{"id":3209,"date":"2019-04-22T11:53:18","date_gmt":"2019-04-22T14:53:18","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3209"},"modified":"2019-04-26T15:24:39","modified_gmt":"2019-04-26T18:24:39","slug":"os-problemas-da-pec-do-orcamento-impositivo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3209","title":{"rendered":"Os problemas da PEC do Or\u00e7amento Impositivo"},"content":{"rendered":"

O principal objetivo da PEC do or\u00e7amento impositivo \u00e9 tornar obrigat\u00f3ria a execu\u00e7\u00e3o de emendas de bancadas estaduais , em valor equivalente a 1% da Receita Corrente L\u00edquida (RCL). Atualmente, j\u00e1 \u00e9 obrigat\u00f3ria a execu\u00e7\u00e3o de emendas individuais dos parlamentares, aquelas que direcionam verbas para pequenas obras nos munic\u00edpios. Com a PEC, tornam-se obrigat\u00f3rias tamb\u00e9m as emendas de bancada que, a princ\u00edpio, representam o acordo entre parlamentares de cada estado para destinar recursos a obras estruturantes, de impacto em todo o estado.<\/p>\n

H\u00e1 na PEC um mecanismo de aumento gradual para o m\u00e1ximo de recursos que pode ser aplicada obrigatoriamente em emendas de bancada: inicia-se com 0,8% da RCL e caminha-se para 1% da RCL. Tamb\u00e9m h\u00e1 uma adapta\u00e7\u00e3o \u00e0 PEC dos gastos: os percentuais da RCL s\u00e3o apenas uma refer\u00eancia inicial. Depois de fixado o montante com base nesse par\u00e2metro, nos anos futuros a corre\u00e7\u00e3o do valor \u00e9 pelo IPCA, para que a despesa cres\u00e7a no mesmo ritmo do teto de gastos criado pela Emenda Constitucional n\u00ba 95, de 2016.<\/p>\n

Da mesma forma que j\u00e1 funciona para as emendas individuais, h\u00e1 possibilidade de as emendas obrigat\u00f3rias serem contingenciadas na mesma propor\u00e7\u00e3o das demais despesas discricion\u00e1rias, para fins de cumprimento de meta fiscal. Nos casos em que h\u00e1 impossibilidade t\u00e9cnica de execu\u00e7\u00e3o, h\u00e1 um rito para verificar tal impossibilidade e suspender a obrigatoriedade de execu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Por que \u00e9 inadequado dar prioridade a emendas que destinam recursos a estados e munic\u00edpios<\/strong><\/p>\n

O or\u00e7amento \u00e9 da Uni\u00e3o. Portanto, deve conter, prioritariamente, despesas de interesse de toda a coletividade nacional. O atendimento das necessidades de munic\u00edpios e estados deve ser atribui\u00e7\u00e3o daquelas respectivas esferas da federa\u00e7\u00e3o, pagos com os seus respectivos tributos. A utiliza\u00e7\u00e3o de verbas federais em investimentos de impacto local, objeto principal das emendas parlamentares, deve ser a exce\u00e7\u00e3o, e n\u00e3o a regra. Quando se garante o espa\u00e7o das emendas, menos recursos sobrar\u00e3o para as despesas de interesse geral do Pa\u00eds que n\u00e3o sejam obrigat\u00f3rias e que n\u00e3o est\u00e3o protegidas por vincula\u00e7\u00f5es de receitas.<\/p>\n

Os argumentos usualmente utilizados para justificar a obrigatoriedade de execu\u00e7\u00e3o de emendas s\u00e3o:<\/p>\n

(a) as emendas s\u00e3o a forma de participa\u00e7\u00e3o dos parlamentares no or\u00e7amento, e o seu contingenciamento significa que o Executivo interfere na escolha do parlamento, o que deve ser evitado;<\/p>\n

(b) n\u00e3o seria correto dizer que as emendas geram gastos de pior qualidade do que as programa\u00e7\u00f5es sugeridas pelo Executivo, pois os parlamentares escutam suas bases e sabem qual a demanda do eleitor melhor que o Executivo.<\/p>\n

As duas afirma\u00e7\u00f5es s\u00e3o pass\u00edveis de contesta\u00e7\u00e3o. A participa\u00e7\u00e3o do parlamento no or\u00e7amento \u00e9 muito maior que aprovar emendas individuais e de bancada. Cabe ao Congresso discutir todo o or\u00e7amento, e n\u00e3o apenas direcionar verbas e investimentos para as bases eleitorais dos parlamentares. Pode-se argumentar que o or\u00e7amento j\u00e1 est\u00e1 fortemente comprometido com despesas obrigat\u00f3rias de previd\u00eancia e pessoal, entre outras, e com vincula\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias. Assim, pouco sobra, al\u00e9m das emendas, para influenciar o perfil do gasto p\u00fablico.<\/p>\n

Nesse caso, defender as prerrogativas do Congresso em rela\u00e7\u00e3o ao or\u00e7amento n\u00e3o \u00e9 refor\u00e7ar o status das emendas de bancada. Mas sim votar reformas que freiem a expans\u00e3o da despesa obrigat\u00f3ria e flexibilizem vincula\u00e7\u00f5es. Optar pelo atalho da obrigatoriedade de emendas dispersa poder e apequena a miss\u00e3o do parlamento.<\/p>\n

Com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 qualidade do gasto gerado pelas emendas, h\u00e1 elementos suficientes para dar suporte \u00e0 ideia de que elas t\u00eam efeito negativo. N\u00e3o por serem propostas por parlamentares, mas por dificuldades pr\u00e1ticas do processo decis\u00f3rio.<\/p>\n

Em primeiro lugar, h\u00e1 uma tend\u00eancia \u00e0 pulveriza\u00e7\u00e3o dos recursos em pequenas interven\u00e7\u00f5es, em preju\u00edzo de obras estruturantes. Em segundo lugar, n\u00e3o \u00e9 simples coordenar a a\u00e7\u00e3o de 513 deputados e 81 senadores propondo milhares de investimentos distintos. N\u00e3o s\u00e3o poucos os casos de prefeitos que \u201crecebem um hospital\u201d que n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1rio e que n\u00e3o t\u00eam verba para manter; de escolas agr\u00edcolas que, em vez de um, recebem tr\u00eas equipamentos iguais. ou de tom\u00f3grafos que sequer saem da caixa porque o munic\u00edpio n\u00e3o tem condi\u00e7\u00f5es de construir um pr\u00e9dio nas especifica\u00e7\u00f5es adequadas para a opera\u00e7\u00e3o do aparelho. Em terceiro lugar, as iniciativas n\u00e3o s\u00e3o sujeitas a pr\u00e9via avalia\u00e7\u00e3o de custo-benef\u00edcio ou avalia\u00e7\u00e3o de viabilidade t\u00e9cnica e econ\u00f4mica. Muitas vezes inicia-se uma obra sem os projetos adequados, o que leva \u00e0 paralisa\u00e7\u00e3o e estouro dos custos previstos.<\/p>\n

Tendo em vista que o interesse maior do parlamentar \u00e9 tipicamente buscar suporte junto aos prefeitos de sua base eleitoral, e com isso refor\u00e7ar sua base de votos para a pr\u00f3xima elei\u00e7\u00e3o, h\u00e1 uma natural tend\u00eancia \u00e0 fragmenta\u00e7\u00e3o da despesa em pequenos investimentos. Quando as emendas de bancada se tornam obrigat\u00f3rias, ganhando for\u00e7a dentro do or\u00e7amento, haver\u00e1 incentivos para se realizar o gasto de impacto municipal por meio da emenda de bancada, levando \u00e0 chamada \u201crachadinha\u201d: em vez de a bancada apresentar uma emenda para uma obra estruturante, como a pavimenta\u00e7\u00e3o de uma rodovia estadual, utiliza-se a dota\u00e7\u00e3o para uma finalidade que pode ser distribu\u00edda para v\u00e1rios munic\u00edpios (por exemplo, ambul\u00e2ncias, quadras esportivas, cal\u00e7amento de ruas, etc.). Ou seja, a obrigatoriedade das emendas de bancada corre o risco de se transformar em uma expans\u00e3o das emendas individuais, aprofundando os problemas acima descritos.<\/p>\n

Note-se que o pr\u00f3prio sistema j\u00e1 adotado para a execu\u00e7\u00e3o das emendas cont\u00e9m elemento de inefici\u00eancia. Primeiro aprova-se a emenda. Depois \u00e9 que se verifica se \u00e9 poss\u00edvel execut\u00e1-la em termos t\u00e9cnicos. Essa verifica\u00e7\u00e3o ex-post gera uma s\u00e9rie de custos: (a) deixa-se de alocar recursos escassos para outras finalidades que seriam vi\u00e1veis, empo\u00e7ando recursos que n\u00e3o poder\u00e3o ser liberados; (b) corre-se o risco de come\u00e7ar uma determinada despesa e n\u00e3o conclu\u00ed-la, por inviabilidade constatada durante a execu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O ideal \u00e9 que n\u00e3o houvesse a obrigatoriedade de emendas, sejam elas individuais, sejam de bancadas. Por\u00e9m, parece inevit\u00e1vel a aprova\u00e7\u00e3o da PEC em an\u00e1lise. Para que o seu impacto seja minimizado, o que se prop\u00f5e \u00e9 que se tornem obrigat\u00f3rias apenas as emendas voltadas a acrescentar recursos a dota\u00e7\u00f5es j\u00e1 contidas na proposta or\u00e7ament\u00e1ria encaminhada pelo Executivo ou para investimentos que estejam relacionados em um banco de projetos.<\/p>\n

Esse banco de projetos conteria aquelas propostas de investimento que j\u00e1 tivessem projeto executivo, certificado de adequa\u00e7\u00e3o ambiental e demais requisitos t\u00e9cnicos que demonstrem que a obra n\u00e3o s\u00f3 \u00e9 vi\u00e1vel como tamb\u00e9m gerar\u00e1 benef\u00edcios superiores a seus custos. Trata-se de mudar o momento em que se faz o controle da viabilidade. Substitui-se o atual controle ex-post (incluir a obra no or\u00e7amento para depois ver se \u00e9 vi\u00e1vel) por um controle ex-ante (s\u00f3 incluir aquelas que j\u00e1 se sabe que s\u00e3o vi\u00e1veis). Essa seria uma oportunidade para melhorar a qualidade do gasto p\u00fablico.<\/p>\n

Pode-se at\u00e9 mesmo pensar em um sistema misto: o or\u00e7amento aceitaria emendas para investimentos n\u00e3o depositados no banco de projetos. Mas para esses a execu\u00e7\u00e3o n\u00e3o seria obrigat\u00f3ria. O parlamentar e as bancadas estaduais teriam a op\u00e7\u00e3o: escolher um investimento do banco de projetos, com certeza de execu\u00e7\u00e3o, ou propor um investimento que n\u00e3o esteja no banco, que ter\u00e1 que disputar espa\u00e7o com outras despesas do or\u00e7amento.<\/p>\n

Obrigatoriedade da despesa para al\u00e9m das emendas<\/strong><\/p>\n

O segundo grande problema da PEC est\u00e1 relacionado ao seguinte dispositivo, que vai al\u00e9m das emendas e se aplica a todo o or\u00e7amento, inclusive a estados e munic\u00edpios:<\/p>\n

\u00a710. A administra\u00e7\u00e3o tem o dever de executar as programa\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias, adotando os meios e as medidas necess\u00e1rios, com o prop\u00f3sito de garantir a efetiva entrega de bens e servi\u00e7os \u00e0 sociedade.<\/p>\n

Esse dispositivo pode ser lido de duas formas distintas. Na primeira, partindo-se do princ\u00edpio de que tudo o que a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica faz \u00e9 para, direta ou indiretamente, \u201centregar bens e servi\u00e7os \u00e0 sociedade\u201d, pode-se concluir que a administra\u00e7\u00e3o ter\u00e1 que executar todas as programa\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias. Nesse caso, toda a despesa or\u00e7ament\u00e1ria se torna obrigat\u00f3ria.<\/p>\n

\u00c9 evidente que isso enrijece o or\u00e7amento. Ficar\u00e1 dif\u00edcil fazer ajuste fiscal pelo controle da despesa. S\u00f3 restar\u00e1 o ajuste pelo aumento de impostos. Cedo ou tarde o teto de gastos ser\u00e1\u00a0 revogado, usando-se o argumento jur\u00eddico de que a pr\u00f3pria Constitui\u00e7\u00e3o impede a limita\u00e7\u00e3o da despesa . Frente \u00e0 limita\u00e7\u00e3o para aumento da j\u00e1 elevada carga tribut\u00e1ria e da d\u00edvida p\u00fablica em trajet\u00f3ria insustent\u00e1vel, n\u00e3o temos cen\u00e1rio bonito para o futuro.<\/p>\n

At\u00e9 porque n\u00e3o h\u00e1 qualquer cl\u00e1usula de escape, nem mesmo em caso de frustra\u00e7\u00e3o de receitas. Ao contr\u00e1rio da obrigatoriedade de execu\u00e7\u00e3o das emendas parlamentares, em que h\u00e1 a possibilidade de contingenciamento ou de n\u00e3o execu\u00e7\u00e3o em caso de inviabilidade t\u00e9cnica, o presente \u00a7 10 apenas estabelece o dever de executar, sem qualquer margem para ajuste.<\/p>\n

Pode-se interpretar que a express\u00e3o \u201cadotando os meios e medidas necess\u00e1rios\u201d abre margem para que o gestor apresente uma justificativa dizendo que fez o que p\u00f4de, mas n\u00e3o conseguiu. Mas quem julgar\u00e1 se efetivamente foi feito todo esfor\u00e7o poss\u00edvel?<\/p>\n

Cada auditor de controle interno ou externo ter\u00e1 o seu pr\u00f3prio ju\u00edzo sobre o que \u00e9 o conjunto de \u201cmeios e medidas necess\u00e1rios\u201d. A inseguran\u00e7a para o CPF do gestor crescer\u00e1 signficativamente, afastando dos cargos gerenciais aqueles mais avessos ao risco, abrindo espa\u00e7o para outros de esp\u00edrito mais aventureiro. Dado que a regra se aplica a estados e munic\u00edpios, o problema se multiplica.<\/p>\n

A segunda forma de ler esse dispositivo \u00e9 aquela que tra\u00e7a uma divis\u00e3o entre programa\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias \u201cfinal\u00edsticas\u201d, que resultam em efetiva entrega de bens e servi\u00e7os \u00e0 sociedade (campanha de vacina\u00e7\u00e3o, aluno em sala de aula, etc.), e atividades \u201cmeio\u201d (servi\u00e7os\u00a0 administrativos, limpeza, vigil\u00e2ncia, etc.). Se for esta a interpreta\u00e7\u00e3o correta, ent\u00e3o entramos no campo da inseguran\u00e7a jur\u00eddica. Certamente n\u00e3o existe uma defini\u00e7\u00e3o clara do que \u00e9 atividade fim e atividade meio. Basta ver o longo hist\u00f3rico de judicializa\u00e7\u00e3o que ocorreu na legisla\u00e7\u00e3o trabalhista, quando se considerava que somente as atividades meio poderiam ser terceirizadas. Em um pa\u00eds no qual n\u00e3o se consegue chegar a um consenso sobre o que \u00e9 \u201cdespesa de pessoal\u201d, para fins de aplica\u00e7\u00e3o da LRF, imagine-se a dificuldade para definir o que \u00e9 \u201centrega de bens e servi\u00e7os \u00e0 sociedade\u201d.<\/p>\n

Ainda que se conseguisse regulamentar claramente quais s\u00e3o as rubricas or\u00e7ament\u00e1rias de car\u00e1ter final\u00edstico, o resultado seria o maior engessamento do or\u00e7amento. A tend\u00eancia \u00e0 contabilidade criativa, para tirar ou colocar uma despesa no rol das final\u00edsticas, ao sabor das conveni\u00eancias, deterioraria a qualidade do processo or\u00e7ament\u00e1rio.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida que esse dispositivo precisa ser retirado do texto ou, pelo menos, submetido a uma cl\u00e1usula de escape, para os casos de frustra\u00e7\u00e3o de receitas. Nesse segundo caso, tamb\u00e9m seria importante melhorar a reda\u00e7\u00e3o do dispositivo, para deixar claro quais despesas estariam sujeitas \u00e0 regra. Se s\u00f3 as final\u00edsticas, definir quais s\u00e3o essas despesas.<\/p>\n

Na sua nova an\u00e1lise pela C\u00e2mara, o texto dessa PEC precisa ser analisado com cuidado t\u00e9cnico e sem a pressa de se criar fatos pol\u00edticos. Ser\u00e1 elevado para o Pa\u00eds o custo de um texto que gera problemas t\u00e3o graves, em um contexto de contas p\u00fablicas deterioradas e de incerteza quanto as reformas necess\u00e1rias para sane\u00e1-las. N\u00e3o h\u00e1 d\u00favida de que essa PEC \u00e9 um tiro no p\u00e9, que vai cobrar um pre\u00e7o caro em termos de qualidade do gasto p\u00fablico, produtividade da economia e possibilidade de equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas.<\/p>\n

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