinhos no sul do continente apresentava chances bem maiores de constituir um arranjo regional de sucesso.[3]<\/a> Por meio do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai podiam fazer avan\u00e7ar um sistema regional sem precisar preocupar-se em acomodar problemas e demandas de na\u00e7\u00f5es t\u00e3o distantes e d\u00edspares como Guatemala, Equador ou M\u00e9xico. Vale notar tamb\u00e9m que o fim do ciclo dos governos militares na regi\u00e3o fazia com que os governos eleitos se aproximassem mais do mercado e de sua mec\u00e2nica tornando esses governos mais previs\u00edveis, especialmente no que tange a pol\u00edticas de estabiliza\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica.<\/p>\n

Uma caracter\u00edstica da \u00e9poca era o entendimento de que o mundo vivia a era dos blocos econ\u00f4micos. O sucesso da Comunidade Econ\u00f4mica Europeia (CEE), que acabava de evoluir para uma uni\u00e3o econ\u00f4mica, completando assim, o ciclo da integra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica previsto na teoria, exercia grande influ\u00eancia sobre o ambiente pol\u00edtico e intelectual especialmente na Am\u00e9rica Latina. Entre outros fen\u00f4menos not\u00e1veis da \u00e9poca, o fim da guerra fria trouxe como um dos efeitos mais imediatos a corrida fren\u00e9tica dos pa\u00edses que integravam o bloco sovi\u00e9tico no sentido de se tornarem membros da Uni\u00e3o Europeia. Em outras palavras, em muitos sentidos, essa corrida para a Uni\u00e3o Europeia confirmava com fatos a hip\u00f3tese extremamente atraente de que a forma\u00e7\u00e3o de blocos era n\u00e3o apenas um arranjo comercial que podia promover o desenvolvimento econ\u00f4mico, mas tamb\u00e9m um arranjo pol\u00edtico capaz de promover a paz, como haviam argumentado os \u201cpais fundadores\u201d da integra\u00e7\u00e3o europeia como Maurice Schumann, Konrad Adenauer, Paul-Henri Spaak, Jean Monnet e todos os l\u00edderes que, no p\u00f3s-guerra imediato, faziam parte das v\u00e1rias associa\u00e7\u00f5es voltadas para a promo\u00e7\u00e3o da unidade da Europa em torno de um grande projeto comum. Nesse quadro, a forma\u00e7\u00e3o de blocos emergia como alternativa para as na\u00e7\u00f5es em toda parte e n\u00e3o apenas para o Brasil, que buscava uma alternativa para sua pol\u00edtica exterior.<\/p>\n

De fato, o interesse pela integra\u00e7\u00e3o regional motivava at\u00e9 mesmo uma na\u00e7\u00e3o poderosa como os EUA \u2013 \u00e0 \u00e9poca considerada a \u00fanica superpot\u00eancia ap\u00f3s o colapso da Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica. Com efeito, o governo dos EUA concebeu a \u00c1rea de Livre Com\u00e9rcio das Am\u00e9ricas (ALCA), que deveria englobar os pa\u00edses das tr\u00eas Am\u00e9ricas.[4]<\/a> Houve muitas resist\u00eancias, inclusive dentro dos EUA, e a proposta n\u00e3o prosperou. Em seu lugar, sob a lideran\u00e7a dos EUA foi criado em Janeiro de 1994 o Nafta (North American Free Trade Agreement) como bloco sub-regional reunindo EUA, Canad\u00e1 e M\u00e9xico. Foi nesse ambiente que surgiu o Mercosul (Mercado Comum do Sul), estabelecido pelo Tratado de Assun\u00e7\u00e3o assinado em Mar\u00e7o de 1991, formando uma uni\u00e3o aduaneira que, mais tarde, poderia evoluir para formas mais completas de integra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica.<\/p>\n

Na realidade, no Brasil, o interesse pela integra\u00e7\u00e3o regional assim como as bases para a forma\u00e7\u00e3o do Mercosul emergiram ainda na d\u00e9cada de 1980, em grande medida como resultado de mudan\u00e7as no ambiente pol\u00edtico e econ\u00f4mico ocorridas na regi\u00e3o. Com efeito, do ponto de vista econ\u00f4mico, a d\u00e9cada de 1980 ficou conhecida como a d\u00e9cada perdida para boa parte dos pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina, que sa\u00edram da crise do petr\u00f3leo endividados e impossibilitados de continuar com as estrat\u00e9gias de desenvolvimento que haviam permitido elevadas taxas de crescimento na d\u00e9cada de 1960 e in\u00edcio dos anos 1970.[5]<\/a> Politicamente, as duas na\u00e7\u00f5es de maior peso econ\u00f4mico e pol\u00edtico na regi\u00e3o \u2013 Argentina e Brasil \u2013 viviam as frustra\u00e7\u00f5es e o decl\u00ednio dos governos militares, que deixavam o poder melancolicamente. Na Argentina a na\u00e7\u00e3o ainda cuidava das feridas f\u00edsicas e morais da derrota dos governos militares na Guerra das Malvinas enquanto, no Brasil, o sonho de um \u201cBrasil Pot\u00eancia\u201d havia se desfeito num pesado endividamento que deixava exposta a inc\u00f4moda e impopular depend\u00eancia externa e cujos efeitos para a sociedade se traduziam em aumento da pobreza e da infla\u00e7\u00e3o. Em 1982 foi preciso uma grande opera\u00e7\u00e3o diplom\u00e1tica e financeira para evitar o default<\/em>, mas cinco anos depois, o governo brasileiro declarou uma morat\u00f3ria unilateral para evitar o esgotamento das reservas internacionais e for\u00e7ar uma renegocia\u00e7\u00e3o geral das d\u00edvidas com credores externos.[6]<\/a><\/p>\n

Tanto na Argentina quanto no Brasil, que passavam a ser comandados por governos civis, foram deixados de lado os sonhos de proje\u00e7\u00e3o de poder internacional e passou-se a buscar alternativas para suprir as necessidades de suas economias e de suas sociedades. Em 1985 os presidentes Alfons\u00edn e Sarney assinaram a Declara\u00e7\u00e3o de Igua\u00e7u com o prop\u00f3sito de aprofundar as rela\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas e comerciais entre os dois pa\u00edses. Al\u00e9m disso, esses presidentes fizeram avan\u00e7ar as negocia\u00e7\u00f5es que culminariam com o acordo de coopera\u00e7\u00e3o nuclear entre Argentina e Brasil criando, em 1991, a Ag\u00eancia Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares. Na realidade, ainda sob os governos militares, em 1979, houve a assinatura do Tratado Tripartite (Argentina, Brasil e Paraguai) sobre o aproveitamento dos recursos energ\u00e9ticos das usinas de Corpus e de Itaipu, dando sinais de que a coopera\u00e7\u00e3o regional n\u00e3o era apenas vi\u00e1vel e nem uma op\u00e7\u00e3o ideol\u00f3gica, mas uma necessidade para a regi\u00e3o. Desse modo, a assinatura do Tratado de Assun\u00e7\u00e3o que estabelecia em seu Artigo 1 que \u201cOs Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que dever\u00e1 estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominar\u00e1 “Mercado Comum do Sul (Mercosul)<\/em>\u201d foi um passo natural no processo de integra\u00e7\u00e3o real que avan\u00e7ava na regi\u00e3o.[7]<\/a><\/p>\n

Em fins da d\u00e9cada de 1990, o Mercosul atingiu seu auge no que tange \u00e0 sua import\u00e2ncia para o com\u00e9rcio exterior de seus integrantes. Apesar de tudo, essa evolu\u00e7\u00e3o jamais representou sucesso semelhante ao da integra\u00e7\u00e3o europeia. Enquanto na Europa, o com\u00e9rcio intra bloco sempre fora de grande import\u00e2ncia para todos os integrantes do sistema europeu, na Am\u00e9rica Latina, o com\u00e9rcio dentro da regi\u00e3o sempre fora secund\u00e1rio para a maioria dos pa\u00edses. Em 1990, as exporta\u00e7\u00f5es brasileiras para os pa\u00edses do Mercosul representavam apenas 4,2% do total exportado e em 1998 esse percentual havia evolu\u00eddo para 17,37%, e o mesmo aconteceu com a Argentina que passou de 14,84% em 1990 para 35,64% em 1998. Tamb\u00e9m cabe notar que, nessas cifras, inclui-se o fato de que a maior parte dos produtos comercializados era de manufaturados enquanto as exporta\u00e7\u00f5es tanto do Brasil quanto da Argentina para outros pa\u00edses de fora do bloco eram de produtos prim\u00e1rios. Por outro lado, na Europa o com\u00e9rcio intra bloco historicamente tem representado, na m\u00e9dia, sempre mais de 50% do com\u00e9rcio exterior de seus integrantes.<\/p>\n

Desde os fins da d\u00e9cada de 1990 a import\u00e2ncia do Mercosul passou a declinar diante da evolu\u00e7\u00e3o do quadro internacional. No caso do Brasil, o destino das exporta\u00e7\u00f5es brasileiras para o Mercosul ca\u00edra pela metade entre 1998 e 2004, enquanto no caso da Argentina esse percentual se reduzira de 35,64% em 1998 para 18,59% em 2004. Essa tend\u00eancia, em alguma medida, foi resultado tamb\u00e9m de mudan\u00e7as que ocorriam no cen\u00e1rio mais geral do com\u00e9rcio internacional, mas foi tamb\u00e9m influenciado por mudan\u00e7as na orienta\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica externa tanto brasileira quanto argentina, que passaram a enfatizar o lado mais ideol\u00f3gico das rela\u00e7\u00f5es externas que resultaria na cria\u00e7\u00e3o em 2008 da Unasul (Uni\u00e3o de Na\u00e7\u00f5es Sul-Americanas) e no interesse crescente por novas alternativas que emergiam no cen\u00e1rio internacional como o G-20 e o BRICS. Com efeito, no caso do Brasil, a pol\u00edtica exterior do governo Lula passou a concentrar suas aten\u00e7\u00f5es no multilateralismo, que era o lado mais pragm\u00e1tico da pol\u00edtica exterior, e no globalismo, que consistia exatamente no lado mais ideol\u00f3gico, ao entender que o pa\u00eds deveria participar como ator ativo de um presumido grande jogo de poder no cen\u00e1rio mundial.<\/p>\n

O multilateralismo e o globalismo<\/strong><\/p>\n

Multilateralismo\u00a0<\/em>\u00e9 uma express\u00e3o\u00a0que, em sentido gen\u00e9rico, se refere a iniciativas nas quais v\u00e1rios pa\u00edses\u00a0trabalham de forma cooperativa sobre um ou mais assuntos. Tecnicamente, significa que v\u00e1rios pa\u00edses procuram construir regimes internacionais de forma institucionalmente organizada. Em larga medida, o termo se confunde com organiza\u00e7\u00f5es internacionais e, por essa raz\u00e3o, quando se fala em multilateralismo \u00e9 dif\u00edcil n\u00e3o associar o termo organiza\u00e7\u00f5es como a OMC, em assuntos de com\u00e9rcio, ou a ONU para as quest\u00f5es de seguran\u00e7a internacional. Assim, embora o multilateralismo na pol\u00edtica internacional seja antigo, foi transformado em experi\u00eancia pr\u00e1tica na pol\u00edtica entre as na\u00e7\u00f5es apenas h\u00e1 cerca de um s\u00e9culo com o surgimento da Liga das Na\u00e7\u00f5es. Assim, o Brasil tem uma tradi\u00e7\u00e3o de atua\u00e7\u00e3o em inst\u00e2ncias multilaterais desde a primeira hora uma vez que sua participa\u00e7\u00e3o na Liga das Na\u00e7\u00f5es foi bastante expressiva e, assim, trata-se de um fato dizer que desde o surgimento da pr\u00e1tica do multilateralismo, a diplomacia brasileira sempre atuou nessas inst\u00e2ncias.[8]<\/a> Tamb\u00e9m na cria\u00e7\u00e3o e consolida\u00e7\u00e3o do Sistema Na\u00e7\u00f5es Unidas a participa\u00e7\u00e3o da diplomacia brasileira foi expressiva, inclusive na composi\u00e7\u00e3o de \u00f3rg\u00e3os e de comiss\u00f5es criadas logo ap\u00f3s a cria\u00e7\u00e3o da ONU.<\/p>\n

Dessa forma, no in\u00edcio do s\u00e9culo XXI, parece at\u00e9 natural o reavivamento do interesse da diplomacia brasileira pelo multilateralismo. Nas duas administra\u00e7\u00f5es do Governo Lula, esse movimento foi caracterizado pelos historiadores Amado Cervo e Clodoaldo Bueno como multilateralismo de reciprocidade e tinha por pano de fundo a orienta\u00e7\u00e3o geral do Brasil no sentido de integrar-se a um mundo onde a globaliza\u00e7\u00e3o comercial e financeira se tornara uma realidade ap\u00f3s o fim da polariza\u00e7\u00e3o imposta pela guerra fria que condicionava a a\u00e7\u00e3o dos pa\u00edses no cen\u00e1rio internacional.[9]<\/a> Entre as iniciativas do per\u00edodo estava a expans\u00e3o da rede de representa\u00e7\u00f5es diplom\u00e1ticas especialmente no Caribe e no continente africano. A abertura de representa\u00e7\u00e3o diplom\u00e1tica em pa\u00edses de pouca express\u00e3o internacional era uma forma de obter apoio desses pa\u00edses em foros internacionais, isto \u00e9, a pratica do multilateralismo.[10]<\/a><\/p>\n

Na aposta no multilateralismo durante os dois mandatos do presidente Lula ganhou destaque a demanda por um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a das Na\u00e7\u00f5es Unidas. Os argumentos eram variados, mas se concentravam em algumas hip\u00f3teses ou pressupostos que acabaram por se revelar pouco eficazes em termos de resultados esperados. A primeira era a de que a estrutura do processo decis\u00f3rio da ONU havia sido concebida quando a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim. Meio s\u00e9culo mais tarde, o cen\u00e1rio havia mudado substancialmente, dizia o argumento. Entre essas mudan\u00e7as, a supremacia americana, embora ainda permanecesse, o diferencial de poder em rela\u00e7\u00e3o a outras grandes pot\u00eancias havia se reduzido de maneira substancial.[11]<\/a> Al\u00e9m do mais Jap\u00e3o, Alemanha e It\u00e1lia \u2013 a alian\u00e7a contra a qual EUA, Gr\u00e3-Bretanha e seus aliados lutaram na Segunda Guerra Mundial \u2013 haviam se tornado democracias ativas e aliados importantes dos EUA e da Europa na constru\u00e7\u00e3o e na manuten\u00e7\u00e3o da ordem internacional enquanto, por outro lado, a posi\u00e7\u00e3o internacional da URSS e da China tamb\u00e9m havia mudado ao longo da segunda metade do s\u00e9culo XX. O desparecimento do bloco socialista e o colapso da URSS trouxeram um novo papel para a R\u00fassia na ordem internacional enquanto a China que agora se fazia representar na ONU, n\u00e3o era mais a China de Chiang Kai-Shek, aliada do Ocidente, mas a Rep\u00fablica Popular da China, criada pela revolu\u00e7\u00e3o comunista de Mao Ts\u00e9-Tung. Assim, eram muitos os fatos que justificavam o entendimento de que a composi\u00e7\u00e3o do Conselho de Seguran\u00e7a n\u00e3o mais refletia a ordem vigente no cen\u00e1rio mundial e, em consequ\u00eancia, acreditava-se que uma reforma da ONU seria necess\u00e1ria para torn\u00e1-la mais representativa da ordem mundial. O fato \u00e9 que na pol\u00edtica internacional a concretiza\u00e7\u00e3o de reformas sempre se revelou um passo muito mais dif\u00edcil do que a cria\u00e7\u00e3o de uma nova entidade, como havia ocorrido com a pr\u00f3pria ONU que, apesar de ser bastante semelhante \u00e0 Liga das Na\u00e7\u00f5es em termos de objetivos e at\u00e9 de procedimentos, ao final da Segunda Guerra Mundial preferiu-se criar a nova entidade e, em seguida, transferir o patrim\u00f4nio material e pol\u00edtico da Liga das Na\u00e7\u00f5es para a ONU.<\/p>\n

A segunda ordem de argumentos para a diplomacia brasileira investir na obten\u00e7\u00e3o de um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU era o entendimento de que, politicamente, o Brasil era um \u201ccandidato natural\u201d dos pa\u00edses em desenvolvimento e, geograficamente, um representante tamb\u00e9m natural dos pa\u00edses latino-americanos, por suas dimens\u00f5es e por seu peso pol\u00edtico internacional que se refletia, por exemplo, no papel que desempenhara na cria\u00e7\u00e3o, juntamente com outros pa\u00edses em desenvolvimento, do G-20, que podia servir de contraponto ao grupo dos 8 pa\u00edses mais ricos do mundo (G-7-1).[12]<\/a><\/p>\n

Um outro argumento da diplomacia brasileira era o de que sua participa\u00e7\u00e3o no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU seria visto pelas pot\u00eancias como um refor\u00e7o para os objetivos centrais da ONU, que eram o de promover a paz e o entendimento pac\u00edfico entre as na\u00e7\u00f5es. O argumento considerava que a longa tradi\u00e7\u00e3o diplom\u00e1tica brasileira seria uma forte credencial para qualificar o pa\u00eds para um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU. Essa tradi\u00e7\u00e3o apontava para uma hist\u00f3ria do pa\u00eds predominantemente pac\u00edfica em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 conviv\u00eancia com seus vizinhos e apontava tamb\u00e9m para a \u00edndole e a compet\u00eancia da diplomacia brasileira, marcada pela prefer\u00eancia permanente pela solu\u00e7\u00e3o pac\u00edfica das controv\u00e9rsias e pela \u00eanfase e no desenvolvimento da capacidade de negocia\u00e7\u00e3o. \u00c9 curioso notar que esses argumentos eram bastante semelhantes aos que haviam sido utilizados na d\u00e9cada de 1920, quando a diplomacia brasileira se empenhara em obter um assento permanente do Conselho da Liga das Na\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

\u00c9 not\u00e1vel que no in\u00edcio do s\u00e9culo XXI os governantes e respons\u00e1veis pela pol\u00edtica exterior n\u00e3o prestassem aten\u00e7\u00e3o \u00e0 experi\u00eancia vivida oito d\u00e9cadas antes quando, de um lado, as grandes pot\u00eancias se revelaram muito mais preocupadas com seus interesses individuais e com o jogo de poder na pol\u00edtica internacional, enquanto de outro lado, as na\u00e7\u00f5es perif\u00e9ricas, sobretudo nas vizinhan\u00e7as do Brasil, observavam a demanda brasileira por um assento permanente no Conselho da Liga das Na\u00e7\u00f5es como uma inciativa para refor\u00e7ar a posi\u00e7\u00e3o brasileira diante delas e n\u00e3o como uma for\u00e7a emergente para, eventualmente, defend\u00ea-las contra pol\u00edticas de poder das grandes pot\u00eancias.[13]<\/a> No curto prazo, talvez o efeito mais importante da orienta\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica exterior do Brasil no sentido de obter um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU tenha sido a de comprometer o Mercosul e o projeto de integra\u00e7\u00e3o regional. Tal como ocorrera na \u00e9poca da Liga das Na\u00e7\u00f5es, os pa\u00edses vizinhos no continente sul-americano jamais viram o Brasil como \u201crepresentante\u201d, mas sim como rival nessas inst\u00e2ncias multilaterais, especialmente em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 demanda por um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU. Vale notar que essa demanda tinha pouco respaldo at\u00e9 mesmo junto \u00e0 popula\u00e7\u00e3o brasileira. Com efeito, um trabalho de pesquisa realizado por Amaury de Souza na \u00e9poca em que a demanda brasileira por um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU estava no auge, revelava esse descompasso entre a diplomacia e a opini\u00e3o p\u00fablica. Amaury de Souza consultou a opini\u00e3o de profissionais de v\u00e1rias categorias, entre os quais executivos empresariais, professores, jornalistas e integrantes das \u00e1reas t\u00e9cnicas do Legislativo e do Executivo a respeito da pol\u00edtica externa do governo Lula e os resultados revelaram que, entre 18 prioridades sugeridas pela pesquisa, a demanda por um assento permanente no Conselho de Seguran\u00e7a da ONU tinha muito pouca aprova\u00e7\u00e3o, ficando em 16\u00ba. lugar, superando apenas \u201ccontrolar e reduzir a imigra\u00e7\u00e3o ilegal para o Pa\u00eds<\/em>\u201d (13%) e \u201cfortalecer a CPLP \u2013 Comunidade de Pa\u00edses de L\u00edngua Portuguesa<\/em>\u201d (12%).[14]<\/a><\/p>\n

Como j\u00e1 mencionado, a vertente \u201cglobalista\u201d do pensamento em pol\u00edtica exterior considerava que havia um jogo mundial do poder e que o Brasil deveria atuar ativamente nesse jogo. Esse pensamento coincidia com a elei\u00e7\u00e3o em outros pa\u00edses da regi\u00e3o de governos de esquerda dentro do espectro pol\u00edtico, para quem os EUA eram um dos grandes obst\u00e1culos a serem contornados. Cabe notar que o termo \u201cglobalismo\u201d \u00e9 bastante vago e controvertido. Na presente an\u00e1lise o termo \u00e9 entendido como uma alternativa \u00e0 express\u00e3o \u201cglobaliza\u00e7\u00e3o\u201d, uma esp\u00e9cie de vers\u00e3o conceitual do que ocorrera em 2001, quando foi criado o F\u00f3rum Social Mundial como alternativa ao F\u00f3rum Econ\u00f4mico Mundial de Davos. O destino dessa vis\u00e3o do globalismo parece ter sido o mesmo do F\u00f3rum Social Mundial, que perdeu completamente o interesse enquanto, por outro lado, o F\u00f3rum de Davos continuou muito ativo como uma inst\u00e2ncia efetiva de debates para autoridades pol\u00edticas e empresariais das na\u00e7\u00f5es mais influentes do mundo, que podiam expor suas preocupa\u00e7\u00f5es e ouvir propostas em est\u00e1gio preliminar para as grandes quest\u00f5es da economia mundial.<\/p>\n

Pol\u00edtica e economia no Brasil depois da redemocratiza\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

A proje\u00e7\u00e3o de qualquer pa\u00eds no cen\u00e1rio internacional tanto no \u00e2mbito regional quanto no cen\u00e1rio global depende fundamentalmente do desempenho da na\u00e7\u00e3o. As dimens\u00f5es geogr\u00e1fica e demogr\u00e1fica podem ser condi\u00e7\u00f5es necess\u00e1rias da posi\u00e7\u00e3o internacional do pa\u00eds, mas est\u00e3o longe de ser suficientes. A China, apesar de suas dimens\u00f5es continentais, s\u00f3 se tornou uma na\u00e7\u00e3o realmente relevante na cena internacional ap\u00f3s o longo per\u00edodo de crescimento iniciado com Deng Xiaoping na d\u00e9cada de 1980. At\u00e9 ent\u00e3o, a China n\u00e3o passava de um uma na\u00e7\u00e3o fechada, com todos os indicadores do \u2018subdesenvolvimento\u201d, sem qualquer express\u00e3o internacional, na realidade, uma verdadeira inc\u00f3gnita para a pol\u00edtica internacional. Por outro lado, uma economia como a da Su\u00ed\u00e7a, reconhecidamente est\u00e1vel e confi\u00e1vel de longa data, capaz at\u00e9 mesmo de transpor sem abalos as grandes crises do s\u00e9culo XX, jamais teve sua moeda sequer cogitada para desempenhar papel de relev\u00e2ncia no sistema monet\u00e1rio internacional em virtude das limitadas dimens\u00f5es de sua economia. Al\u00e9m desses, existem muitos outros casos que ilustram essa rela\u00e7\u00e3o entre as dimens\u00f5es de uma na\u00e7\u00e3o, seu desempenho econ\u00f4mico e pol\u00edtico e sua relev\u00e2ncia no cen\u00e1rio da pol\u00edtica e da economia mundial.<\/p>\n

Nas \u00faltimas d\u00e9cadas, efetivamente o Brasil teve algum papel de relev\u00e2ncia no cen\u00e1rio internacional apenas em uns poucos momentos. Em larga medida, na maior parte do tempo seu desempenho econ\u00f4mico e pol\u00edtico tem ficado muito aqu\u00e9m de suas dimens\u00f5es geogr\u00e1ficas e demogr\u00e1ficas e de seu potencial econ\u00f4mico. Os governos militares ensaiaram um processo de aglutina\u00e7\u00e3o dos recursos e das energias sociais e econ\u00f4micas em torno de um projeto de \u00e2mbito nacional nesse sentido, mas o projeto que ficou conhecido como \u201cBrasil Pot\u00eancia\u201d apresentava muitos problemas e foi alvo de muitas cr\u00edticas que, em geral, principiavam com a crise de um regime autorit\u00e1rio que perdia sustenta\u00e7\u00e3o pol\u00edtica rapidamente reduzindo muito o espa\u00e7o para enfrentar quaisquer dificuldades que eventualmente emergissem. Nesse quadro, as turbul\u00eancias e as press\u00f5es geradas pela crise do petr\u00f3leo da d\u00e9cada de 1970 foram fatais para a estabilidade do regime pol\u00edtico bem como para as estrat\u00e9gias de desenvolvimento. Na realidade, a crise do petr\u00f3leo era apenas a parte mais vis\u00edvel e ruidosa das grandes mudan\u00e7as em curso na ordem econ\u00f4mica internacional, entre as quais destacava-se a substancial redu\u00e7\u00e3o das tradicionais fontes oficiais de financiamento, notadamente governos, Banco Mundial e as v\u00e1rias ag\u00eancias oficiais de fomento ao desenvolvimento internacional.<\/p>\n

A substitui\u00e7\u00e3o do regime autorit\u00e1rio por uma ordem democr\u00e1tica, apesar do grande entusiasmo \u2013 ou talvez em raz\u00e3o do grande entusiasmo \u2013 foi realizada de forma que alguns problemas de governabilidade e de efici\u00eancia iriam emergir na ordem econ\u00f4mica e pol\u00edtica nas d\u00e9cadas seguintes. \u00c9 certo que as virtudes da democracia s\u00e3o indiscut\u00edveis. A hist\u00f3ria mostra que os regimes democr\u00e1ticos s\u00e3o aqueles que, como nenhum outro, t\u00eam garantido valores essenciais como a liberdade e a dignidade do cidad\u00e3o. Apesar de tudo, “democracia” \u00e9 apenas um conceito abstrato. No mundo real o termo s\u00f3 existe no plural. No mundo real o que existe \u00e9 a “democracia inglesa”, a “democracia americana”, a \u201cdemocracia francesa”, a “democracia holandesa”, entre outras. O que \u00e9 comum nessas “democracias” \u00e9 que, al\u00e9m de garantir valores essenciais como a liberdade, essas democracias procuram adaptar-se suas institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas \u00e0s tradi\u00e7\u00f5es e \u00e0s peculiaridades culturais nacionais e, ao mesmo tempo, procura organizar e regular a ordem social e econ\u00f4mica de forma que ajudem a promover o progresso e a prosperidade da na\u00e7\u00e3o. O desejo de prosperidade est\u00e1 presente n\u00e3o apenas nas chamadas sociedades ocidentais, mas na grande maioria das sociedades espalhadas pelos cinco continentes. Nesse ambiente marcado pela diversidade, a qualidade do regime pode variar de lugar para lugar e tamb\u00e9m ao longo do tempo significando que o fato de haver democracia n\u00e3o significa que haver\u00e1 progresso e prosperidade. Os surveys<\/em> periodicamente produzidos por organiza\u00e7\u00f5es internacionais como o Banco Mundial e a Organiza\u00e7\u00e3o para Coopera\u00e7\u00e3o Econ\u00f4mica e o Desenvolvimento apontam essas diferen\u00e7as de desempenho, ou seja, h\u00e1 sociedades democr\u00e1ticas que inovam e prosperam mais do que outras. Esse aspecto revela-se especialmente importante para as economias em desenvolvimento como o Brasil para quem prosperar significa corrigir desigualdades sociais e qualificar-se para levar para consider\u00e1vel parte da popula\u00e7\u00e3o os benef\u00edcios das modernas tecnologias.<\/p>\n

Com o retorno da democracia, desde 1989 o Brasil tem realizado ininterruptamente elei\u00e7\u00f5es livres e o estado de direito passou a regular a vida dos indiv\u00edduos e das organiza\u00e7\u00f5es p\u00fablicas e privadas. Com efeito, o voto livre \u2013 um dos quesitos essenciais dos regimes democr\u00e1ticos \u2013 tem sido praticado em todos os rinc\u00f5es deste Brasil de dimens\u00f5es continentais. Na realidade, a tradi\u00e7\u00e3o de democracia no Brasil n\u00e3o remonta apenas ao estabelecimento da Rep\u00fablica h\u00e1 exatamente um s\u00e9culo antes da redemocratiza\u00e7\u00e3o. Mesmo nos tempos do Imp\u00e9rio, a democracia era uma pr\u00e1tica vivenciada notavelmente at\u00e9 pelo pr\u00f3prio Imperador Pedro II na forma de uma monarquia constitucional. Apesar de tudo, o estado de direito e o funcionamento livre e regular das institui\u00e7\u00f5es democr\u00e1ticas, embora importantes, s\u00e3o apenas parte da hist\u00f3ria.<\/p>\n

Com efeito, de uma forma geral, a hist\u00f3ria recente mostra que os sucessivos governos brasileiros, embora democraticamente constitu\u00eddos, t\u00eam negligenciado o fato de que o sucesso econ\u00f4mico constitui fator essencial tanto para a melhoria das condi\u00e7\u00f5es sociais internas quanto para a pr\u00f3pria ordem internacional. Uma na\u00e7\u00e3o pobre n\u00e3o contribui em nada para a comunidade internacional, na realidade torna-se um peso e uma fonte de problemas para seus vizinhos e para a comunidade internacional como um todo. Uma vis\u00e3o de conjunto da posi\u00e7\u00e3o brasileira no cen\u00e1rio internacional revela que a incapacidade de buscar o progresso, associada a algumas escolhas equivocadas t\u00eam produzido a estagna\u00e7\u00e3o dessa posi\u00e7\u00e3o internacional. Por vezes, ao inv\u00e9s de preocupar-se com posturas e alian\u00e7as de inspira\u00e7\u00e3o mais ideol\u00f3gica e de sonhos de poder, a na\u00e7\u00e3o deveria estar mais adequadamente preparada tanto para enfrentar com sucesso os problemas que surgem de tempos em tempos na esfera internacional quanto para captar positivamente as oportunidades que tamb\u00e9m emergem na pol\u00edtica e nas rela\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas internacionais. Objetivamente, a na\u00e7\u00e3o precisa tanto de institui\u00e7\u00f5es que proporcionem seguran\u00e7a jur\u00eddica e estabilidade pol\u00edtica \u2013 ou seja, obter a confian\u00e7a internacional \u2013 quanto de uma economia suficientemente robusta e saud\u00e1vel capaz de assegurar que o pa\u00eds fique ao menos razoavelmente alinhado com os padr\u00f5es mundiais.<\/p>\n

As tabelas a seguir mostram que o crescimento da economia brasileira tem ficado bem abaixo da m\u00e9dia mundial, ou seja, tem se empobrecido em termos relativos. As tabelas mostram tamb\u00e9m que h\u00e1 pelo menos duas d\u00e9cadas as taxas de investimento t\u00eam ficado substantivamente abaixo das taxas praticadas por outros pa\u00edses. Essas taxas de investimento s\u00e3o importantes porque refletem a parcela do PIB que o pa\u00eds destina n\u00e3o apenas \u00e0 inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica e ao aumento da produtividade e da capacidade de produ\u00e7\u00e3o de bens e de servi\u00e7os, mas refletem tamb\u00e9m os investimentos feitos em educa\u00e7\u00e3o, nos servi\u00e7os de assist\u00eancia m\u00e9dica e em outros servi\u00e7os sociais, assim como na amplia\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o da infraestrutura de esgotos, saneamento, comunica\u00e7\u00f5es e em todos os modais de transporte, ou seja, portos, aeroportos, estradas, ferrovias e transporte urbano. Um pa\u00eds como a China, que vem apresentando taxas elevadas e consistentes de crescimento econ\u00f4mico investe, proporcionalmente, mais do que o dobro do Brasil e at\u00e9 mesmo pa\u00edses \u201cprontos\u201d como a Fran\u00e7a, que t\u00eam toda a infraestrutura social e econ\u00f4mica madura, investe significativamente mais do que o Brasil, como mostra a tabela 2. O fato \u00e9 que esses investimentos s\u00e3o cumulativos e cada ano com baixos investimentos significa instala\u00e7\u00f5es industriais deterioradas ou n\u00e3o constru\u00eddas, rodovias que deixaram de ajudar a dinamizar a economia, alguns milhares de jovens que n\u00e3o ter\u00e3o boas escolas ou cidades que continuar\u00e3o com boa parte da popula\u00e7\u00e3o sem acesso aos benef\u00edcios da \u00e1gua encanada e dos esgotos tratados, al\u00e9m e muitos outros elementos de infraestrutura econ\u00f4mica e social deteriorados dificultando o bem estar do cidad\u00e3o em suas rotinas di\u00e1rias e tamb\u00e9m fomentando a criminalidade em todas as suas formas. Em valores, de acordo com a tabela 2, significa que o Brasil (setor p\u00fablico + setor privado) deixou de investir algo em torno de US$ 100 bilh\u00f5es por ano ao longo de duas d\u00e9cadas.[15]<\/a><\/p>\n

\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 <\/strong>Tabela 1 \u2013 Crescimento econ\u00f4mico, pa\u00edses selecionados<\/strong><\/p>\n

Anos recentes 2007-2018 (%)<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
Pa\u00eds\/Regi\u00e3o<\/strong><\/td>\n2007<\/strong><\/td>\n2010<\/strong><\/td>\n2013<\/strong><\/td>\n2014<\/strong><\/td>\n2015<\/strong><\/td>\n2016<\/strong><\/td>\n2018<\/strong><\/td>\n2013-2018<\/strong><\/p>\n

(m\u00e9dia anual)<\/td>\n<\/tr>\n

Brasil<\/strong><\/td>\n6,07<\/strong><\/td>\n7,52<\/strong><\/td>\n3.00<\/strong><\/td>\n0,50<\/strong><\/td>\n-3,54<\/strong><\/td>\n-3,27<\/strong><\/td>\n1,31<\/strong><\/td>\n-0,40<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n
Argentina<\/td>\n9,00<\/td>\n10,12<\/td>\n2,40<\/td>\n-2,51<\/td>\n2,73<\/td>\n-2.08<\/td>\n-2,48<\/td>\n-0.38<\/td>\n<\/tr>\n
Chile<\/td>\n4,90<\/td>\n5,84<\/td>\n4,04<\/td>\n1,76<\/td>\n2,30<\/td>\n1,67<\/td>\n4,02<\/td>\n2,75<\/td>\n<\/tr>\n
Col\u00f4mbia<\/td>\n6,84<\/td>\n4,34<\/td>\n4,56<\/td>\n4,72<\/td>\n2,95<\/td>\n2,08<\/td>\n2,56<\/td>\n3.37<\/td>\n<\/tr>\n
M\u00e9xico<\/td>\n2,29<\/td>\n5,11<\/td>\n1,35<\/td>\n2,80<\/td>\n3,28<\/td>\n2,91<\/td>\n2.13<\/td>\n2,49<\/td>\n<\/tr>\n
Peru<\/td>\n8,51<\/td>\n8,33<\/td>\n5,85<\/td>\n2,38<\/td>\n3,25<\/td>\n3,95<\/td>\n3,97<\/td>\n3,88<\/td>\n<\/tr>\n
Am. Lat. e Caribe<\/strong><\/td>\n5,51<\/strong><\/td>\n5,84<\/strong><\/td>\n2,75<\/strong><\/td>\n1,00<\/strong><\/td>\n0,08<\/strong><\/td>\n-0,33<\/strong><\/td>\n1,57<\/strong><\/td>\n1,01<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n
China<\/td>\n14,23<\/td>\n10,63<\/td>\n7,76<\/td>\n7,30<\/td>\n6,90<\/td>\n6,73<\/td>\n6,56<\/td>\n7,05<\/td>\n<\/tr>\n
Mundo<\/strong><\/td>\n4,31<\/strong><\/td>\n4,29<\/strong><\/td>\n2,65<\/strong><\/td>\n2,83<\/strong><\/td>\n2,85<\/strong><\/td>\n2,58<\/strong><\/td>\n3,05<\/strong><\/td>\n2,79<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Fonte: World Bank<\/em><\/p>\n

\u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 \u00a0 Tabela 2 \u2013 Investimento bruto do pa\u00eds como propor\u00e7\u00e3o do PIB<\/strong><\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
Ano<\/td>\nBrasil<\/td>\nMundo<\/td>\nChina<\/td>\nFran\u00e7a<\/td>\nChile<\/td>\n<\/tr>\n
2000<\/td>\n16,8<\/td>\n24,3<\/td>\n34,4<\/td>\n22,5<\/td>\n22,1<\/td>\n<\/tr>\n
2002<\/td>\n16,4<\/td>\n23,2<\/td>\n37,0<\/td>\n21,3<\/td>\n22,3<\/td>\n<\/tr>\n
2004<\/td>\n16,1<\/td>\n24,5<\/td>\n42,8<\/td>\n21,9<\/td>\n19,8<\/td>\n<\/tr>\n
2006<\/td>\n16,4<\/td>\n25,3<\/td>\n40,9<\/td>\n23,2<\/td>\n20,8<\/td>\n<\/tr>\n
2008<\/td>\n19,1<\/td>\n25,5<\/td>\n43,2<\/td>\n24,1<\/td>\n23,5<\/td>\n<\/tr>\n
2010<\/td>\n19,5<\/td>\n24,2<\/td>\n47,6<\/td>\n21,9<\/td>\n26,8<\/td>\n<\/tr>\n
2012<\/td>\n18,1<\/td>\n24,3<\/td>\n47,2<\/td>\n22,6<\/td>\n23,1<\/td>\n<\/tr>\n
2016<\/td>\n16,4<\/td>\n23,8<\/td>\n44,2<\/td>\n22,7<\/td>\n26,1<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Fonte: OCDE. National Accounts Data Files<\/em><\/p>\n

Em resumo, a trajet\u00f3ria recente da pol\u00edtica exterior do Brasil tem apresentado poucos resultados, em grande parte por estar desconectada das bases econ\u00f4micas, sociais e pol\u00edticas da na\u00e7\u00e3o. O Brasil pode ter um grande potencial de soft power<\/em>, mas para realizar esse potencial ser\u00e1 preciso que a na\u00e7\u00e3o inspire confian\u00e7a na comunidade internacional em todos os sentidos, a come\u00e7ar por uma taxa de crescimento econ\u00f4mico ao menos mais elevada do que a m\u00e9dia mundial. Escolher op\u00e7\u00f5es como integra\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica regional, at\u00e9 pelas dimens\u00f5es do pa\u00eds, o que se espera \u00e9 que o pa\u00eds contribua para que esse arranjo flores\u00e7a e n\u00e3o seja um verdadeiro \u201cpeso morto\u201d nesse empreendimento, isto \u00e9, que se torne um fator de est\u00edmulo e de canaliza\u00e7\u00e3o positiva das energias para todos os demais parceiros. Na realidade, a condi\u00e7\u00e3o necess\u00e1ria (embora n\u00e3o suficiente) para que um arranjo como o Mercosul avan\u00e7asse efetivamente \u00e9 que o integrante de maior peso (no caso o Brasil) apresentasse esse desempenho positivo, consistente e construtivo.<\/p>\n

Brasil um pa\u00eds do futuro, at\u00e9 quando?<\/strong><\/p>\n

Desde que Stefan Zweig publicou em 1941 seu livro \u201cBrasil, um Pa\u00eds do Futuro<\/em>\u201d, cada gera\u00e7\u00e3o experimentou a sensa\u00e7\u00e3o de que haveria de ver esse futuro chegar pensando em um Brasil pr\u00f3spero e poderoso no concerto das na\u00e7\u00f5es.[16]<\/a> Na realidade, o sentido que Zweig dava a esse futuro n\u00e3o era esse. Sua experi\u00eancia de vida era o de sua terra natal, a \u00c1ustria, e do continente europeu, que vivenciaram ao longo da primeira metade do s\u00e9culo XX o sofrimento e a destrui\u00e7\u00e3o das duas guerras mundiais e a persegui\u00e7\u00e3o implac\u00e1vel aos judeus pelo nazismo \u2013 uma persegui\u00e7\u00e3o que afinal trouxera Zweig para o Brasil em 1940. Para Stefan Zweig, o futuro promissor que antevia para o Brasil era o de um pa\u00eds pac\u00edfico e isento dessas loucuras coletivas que marcaram seu pa\u00eds e a Europa de seu tempo. Na introdu\u00e7\u00e3o do livro escreve Zweig: \u201cPor isso, \u00e9 sobre a exist\u00eancia do Brasil, cujo \u00fanico desejo \u00e9 a constru\u00e7\u00e3o pac\u00edfica, que repousam nossas maiores esperan\u00e7as de uma civiliza\u00e7\u00e3o futura e de pacifica\u00e7\u00e3o do nosso mundo devastado pelo \u00f3dio e pela loucura … \u00c9 por isso que escrevi este livro<\/em>\u201d.<\/p>\n

Apesar de tudo, \u00e9 parte da natureza humana a permanente busca pelo progresso e pela prosperidade individual e coletiva e, nesse quesito, as esperan\u00e7as da na\u00e7\u00e3o brasileira t\u00eam sido sistematicamente frustradas, gera\u00e7\u00e3o ap\u00f3s gera\u00e7\u00e3o, por muitas raz\u00f5es que, neste ensaio, n\u00e3o cabe discutir.[17]<\/a> Um ponto que parece oportuno analisar nestas considera\u00e7\u00f5es que devem servir de conclus\u00e3o sobre as perspectivas para a pol\u00edtica exterior do pa\u00eds \u00e9 o fato de que, aparentemente, os sucessivos governantes e as for\u00e7as pol\u00edticas no Pa\u00eds n\u00e3o t\u00eam levado na devida conta o fato de que, na ess\u00eancia, progresso e prosperidade s\u00e3o a base sobre a qual se assentam a posi\u00e7\u00e3o de uma na\u00e7\u00e3o no cen\u00e1rio internacional. Na realidade, a pol\u00edtica exterior de qualquer pa\u00eds depende essencialmente de duas ordens de vari\u00e1veis: de um lado, as vari\u00e1veis que conformam o meio internacional, sobre as quais at\u00e9 mesmo grandes pot\u00eancias t\u00eam pouca influ\u00eancia; de outro lado, as capacidades nacionais em termos de recursos econ\u00f4micos sobre as quais se assentam tanto o hard power<\/em> quanto o soft power<\/em>. Na ess\u00eancia, orquestrar essas capacidades constitui uma das miss\u00f5es essenciais e intransfer\u00edveis dos governos.<\/p>\n

Nestas reflex\u00f5es conclusivas, portanto, cabe apontar o fato de que, virtualmente, os sucessivos governos no Brasil t\u00eam buscado alternativas de pol\u00edtica exterior como integra\u00e7\u00e3o regional, investimento em inst\u00e2ncias multilaterais, ou em t\u00f3picos como alian\u00e7as com grandes pot\u00eancias ou com na\u00e7\u00f5es em desenvolvimento, mas t\u00eam descuidado da constru\u00e7\u00e3o de uma base social e econ\u00f4mica nacional que, efetivamente, s\u00e3o capazes de tornar o pa\u00eds um ator capaz de se beneficiar dos fluxos internacionais de com\u00e9rcio e de capital e tamb\u00e9m de exercer alguma influ\u00eancia positiva na ordem internacional. Com efeito, o meio internacional continua a ser eminentemente an\u00e1rquico no sentido de que as na\u00e7\u00f5es podem construir, modificar ou mesmo eliminar regimes, mas a hist\u00f3ria tem mostrado que qualquer dessas possibilidades, ocorrem a posteriori<\/em>, isto \u00e9, os desenvolvimentos ocorrem e, em seguida, procura-se estabelecer algum referencial normativo para esses desenvolvimentos. Mesmo em casos como o da integra\u00e7\u00e3o europeia as institui\u00e7\u00f5es foram criadas para ordenar e dar seguran\u00e7a \u00e0 integra\u00e7\u00e3o comercial, social e pol\u00edtica que, de muitas maneiras, j\u00e1 existiam h\u00e1 s\u00e9culos na Europa.<\/p>\n

Em termos gerais, o caso do desenvolvimento tecnol\u00f3gico \u00e9 bastante ilustrativo da dimens\u00e3o an\u00e1rquica do meio internacional. De muitas formas a tecnologia desempenha um papel central nas rela\u00e7\u00f5es interacionais da atualidade uma vez que influencia diretamente os padr\u00f5es de produtividade e a capacidade das na\u00e7\u00f5es transformar seus recursos naturais e humanos em riqueza. Por exemplo, os desenvolvimentos ocorridos no mundo das tecnologias de informa\u00e7\u00e3o, processamento e transmiss\u00e3o de dados e de imagens, abriram um novo mundo de oportunidades para os neg\u00f3cios em toda parte e n\u00e3o apenas em tradicionais centros din\u00e2micos da economia mundial. A globaliza\u00e7\u00e3o financeira e comercial s\u00f3 foi poss\u00edvel por meio de tecnologias como essas, que permitiram a integra\u00e7\u00e3o internacional da produ\u00e7\u00e3o industrial assim como dos mercados financeiros ajudando, dessa forma, a promover uma verdadeira redistribui\u00e7\u00e3o mundial da atividade econ\u00f4mica e da riqueza.[18]<\/a> No caso recente mais not\u00e1vel, a ascens\u00e3o da China ao status de segunda maior pot\u00eancia mundial, deu-se por meio do enorme fluxo de capitais e de tecnologia oriundos dos EUA, do Jap\u00e3o e da Europa. Um processo que foi motivado n\u00e3o pela disposi\u00e7\u00e3o deliberada desses centros de poder e de riqueza mundial no sentido de fortalecer a economia chinesa, mas em decorr\u00eancia dessa caracter\u00edstica intr\u00ednseca do meio internacional que os analistas chamam de \u201ccondi\u00e7\u00e3o an\u00e1rquica\u201d, isto \u00e9, sem uma autoridade central e um ordenamento formalmente estabelecido, e onde cabe a cada ator escolher a forma e as estrat\u00e9gias de se relacionar com as for\u00e7as em a\u00e7\u00e3o no meio internacional para obter benef\u00edcios ou, por vezes, simplesmente para contornar problemas. Nesse sentido, de uma forma geral, a hist\u00f3ria recente mostra que os sucessivos governos brasileiros t\u00eam negligenciado esses fatos. Objetivamente, pode-se afirmar que uma na\u00e7\u00e3o como o Brasil precisa tanto de democracia quanto de institui\u00e7\u00f5es robustas que proporcionem seguran\u00e7a jur\u00eddica e estabilidade pol\u00edtica em condi\u00e7\u00f5es de contar com a confian\u00e7a internacional para ser um participante ativo e capaz de, em condi\u00e7\u00f5es de razo\u00e1vel igualdade, compartilhar da grande aventura da ordem internacional na busca do progresso espiritual e material.<\/p>\n

Em resumo, a trajet\u00f3ria recente da pol\u00edtica exterior do Brasil tem apresentado poucos resultados, em grande parte por estar desconectada das bases econ\u00f4micas, sociais e pol\u00edticas da na\u00e7\u00e3o. O Brasil pode ter um grande potencial de soft power<\/em>, mas para realizar esse potencial ser\u00e1 preciso que a na\u00e7\u00e3o inspire confian\u00e7a na comunidade internacional em todos os sentidos, a come\u00e7ar por uma taxa de crescimento econ\u00f4mico mais elevada do que a m\u00e9dia mundial para indicar claramente que a na\u00e7\u00e3o est\u00e1 efetivamente reduzindo sua pobreza relativa e melhorando consistentemente seus indicadores sociais. Uma an\u00e1lise mais acurada mostraria que, em larga medida, o BRICS s\u00f3 existe em raz\u00e3o da China e do que ela representa, especialmente em termos simb\u00f3licos como na\u00e7\u00e3o, cuja relev\u00e2ncia no mundo em termos econ\u00f4micos, tornou-se indiscut\u00edvel e cujo desempenho ao longo de tr\u00eas d\u00e9cadas tornou-se uma verdadeira inspira\u00e7\u00e3o para substancial parte das na\u00e7\u00f5es do mundo.<\/p>\n

Ella Wilcox, escritora e poetisa norte-americana fez sucesso em seu tempo, mas tornou-se conhecida universalmente por uma frase que se transformou em ad\u00e1gio popular em muitos lugares:\u00a0\u201cRia e o mundo rir\u00e1 com voc\u00ea. Chore e voc\u00ea chorar\u00e1 sozinho[19]<\/strong><\/a>\u201d. <\/em>Rubens Ricupero ainda no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1990, de certa forma, deu a esse fato uma interpreta\u00e7\u00e3o te\u00f3rica argumentando que nas rela\u00e7\u00f5es entre os pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina predominavam as rela\u00e7\u00f5es triangulares, isto \u00e9, n\u00e3o se podia entender as rela\u00e7\u00f5es entre os pa\u00edses da regi\u00e3o a n\u00e3o ser por meio de tri\u00e2ngulos onde sempre h\u00e1 um v\u00e9rtice ocupado pelos EUA ou, em tempos mais recentes, por outra pot\u00eancia de sucesso de fora da regi\u00e3o[20]<\/a>. A verdade \u00e9 que pa\u00edses de sucesso, que inspiram e transmitem confian\u00e7a, n\u00e3o precisam buscar parceiros \u2013 t\u00eam o privil\u00e9gio de escolh\u00ea-los. Mesmo na esfera pessoal pode-se dizer que o sucesso atrai enquanto o fracasso afasta ou nos torna indiferentes. Nos \u00faltimos anos, as ag\u00eancias de classifica\u00e7\u00e3o de risco financeiro tornaram-se populares na literatura de rela\u00e7\u00f5es internacionais. Apesar de tudo, pouca gente tem prestado a devida aten\u00e7\u00e3o para o fato de que os grandes fluxos imigrat\u00f3rios de pessoas, mesmo aqueles causados por motiva\u00e7\u00f5es dram\u00e1ticas e tr\u00e1gicas, instintivamente, tendem a seguir as mesmas dire\u00e7\u00f5es recomendadas pela Standard & Poors e por outras ag\u00eancias de classifica\u00e7\u00e3o de risco financeiro, isto \u00e9, a prefer\u00eancia dos migrantes \u00e9, notavelmente, pelos pa\u00edses \u201cTriple A<\/em>\u201d. De fato, nestes tempos, um dos indicadores mais sens\u00edveis e expressivos do desempenho econ\u00f4mico e social de um pa\u00eds \u00e9 o movimento migrat\u00f3rio. Segundo not\u00edcias recentes divulgadas pelo Minist\u00e9rio das Rela\u00e7\u00f5es Exteriores, o n\u00famero de brasileiros vivendo no exterior \u00e9 de cerca de 3 milh\u00f5es de pessoas, enquanto o n\u00famero de estrangeiros vivendo no Brasil n\u00e3o chega a 750 mil, ou seja, \u00e9 4 vezes menor. Vale notar que esse n\u00famero de estrangeiros vivendo no Brasil \u00e9 menor do que o de estrangeiros vivendo em pa\u00edses pr\u00f3ximos como a Argentina e o Paraguai. Certamente que tal quadro n\u00e3o poder\u00e1 ser revertido apenas pela pol\u00edtica exterior, ser\u00e1 preciso que o pr\u00f3prio Estado brasileiro reveja suas prioridades e o funcionamento de suas institui\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

 <\/p>\n

 <\/p>\n

[1]<\/a> Este ensaio foi escrito em homenagem ao not\u00e1vel historiador Amado Luiz Cervo, Professor Em\u00e9rito da Universidade de Bras\u00edlia que completa 80 anos de uma vida extremamente produtiva. Formou toda uma gera\u00e7\u00e3o de estudiosos e suas obras tornaram-se refer\u00eancia para todos aqueles que se interessam por rela\u00e7\u00f5es internacionais e, mais especificamente, pela trajet\u00f3ria do Brasil no cen\u00e1rio internacional.<\/p>\n

[2]<\/a> H\u00e9lio. Jaguaribe, Significa\u00e7\u00e3o de Mercosul<\/em>. In Mercosul, Sinopse Estat\u00edstica<\/em>. Vol. I, IBGE, Rio de Janeiro, 1992 (p. 31)<\/p>\n

[3]<\/a> Mesmo antes da transforma\u00e7\u00e3o da ALALC em ALADI, j\u00e1 existiam iniciativas de integra\u00e7\u00e3o sub-regional como o Sistema de Integra\u00e7\u00e3o Centro-Americana (SICA), de 1951, e o Pacto Andino ou Grupo Andino criado em 1969, refor\u00e7ando a import\u00e2ncia de facilitar a forma\u00e7\u00e3o de arranjos sub-regionais.<\/p>\n

[4]<\/a> A\u00a0\u00c1rea de Livre Com\u00e9rcio das Am\u00e9ricas\u00a0(ALCA) foi uma iniciativa dos EUA proposta formalmente durante a C\u00fapula das\u00a0Am\u00e9ricas, realizada em Miami, no dia 9 de dezembro de 1994. Nesse arranjo seriam eliminadas as barreiras alfandeg\u00e1rias entre os 34 pa\u00edses americanos, com exce\u00e7\u00e3o de Cuba.<\/p>\n

[5]<\/a> Ver o Relat\u00f3rio Pearson, que proporciona uma vis\u00e3o panor\u00e2mica do desempenho econ\u00f4mico da economia mundial na d\u00e9cada de 1960 (Pearson Commission on International Development, Partners in Development<\/em>, The World Bank, Washington, D.C., 1969). No Brasil o per\u00edodo compreendido entre 1967 e 1973 ficou conhecido como os anos do \u201cmilagre brasileiro\u201d devido \u00e0s elevadas taxas de crescimento superiores a 10% ao ano.<\/p>\n

[6]<\/a> P. N. Batista Jr. A Morat\u00f3ria de 1987<\/em>. Folha de S. Paulo, 20\/Fev.\/1997.<\/p>\n

[7]<\/a> A integra\u00e7\u00e3o real \u00e9 feita de formas de intera\u00e7\u00e3o como o aumento do fluxo internacional de pessoas ou a constru\u00e7\u00e3o de uma obra como a usina de Itaipu que afeta os interesses de mais de um pa\u00eds normalmente leva a acordos e tratados. Em larga medida, pode-se dizer que a forma\u00e7\u00e3o da CEE em 1957 foi um arranjo necess\u00e1rio para organizar uma Europa onde a integra\u00e7\u00e3o real j\u00e1 existia desde a Idade M\u00e9dia.<\/p>\n

[8]<\/a> H\u00e1 v\u00e1rias obras e artigos que discutem essa participa\u00e7\u00e3o, entre essas obras o livro O Brasil na Liga das Na\u00e7\u00f5es. 1919-1926<\/em>, de autoria de Eug\u00eanio Vargas (Editora Funag\/Editora UFRGS, 2000) faz um balan\u00e7o dessa atua\u00e7\u00e3o brasileira.<\/p>\n

[9]<\/a> Ver Hist\u00f3ria da Pol\u00edtica Exterior do Brasil<\/em> de Amado L. Cervo & Clodoaldo Bueno (Editora UnB, 4\u00aa. Edi\u00e7\u00e3o, 2011, pp.530-544).<\/p>\n

[10]<\/a> Em 2019, o Brasil tinha 223 representa\u00e7\u00f5es no exterior, entre embaixadas, consulados e miss\u00f5es em organiza\u00e7\u00f5es internacionais. Destas, 72 (32,3%) foram criadas por Lula e Dilma, incluindo-se um escrit\u00f3rio de representa\u00e7\u00e3o em Ramallah (sede de Autoridade Nacional Palestina)\u00a0e cinco miss\u00f5es e delega\u00e7\u00f5es em organiza\u00e7\u00f5es internacionais como a AIEA (Ag\u00eancia Internacional de Energia At\u00f4mica) e a CPLP (Comunidade dos Pa\u00edses de L\u00edngua Portuguesa). (E. Oliveira & A. Duchiade. O Globo, 5\/Junho\/2019).<\/p>\n

[11]<\/a> Em 1950 o PNB dos EUA era maior do que a soma das demais grandes pot\u00eancias (Reino Unido, Fran\u00e7a, Alemanha, It\u00e1lia, Jap\u00e3o, e URSS). P. Kennedy, The Rise and Fall of the Great Powers<\/em> (Fontana Press, London, 1988, p. 475)<\/p>\n

[12]<\/a> Neste caso trata-se do G-20 dos pa\u00edses em desenvolvimento criado em Canc\u00fan (M\u00e9xico) em 2003, na esteira da confer\u00eancia da OMC e n\u00e3o do G-20, criado em 1999, reunindo as 19 maiores economias do mundo e mais a Uni\u00e3o Europeia, cujo prop\u00f3sito mais imediato era o de discutir e encaminhar solu\u00e7\u00f5es para os problemas financeiros globais.<\/p>\n

[13]<\/a> No capitulo 3 do livro O Brasil na Liga das Na\u00e7\u00f5es<\/em> (op. cit.) Eug\u00eanio Vargas discute as v\u00e1rias iniciativas tomadas pelo governo Arthur Bernardes entre 1922 e 1925 no sentido de qualificar a demanda brasileira por um assento permanente no Conselho da Liga. O livro relata tamb\u00e9m a oposi\u00e7\u00e3o ou a indiferen\u00e7a dos pa\u00edses vizinhos \u00e0 demanda brasileira que acabou com a retirada do Brasil como membro da Liga das Na\u00e7\u00f5es em 1926.<\/p>\n

[14]<\/a> Amaury de Souza, A Agenda Internacional do Brasil: a Pol\u00edtica Externa Brasileira de FHC a Lula. <\/em>Editora Campus\/Elsevier, Rio de Janeiro, 2009.<\/p>\n

[15]<\/a> Em valores de Dezembro\/2019.<\/p>\n

[16]<\/a> S. Zweig. Brasil.<\/em> Um Pa\u00eds do Futuro<\/em>. L&PM Editores, Porto Alegre, 2013. A primeira edi\u00e7\u00e3o de 1941, foi lan\u00e7ada simultaneamente em alem\u00e3o, ingl\u00eas, sueco e franc\u00eas, al\u00e9m do portugu\u00eas.<\/p>\n

[17]<\/a> S\u00e9rgio Moura, em seu livro Podemos ser Pr\u00f3speros. Se os Pol\u00edticos Deixarem<\/em> discute essa quest\u00e3o de forma exaustiva e interessante, lembrando bastante Brasil, o Pa\u00eds dos Coitadinhos<\/em>, de Emil Farhat, de grande sucesso na d\u00e9cada de 1970. (S. Moura. R. Janeiro, 2017).<\/p>\n

[18]<\/a> Em O Mundo P\u00f3s-Americano<\/em>, Fareed Zakaria faz um balan\u00e7o de longo prazo da ordem mundial, desde que se tornou vis\u00edvel no s\u00e9culo XVI. O autor chama de \u201cmovimentos tect\u00f4nicos\u201d as transforma\u00e7\u00f5es que levaram ao centro dessa ordem primeiro a Europa, depois os EUA e finalmente o que ele chama de \u201cascens\u00e3o do resto\u201d num processo movido muito menos por guerras do que pelo g\u00eanio humano e pela criatividade que incrementa a produ\u00e7\u00e3o e a produtividade. (Zakaria, Fareed. O Mundo P\u00f3s-Americano<\/em>. S\u00e3o Paulo: Companhia das Letras, 2008.<\/p>\n

[19]<\/a> \u00a0Rejoice, and men will seek you;<\/em><\/p>\n

Grieve, and they turn and go;<\/em><\/p>\n

(\u2026)<\/em><\/p>\n

Be glad, and your friends are many;<\/em><\/p>\n

Be sad, and you lose them all,<\/em><\/p>\n

(Ella W. Wilcox (1850-1919) no poema Solitude<\/em>)<\/p>\n

[20]<\/a> R. Ric\u00fapero, O Brasil, a Am\u00e9rica Latina e os EUA desde 1930: 60 Anos de uma Rela\u00e7\u00e3o Triangular<\/em>. Pub. em J. G. Albuquerque (Org.) 60 Anos de Pol\u00edtica Externa Brasileira (1930-1990<\/em>). NUPRI\/USP, 1996. Vol. 2 pps. 37-60.<\/p>\n

 <\/p>\n

Eiiti Sato<\/strong><\/em> \u00e9 professor do Instituto de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais da Universidade de Bras\u00edlia (IREL\/UnB). Foi Diretor do IREL\/UnB de 2006 a 2014. Foi chefe da Assessoria Internacional da UnB (2014-2016). Foi o primeiro presidente da Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Rela\u00e7\u00f5es Internacionais \u2013 ABRI (2005-2007). Tem ministrado regularmente cursos sobre Economia Pol\u00edtica Internacional e Pol\u00edtica Internacional, Teoria e Hist\u00f3ria (irel.sato@gmail.com<\/a>; \u00a0http:\/\/lattes.cnpq.br\/8614060463115652<\/a>).<\/p>\n

 <\/p>\n

Artigo publicado na revista INTELLIGERE, USP, vol. 10, ano 2020.<\/p>\n

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Este artigo tem por objetivo apresentar uma reflex\u00e3o sobre as perspectivas do Brasil no cen\u00e1rio internacional. O ensaio faz um balan\u00e7o resumido da pol\u00edtica externa ap\u00f3s os governos militares revelando que os sucessivos governos eleitos pelo voto desde 1989 procuraram estabelecer prioridades e objetivos na pol\u00edtica externa presumivelmente baseados na busca por uma coer\u00eancia entre as demandas internas e as mudan\u00e7as em curso no cen\u00e1rio internacional. Apesar de tudo, o pouco dinamismo na ordem interna e a aus\u00eancia de uma vis\u00e3o mais org\u00e2nica e estruturada da na\u00e7\u00e3o no cen\u00e1rio internacional t\u00eam comprometido o desempenho do pa\u00eds tanto em termos econ\u00f4micos quanto pol\u00edtico. A conclus\u00e3o \u00e9 que os dados mostram que a estagna\u00e7\u00e3o tem sido a nota marcante da relev\u00e2ncia do Brasil no cen\u00e1rio internacional tanto em termos regionais quanto globais. <\/p>\n","protected":false},"author":149,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[13,776],"tags":[796,794,792,793,795],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3389"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/149"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3389"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3389\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3389"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3389"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3389"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}