{"id":173,"date":"2011-02-10T21:18:21","date_gmt":"2011-02-11T00:18:21","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=173"},"modified":"2011-02-25T03:46:49","modified_gmt":"2011-02-25T06:46:49","slug":"o-aumento-do-salario-minimo-e-dos-beneficios-a-ele-vinculados-favorece-ou-dificulta-a-eliminacao-da-miseria-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=173","title":{"rendered":"O aumento do sal\u00e1rio m\u00ednimo e dos benef\u00edcios a ele vinculados favorece ou dificulta a elimina\u00e7\u00e3o da mis\u00e9ria no Brasil?"},"content":{"rendered":"

Mais de 20 milh\u00f5es de pessoas foram retiradas da pobreza em fun\u00e7\u00e3o das transfer\u00eancias previdenci\u00e1rias, particularmente no \u00e2mbito do setor rural[1]<\/a>. De fato, a previd\u00eancia no Brasil cumpriu papel relevante n\u00e3o apenas na redu\u00e7\u00e3o da pobreza entre idosos quanto na redistribui\u00e7\u00e3o de renda em favor destes \u00faltimos e na redu\u00e7\u00e3o das desigualdades regionais.<\/p>\n

O car\u00e1ter distributivo fica evidente quando se constata que, embora apenas metade da for\u00e7a de trabalho brasileira contribua para a previd\u00eancia, a quase totalidade dos idosos \u00e9 hoje coberta por benef\u00edcios previdenci\u00e1rios ou pelo benef\u00edcio assistencial de presta\u00e7\u00e3o continuada (BPC) pago ao portador de defici\u00eancia e idoso (65 anos ou mais) de fam\u00edlia com renda mensal per capita <\/em>inferior a \u00bc do sal\u00e1rio m\u00ednimo.<\/p>\n

Com rela\u00e7\u00e3o ao setor rural , a quase totalidade dos benef\u00edcios previdenci\u00e1rios concedidos possui car\u00e1ter eminentemente assistencial. Al\u00e9m de seus trabalhadores se aposentarem cinco antes que os urbanos, as contribui\u00e7\u00f5es previdenci\u00e1rias oriundas desse setor nem de longe cobrem as despesas. A base contributiva \u00e9 pequena, assim como reduzidas s\u00e3o as condi\u00e7\u00f5es efetivas de contribui\u00e7\u00e3o dos trabalhadores rurais brasileiros, cuja grande maioria \u00e9 carente.<\/p>\n

Com isso, a arrecada\u00e7\u00e3o rural s\u00f3 consegue cobrir cerca de 10% da sua despesa com benef\u00edcios, sendo a diferen\u00e7a coberta pelo Tesouro Nacional, conforme se verifica abaixo.<\/p>\n

Arrecada\u00e7\u00e3o L\u00edquida, Despesa com Benef\u00edcios Previdenci\u00e1rios e Resultado Previdenci\u00e1rio, segundo as clientelas urbana e rural (2009)<\/em><\/strong><\/p>\n

R$ milh\u00f5es de Dez\/2009 \u2013 INPC<\/p>\n\n\n\n\n\n\n
Clientela<\/strong><\/td>\nArrecada\u00e7\u00e3o L\u00edquida (a)<\/strong><\/td>\nBenef\u00edcios<\/strong><\/p>\n

Previdenci\u00e1rios (b)<\/strong><\/td>\n

Resultado (a-b)<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n
Urbana<\/strong><\/td>\n168.611<\/td>\n170.108<\/td>\n(1.497)<\/td>\n<\/tr>\n
Rural<\/strong><\/td>\n5.298<\/td>\n42.518<\/td>\n(37.220)<\/td>\n<\/tr>\n
Total<\/strong><\/td>\n173.908<\/td>\n212.626<\/td>\n(38.717)<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Fonte: MPS (2010)<\/p>\n

Esses benef\u00edcios rurais \u2013 que, em 2008, superaram as transfer\u00eancias do Fundo de Participa\u00e7\u00e3o dos Munic\u00edpios (principal transfer\u00eancia feita pelo Governo Federal aos governos municipais) em cerca de 2\/3 dos munic\u00edpios \u2013, somados ao benef\u00edcio assistencial, constitu\u00edram verdadeiros motores das economias locais. Melhoraram a vida no campo, desestimularam a migra\u00e7\u00e3o para os centros urbanos e transferiram recursos dos munic\u00edpios mais ricos para os mais pobres. Efeitos inquestionavelmente positivos.<\/p>\n

Agregando o Programa Bolsa Fam\u00edlia, constatamos que as transfer\u00eancias de renda hoje representam quase 20% da renda das fam\u00edlias, contribuindo inequivocamente no combate \u00e0 pobreza no Brasil[2]<\/a>.<\/p>\n

N\u00e3o obstante, embora se perceba a relev\u00e2ncia das transfer\u00eancias para todas as idades, \u00e9 de fato na popula\u00e7\u00e3o mais idosa que se verificam os maiores benef\u00edcios: com a expans\u00e3o das transfer\u00eancias previdenci\u00e1rias (87% do total) e da assistencial, o percentual de pobres entre indiv\u00edduos com 65 anos ou mais de idade\u00a0 despencou de 14% em 1978 para menos de 2% em 2008.<\/p>\n

\u00c9 fundamental destacar ainda que n\u00e3o apenas a quase totalidade dos idosos brasileiros recebe renda, como esta renda tem crescido sistematicamente para a maioria deles nos \u00faltimos anos. Dois em cada tr\u00eas segurados da previd\u00eancia social e a totalidade dos benefici\u00e1rios do BPC recebem benef\u00edcios iguais ao sal\u00e1rio m\u00ednimo, cujo valor aumentou 122% acima da infla\u00e7\u00e3o entre 1995 e 2010.<\/p>\n

Com isso, estima-se que hoje a cada R$ 1 real de eleva\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo, as despesas com benef\u00edcios previdenci\u00e1rios sobem R$ 198 milh\u00f5es e as relativas ao BPC, R$ 46,3 milh\u00f5es. As receitas, por seu turno, por n\u00e3o estarem concentradas em torno dos benef\u00edcios de um sal\u00e1rio m\u00ednimo, crescem apenas R$ 14 milh\u00f5es. Resultado: o d\u00e9ficit total do INSS \u00e9 elevado em R$ 230 milh\u00f5es a cada R$ 1 de aumento do m\u00ednimo.<\/p>\n

Fruto, em grande parte, da pol\u00edtica de valoriza\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo e de sua vincula\u00e7\u00e3o ao piso dos benef\u00edcios da previd\u00eancia social, o crescimento dos gastos previdenci\u00e1rios, nos \u00faltimos anos, foi estratosf\u00e9rico \u2013 passaram de 2,5% para 7,2% do PIB, entre 1998 e 2009 \u2013, abocanhando hoje 32% do total da despesa prim\u00e1ria federal.<\/p>\n

No caso do benef\u00edcio assistencial, a situa\u00e7\u00e3o \u00e9 menos grave, embora requeira aten\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que os respectivos gastos mais que dobraram, passando de 0,27% do PIB em 2003 para 0,60% em 2010, o que representa quase 3% da despesa n\u00e3o financeira da Uni\u00e3o (maior, portanto, do que os disp\u00eandios do Programa Bolsa Fam\u00edlia, respons\u00e1veis por menos de 2% dessa despesa).<\/p>\n

Embora as despesas do BPC sejam maiores do que as do Bolsa Fam\u00edlia, o primeiro programa assistencial beneficia 3,2 milh\u00f5es de idosos e deficientes enquanto o segundo, 12,4 milh\u00f5es de fam\u00edlias.<\/p>\n

Resultado desse substancial avan\u00e7o das despesas previdenci\u00e1ria e assistencial vis-\u00e0-vis<\/em> a pol\u00edtica de obten\u00e7\u00e3o sistem\u00e1tica de super\u00e1vits fiscais prim\u00e1rios, gastos essenciais ao crescimento autossustentado do Pa\u00eds acabaram sendo comprimidos, ao longo do tempo, tais como os vinculados a investimentos em infraestrutura e educa\u00e7\u00e3o, al\u00e9m dos direcionados \u00e0 sa\u00fade, seguran\u00e7a p\u00fablica e outros essenciais ao bem-estar da popula\u00e7\u00e3o brasileira.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, quando se focaliza a situa\u00e7\u00e3o dos mais jovens e respons\u00e1veis pelo Brasil de amanh\u00e3, constata-se que, enquanto a pobreza praticamente acabou entre os idosos, 44% das crian\u00e7as de at\u00e9 14 anos de idade s\u00e3o pobres, das quais perto de 20%, extremamente pobres. N\u00e3o seria chegada a hora de passar a focalizar as transfer\u00eancias de renda primordialmente nos mais jovens (sem deixar de amparar os idosos, obviamente)?<\/p>\n

Nesse contexto, cabe averiguar se continuar pagando benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais cada vez mais elevados para idosos, j\u00e1 que seguem a pol\u00edtica de valoriza\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo, \u00e9 a melhor forma de reduzir a pobreza e a triste indig\u00eancia que ainda assolam nosso Pa\u00eds.<\/p>\n

Ao comparar o combate \u00e0 pobreza no Brasil com o ocorrido em outros pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina, conclui-se que nossa pol\u00edtica n\u00e3o tem sido t\u00e3o efetiva quanto poderia ter sido, em face do substancial n\u00edvel dos nossos gastos sociais. Isso porque, de acordo com dados da Cepal de 2008, registramos a quarta pior performance do Continente.<\/p>\n

Ademais, informa\u00e7\u00f5es da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios (PNAD) para o mesmo ano permitem inferir que, entre aqueles que recebem benef\u00edcios previdenci\u00e1rios equivalentes a um sal\u00e1rio m\u00ednimo, somente 7,6% continuam pobres e apenas 0,6%, extremamente pobres. No caso dos idosos que recebem o benef\u00edcio assistencial de presta\u00e7\u00e3o continuada, apenas 9,4% permanecem pobres e 0,8%, extremamente pobres.<\/p>\n

Essas estat\u00edsticas traduzem a seguinte realidade: resultado da expressiva escalada de aumentos reais verificada pelo piso salarial de nossa economia, quem hoje o recebe n\u00e3o mais pode ser considerado pobre. Isso, por sua vez, implica que, no futuro, novos incrementos reais no valor do sal\u00e1rio m\u00ednimo tender\u00e3o a melhorar a vida dos que, felizmente, j\u00e1 conseguiram deixar para tr\u00e1s a mis\u00e9ria e se distanciar da pobreza. \u00c9 como se houvesse dois indiv\u00edduos pobres, sendo um mais pobre que o outro, e o menos pobre fosse aquele que estivesse recebendo as maiores transfer\u00eancias de renda. Tal estrat\u00e9gia reduz a pobreza, mas n\u00e3o da forma fundamental.<\/p>\n

Em outras palavras: embora a vincula\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo ao valor do piso previdenci\u00e1rio e do benef\u00edcio assistencial de presta\u00e7\u00e3o continuada tenha contribu\u00eddo para a redu\u00e7\u00e3o da pobreza no Brasil, especialmente entre os idosos; a pol\u00edtica de valoriza\u00e7\u00e3o desse sal\u00e1rio j\u00e1 atingiu um patamar a partir do qual seu efeito sobre a pobreza est\u00e1 praticamente esgotado.<\/p>\n

Conclus\u00e3o: aumentar os gastos com a previd\u00eancia social e com o pagamento do benef\u00edcio assistencial n\u00e3o \u00e9 hoje o melhor instrumento para reduzir a pobreza e pouco resultado tem na diminui\u00e7\u00e3o da mis\u00e9ria.<\/p>\n

Desse modo, defender as elevadas despesas advindas da pol\u00edtica de valoriza\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo sob o argumento de que constituem importante instrumento de redu\u00e7\u00e3o da pobreza esconde hoje uma grande verdade: se parcela dos gastos redundantes do sistem\u00e1tico aumento do piso previdenci\u00e1rio e do BPC for alocada na expans\u00e3o de programas sociais efetivamente focalizados nos extratos inferiores de renda, como por exemplo, o Programa Bolsa Fam\u00edlia, a pobreza e a mis\u00e9ria diminuir\u00e3o muito mais.<\/p>\n

Assim, caso se queira contribuir para a concretiza\u00e7\u00e3o do pacto contra a mis\u00e9ria proposto pelo novo Governo lan\u00e7ado ao poder a partir de 2011, o mais indicado \u00e9 mudar a estrat\u00e9gia. Ao inv\u00e9s de continuar elevando a renda daqueles que recebem benef\u00edcios previdenci\u00e1rios e assistenciais equivalentes ao sal\u00e1rio m\u00ednimo, o mais indicado \u00e9 preservar o valor real desses benef\u00edcios (mediante reajustamentos anuais por \u00edndice de pre\u00e7os), direcionando parte dos recursos poupados pela n\u00e3o concess\u00e3o de aumentos reais aos programas de transfer\u00eancia de renda efetivamente focados nos mais pobres.<\/p>\n

Se a op\u00e7\u00e3o for por dar continuidade \u00e0 pol\u00edtica de valoriza\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio m\u00ednimo, isso exigir\u00e1 que se elimine a vincula\u00e7\u00e3o entre este sal\u00e1rio e os valores do piso previdenci\u00e1rio e do benef\u00edcio assistencial de presta\u00e7\u00e3o continuada.<\/p>\n

Tal estrat\u00e9gia possibilitar\u00e1 manter a prote\u00e7\u00e3o aos idosos e, ao mesmo tempo, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros de baixa renda mais jovens, potencializando, assim, a redu\u00e7\u00e3o da pobreza e a elimina\u00e7\u00e3o da mis\u00e9ria que ainda impedem que tais cidad\u00e3os sejam part\u00edcipes do crescimento econ\u00f4mico do Brasil. E o melhor: sem pressionar o aumento das despesas p\u00fablicas, que devem passar a conferir maior foco aos investimentos em infraestrutura e aos gastos em educa\u00e7\u00e3o, essenciais ao desenvolvimento sustentado da economia brasileira, com evidentes benef\u00edcios \u00e0 camada mais pobre da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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