{"id":732,"date":"2011-09-14T01:18:42","date_gmt":"2011-09-14T04:18:42","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=732"},"modified":"2012-01-04T01:14:48","modified_gmt":"2012-01-04T04:14:48","slug":"o-orcamento-sigiloso-traz-beneficios-para-as-contratacoes-publicas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=732","title":{"rendered":"O or\u00e7amento sigiloso traz benef\u00edcios para as contrata\u00e7\u00f5es p\u00fablicas?"},"content":{"rendered":"

A Lei n\u00ba 12.462, de 2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contrata\u00e7\u00f5es P\u00fablicas (RDC), a ser adotado nas licita\u00e7\u00f5es e contratos necess\u00e1rios \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o da Copa do Mundo de 2014 e das Olimp\u00edadas de 2016, prev\u00ea diversas inova\u00e7\u00f5es \u00e0 legisla\u00e7\u00e3o vigente, ainda que com \u00e2mbito de aplica\u00e7\u00e3o limitado. Durante a tramita\u00e7\u00e3o, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei de Convers\u00e3o n\u00ba 17, de 2011, do qual se originou a referida lei, o RDC foi tratado como uma esp\u00e9cie de experi\u00eancia piloto que, revelando-se bem sucedida, poderia ser estendida \u00e0s licita\u00e7\u00f5es e contratos em geral, reguladas pela Lei n\u00ba 8.666, de 1993.<\/p>\n

Uma das novidades que mais provocaram pol\u00eamica quando da tramita\u00e7\u00e3o da mat\u00e9ria no Poder Legislativo \u00e9 a figura do or\u00e7amento sigiloso, prevista no art. 6\u00ba da nova Lei:<\/p>\n

Art. 6\u00ba<\/span><\/strong> Observado o disposto no \u00a7 3\u00ba<\/span>, o or\u00e7amento previamente estimado para a contrata\u00e7\u00e3o ser\u00e1 tornado p\u00fablico apenas e imediatamente ap\u00f3s o encerramento da licita\u00e7\u00e3o, sem preju\u00edzo da divulga\u00e7\u00e3o do detalhamento dos quantitativos e das demais informa\u00e7\u00f5es necess\u00e1rias para a elabora\u00e7\u00e3o das propostas.<\/p>\n

……………………………………………………………………………………<\/p>\n

\u00a7 3\u00ba<\/span> Se n\u00e3o constar do instrumento convocat\u00f3rio, a informa\u00e7\u00e3o referida no caput<\/em> deste artigo possuir\u00e1 car\u00e1ter sigiloso e ser\u00e1 disponibilizada estrita e permanentemente aos \u00f3rg\u00e3os de controle externo e interno.<\/p>\n

O sigilo de que trata o art. 6\u00ba<\/span> vigorar\u00e1 durante todo o processo licitat\u00f3rio, ao fim do qual o or\u00e7amento se tornar\u00e1 p\u00fablico. No curso do certame, apenas os \u00f3rg\u00e3os de controle interno e externo ter\u00e3o acesso permanente aos dados do or\u00e7amento.<\/p>\n

A Lei n\u00ba 8.666, de 1993, em diversos dispositivos, exige que dados como o or\u00e7amento pr\u00e9vio elaborado pela Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica sejam divulgados aos licitantes[1]<\/a>. Isso, por si s\u00f3, j\u00e1 poderia gerar questionamentos quanto \u00e0 validade da inova\u00e7\u00e3o que determina o sigilo do or\u00e7amento, em se entendendo que a Lei n\u00ba 12.462, de 2011, por possuir \u00e2mbitos espacial, temporal, subjetivo e material de vig\u00eancia limitados, o que n\u00e3o se coaduna com o perfil de uma norma geral.<\/p>\n

Por for\u00e7a do art. 22, XXVII, da Constitui\u00e7\u00e3o, as normas editadas pela Uni\u00e3o sobre licita\u00e7\u00f5es e contratos s\u00f3 s\u00e3o vinculantes para Estados e Munic\u00edpios quando possuem perfil de norma geral. E, quando legisla apenas para si, a Uni\u00e3o n\u00e3o pode contrariar as normas gerais que instituiu previamente.<\/p>\n

N\u00e3o se pretende, aqui, analisar o or\u00e7amento sigiloso pelo prisma da constitucionalidade, mas sim perquirir a respeito de sua conveni\u00eancia e oportunidade. Sob essa perspectiva, cumpre registrar, de in\u00edcio, que o or\u00e7amento sigiloso nada tem de ins\u00f3lito. No \u00e2mbito da Uni\u00e3o Europeia, por exemplo, a legisla\u00e7\u00e3o que trata do assunto e disp\u00f5e sobre a publicidade dos processos licitat\u00f3rios, n\u00e3o \u00e9 impositiva quanto \u00e0 divulga\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento pr\u00e9vio elaborado pela Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica.[2]<\/a><\/p>\n

Alguns pa\u00edses-membros da Uni\u00e3o Europeia optaram por exigir, em suas legisla\u00e7\u00f5es, a divulga\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento. \u00c9 o caso de Portugal, cujo C\u00f3digo dos Contratos P\u00fablicos (CCP), aprovado pelo Decreto-Lei n\u00ba<\/span> 18\/2008, prev\u00ea a divulga\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os estimados das contrata\u00e7\u00f5es no an\u00fancio de pr\u00e9-informa\u00e7\u00e3o e considera como informa\u00e7\u00e3o essencial, a constar do caderno de encargos, o pre\u00e7o base, utilizado como par\u00e2metro para a contrata\u00e7\u00e3o.[3]<\/a> Na Fran\u00e7a, ao rev\u00e9s, o C\u00f3digo de Contratos P\u00fablicos, <\/em>em seus arts. 40, V, e 150, V, disp\u00f5e que o ente ou \u00f3rg\u00e3o contratante n\u00e3o \u00e9 obrigado a divulgar, no edital de licita\u00e7\u00e3o para a contrata\u00e7\u00e3o de obras, servi\u00e7os ou fornecimentos, o pre\u00e7o estimado das presta\u00e7\u00f5es esperadas[4]<\/a>.<\/p>\n

Nos Estados Unidos, o Regulamento de Aquisi\u00e7\u00f5es Federais, norma que regula os procedimentos de contrata\u00e7\u00e3o no \u00e2mbito do Governo Federal, prev\u00ea que o acesso \u00e0s informa\u00e7\u00f5es referentes ao or\u00e7amento elaborado pela Administra\u00e7\u00e3o, no tocante aos contratos de obras a serem celebrados, deve-se limitar aos funcion\u00e1rios cujos deveres requerem tal conhecimento, permitido o levantamento do sigilo em rela\u00e7\u00e3o a servi\u00e7os especializados, durante as negocia\u00e7\u00f5es do contrato, na medida considerada necess\u00e1ria para se chegar a um pre\u00e7o justo e razo\u00e1vel.<\/p>\n

Em todo caso, a norma norte-americana veda a divulga\u00e7\u00e3o do montante global do or\u00e7amento governamental, exceto se permitido pela legisla\u00e7\u00e3o do \u00f3rg\u00e3o. O mesmo regulamento, ao cuidar dos avisos de licita\u00e7\u00e3o para contratar obras, determina que eles contenham detalhes suficientes sobre a natureza e o volume da obra, incluindo a faixa estimada de pre\u00e7o. Contudo, nem as faixas de pre\u00e7o nem outros dados sobre a magnitude da obra podem revelar o valor efetivo do or\u00e7amento pr\u00e9vio da Administra\u00e7\u00e3o.[5]<\/a><\/p>\n

No Brasil, conforme divulgado pelos \u00f3rg\u00e3os de imprensa, o Poder Executivo defendeu a institui\u00e7\u00e3o da figura do or\u00e7amento sigiloso com o argumento de evitar a pr\u00e1tica de eleva\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os e de forma\u00e7\u00e3o de cartel<\/em>.[6]<\/a><\/p>\n

Ora, a forma\u00e7\u00e3o ou n\u00e3o de um cartel independe da divulga\u00e7\u00e3o dos or\u00e7amentos pr\u00e9vios elaborados pela Administra\u00e7\u00e3o promotora do certame. Com ou sem or\u00e7amento, cart\u00e9is poder\u00e3o se formar. O que pode variar \u00e9 o \u00eaxito dessa estrat\u00e9gia. Os cart\u00e9is costumam dividir o mercado de obras p\u00fablicas mediante combina\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os das propostas apresentadas pelos seus integrantes. Escolhe-se previamente que licitante vencer\u00e1 cada certame. Todos os demais participantes do conluio oferecem propostas em valor superior, de modo a possibilitar a sua vit\u00f3ria. Com isso, e tendo acesso ao or\u00e7amento previamente divulgado, o integrante do cartel ao qual foi atribu\u00eddo o objeto da contrata\u00e7\u00e3o pode oferecer uma proposta de pre\u00e7o mais pr\u00f3xima do valor m\u00e1ximo admitido pela Administra\u00e7\u00e3o, mas que n\u00e3o o ultrapasse, evitando sua desclassifica\u00e7\u00e3o.[7]<\/a><\/p>\n

Em um mundo onde n\u00e3o haja corrup\u00e7\u00e3o dos agentes p\u00fablicos, a manuten\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento em sigilo pode funcionar como estrat\u00e9gia de combate \u00e0 pr\u00e1tica acima descrita. Com efeito, desconhecendo o valor m\u00e1ximo admitido pela Administra\u00e7\u00e3o, o licitante (mesmo na hip\u00f3tese de combina\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os pelo cartel) ter\u00e1 incentivos para reduzir o valor de sua proposta, sob o temor de v\u00ea-la desclassificada, o que redundar\u00e1 em margens maiores de desconto para o Poder P\u00fablico, relativamente ao valor constante do or\u00e7amento. Nesse sentido, a Organiza\u00e7\u00e3o para Coopera\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE), ao editar suas Guidelines for fighting bid rigging in public procurement <\/em>(Diretrizes para combater conluios nos certames para contrata\u00e7\u00e3o p\u00fablica), recomendou:<\/p>\n

Use um pre\u00e7o m\u00e1ximo somente quando ele for baseado em minuciosa pesquisa de mercado e os funcion\u00e1rios estejam convencidos de que ele \u00e9 muito competitivo. N\u00e3o publique o pre\u00e7o, mas o mantenha confidencial, em arquivo, ou o deposite junto a outra autoridade p\u00fablica.[8]<\/a><\/p>\n

No mundo real, no entanto, essa ideia, concebida para combater o conluio de licitantes, pode resultar ineficaz quando: a) houver corrup\u00e7\u00e3o dos servidores p\u00fablicos que tiverem acesso \u00e0s informa\u00e7\u00f5es sigilosas; b) os competidores se recusarem a baixar os pre\u00e7os de suas propostas.<\/p>\n

O primeiro caso \u00e9 de simples compreens\u00e3o: se os integrantes do cartel obtiverem informa\u00e7\u00f5es privilegiadas de agentes p\u00fablicos corruptos, a pr\u00e1tica antes descrita continuar\u00e1 sendo poss\u00edvel.<\/p>\n

J\u00e1 no segundo caso, se os licitantes continuarem a oferecer propostas com pre\u00e7os superiores aos do or\u00e7amento da Administra\u00e7\u00e3o, ser\u00e1 necess\u00e1rio renovar o processo licitat\u00f3rio, at\u00e9 que algum deles apresente proposta em valor inferior ao do or\u00e7amento, ou, nos termos do par\u00e1grafo \u00fanico do art. 26 da Lei do RDC, negociar com o autor da melhor proposta a sua redu\u00e7\u00e3o at\u00e9 que alcance o valor or\u00e7ado pela Administra\u00e7\u00e3o[9]<\/a>. No limite, os licitantes descobririam o valor do or\u00e7amento da Administra\u00e7\u00e3o, por um m\u00e9todo de tentativa e erro, e o sigilo inicial do or\u00e7amento seria de muito pouca valia.<\/p>\n

Assim, embora a previs\u00e3o do or\u00e7amento sigiloso seja justificada com o argumento de que ele poderia combater estrat\u00e9gias cartel\u00edsticas, \u00e9 duvidosa a sua efic\u00e1cia. Em um mercado cartelizado, bastar\u00e1 aos participantes do conluio persistir nas pr\u00e1ticas atuais, para obterem resultado semelhante aos verificados atualmente. Se todos oferecerem propostas de pre\u00e7o superiores ao or\u00e7amento sigiloso da Administra\u00e7\u00e3o, esta findar\u00e1 por negociar melhores condi\u00e7\u00f5es com o autor da melhor proposta, valendo-se do disposto no par\u00e1grafo \u00fanico do art. 26 da Lei, at\u00e9 que o pre\u00e7o por ele oferecido se equipare ao constante do or\u00e7amento.<\/p>\n

Como alternativa aos procedimentos descritos no par\u00e1grafo anterior, o \u00f3rg\u00e3o ou ente promotor do certame poder\u00e1 realizar a contrata\u00e7\u00e3o direta, com base no inciso VII do art. 24 da Lei n\u00ba<\/span> 8.666, de 1993, que estabelece ser dispens\u00e1vel a licita\u00e7\u00e3o quando as propostas apresentadas consignarem pre\u00e7os manifestamente superiores aos praticados no mercado nacional, ou forem incompat\u00edveis com os fixados pelos \u00f3rg\u00e3os oficiais competentes, casos em que, observado o par\u00e1grafo \u00fanico do art. 48 desta Lei e, persistindo a situa\u00e7\u00e3o, ser\u00e1 admitida a adjudica\u00e7\u00e3o direta dos bens ou servi\u00e7os, por valor n\u00e3o superior ao constante do registro de pre\u00e7os, ou dos servi\u00e7os<\/em>.<\/p>\n

Estudiosos do Direito Administrativo costumam ressaltar a import\u00e2ncia da divulga\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento pr\u00e9vio nas licita\u00e7\u00f5es, seja pela invoca\u00e7\u00e3o gen\u00e9rica do princ\u00edpio da publicidade e da transpar\u00eancia na Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica, seja pela identifica\u00e7\u00e3o de riscos concretos do uso do sigilo para desvirtuamentos, como no caso da produ\u00e7\u00e3o de valores m\u00e1ximos destinados a prejudicar determinados licitantes.<\/em>[10]<\/a> <\/em>Isso pode ocorrer quando o administrador mal intencionado, de posse das informa\u00e7\u00f5es sobre as propostas dos licitantes, apresenta a posteriori <\/em>um or\u00e7amento com valores que conduzam \u00e0 desclassifica\u00e7\u00e3o de determinadas propostas, por inexequibilidade, de acordo com as regras de aferi\u00e7\u00e3o contidas nos \u00a7\u00a7 1\u00ba e 2\u00ba da Lei n\u00ba 8.666, de 1993.<\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o descrita pode-se agravar, no caso da Lei n\u00ba 12.462, de 2011, porque esta sequer estabelece regras para aferi\u00e7\u00e3o da exequibilidade das propostas (art.\u00a024), limitando-se a delegar a regulamento o tratamento do tema, no caso de obras e servi\u00e7os de engenharia. \u00c9 bem verdade que o acesso permanente \u00e0s informa\u00e7\u00f5es por parte dos \u00f3rg\u00e3os de controle pode reduzir esse risco, desde que, obviamente, haja fiscaliza\u00e7\u00e3o efetiva.<\/p>\n

Outra hip\u00f3tese de desvirtuamento dos prop\u00f3sitos invocados para a previs\u00e3o do or\u00e7amento sigiloso \u00e9 a altera\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento inicialmente elaborado, ap\u00f3s a abertura das propostas, para evitar a renova\u00e7\u00e3o do processo licitat\u00f3rio, quando nenhum dos licitantes apresentar proposta abaixo do valor m\u00e1ximo definido originalmente pela Administra\u00e7\u00e3o. O agente estatal pode ver-se tentado a adotar esse expediente, para evitar atrasos no cronograma de realiza\u00e7\u00e3o do objeto, mormente em face do tempo que resta para o in\u00edcio dos eventos desportivos em comento.<\/p>\n

Uma forma de evitar isso, bem assim os casos de dirigismo, seria, como preconizado pela OCDE, manter uma via do or\u00e7amento, lacrada, sob cust\u00f3dia de uma autoridade p\u00fablica n\u00e3o vinculada ao \u00f3rg\u00e3o ou ente promotor da licita\u00e7\u00e3o (o Tribunal de Contas, por exemplo). Outra alternativa seria tornar p\u00fablico o or\u00e7amento ap\u00f3s a entrega das propostas, mas antes da abertura dos inv\u00f3lucros que as cont\u00eam. De qualquer modo, a simples previs\u00e3o de acesso irrestrito aos dados do or\u00e7amento pelos \u00f3rg\u00e3os de controle interno e externo j\u00e1 constitui um mecanismo importante para mitigar os riscos de pr\u00e1ticas como a anteriormente descrita.<\/p>\n

Em resumo, visto sob a \u00f3tica da conveni\u00eancia e oportunidade, o or\u00e7amento sigiloso n\u00e3o constitui uma aberra\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m n\u00e3o pode ser considerado uma panac\u00e9ia. O \u00eaxito na consecu\u00e7\u00e3o dos fins que ensejaram a mudan\u00e7a legislativa, mais do que dos m\u00e9ritos da nova Lei, depende fundamentalmente das condi\u00e7\u00f5es de sua implementa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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