{"id":665,"date":"2011-07-28T12:50:37","date_gmt":"2011-07-28T15:50:37","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=665"},"modified":"2011-07-28T12:50:37","modified_gmt":"2011-07-28T15:50:37","slug":"o-que-e-guerra-fiscal","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=665","title":{"rendered":"O que \u00e9 guerra fiscal?"},"content":{"rendered":"
Algu\u00e9m j\u00e1 disse que toda unanimidade \u00e9 burra. N\u00e3o sei se essa regra se aplica ao consenso brasileiro a favor da reforma tribut\u00e1ria. Digo isso porque considero a reforma tribut\u00e1ria uma falsa unanimidade. Todos a desejam, \u00e9 verdade \u2013 empres\u00e1rios, trabalhadores, consumidores, estados, munic\u00edpios e \u2013 pasmem! \u2013 at\u00e9 a Uni\u00e3o, que tem sido a grande benefici\u00e1ria do nosso caos fiscal. Mas cada um a quer por raz\u00f5es diferentes e com objetivos diferentes. Portanto, cada grupo almeja uma reforma tribut\u00e1ria diferente, incompat\u00edvel com a reforma tribut\u00e1ria pretendida pelos demais, e unanimidade \u00e9 o que menos h\u00e1 nesse tema.<\/p>\n
Para come\u00e7ar, empres\u00e1rios, trabalhadores e consumidores querem uma reforma tribut\u00e1ria para pagar menos tributos; j\u00e1 munic\u00edpios, estados e a Uni\u00e3o a querem para combater a sonega\u00e7\u00e3o e a guerra fiscal \u2013 isto \u00e9, para elevar a arrecada\u00e7\u00e3o. Fato interessante: a Uni\u00e3o quer uma reforma para elevar a arrecada\u00e7\u00e3o dos Estados, j\u00e1 que a sua tem sido fonte inesgot\u00e1vel de alegrias. Tanto que o Governo Federal acha at\u00e9 melhor n\u00e3o mexer em seus tributos \u2013 nem para criar novos (como o imposto sobre grandes fortunas \u2013 IGF), nem para ressuscitar os falecidos (como a contribui\u00e7\u00e3o sobre movimenta\u00e7\u00e3o financeira \u2013 CPMF).<\/p>\n
Uma reforma tribut\u00e1ria pode mirar muitos objetivos: justi\u00e7a fiscal, efici\u00eancia econ\u00f4mica, simplifica\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria, reparti\u00e7\u00e3o de recursos entre os entes da Federa\u00e7\u00e3o, desonera\u00e7\u00e3o de exporta\u00e7\u00f5es, etc. Mas no Brasil \u2013 em que pesem certas tentativas abafadas de tempos em tempos \u2013 a reforma tribut\u00e1ria virou um samba de uma nota s\u00f3: seu \u00fanico objetivo tem sido evitar a chamada \u201cguerra fiscal\u201d entre os estados.<\/p>\n
Infrut\u00edfero objetivo, ali\u00e1s; malsucedida reforma que nunca aconteceu.<\/p>\n
A abertura da economia, no in\u00edcio da d\u00e9cada de 1990, e a estabiliza\u00e7\u00e3o de 1994 criaram um novo ambiente de neg\u00f3cios no pa\u00eds e come\u00e7aram a atrair capitais, estimular a instala\u00e7\u00e3o de novas empresas e a amplia\u00e7\u00e3o das existentes. Percebendo a oportunidade, os estados da Federa\u00e7\u00e3o (inclusive o Distrito Federal) passaram a disputar os novos investimentos. Institu\u00edram benef\u00edcios fiscais variados, muitos dos quais com base no ICMS, para atrair as empresas \u00ad\u2013 especialmente as industriais, mas tamb\u00e9m comerciais (atacadistas, por exemplo) e de alguns servi\u00e7os.<\/p>\n
Ap\u00f3s a estabiliza\u00e7\u00e3o monet\u00e1ria, o equil\u00edbrio fiscal e a sustentabilidade da d\u00edvida p\u00fablica passaram \u00e0 frente na agenda pol\u00edtica. Por isso, as propostas de reforma tribut\u00e1ria convergiram, pouco a pouco, na dire\u00e7\u00e3o do combate \u00e0 guerra fiscal, que amea\u00e7ava os or\u00e7amentos estaduais e poderia tornar-se um calcanhar de aquiles da estabiliza\u00e7\u00e3o. Pelo menos era o que argumentavam os defensores da reforma: era preciso manter a arrecada\u00e7\u00e3o dos estados, para garantir que as d\u00edvidas estaduais n\u00e3o crescessem.<\/p>\n
Desde ent\u00e3o, testemunhamos algumas varia\u00e7\u00f5es sobre o mesmo tema. Os demais objetivos da reforma ficaram, quando muito, para segundo plano. Mesmo o cap\u00edtulo mais recente dessa novela \u2013 a redu\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas interestaduais do imposto (que explicarei em seguida) \u2013 n\u00e3o rompe essa tradi\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Para perceber a dimens\u00e3o do problema, \u00e9 importante notar que o ICMS \u00e9 a principal fonte de receita pr\u00f3pria para a ampla maioria dos estados, em especial para os mais industrializados e para aqueles que t\u00eam maior potencial de industrializa\u00e7\u00e3o \u2013 que s\u00e3o os protagonistas da guerra fiscal.<\/p>\n
A reforma tribut\u00e1ria n\u00e3o acabaria com a guerra fiscal, mas enfraqueceria substancialmente o seu principal instrumento, que \u00e9 o incentivo concedido com base no ICMS. Para entender melhor a quest\u00e3o e as solu\u00e7\u00f5es propostas, \u00e9 importante entender, antes, como funciona o ICMS. Como o ICMS \u00e9 um imposto bastante complexo, vou simplificar a exposi\u00e7\u00e3o, atendo-me ao que interessa e ignorando algumas tecnicidades do tema.<\/p>\n
O ICMS incide sobre a circula\u00e7\u00e3o de mercadorias entre diferentes estabelecimentos e na venda a consumidor final, e tamb\u00e9m sobre a presta\u00e7\u00e3o de alguns servi\u00e7os de comunica\u00e7\u00e3o e transportes. \u00c9 um imposto estadual, mas tamb\u00e9m incide sobre a circula\u00e7\u00e3o de mercadorias e servi\u00e7os entre pessoas em estados diferentes da Federa\u00e7\u00e3o. At\u00e9 1996, incidia tamb\u00e9m sobre algumas opera\u00e7\u00f5es de exporta\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Para avaliar o poder que os estados det\u00eam na guerra fiscal, \u00e9 preciso saber que o ICMS poderia obedecer a um de tr\u00eas regimes: o regime de origem, o regime de destino e o regime misto.<\/p>\n
No regime de origem<\/em><\/strong>, uma transa\u00e7\u00e3o realizada entre um comprador de um estado e um vendedor de outro geraria receita apenas para o estado onde se encontra o vendedor<\/em><\/strong> (ou seja, a opera\u00e7\u00e3o seria tributada apenas pelo estado de origem da mercadoria ou servi\u00e7o).<\/p>\n No regime de destino<\/em><\/strong>, em contraste, essa transa\u00e7\u00e3o geraria receita apenas para o estado do comprador<\/em><\/strong> (ou estado de destino da mercadoria ou servi\u00e7o).<\/p>\n No regime misto<\/em><\/strong>, os estados partilhariam a receita do imposto segundo alguma regra pr\u00e9-definida.<\/p>\n No Brasil, adotamos o regime misto. Para definir a partilha entre os estados, criamos duas categorias de al\u00edquotas de ICMS: as al\u00edquotas internas<\/em><\/strong> e as al\u00edquotas interestaduais<\/em><\/strong>. Digo que s\u00e3o duas categorias<\/em><\/strong> de al\u00edquotas porque h\u00e1 duas al\u00edquotas interestaduais e in\u00fameras al\u00edquotas internas. As al\u00edquotas interestaduais s\u00e3o definidas por resolu\u00e7\u00e3o do Senado Federal, e as internas, pela legisla\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria de cada estado.<\/p>\n A al\u00edquota interna incide sobre todas as opera\u00e7\u00f5es ocorridas dentro do estado. Em geral, \u00e9 de 17%, embora haja casos em que passe de 20%.<\/p>\n A al\u00edquota interestadual somente incide sobre as transa\u00e7\u00f5es ocorridas entre contribuintes de estados diferentes. Nesse caso, o estado de origem<\/span> recebe o equivalente \u00e0 incid\u00eancia da al\u00edquota interestadual sobre o valor da transa\u00e7\u00e3o, e o estado de destino<\/span> receber\u00e1 o equivalente \u00e0 incid\u00eancia da diferen\u00e7a<\/em><\/strong> entre a al\u00edquota interna prevista na sua legisla\u00e7\u00e3o de ICMS e a al\u00edquota interestadual. Assim, o imposto \u00e9 partilhado pelos dois entes, sem que o contribuinte pague mais por isso.<\/p>\n Um exemplo ajudar\u00e1 a visualizar melhor. Suponhamos que uma empresa industrial de Minas Gerais venda uma mercadoria para uma empresa localizada no Paran\u00e1, no valor total de R$ 10 mil. Nesse caso, \u00e9 necess\u00e1rio saber qual \u00e9 a al\u00edquota interna do Paran\u00e1. Digamos que seja de 17%. Ent\u00e3o o imposto total<\/em><\/strong> devido na opera\u00e7\u00e3o \u00e9 de 17% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.700,00.<\/p>\n Como a al\u00edquota interestadual, nesse caso, \u00e9 de 12%, caber\u00e1 \u00e0 Fazenda de Minas Gerais a quantia de 12% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.200,00. O Tesouro do Paran\u00e1 arrecadar\u00e1 o restante, ou R$ 500,00, equivalente \u00e0 aplica\u00e7\u00e3o da diferen\u00e7a de al\u00edquotas (17% – 12% = 5%) sobre a base de c\u00e1lculo de R$ 10 mil. Note que, somando as duas parcelas, obtemos os mesmos R$ 1.700,00 que seriam arrecadados pelo Estado do Paran\u00e1, se a mercadoria adquirida pela empresa paranaense tivesse sido fabricada naquele estado, em vez de s\u00ea-lo em Minas, e n\u00e3o ocorresse partilha do imposto.<\/p>\n No caso das al\u00edquotas interestaduais, h\u00e1 apenas duas. A al\u00edquota geral<\/em><\/strong>, de 12%, incide sobre quase todas as opera\u00e7\u00f5es interestaduais. A al\u00edquota reduzida<\/em><\/strong>, de 7%, incide apenas nas opera\u00e7\u00f5es em que o estado de origem esteja nas Regi\u00f5es Sul e Sudeste, exceto o estado do Esp\u00edrito Santo, e o estado de destino esteja nas Regi\u00f5es Norte, Nordeste ou Centro-Oeste ou no estado do Esp\u00edrito Santo.<\/p>\n Ent\u00e3o, se a empresa de Minas Gerais do exemplo acima vender mercadorias no valor de R$ 10 mil para uma empresa situada na Para\u00edba, e supondo que a al\u00edquota interna da Para\u00edba tamb\u00e9m seja de 17%, o total do imposto pago sobre essa opera\u00e7\u00e3o ser\u00e1 o mesmo, mas a reparti\u00e7\u00e3o entre os estados ser\u00e1 diferente. Minas Gerais ficar\u00e1 com o valor relativo \u00e0 al\u00edquota interestadual reduzida de 7%, ou R$ 700, enquanto a Para\u00edba ficar\u00e1 com os 10% restantes, ou R$ 1.000,00.<\/p>\n Essa \u00e9 uma forma de assegurar aos estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste uma participa\u00e7\u00e3o maior nas receitas de ICMS. Mas tamb\u00e9m lhes confere uma vantagem importante sobre os demais estados na guerra fiscal, pois quem tem mais, tamb\u00e9m pode conceder mais incentivos fiscais.<\/p>\n A al\u00edquota interestadual desempenha papel estrat\u00e9gico na guerra fiscal, embora os incentivos tipicamente sejam vinculados ao valor total do ICMS devido. \u00c9 a al\u00edquota interestadual que permite ao estado atrair empresas, oferecendo-lhes vantagens que superam o seu sacrif\u00edcio de receita. \u00c9 uma m\u00e1gica interessante, e o segredo reside no fato de que, no sistema brasileiro, os estados t\u00eam aliviado a carga do imposto que seria cobrado nas opera\u00e7\u00f5es de venda a outras unidades da Federa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Assim, se uma empresa da Para\u00edba vender uma mercadoria para outra de Minas Gerais, aplica-se a al\u00edquota interestadual de 12%. Mantendo o exemplo de que o produto custa R$ 10 mil, ent\u00e3o a Para\u00edba pode conceder incentivos sobre o tributo devido de R$ 1.200,00 a uma empresa que se instale no seu territ\u00f3rio para produzir e vender para cidades do Sul e do Sudeste. J\u00e1 o Estado de Minas, que tem direito a uma al\u00edquota de 7% para vender para Para\u00edba, s\u00f3 poder\u00e1 dar incentivos fiscais de R$ 700, em uma transa\u00e7\u00e3o similar, em que se produza em Minas para vender para a Para\u00edba e outros estados do Nordeste e do Norte.<\/p>\n O objetivo do estado que concede um benef\u00edcio para reduzir de fato a al\u00edquota interestadual \u00e9 atrair uma empresa que ainda n\u00e3o opera em seu territ\u00f3rio. Logo, ele n\u00e3o arrecada nem um centavo a t\u00edtulo de al\u00edquota interestadual com as opera\u00e7\u00f5es dessa empresa e, a rigor, pouco perderia ao oferecer uma isen\u00e7\u00e3o a ela. Quem perderia mais \u00e9 o estado onde essa empresa est\u00e1 localizada, que deixaria de arrecadar o imposto sobre as vendas dela aos demais estados, caso a empresa se mudasse para o estado que oferece o incentivo.<\/p>\n O estado que concede o incentivo ganha mais: ao atrair a empresa, ele provavelmente atrairia tamb\u00e9m alguns de seus fornecedores, ou fortaleceria os fornecedores que j\u00e1 est\u00e3o instalados em seu territ\u00f3rio, e criaria mais empregos. Isso tende a gerar um aumento de receita tribut\u00e1ria que pode contrabalan\u00e7ar a perda do ICMS devido nas opera\u00e7\u00f5es internas. Logo, a conta fecha positivamente para o estado que oferece o incentivo fiscal.<\/p>\n Para evitar essas disputas possivelmente danosas aos or\u00e7amentos estaduais, a Constitui\u00e7\u00e3o proibiu a concess\u00e3o unilateral de incentivos com o ICMS, for\u00e7ando a atua\u00e7\u00e3o cooperativa dos estados, na forma de lei complementar. Coerentemente, a Lei Complementar (LC) 24\/75 pro\u00edbe expressamente a concess\u00e3o de incentivos com o ICMS sem que haja aprova\u00e7\u00e3o un\u00e2nime dos estados.<\/p>\n Ora, a disputa de sede e localiza\u00e7\u00e3o de empresas entre estados concorrentes tem potencial para gerar conflitos intermin\u00e1veis e muito pouca conc\u00f3rdia. De fato, as leis estaduais que criam incentivos fiscais com o ICMS t\u00eam sido aprovadas nas Assembleias Legislativas e aplicadas ao arrepio da LC 24\/75, e passando por cima da autoridade do Conselho Nacional de Pol\u00edtica Fazend\u00e1ria (Confaz), que \u00e9 o f\u00f3rum para apreciar a aprovar as concess\u00f5es de incentivos fiscais com o ICMS.<\/p>\n Quero que o leitor perceba que o vigor da guerra fiscal deve-se \u00e0 exist\u00eancia da al\u00edquota interestadual, que \u00e9 t\u00edpica do regime misto. Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e n\u00e3o feriria (ou feriria muito pouco) as finan\u00e7as dos estados.<\/p>\n Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de diversas leis estaduais que concediam incentivos fiscais com o ICMS, por inobserv\u00e2ncia da LC 24\/75. Essa decis\u00e3o esclarece as regras para concess\u00f5es de incentivos fiscais e contribui para que cada estado saiba o que tem a ganhar e a perder em uma eventual reforma tribut\u00e1ria. Com mais seguran\u00e7a jur\u00eddica, a negocia\u00e7\u00e3o tende a ficar mais clara. No entanto, h\u00e1 ainda uma a\u00e7\u00e3o a ser julgada, que tem o potencial de inverter o quadro atual. A regra de aprova\u00e7\u00e3o de incentivos fiscais no Confaz, estabelecida pela LC 24\/75, exige unanimidade dos estados presentes. A necessidade desse consenso est\u00e1 sendo questionada, tamb\u00e9m na Corte Suprema.<\/p>\n No in\u00edcio de 2011, o Poder Executivo Federal anunciou que estuda proposta de reforma tribut\u00e1ria baseada na redu\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas interestaduais do ICMS a 2%. Essa proposta, muito mais simples do que a unifica\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas do ICMS, encontrar\u00e1, decerto, alguns inimigos. Os estados mais industrializados, que derivam forte receita das opera\u00e7\u00f5es interestaduais, dificilmente ter\u00e3o interesse em aprovar uma iniciativa que os prive dessa fonte de recursos. (Al\u00e9m disso, essa proposta teria outras consequ\u00eancias, relevantes para os estados exportadores.)<\/p>\n Considerando as diversas propostas apresentadas, creio que a mais atraente, sob diversos aspectos, \u00e9 a cria\u00e7\u00e3o de um imposto sobre o valor adicionado (IVA), em substitui\u00e7\u00e3o \u00e0 legi\u00e3o de tributos incidentes sobre o valor adicionado, a receita ou o faturamento (ICMS, IPI, PIS, Cofins, ISS).<\/p>\n No entanto, muitas das propostas at\u00e9 hoje apresentadas trazem no pacote um aspecto desnecess\u00e1rio e que pode atrapalhar a aprova\u00e7\u00e3o da reforma. Falo da unifica\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas internas, que passariam a ser id\u00eanticas, para cada produto ou servi\u00e7o, em todo o territ\u00f3rio nacional. Embora haja previs\u00e3o de alguma flexibilidade, essa unifica\u00e7\u00e3o limitaria substancialmente a possibilidade de praticar al\u00edquotas mais baixas, criando um obst\u00e1culo \u00e0 guerra fiscal.<\/p>\n Por outro lado, essa unifica\u00e7\u00e3o \u00e9 arriscada, pois deixaria os estados \u00e0 merc\u00ea de decis\u00f5es nacionais que n\u00e3o necessariamente atenderiam suas necessidades. Essa heteronomia fiscal seria ainda mais perigosa porque a maior parte dos gastos p\u00fablicos tem car\u00e1ter obrigat\u00f3rio, e muitas despesas s\u00e3o inflex\u00edveis. Apesar de abrir espa\u00e7o para sens\u00edveis redu\u00e7\u00f5es de al\u00edquotas (em especial as relativas a energia el\u00e9trica, combust\u00edveis e telecomunica\u00e7\u00f5es, atualmente muito altas), a cria\u00e7\u00e3o de uma receita igualmente inflex\u00edvel poderia desorganizar a administra\u00e7\u00e3o financeira de alguns estados. Por isso mesmo, geraria press\u00e3o pol\u00edtica para elevar, mesmo quando dispens\u00e1vel, as al\u00edquotas do ICMS dos demais estados, criando uma tend\u00eancia ao aumento da carga tribut\u00e1ria.<\/p>\n Mas, al\u00e9m do combate \u00e0 guerra fiscal, para que \u00e9 necess\u00e1ria uma reforma tribut\u00e1ria?<\/p>\n Certamente n\u00e3o para pagar menos tributos. Para isso, bastaria reduzir al\u00edquotas, o que independe de uma reforma tribut\u00e1ria. Para simplificar o sistema tribut\u00e1rio, entretanto, seria extremamente \u00fatil, e talvez seja esse o maior ganho potencial de uma reforma tribut\u00e1ria hoje no Brasil, considerando o emaranhado de leis, portarias, regras e exce\u00e7\u00f5es e a sobreposi\u00e7\u00e3o de tributos de natureza semelhante, para desespero do contribuinte. E tamb\u00e9m para conferir maior neutralidade ao sistema e impedir que induza inefici\u00eancias econ\u00f4micas. A cumulatividade (que por si s\u00f3 vale outro artigo), foi reduzida para as grandes empresas, ap\u00f3s a reforma da legisla\u00e7\u00e3o do PIS e da Cofins, mas se expandiu para as pequenas e microempresas, que n\u00e3o foram abrangidas por essas mudan\u00e7as e que, ao aderirem ao Simples, ingressaram em um sistema cumulativo por natureza.<\/p>\n Lamentavelmente, a converg\u00eancia da reforma para uma e apenas uma de suas vertentes empobreceu a discuss\u00e3o e limitou os objetivos a serem alcan\u00e7ados. Como nem o caminho escolhido rendeu frutos, restou um cansa\u00e7o do tema e uma sensa\u00e7\u00e3o de impot\u00eancia, reflexos do malogro sucessivo de in\u00fameras tentativas.<\/p>\n J\u00e1 estamos debatendo o tema h\u00e1 mais de 20 anos. N\u00e3o h\u00e1 necessidade de ideias inovadoras ou mirabolantes. Sabemos onde aperta o sapato tribut\u00e1rio e quais solu\u00e7\u00f5es simplesmente n\u00e3o vingar\u00e3o. E mesmo que n\u00e3o o soub\u00e9ssemos por n\u00f3s mesmos, bastaria inspecionar a experi\u00eancia internacional \u2013 \u00e0 qual, pa\u00eds da jabuticaba que somos, temos tanta avers\u00e3o.<\/p>\n O impasse da reforma tribut\u00e1ria \u00e9 um vergonhoso atraso na agenda pol\u00edtica do pa\u00eds. Se n\u00e3o desatarmos o n\u00f3 das negocia\u00e7\u00f5es, a reforma, \u00e0 moda do solil\u00f3quio de Hamlet, jamais sair\u00e1 do to be or not to be<\/em>. Ou, se sair, ser\u00e1 apenas para avan\u00e7ar algumas linhas mais, at\u00e9 o melanc\u00f3lico to die, to sleep, no more<\/em>.<\/p>\n Downloads:<\/em><\/strong><\/p>\n