{"id":988,"date":"2012-01-23T07:49:24","date_gmt":"2012-01-23T10:49:24","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=988"},"modified":"2012-01-23T07:49:24","modified_gmt":"2012-01-23T10:49:24","slug":"por-que-e-tao-elevada-a-carga-tributaria-sobre-os-servicos-de-saneamento-basico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=988","title":{"rendered":"Por que \u00e9 t\u00e3o elevada a carga tribut\u00e1ria sobre os servi\u00e7os de saneamento b\u00e1sico?"},"content":{"rendered":"
Texto publicado neste site (Quais os efeitos de uma tributa\u00e7\u00e3o mal planejada?<\/a><\/span>) analisa o impacto negativo sobre o bem-estar da sociedade causado por tributos excessivos ou mal desenhados, em desconformidade com as prescri\u00e7\u00f5es da teoria econ\u00f4mica. Um exemplo de distor\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria foi apresentado em outro texto, que discute a baixa tributa\u00e7\u00e3o imposta \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo (Por que o governo tributa cada vez menos a produ\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia?<\/a><\/span>). Mostra-se ali que \u00e9 baixa e decrescente a tributa\u00e7\u00e3o sobre um setor que deveria pagar mais impostos, por ser gerador de altos lucros (baixo custo de produ\u00e7\u00e3o e alto pre\u00e7o de venda final) e ser baseado em uma riqueza natural de propriedade do Estado. No presente texto mostraremos uma situa\u00e7\u00e3o inversa: a tributa\u00e7\u00e3o excessiva do setor de saneamento que, de acordo com a teoria econ\u00f4mica, deveria receber dinheiro do governo (ser subsidiado) em vez de pagar impostos.<\/p>\n Em primeiro lugar, vamos analisar porque o saneamento deve ser subsidiado. Trata-se de uma atividade que gera externalidades para a sociedade (sobre o conceito de externalidade, ver neste site <\/a>Por que o governo deve interferir na economia?<\/a>).<\/span> Ou seja, os benef\u00edcios gerados pelo saneamento v\u00e3o al\u00e9m daqueles auferidos pela fam\u00edlia servida pelo esgoto ou pela \u00e1gua tratada. Estudo da Funda\u00e7\u00e3o Get\u00falio Vargas estima as seguintes externalidades positivas que decorreriam da universaliza\u00e7\u00e3o do saneamento b\u00e1sico no Brasil:[1]<\/a><\/p>\n Uma atividade geradora de tantas externalidades positivas deve ser incentivada pelo governo, por meio de baixa tributa\u00e7\u00e3o e transfer\u00eancia de subs\u00eddios.<\/p>\n No Brasil, a import\u00e2ncia de subsidiar o saneamento \u00e9 ainda maior devido \u00e0 baixa cobertura desse servi\u00e7o. De acordo com Oliveira, Scazufca e Marcato[2]<\/a>: \u201csomente 44% da popula\u00e7\u00e3o brasileira t\u00eam acesso \u00e0 rede de esgotamento sanit\u00e1rio e 78,6% t\u00eam acesso \u00e0\u00a0 \u00e1gua tratada. Do total do esgoto gerado, apenas 29,4% \u00e9 tratado\u201d<\/em>. Para suprir esse d\u00e9ficit de atendimento, as empresas do setor precisam estar capitalizadas para investir na expans\u00e3o de suas redes.<\/p>\n Por\u00e9m, quando analisamos a tributa\u00e7\u00e3o imposta ao setor, percebemos que ela \u00e9 alta e crescente, desestimulando a expans\u00e3o do saneamento. O Gr\u00e1fico 1 compara os tributos pagos pelos prestadores de servi\u00e7os de saneamento e os recursos n\u00e3o onerosos por eles recebidos de fontes governamentais para realizar investimentos. Tais recursos equivaleriam aos subs\u00eddios recebidos pelo setor. O que se observa \u00e9 que, at\u00e9 2002, o montante de tributos pagos era aproximadamente igual ao montante de subs\u00eddios recebidos. A partir de 2003 a arrecada\u00e7\u00e3o de impostos federais no setor de saneamento cresceu com for\u00e7a, acumulando alta de 188% de 2002 a 2008, j\u00e1 descontada a infla\u00e7\u00e3o. Em valores, foram recolhidos R$ 3,3 bilh\u00f5es em 2008 e R$ 1,2 bilh\u00e3o em 2002. J\u00e1 os subs\u00eddios ao setor (apesar dos esfor\u00e7os do PAC para acelerar os investimentos em saneamento) n\u00e3o cresceram na mesma propor\u00e7\u00e3o e, em 2008, a diferen\u00e7a entre tributos e subs\u00eddios superou os R$ 2 bilh\u00f5es.<\/p>\n Gr\u00e1fico 1 – Tributos pagos e recursos n\u00e3o onerosos para investimentos recebidos pelas prestadoras de servi\u00e7o de saneamento (R$ milh\u00f5es)<\/strong><\/p>\n A principal causa desse aumento de carga tribut\u00e1ria (l\u00edquida dos subs\u00eddios) suportada pelo setor de saneamento foi a mudan\u00e7a do regime de incid\u00eancia da Contribui\u00e7\u00e3o para o Financiamento da Seguridade Social \u2013 COFINS e da Contribui\u00e7\u00e3o para os Programas de Integra\u00e7\u00e3o Social e de Forma\u00e7\u00e3o do Patrim\u00f4nio do Servidor P\u00fablico \u2013 PIS\/PASEP[3]<\/a>, efetivadas em 2002 e em 2003.<\/p>\n O objetivo desta mudan\u00e7a foi a transi\u00e7\u00e3o da tributa\u00e7\u00e3o de um regime cumulativo para um regime n\u00e3o cumulativo de tributa\u00e7\u00e3o. Vale dizer: a nova legisla\u00e7\u00e3o passou a permitir que os tributos embutidos nos pre\u00e7os dos insumos adquiridos por uma pessoa jur\u00eddica pudessem ser descontados do tributo a pagar. Assim, por exemplo, uma montadora de autom\u00f3veis pode descontar da COFINS e PIS\/PASEP devidos o montante desses tributos que foi pago pelos seus fornecedores de autope\u00e7as, de energia el\u00e9trica ou de m\u00e1quinas e equipamentos.<\/p>\n Tal modifica\u00e7\u00e3o, se adotada isoladamente, deveria reduzir o montante arrecadado de COFINS e PIS\/PASEP. Por\u00e9m, para evitar a queda de arrecada\u00e7\u00e3o, o Governo Federal introduziu uma segunda modifica\u00e7\u00e3o: a eleva\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas dos tributos. A al\u00edquota b\u00e1sica da COFINS passou de 3% para 7,6%, e a do PIS\/PASEP, de 0,65% para 1,65%[4]<\/a>.<\/p>\n O efeito final dessas modifica\u00e7\u00f5es sobre cada setor da economia depende de dois fatores:<\/p>\n a)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 a quantidade de cr\u00e9ditos que cada empresa disp\u00f5e para descontar do imposto a pagar;<\/p>\n b)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 os detalhes da legisla\u00e7\u00e3o, que definem quais cr\u00e9ditos podem, efetivamente, ser descontados.<\/p>\n Com rela\u00e7\u00e3o ao item (a), o novo regime beneficia setores como o de fabrica\u00e7\u00e3o de autom\u00f3veis, que representa o final de uma longa cadeia de fornecedores, em que os cr\u00e9ditos tribut\u00e1rios acumulados ao longo da cadeia de suprimentos podem ser suficientes para compensar a eleva\u00e7\u00e3o de al\u00edquotas dos impostos. J\u00e1 nos setores que n\u00e3o acumulam cr\u00e9ditos a serem descontados, o efeito do aumento da al\u00edquota tende a prevalecer, elevando-se o montante dos impostos a pagar.<\/p>\n Com rela\u00e7\u00e3o ao item (b), \u00e9 preciso considerar que as regras para desconto de cr\u00e9ditos s\u00e3o bastante complexas e detalhadas, excluindo v\u00e1rios tipos de despesas do rol de geradores de cr\u00e9dito a descontar. Assim, levam vantagem as empresas cuja estrutura de custos tem alto percentual de despesas aceitas para dedu\u00e7\u00e3o de impostos.<\/p>\n O setor de saneamento parece ter sido prejudicado pelos dois fatores. Em primeiro lugar, porque sua cadeia de produ\u00e7\u00e3o \u00e9 curta, n\u00e3o acumulando cr\u00e9ditos a descontar. Em segundo lugar, porque seus custos operacionais s\u00e3o majoritariamente concentrados em despesa de pessoal; despesa essa que n\u00e3o gera cr\u00e9dito para desconto no pagamento de PIS\/COFINS.<\/p>\n O principal insumo do saneamento, a \u00e1gua, n\u00e3o \u00e9 comprada de fornecedores, e sim adquirida mediante outorga[5]<\/a>. N\u00e3o h\u00e1, portanto, cr\u00e9ditos tribut\u00e1rios acumulados na aquisi\u00e7\u00e3o do principal insumo. O custo de aquisi\u00e7\u00e3o de produtos qu\u00edmicos e da energia el\u00e9trica usados no tratamento da \u00e1gua \u00e9 pass\u00edvel de desconto da base de tributa\u00e7\u00e3o, mas representam apenas 21% do custo de produ\u00e7\u00e3o (4% para produtos qu\u00edmicos e 17% para energia el\u00e9trica).<\/p>\n O setor tem altos custos de investimento em rede de distribui\u00e7\u00e3o de \u00e1gua, \u00a0coleta e tratamento de esgoto, e a legisla\u00e7\u00e3o imp\u00f5e restri\u00e7\u00f5es aos cr\u00e9ditos de deprecia\u00e7\u00e3o e amortiza\u00e7\u00e3o do ativo imobilizado.<\/p>\n O aumento de tributa\u00e7\u00e3o, decorrente da eleva\u00e7\u00e3o de PIS\/PASEP e COFINS evidenciado nos Gr\u00e1ficos 1 e 2 foi capaz de afetar fortemente a capacidade de investimentos das prestadoras de servi\u00e7o de saneamento. O Gr\u00e1fico 2 mostra que em 2001, antes da mudan\u00e7a tribut\u00e1ria, as despesas fiscais ou tribut\u00e1rias que comp\u00f5em a despesa de explora\u00e7\u00e3o equivaliam a 24% do que se gastava com investimentos. Em 2008 esse percentual j\u00e1 havia chegado a 39%, tendo atingido um pico de 47% em 2007.<\/p>\n Se forem considerados os demais tributos, n\u00e3o inclu\u00eddos no c\u00e1lculo de despesa de explora\u00e7\u00e3o (tais como Imposto de Renda e CSLL) a rela\u00e7\u00e3o entre despesa tribut\u00e1ria e investimentos chegaria, em 2008, a 59%[6]<\/a>.<\/p>\n Para uma atividade t\u00e3o dependente de investimento em instala\u00e7\u00f5es de armazenamento, distribui\u00e7\u00e3o e tratamento, a descapitaliza\u00e7\u00e3o provocada pelo aumento da carga tribut\u00e1ria \u00e9 um fator extremamente limitante da capacidade de crescimento.<\/p>\n Gr\u00e1fico 2 – Rela\u00e7\u00e3o entre as despesas fiscais ou tribut\u00e1rias inclu\u00eddas na despesa de explora\u00e7\u00e3o e os investimentos totais das prestadoras de servi\u00e7o de saneamento<\/strong><\/p>\n <\/strong><\/p>\n O resultado dessa distor\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria \u00e9 que o Pa\u00eds levar\u00e1 mais tempo para universalizar os servi\u00e7os de saneamento, precisando lidar com as consequ\u00eancias negativas dessa car\u00eancia. Para universalizar o consumo de \u00e1gua e esgoto, ser\u00e3o necess\u00e1rios pesados investimentos. A estimativa do governo aponta a necessidade de investimentos de R$ 15 bilh\u00f5es por ano. Em 2008, \u00faltimo ano para o qual h\u00e1 informa\u00e7\u00f5es dispon\u00edveis, o investimento total das empresas de saneamento foi de apenas R$ 5,6 bilh\u00f5es. Ou seja, pouco mais de 1\/3 do montante necess\u00e1rio.<\/p>\n Para ler mais sobre o tema:<\/strong><\/p>\n FUNDA\u00c7\u00c3O GET\u00daLIO VARGAS (2010) Benef\u00edcios econ\u00f4micos da expans\u00e3o do saneamento brasileiro. Instituto Trata Brasil, junho de 2010.<\/p>\n LCA Consultores. \u201cProposta de Agenda 2011-2014 para o Setor de \u00c1gua e Esgoto no Brasil\u201d. Mimeo. 2011. Texto acess\u00edvel no endere\u00e7o: http:\/\/www.abdib.org.br\/arquivos_comite\/\/prop_agenda_saneam.pdf<\/a><\/p>\n Turolla, F.A. e Ohira, T.H. A economia do saneamento b\u00e1sico. III Ciclo de Debates do Grupo de Estudos de Economia Industrial, Tecnologia e Trabalho. PUC- USP. Mimeo.<\/p>\n Oliveira, G., Scazufca, P. e Marcato, F.S. (2011) Cen\u00e1rios e condi\u00e7\u00f5es para a universaliza\u00e7\u00e3o do saneamento no Brasil. Informa\u00e7\u00f5es FIPE. Funda\u00e7\u00e3o Instituto de Pesquisa Econ\u00f4mica, n\u00ba 364, janeiro de 2011.<\/p>\n Downloads:<\/em><\/strong><\/p>\n [2]<\/a> Oliveira, G., Scazufca, P. e Marcato, F.S. (2011) Cen\u00e1rios e condi\u00e7\u00f5es para a universaliza\u00e7\u00e3o do saneamento no Brasil. Informa\u00e7\u00f5es FIPE. <\/em>Funda\u00e7\u00e3o Instituto de Pesquisa Econ\u00f4mica, n\u00ba 364, janeiro de 2011.<\/p>\n [3]<\/a> Leis n\u00ba 10.637\/2002 e n\u00ba 10.833\/2003.<\/p>\n [4]<\/a>Lei n\u00ba 10.637\/2002 art. 2\u00ba e Lei n\u00ba 10.833\/2003 art. 2\u00ba<\/p>\n\n
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[1]<\/a> FUNDA\u00c7\u00c3O GET\u00daLIO VARGAS (2010) Benef\u00edcios econ\u00f4micos da expans\u00e3o do saneamento brasileiro.<\/em> Instituto Trata Brasil, junho de 2010.<\/p>\n