{"id":3388,"date":"2021-01-07T17:03:21","date_gmt":"2021-01-07T20:03:21","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3388"},"modified":"2021-01-07T17:03:21","modified_gmt":"2021-01-07T20:03:21","slug":"a-vacina-para-a-covid-19-e-a-regulacao-de-riscos-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3388","title":{"rendered":"A Vacina para a Covid-19 e a Regula\u00e7\u00e3o de Riscos no Brasil"},"content":{"rendered":"
\u00a0<\/strong>Por C\u00e9sar Mattos<\/em><\/p>\n Nunca estivemos t\u00e3o atentos a um processo de autoriza\u00e7\u00e3o de vacinas e medicamentos na Anvisa como no caso da preven\u00e7\u00e3o \u00e0 Covid-19.<\/p>\n Os \u00faltimos lances deste drama est\u00e3o ocorrendo no processo de autoriza\u00e7\u00e3o das vacinas da Pfizer[2]<\/a>, Coronavac e Astrazeneca. No caso da Pfizer, a empresa alega que a Anvisa est\u00e1 demandando requisitos mais rigorosos que seus cong\u00eaneres americano, europeu e brit\u00e2nico, para os quais j\u00e1 foi concedida a autoriza\u00e7\u00e3o, tendo, inclusive, iniciado a imuniza\u00e7\u00e3o. O Instituto Butantan, que est\u00e1 produzindo a Coronavac, a \u201cvacina chinesa\u201d, anunciou que iria come\u00e7ar a vacinar em janeiro de 2021, mesmo sem a autoriza\u00e7\u00e3o da Anvisa[3]<\/a>. J\u00e1 a Astrazeneca, com a chamada \u201cvacina de Oxford\u201d, j\u00e1 conseguiu a aprova\u00e7\u00e3o no Reino Unido e, tendo parceria com a Fiocruz, est\u00e1 com perspectiva de apresentar documentos para autoriza\u00e7\u00e3o \u00e0 Anvisa em janeiro. A ag\u00eancia reguladora j\u00e1 sinalizou at\u00e9 10 dias para a aprova\u00e7\u00e3o[4]<\/a> ap\u00f3s protocolo, apesar de o ministro da Sa\u00fade ter falado de 60 dias[5]<\/a>.<\/p>\n O ponto que desejamos desenvolver aqui diz respeito aos trade-offs<\/em> ou escolhas feitas pela ag\u00eancia nas an\u00e1lises de medicamentos e vacinas e suas implica\u00e7\u00f5es para o bem-estar social. Primeiro, por que se requer a interven\u00e7\u00e3o de uma ag\u00eancia reguladora para autorizar ou n\u00e3o a aplica\u00e7\u00e3o de uma vacina? A necessidade de interven\u00e7\u00e3o do Estado aqui \u00e9 evidente pela elevada assimetria de informa\u00e7\u00e3o do consumidor de produtos de sa\u00fade em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sua efic\u00e1cia e seguran\u00e7a, uma falha de mercado a ser corrigida por um \u00f3rg\u00e3o sanit\u00e1rio, no caso do Brasil, a Anvisa. A quest\u00e3o aqui qual o grau de exig\u00eancia sobre os testes e estudos sobre a efic\u00e1cia e seguran\u00e7a dos produtos realizados pelas empresas farmac\u00eauticas deve ser exigido pelo regulador?<\/p>\n A partir da d\u00e9cada de 60, os pa\u00edses passaram a ser mais rigorosos nos requisitos de seguran\u00e7a. Nos EUA, em 1962, as Emendas Kefauver-Harris ao Federal Food, Drug and Cosmestic Act fortaleceram os requisitos de seguran\u00e7a em raz\u00e3o da trag\u00e9dia da talidomida que resultou no nascimento de crian\u00e7as com malforma\u00e7\u00f5es em virtude de ingest\u00e3o durante a gravidez. V\u00e1rios pa\u00edses desenvolvidos tamb\u00e9m adotaram regula\u00e7\u00f5es similares. Isso implicou aumento substancial dos custos de desenvolvimento de vacinas e medicamentos. N\u00e3o \u00e0 toa o assustador tamanho das bulas nos cap\u00edtulos sobre \u201cefeitos adversos\u201d.<\/p>\n Se, de um lado, este aumento no rigor dos testes levou a uma maior garantia para os pacientes sobre a efic\u00e1cia e os riscos de efeitos adversos, tamb\u00e9m aumentou muito o per\u00edodo requerido de estudos e testes, adiando significativamente o tempo para que as pessoas pudessem usufruir dos benef\u00edcios de vacinas e medicamentos. Ou seja, h\u00e1 um \u201ccusto da espera\u201d que pode ser muito caro quando h\u00e1 mortes decorrentes da doen\u00e7a que se pretende tratar com medicamentos ou prevenir com vacinas como na Covid-19.<\/p>\n O World Economic Forum[6]<\/a> publicou um artigo em junho de 2020 mostrando o tempo m\u00e9dio atual de desenvolvimento de uma vacina em cinco est\u00e1gios[7]<\/a>. S\u00e3o entre 2 e 5 anos s\u00f3 para a pesquisa de descoberta, 2 anos para testes pr\u00e9-cl\u00ednicos, entre 1 e 2 anos para saber se a vacina \u00e9 segura, 2 a 3 anos para saber se ela ativa uma resposta imune no corpo humano, 2 a 4 anos para saber se ela protege mesmo o corpo da doen\u00e7a e, enfim, entre 1 e 2 anos para a aprova\u00e7\u00e3o regulat\u00f3ria. S\u00e3o pelo menos 10 anos de desenvolvimento com um custo m\u00e9dio de US$ 500 milh\u00f5es em que se parte de cerca de 100 vacinas potenciais para se chegar a apenas uma efetiva.<\/p>\n O fato \u00e9 que desde a d\u00e9cada de 90 as principais ag\u00eancias sanit\u00e1rias no mundo come\u00e7aram um movimento inverso ao da \u00e9poca da talidomida, passando a considerar o \u201ccusto da espera\u201d em que se aguarda para disponibilizar uma vacina ou rem\u00e9dio em fun\u00e7\u00e3o do elevado rigor dos requisitos dos reguladores. Em fun\u00e7\u00e3o desse custo, houve press\u00e3o sobre a Food and Drugs Administration americana (FDA) para acelerar a autoriza\u00e7\u00e3o do coquetel de medicamentos antirretrovirais da AIDS na d\u00e9cada de 90 e que acabou por ser autorizado com substanciais atalhos na via crucis burocr\u00e1tica usual. Como o \u201ccusto da espera\u201d estava muito evidente pela quantidade de pessoas morrendo, a acelera\u00e7\u00e3o da autoriza\u00e7\u00e3o se tornou inevit\u00e1vel.<\/p>\n Em 1997, o FDA Modernization Act de 1997 criou um Fast Track para medicamentos \u201ccuja inten\u00e7\u00e3o seja o tratamento de uma condi\u00e7\u00e3o s\u00e9ria e que amea\u00e7a a vida<\/em>\u201d, o que claramente tinha sido o caso dos antirretrovirais. Isto reduziu o tempo de desenvolvimento em cerca de 2,5 anos. A Uni\u00e3o Europeia tamb\u00e9m introduziu procedimentos Fast-Track quando os benef\u00edcios esperados compensam os riscos e pacientes precisam ter acesso mais r\u00e1pido ao medicamento devido a uma \u201cnecessidade m\u00e9dica n\u00e3o preenchida de outra forma<\/em>\u201d. A aprova\u00e7\u00e3o ser\u00e1 condicional, tornando-se definitiva ap\u00f3s mais estudos.<\/p>\n O dilema da ag\u00eancia reguladora pode ser compreendido como uma escolha entre as probabilidades de dois tipos de erros que ocorrem quando se desacelera (acelera) o processo de autoriza\u00e7\u00e3o, sendo mais (menos) rigoroso nos testes exigidos para a autoriza\u00e7\u00e3o de um medicamento ou vacina.<\/p>\n O erro tipo I ocorre quando o regulador \u00e9 muito rigoroso, fazendo atrasar o cronograma de libera\u00e7\u00e3o do medicamento ou vacina. Pessoas que ficam doentes ou mesmo morrem e que poderiam ter sido imunizadas (curadas ou com sintomas atenuados) pela libera\u00e7\u00e3o mais tempestiva de uma vacina (um rem\u00e9dio) s\u00e3o custos associados a este erro.<\/p>\n O erro tipo II ocorre quando o regulador \u00e9 menos rigoroso, tornando mais c\u00e9lere o cronograma de libera\u00e7\u00e3o do medicamento ou vacina. Envolve n\u00e3o apenas a probabilidade de constatar a n\u00e3o efic\u00e1cia da vacina ex-post, mas tamb\u00e9m efeitos adversos. Estes \u00faltimos podem ocorrer em um prazo maior e apenas serem identificados com mais tempo de pesquisa. Por exemplo, no caso da vacina contra a dengue[8]<\/a>, pesquisas p\u00f3s autoriza\u00e7\u00e3o indicaram que os pacientes sem hist\u00f3rico de infec\u00e7\u00e3o podiam desenvolver quadros mais graves se tomassem a vacina. Isso limitou a aplica\u00e7\u00e3o da vacina apenas \u00e0queles que j\u00e1 tiveram a doen\u00e7a.<\/p>\n O quadro a seguir resume o dilema decis\u00f3rio da Anvisa.<\/p>\n Quadro I – Balan\u00e7o de \u201cTipos de Erros\u201d no Rigor da Anvisa no Processo de Autoriza\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n