{"id":3135,"date":"2017-12-13T11:58:59","date_gmt":"2017-12-13T14:58:59","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3135"},"modified":"2017-12-13T16:36:28","modified_gmt":"2017-12-13T19:36:28","slug":"principio-da-vedacao-de-retrocesso-social-o-caso-da-vinculacao-de-recursos-para-a-saude","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3135","title":{"rendered":"Princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso social: o caso da vincula\u00e7\u00e3o de recursos para a sa\u00fade"},"content":{"rendered":"

A judicializa\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica e a consequente politiza\u00e7\u00e3o da justi\u00e7a s\u00e3o fen\u00f4menos conhecidos da opini\u00e3o p\u00fablica, cujas causas s\u00e3o geralmente procuradas nas disfun\u00e7\u00f5es do sistema pol\u00edtico ou na cultura compartilhada por ju\u00edzes e promotores. A ess\u00eancia do problema encontra-se, no entanto, na pr\u00f3pria teoria jur\u00eddica, que desenvolveu uma s\u00e9rie de justifica\u00e7\u00f5es para a atua\u00e7\u00e3o do Poder Judici\u00e1rio em mat\u00e9rias anteriormente consideradas de compet\u00eancia exclusiva dos Poderes Legislativo e Executivo.<\/p>\n

1. O princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso<\/strong><\/p>\n

Um exemplo desse tipo de justifica\u00e7\u00e3o \u00e9 o chamado \u201cprinc\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o do retrocesso social\u201d, segundo o qual os patamares j\u00e1 alcan\u00e7ados na provis\u00e3o de direitos sociais n\u00e3o poderiam ser posteriormente reduzidos, mas apenas mantidos ou ampliados. Tal argumento tem sido sistematicamente empregado contra todo tipo de legisla\u00e7\u00e3o tida por seus defensores como \u201cneoliberal\u201d, por supostamente reduzir algum direito social \u201cconquistado\u201d no passado. Alega-se, por exemplo, que a reforma trabalhista<\/a> e o C\u00f3digo Florestal<\/a> seriam inconstitucionais por representarem um \u201cretrocesso\u201d na defesa dos direitos dos trabalhadores e na defesa do meio ambiente.<\/p>\n

Uma vers\u00e3o mais atenuada do princ\u00edpio considera que o retrocesso, por si s\u00f3, n\u00e3o \u00e9 necessariamente inconstitucional; apenas cria uma presun\u00e7\u00e3o de inconstitucionalidade, que pode ser superada mediante demonstra\u00e7\u00e3o de que a medida \u00e9 necess\u00e1ria ao atingimento de outro valor constitucional ou direito fundamental e que a redu\u00e7\u00e3o operada n\u00e3o foi excessiva1<\/sup>. Admite-se levar em considera\u00e7\u00e3o o contexto econ\u00f4mico e pol\u00edtico por que passa o pa\u00eds, assim como a chamada \u201creserva do poss\u00edvel\u201d, ou seja, a disponibilidade de recursos. Tal modula\u00e7\u00e3o \u00e9 exclu\u00edda, no entanto, do chamado \u201cn\u00facleo essencial\u201d do direito fundamental \u201catacado\u201d, que, no caso dos direitos sociais, traduz-se em um \u201cm\u00ednimo existencial\u201d, que deve prevalecer, inclusive, sobre a \u201creserva do poss\u00edvel\u201d. Ou seja, admite-se o \u201cretrocesso\u201d apenas no que exceder ao \u201cm\u00ednimo existencial\u201d e desde que demonstrada sua necessidade e proporcionalidade com rela\u00e7\u00e3o a outro valor constitucional.<\/p>\n

Em Portugal, um importante marco no reconhecimento do princ\u00edpio foi o Ac\u00f3rd\u00e3o 39\/84<\/a> do Tribunal Constitucional, que considerou inconstitucional a revoga\u00e7\u00e3o de dispositivos legais instituidores do Servi\u00e7o Nacional de Sa\u00fade. No Brasil, os precedentes mais relevantes s\u00e3o o voto minorit\u00e1rio do Ministro Celso de Melo na ADI 3105\/DF<\/a>, contr\u00e1rio \u00e0 contribui\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria para inativos e pensionistas institu\u00edda pela Emenda Constitucional 41\/2003<\/a>, e o ac\u00f3rd\u00e3o da Segunda Turma do STF no ARE 639337<\/a>, relatado pelo mesmo Ministro, relativo \u00e0 matr\u00edcula de crian\u00e7as em creches pr\u00f3ximas a sua resid\u00eancia. Na Am\u00e9rica Latina, h\u00e1 registro de emprego do princ\u00edpio tamb\u00e9m em outros pa\u00edses, podendo ser citada a Senten\u00e7a T-1318\/2015<\/a> da Corte Constitucional da Col\u00f4mbia, relativa a contrato celebrado no \u00e2mbito da pol\u00edtica habitacional.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 na Constitui\u00e7\u00e3o brasileira qualquer men\u00e7\u00e3o expressa ao princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso. Seus defensores indicam como fundamento os arts. 1\u00ba, III, e 3\u00ba, III, da Carta Magna, que consagram a dignidade da pessoa humana como fundamento e a erradica\u00e7\u00e3o da pobreza e da marginaliza\u00e7\u00e3o e a redu\u00e7\u00e3o das desigualdades regionais e sociais como objetivos fundamentais da Rep\u00fablica Federativa do Brasil.<\/p>\n

2. O princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso na ADI 5595<\/strong><\/p>\n

Encontra-se na pauta do Plen\u00e1rio do STF a ADI 5595<\/a>, proposta pela Procuradoria Geral da Rep\u00fablica, que pede a declara\u00e7\u00e3o de inconstitucionalidade de dispositivos da Emenda Constitucional n\u00ba 86, de 2015, por viola\u00e7\u00e3o do \u201cprinc\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso social\u201d, decorrente da redu\u00e7\u00e3o dos recursos vinculados \u00e0 sa\u00fade. O relator do caso, Ministro Lewandowski, concedeu liminar<\/a> acatando o pedido na \u00edntegra.<\/p>\n

A ADI 5595 pode ser considerada a mais radical formula\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso j\u00e1 submetida \u00e0 aprecia\u00e7\u00e3o do STF. Nela, a PGR pede ao Tribunal que declare a inconstitucionalidade dos arts. 2\u00ba e 3\u00ba da Emenda Constitucional n\u00ba 86, de 2015, que estabeleceram normas sobre a vincula\u00e7\u00e3o de recursos da Uni\u00e3o \u00e0 pol\u00edtica de sa\u00fade.<\/p>\n

A Constitui\u00e7\u00e3o de 1988, em sua reda\u00e7\u00e3o original, n\u00e3o vinculava recursos para a sa\u00fade, mas para a seguridade social, conceito mais amplo, que abrange tamb\u00e9m a previd\u00eancia e a assist\u00eancia.<\/p>\n

A Emenda Constitucional n\u00ba 29, de 2000<\/a>, instituiu vincula\u00e7\u00e3o de recursos para \u201ca\u00e7\u00f5es e servi\u00e7os p\u00fablicos de sa\u00fade\u201d em todos os entes da Federa\u00e7\u00e3o. No caso da Uni\u00e3o, atribuiu \u00e0 lei complementar a fixa\u00e7\u00e3o dos recursos m\u00ednimos a serem aplicados (CF, art. 198, \u00a7 2\u00ba, I, e \u00a7 3\u00ba, IV), o que acabou por ser feito pela Lei Complementar n\u00ba 141, de 2012<\/a>. O art. 5\u00ba dessa Lei estabeleceu como piso de aplica\u00e7\u00e3o o montante empenhado no ano anterior, acrescido do crescimento do PIB, caso este tenha sido positivo. Posteriormente, a Lei n\u00ba 13.858, de 2013<\/a>, destinou \u00e0 sa\u00fade, em acr\u00e9scimo a esse piso, 25% dos royalties<\/em> e da participa\u00e7\u00e3o especial da Uni\u00e3o oriundos da concess\u00e3o de campos de petr\u00f3leo na regi\u00e3o do pr\u00e9-sal (art. 2\u00ba, \u00a7 3\u00ba, e art. 4\u00ba).<\/p>\n

A Emenda Constitucional n\u00ba 86, de 2015<\/a>, substituiu a remiss\u00e3o \u00e0 lei complementar pela fixa\u00e7\u00e3o de um piso de aplica\u00e7\u00e3o de recursos na pr\u00f3pria Constitui\u00e7\u00e3o, correspondente a 15% da receita corrente l\u00edquida (CF, art. 198, \u00a7 2\u00ba, I). Estabeleceu, ainda, uma transi\u00e7\u00e3o de cinco anos para o atingimento desse patamar, partindo de um percentual de 13,2%, e incluiu os recursos dos royalties<\/em> do petr\u00f3leo nesse piso (arts. 2\u00ba e 3\u00ba).<\/p>\n

Essa transi\u00e7\u00e3o foi subsequentemente revogada pela Emenda Constitucional n\u00ba 95, de 2016<\/a>, que instituiu o Novo Regime Fiscal. O patamar de 15% foi antecipado para 2017, passando o valor resultante a ser rejustado pela infla\u00e7\u00e3o nos vinte anos seguintes.<\/p>\n

A ADI 5595 insurge-se contra a transi\u00e7\u00e3o institu\u00edda pela EC 86\/2015 e a inclus\u00e3o dos royalties<\/em> do petr\u00f3leo no piso de aplica\u00e7\u00e3o de recursos em sa\u00fade, sob o argumento de que o novo crit\u00e9rio resultaria em patamar inferior de despesa, o que violaria o princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso. Alega-se, em s\u00edntese, que o direito \u00e0 sa\u00fade \u00e9 um direito fundamental garantido pela vincula\u00e7\u00e3o de recursos e protegido por cl\u00e1usula p\u00e9trea (CF, art. 60, \u00a7 4\u00ba, IV). Embora o quadro de recess\u00e3o econ\u00f4mica seja explicitamente reconhecido, alega-se que esse fato seria irrelevante diante da essencialidade da pol\u00edtica de sa\u00fade.<\/p>\n

3. Os equ\u00edvocos da ADI 5595<\/strong><\/p>\n

O eventual provimento da ADI 5595 constituiria um precedente de grande impacto, que consagraria definitivamente o princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso, em sua vers\u00e3o mais radical, no direito constitucional brasileiro. O ineditismo da tese \u00e9 m\u00faltiplo: contesta-se uma Emenda Constitucional em face de uma lei complementar e uma lei ordin\u00e1ria; o crit\u00e9rio de aferi\u00e7\u00e3o do \u201cretrocesso\u201d \u00e9 puramente financeiro; a vers\u00e3o do princ\u00edpio defendida \u00e9 absoluta; e a abrang\u00eancia da cl\u00e1usula p\u00e9trea relativa aos direitos e garantias individuais (CF, art. 60, \u00a7 4\u00ba, IV) \u00e9 estendida n\u00e3o apenas aos direitos sociais, mas aos recursos or\u00e7ament\u00e1rios a eles vinculados. Sua aceita\u00e7\u00e3o pelo STF representaria um enorme impulso \u00e0 judicializa\u00e7\u00e3o das pol\u00edticas p\u00fablicas e colocaria em risco n\u00e3o apenas a responsabilidade fiscal, mas o pr\u00f3prio direito \u00e0 sa\u00fade. Sua repercuss\u00e3o n\u00e3o se limitaria a um maior aporte de recursos federais para a sa\u00fade, mas se estenderia a todas as eventuais realoca\u00e7\u00f5es de recursos or\u00e7ament\u00e1rios, em todas as esferas da Federa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

3.1. Comprometimento da responsabilidade fiscal<\/strong><\/p>\n

A promo\u00e7\u00e3o dos direitos econ\u00f4micos, sociais e culturais depende da condi\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica de cada pa\u00eds. Da\u00ed porque os documentos internacionais que os consagram se referem sempre aos \u201crecursos dispon\u00edveis\u201d2<\/sup>. A progressividade de seu atendimento decorre da expectativa de que o desenvolvimento econ\u00f4mico elevaria as condi\u00e7\u00f5es de vida da popula\u00e7\u00e3o e a receita dos governos. Ocorre que o desenvolvimento n\u00e3o \u00e9 linear. Diversos fatores podem levar os pa\u00edses \u00e0 recess\u00e3o ou mesmo \u00e0 depress\u00e3o econ\u00f4mica: guerras, cat\u00e1strofes naturais, crises pol\u00edticas, m\u00e1 gest\u00e3o da pol\u00edtica econ\u00f4mica, etc. Al\u00e9m disso, a economia de mercado apresenta ciclos de crescimento e recess\u00e3o que atingem mesmo os pa\u00edses desenvolvidos.<\/p>\n

A manuten\u00e7\u00e3o do patamar de despesas na fase descendente do ciclo econ\u00f4mico, quando h\u00e1 uma redu\u00e7\u00e3o das receitas, somente pode ser feita mediante endividamento. No atual contexto brasileiro, contudo, a d\u00edvida p\u00fablica j\u00e1 \u00e9 muito elevada e cresce aceleradamente, em fun\u00e7\u00e3o dos elevados d\u00e9ficits nominais e prim\u00e1rios verificados a partir de 2014. Um congelamento de despesas inviabilizaria qualquer tipo de ajuste fiscal capaz de recompor o equil\u00edbrio das contas p\u00fablicas. No limite, o governo seria obrigado a dar um calote nos credores, fornecedores e servidores p\u00fablicos, o que comprometeria a continuidade dos servi\u00e7os p\u00fablicos e causaria um retrocesso de propor\u00e7\u00f5es catastr\u00f3ficas para as pol\u00edticas sociais, a exemplo do que j\u00e1 ocorre no estado do Rio de Janeiro.<\/p>\n

3.2. Preju\u00edzo para os demais direitos sociais e para o pr\u00f3prio direito \u00e0 sa\u00fade<\/strong><\/p>\n

A vincula\u00e7\u00e3o de recursos para uma pol\u00edtica se d\u00e1 sempre em preju\u00edzo das demais pol\u00edticas. O direito \u00e0 sa\u00fade n\u00e3o se limita, no entanto, ao atendimento pelo SUS; abrange tamb\u00e9m as \u201cpol\u00edticas sociais e econ\u00f4micas que visem \u00e0 redu\u00e7\u00e3o do risco de doen\u00e7a e de outros agravos\u201d (CF, art. 196). No mesmo sentido, o Pacto dos Direitos Econ\u00f4micos, Sociais e Culturais inclui entre as medidas de promo\u00e7\u00e3o do direito \u00e0 sa\u00fade a redu\u00e7\u00e3o da mortalidade infantil, a higiene do trabalho e do meio ambiente e a preven\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as3<\/sup>.\u00a0Ocorre que a Lei Complementar n\u00ba 141, de 2012, explicitamente exclui essas medidas da aplica\u00e7\u00e3o dos recursos vinculados \u00e0 sa\u00fade (art. 4\u00ba).<\/p>\n

Nesse contexto, o ajuste fiscal recair\u00e1 desproporcionalmente sobre outras pol\u00edticas igualmente necess\u00e1rias \u00e0 promo\u00e7\u00e3o da sa\u00fade, o que pode, no limite, inviabiliz\u00e1-las por completo. Haver\u00e1 recursos para o tratamento de doen\u00e7as e o atendimento de acidentados ou v\u00edtimas da viol\u00eancia, mas n\u00e3o para o saneamento b\u00e1sico, a seguran\u00e7a alimentar, a fiscaliza\u00e7\u00e3o do tr\u00e2nsito e a seguran\u00e7a p\u00fablica, pol\u00edticas capazes atacar os problemas que est\u00e3o na origem da demanda pelos servi\u00e7os de sa\u00fade.<\/p>\n

3.3. Viola\u00e7\u00e3o da separa\u00e7\u00e3o dos poderes<\/strong><\/p>\n

As vincula\u00e7\u00f5es de recursos s\u00e3o uma exce\u00e7\u00e3o \u00e0 regra geral de livre aloca\u00e7\u00e3o da receita de impostos pela Lei Or\u00e7ament\u00e1ria (CF, art. 167, IV). Ao impedir o Congresso Nacional de rev\u00ea-las, a ADI 5595 \u201cpetrifica\u201d o \u201ccongelamento\u201d do or\u00e7amento, substituindo o ju\u00edzo de 3\/5 dos deputados e 3\/5 dos senadores (qu\u00f3rum de aprova\u00e7\u00e3o das Emendas Constitucionais) pelo de 6 ministros do STF (qu\u00f3rum de julgamento das ADI) ou apenas do relator do caso (no caso de liminar).<\/p>\n

Nesse contexto, a \u00fanica alternativa dispon\u00edvel para o atendimento das pol\u00edticas n\u00e3o vinculadas ser\u00e1 a reclassifica\u00e7\u00e3o de suas despesas, de modo que elas sejam enquadradas no \u00e2mbito das vinculadas. Isso obrigar\u00e1, em um segundo momento, o Tribunal a se pronunciar sobre o que \u00e9 ou n\u00e3o \u201csa\u00fade\u201d, ou seja, a adentrar cada vez mais o universo da legisla\u00e7\u00e3o ordin\u00e1ria.<\/p>\n

4. Comprometimento da autodetermina\u00e7\u00e3o das futuras gera\u00e7\u00f5es<\/strong><\/p>\n

Os conceitos de “progresso” e “retrocesso” em mat\u00e9ria de legisla\u00e7\u00e3o e pol\u00edticas p\u00fablicas \u00e9 bastante subjetivo. O que \u00e9 progresso para uns pode ser considerado um retrocesso para outros. Al\u00e9m disso, havendo trade-offs entre objetivos leg\u00edtimos, faz-se necess\u00e1rio estabelecer prioridades,\u00a0atividade eminentemente pol\u00edtica.<\/p>\n

\u00c9 pr\u00f3prio da democracia o conceito de altern\u00e2ncia no poder. Quem perdeu as elei\u00e7\u00f5es hoje pode venc\u00ea-las amanh\u00e3 e vice-versa. A imposi\u00e7\u00e3o da vontade do grupo pol\u00edtico atual sobre as futuras gera\u00e7\u00f5es equivale a uma ditadura cujo dirigente recursa-se a sair do poder quando derrotado nas elei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

A veda\u00e7\u00e3o de retrocesso congela, no entanto, a aloca\u00e7\u00e3o de recursos feita em algum momento do passado e impede sua revis\u00e3o pelas gera\u00e7\u00f5es subsequentes.<\/p>\n

5. Conclus\u00e3o<\/strong><\/p>\n

A aplica\u00e7\u00e3o do princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso, tal como proposta na ADI 5595, seria catastr\u00f3fica. \u00c9 certo que se trata de uma vers\u00e3o extrema do princ\u00edpio, que desconsidera por completo o contexto econ\u00f4mico do pa\u00eds. Mesmo uma vers\u00e3o atenuada seria, no entanto, igualmente question\u00e1vel, na medida em que levaria o Tribunal a revisar decis\u00f5es alocativas de recursos financeiros pr\u00f3prias dos Poderes Executivo e Legislativo, que foram eleitos para isso.<\/p>\n

Em realidade, o princ\u00edpio da veda\u00e7\u00e3o de retrocesso, enquanto tal, parece-nos inadmiss\u00edvel, pois pretende impor \u00e0 administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica uma concep\u00e7\u00e3o linear de progresso, incompat\u00edvel com a realidade econ\u00f4mica e com o direito das gera\u00e7\u00f5es futuras de eleger suas pr\u00f3prias prioridades4<\/sup>.<\/p>\n

______________<\/p>\n

1<\/sup> Nesse sentido, SARLET, Ingo Wolfgang, Notas sobre a assim designada proibi\u00e7\u00e3o de retrocesso social no constitucionalismo latino-americano<\/em><\/a>. Rev. TST, Bras\u00edlia, vol. 75, n\u00ba 3, jul\/set 2009.<\/p>\n

2<\/sup> O artigo 2\u00ba do Pacto Internacional sobre Direitos Sociais, Econ\u00f4micos e Culturais<\/a>, por exemplo, assim disp\u00f5e: \u201cCada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esfor\u00e7o pr\u00f3prio como pela assist\u00eancia e coopera\u00e7\u00e3o internacionais, principalmente nos planos econ\u00f4mico e t\u00e9cnico, at\u00e9 o m\u00e1ximo de seus recursos dispon\u00edveis<\/em>, que visem a assegurar, progressivamente<\/em>, por todos os meios apropriados, o pleno exerc\u00edcio dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a ado\u00e7\u00e3o de medidas legislativas\u201d. A mesma abordagem foi adotada nos demais documentos internacionais de prote\u00e7\u00e3o dos direitos humanos, como a Declara\u00e7\u00e3o Universal dos Direitos Humanos<\/a>, a Conven\u00e7\u00e3o Americana de Direitos Humanos<\/a> e seu Protocolo Adicional em Mat\u00e9ria de Direitos Econ\u00f4micos, Sociais e Culturais<\/a>.<\/p>\n

3<\/sup> \u201cArt. 12. 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado n\u00edvel poss\u00edvel de sa\u00fade f\u00edsica e mental.\u00a02. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto dever\u00e3o adotar com o fim de assegurar o pleno exerc\u00edcio desse direito incluir\u00e3o as medidas que se fa\u00e7am necess\u00e1rias para assegurar: a) A diminui\u00e7\u00e3o da mortinatalidade e da mortalidade infantil<\/em>, bem como o desenvolvimento das crian\u00e7as; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente<\/em>; c) A preven\u00e7\u00e3o<\/em> e o tratamento das doen\u00e7as epid\u00eamicas, end\u00eamicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doen\u00e7as;\u00a0d) A cria\u00e7\u00e3o de condi\u00e7\u00f5es que assegurem a todos assist\u00eancia m\u00e9dica e servi\u00e7os m\u00e9dicos em caso de enfermidade.<\/p>\n

4<\/sup> Vale registra que, em seus escritos mais recentes, Canotilho, um dos principais defensores do princ\u00edpio, revisou seu entendimento e considerou a veda\u00e7\u00e3o de retrocesso insustent\u00e1vel em face na realidade econ\u00f4mica<\/a>. No mesmo sentido, o Tribunal Constitucional de Portugal deixou de aplic\u00e1-lo no julgamento de diversas medidas de ajuste fiscal adotadas naquele pa\u00eds.<\/p>\n

 <\/p>\n

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