{"id":620,"date":"2011-06-20T09:15:05","date_gmt":"2011-06-20T12:15:05","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=620"},"modified":"2011-06-20T09:15:05","modified_gmt":"2011-06-20T12:15:05","slug":"por-que-o-real-se-valoriza-em-relacao-ao-dolar-desde-2002","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=620","title":{"rendered":"Por que o real se valoriza em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar desde 2002?"},"content":{"rendered":"

Este texto \u00e9 uma resenha do estudo \u201cO c\u00e2mbio no Brasil: perguntas e respostas\u201d, de autoria de Affonso Celso Pastore<\/strong> e Maria Cristina Pinotti<\/strong>, apresentado no XXIII F\u00f3rum Nacional, promovido pelo Instituto Nacional de Altos Estudos \u2013 INAE. O texto resenhado pode ser obtido na \u00edntegra, em vers\u00e3o pdf,\u00a0 no endere\u00e7o: <\/em>http:\/\/www.forumnacional.org.br\/sec.php?s=400&i=pt<\/em><\/a> . A publica\u00e7\u00e3o da presente resenha em <\/em>www.brasil-economia-governo.org.br<\/em><\/a> foi autorizada pelos autores e pelo INAE.<\/em><\/p>\n

Por que o c\u00e2mbio no Brasil se valoriza continuamente desde 2002? N\u00e3o h\u00e1 uma causa \u00fanica, mas uma explica\u00e7\u00e3o muito importante est\u00e1 associada a uma caracter\u00edstica dominante da economia brasileira, que \u00e9 o n\u00edvel baixo das poupan\u00e7as dom\u00e9sticas \u2013 p\u00fablica e privada. Isto torna o crescimento econ\u00f4mico dependente da absor\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas, na forma de importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas, cujo aumento ocorre atrav\u00e9s da valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real. Se todas as demais causas apontadas para a valoriza\u00e7\u00e3o do real n\u00e3o existissem, essa depend\u00eancia com rela\u00e7\u00e3o \u00e0s poupan\u00e7as externas j\u00e1 seria suficiente para transformar o real em uma moeda forte.<\/p>\n

O prop\u00f3sito deste trabalho \u00e9 enfatizar a import\u00e2ncia desse efeito, bem como indicar caminhos para superar a limita\u00e7\u00e3o que ele imp\u00f5e ao crescimento econ\u00f4mico. Mas antes de atingir esse ponto \u00e9 preciso avaliar as outras for\u00e7as por tr\u00e1s do comportamento da taxa cambial. Para faz\u00ea-lo h\u00e1 que se responder a cinco perguntas.<\/p>\n

i)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 qual \u00e9 o verdadeiro regime cambial brasileiro?<\/p>\n

ii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 o que est\u00e1 por tr\u00e1s da cont\u00ednua valoriza\u00e7\u00e3o do real desde 2002?<\/p>\n

iii)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 por que cresceram as press\u00f5es para a valoriza\u00e7\u00e3o do real a partir de 2010?<\/p>\n

iv)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 por que mesmo diante das interven\u00e7\u00f5es e de controles aos ingressos de capitais o c\u00e2mbio real se valoriza?<\/p>\n

v)\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 como os ganhos de rela\u00e7\u00f5es de troca afetam as exporta\u00e7\u00f5es de commodities e <\/em>de produtos manufaturados, e que consequ\u00eancias isto acarreta sobre as importa\u00e7\u00f5es?<\/p>\n

Ap\u00f3s responder a essas cinco quest\u00f5es, na \u00faltima se\u00e7\u00e3o o trabalho discute as sugest\u00f5es sobre como reagir \u00e0 nova realidade externa. N\u00e3o h\u00e1 controv\u00e9rsias sobre as rea\u00e7\u00f5es aos movimentos de curto prazo, que temporariamente valorizam o real: usam-se os instrumentos das interven\u00e7\u00f5es e de taxa\u00e7\u00f5es sobre os ingressos de alguns tipos de capitais. A controv\u00e9rsia est\u00e1 no que fazer para evitar for\u00e7as que a longo prazo tornam o real uma moeda mais forte. A primeira a\u00e7\u00e3o deveria ser a promo\u00e7\u00e3o de reformas que levem \u00e0 eleva\u00e7\u00e3o das poupan\u00e7as dom\u00e9sticas, tornando o crescimento econ\u00f4mico menos dependente da absor\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas.<\/p>\n

I \u2013 <\/strong>QUAL \u00c9 O REGIME CAMBIAL BRASILEIRO?<\/strong><\/p>\n

O Brasil aderiu \u00e0 flutua\u00e7\u00e3o cambial no in\u00edcio de 1999. Mas se caracterizarmos o regime cambial brasileiro n\u00e3o pelo comportamento da taxa cambial, e sim pela intensidade das interven\u00e7\u00f5es, desde janeiro de 2006 o Brasil vem praticando um regime cambial muito distante do c\u00e2mbio flutuante puro.<\/p>\n

Quando a trajet\u00f3ria do c\u00e2mbio \u00e9 pr\u00e9-fixada (assim como no regime de c\u00e2mbio fixo), o Banco Central tem que estar pronto a comprar ou a vender quaisquer que sejam os fluxos cambiais de entrada e de sa\u00edda para manter o c\u00e2mbio preso \u00e0quela trajet\u00f3ria. J\u00e1 no regime puro<\/span> de c\u00e2mbio flutuante, o Banco Central nem compra, nem vende: o aumento de fluxos de entrada leva \u00e0 valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio, e o aumento dos fluxos de sa\u00edda leva \u00e0 sua desvaloriza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Desde a implementa\u00e7\u00e3o do Plano Real, podemos identificar tr\u00eas per\u00edodos no que diz respeito ao comportamento do Banco Central no mercado de c\u00e2mbio. Durante o per\u00edodo de c\u00e2mbio com trajet\u00f3ria pr\u00e9-fixada (1994-1999), eram frequentes as interven\u00e7\u00f5es de compra e venda. J\u00e1 no regime de c\u00e2mbio flutuante, ap\u00f3s 1999, h\u00e1 dois per\u00edodos distintos. No primeiro, entre 1999 e o final de 2005, as interven\u00e7\u00f5es eram muito pequenas. Havia nesse per\u00edodo uma flutua\u00e7\u00e3o cambial quase pura. J\u00e1 a partir de 2006, as interven\u00e7\u00f5es s\u00e3o mais intensas do que no per\u00edodo entre 1994 e 1999. Por esse crit\u00e9rio, o regime cambial recente se assemelha ao que existia quando o real seguia uma trajet\u00f3ria pr\u00e9-fixada. Entretanto, contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, apesar da intensidade das interven\u00e7\u00f5es, o c\u00e2mbio n\u00e3o deixou de se valorizar. Tamb\u00e9m contrariamente ao que ocorria entre 1994 e 1999, quando havia uma altern\u00e2ncia de compras e vendas, neste per\u00edodo mais recente, em quase todos os meses (a exce\u00e7\u00e3o s\u00e3o os quatro meses mais agudos da crise mundial de 2008), somente ocorreram compras. Foram compras t\u00e3o intensas que, de janeiro de 2006 at\u00e9 o presente, o Brasil acumulou um adicional de mais US$ 274 bilh\u00f5es de reservas.<\/p>\n

Qual o motivo dessas interven\u00e7\u00f5es intensas? A explica\u00e7\u00e3o oficial \u00e9 que com isso buscava-se a acumula\u00e7\u00e3o de reservas. Esse \u00e9, de fato, um objetivo de pol\u00edtica econ\u00f4mica, mas n\u00e3o era o \u00fanico. O outro, n\u00e3o declarado, \u00e9 a busca de, pelo menos, evitar uma valoriza\u00e7\u00e3o mais intensa do real.<\/p>\n

II \u2013 O QUE EST\u00c1 POR TR\u00c1S DA CONT\u00cdNUA VALORIZA\u00c7\u00c3O CAMBIAL DESDE 2002?<\/strong><\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 uma \u00fanica causa por tr\u00e1s da cont\u00ednua valoriza\u00e7\u00e3o cambial desde 2002, mas uma delas, muito importante, \u00e9 o aumento progressivo da demanda por ativos brasileiros a partir de 2002, derivada da ades\u00e3o do pa\u00eds \u00e0 disciplina macroecon\u00f4mica, junto com a melhora do cen\u00e1rio internacional.<\/p>\n

A grande queda da percep\u00e7\u00e3o de riscos macroecon\u00f4micos ocorreu quando o governo Lula, logo no seu in\u00edcio, se comprometeu a manter o mesmo trip\u00e9 implantado no governo anterior: super\u00e1vits fiscais prim\u00e1rios; metas de infla\u00e7\u00e3o; e flutua\u00e7\u00e3o cambial. Buscava, com isso, a redu\u00e7\u00e3o da d\u00edvida publica; a sua desdolariza\u00e7\u00e3o; o controle da infla\u00e7\u00e3o; e o aumento da liquidez externa do pa\u00eds. A percep\u00e7\u00e3o da seriedade do compromisso com esses objetivos reduziu drasticamente a percep\u00e7\u00e3o de riscos, elevando a demanda por ativos brasileiros.<\/p>\n

O aumento da demanda no mercado financeiro internacional eleva os pre\u00e7os dos b\u00f4nus brasileiros no mercado secund\u00e1rio, o que reduz seus rendimentos (yelds<\/em>) e, consequentemente, o pr\u00eamio de risco[1]<\/a>; e o aumento da demanda no mercado financeiro por parte de estrangeiros eleva o ingresso de d\u00f3lares para permitir as compras, valorizando o real. Ou seja, a queda na percep\u00e7\u00e3o de riscos macroecon\u00f4micos produz, ao mesmo tempo, uma baixa dos pr\u00eamios de risco e uma valoriza\u00e7\u00e3o cambial: \u00e9 a melhoria da percep\u00e7\u00e3o de riscos, por sua vez decorrente de uma maior disciplina macroecon\u00f4mica, que permite queda no pr\u00eamio de risco e aprecia\u00e7\u00e3o da taxa de c\u00e2mbio.<\/p>\n

H\u00e1 quem argumente que a forte demanda por ativos brasileiros decorre das altas taxas de juros. \u00c9 verdade que em todo este per\u00edodo h\u00e1 ingressos de capitais de curto prazo, mas h\u00e1, tamb\u00e9m, um forte ingresso de capitais de longo prazo, que n\u00e3o s\u00e3o diretamente estimulados pelo diferencial de taxa de juros. Por exemplo, nos doze meses encerrados em maio de 2011, a entrada de investimentos estrangeiros diretos e em portf\u00f3lios, que n\u00e3o \u00e9 induzida pelo diferencial de juros, atingiu em torno de US$ 100 bilh\u00f5es. S\u00e3o capitais atra\u00eddos pelas boas perspectivas econ\u00f4micas do Brasil, em um contexto de abundante liquidez no mercado financeiro internacional.<\/p>\n

III \u2013 POR QUE A PARTIR DE 2010 CRESCEU A PREOCUPA\u00c7\u00c3O COM A VALORIZA\u00c7\u00c3O?<\/strong><\/p>\n

Em 2010 o Federal Reserve iniciou Quantitative Easing 2 –<\/em> QE2, um programa de recompra de t\u00edtulos de longo prazo do Tesouro dos Estados Unidos que aumentou a quantidade de d\u00f3lares em circula\u00e7\u00e3o. Isso acentuou a desvaloriza\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar com rela\u00e7\u00e3o a praticamente todas as moedas, inclusive o real.<\/p>\n

Uma primeira rea\u00e7\u00e3o do governo brasileiro a essa valoriza\u00e7\u00e3o foi retomar os controles nos ingressos de capitais, elevando para 6% o IOF para os ingressos em portf\u00f3lio de renda fixa. Em segundo lugar, intensificaram-se as interven\u00e7\u00f5es no mercado \u00e0 vista, tendo as compras no primeiro quadrimestre de 2011 atingido a m\u00e9dia de US$ 7,3 bilh\u00f5es por m\u00eas.<\/p>\n

IV – POR QUE APESAR DO ESFOR\u00c7O CONTR\u00c1RIO O C\u00c2MBIO REAL SE VALORIZA?<\/strong><\/p>\n

Essa valoriza\u00e7\u00e3o \u00e9 uma consequ\u00eancia de duas for\u00e7as. A primeira s\u00e3o os ganhos de rela\u00e7\u00f5es de troca. A segunda \u00e9 o fato de que o Brasil \u00e9 um pa\u00eds no qual o aumento dos investimentos depende da complementa\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas, porque as poupan\u00e7as dom\u00e9sticas s\u00e3o baixas. A absor\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas se faz com o aumento das importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas, mas, para tanto, \u00e9 necess\u00e1rio que se tornem mais baratas, o que exige a valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real.<\/p>\n

Olhemos primeiramente para as rela\u00e7\u00f5es de troca, mas antes de analisar o caso brasileiro, concentremo-nos por um momento no comportamento do d\u00f3lar australiano, que foi a moeda que mais se valorizou depois de implantado o QE2. N\u00e3o se pode atribuir a aprecia\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar australiano ao diferencial de juros, simplesmente porque a taxa de juros daquele pa\u00eds \u00e9 muito pr\u00f3xima da dos Estados Unidos. O canal de transmiss\u00e3o relevante, no caso da Austr\u00e1lia, foi a eleva\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os de commodities.<\/em><\/p>\n

Os ganhos de rela\u00e7\u00e3o de troca, ao estimular as exporta\u00e7\u00f5es e ampliar a oferta de divisas, tendem a valorizar o c\u00e2mbio real em pa\u00edses cujas exporta\u00e7\u00f5es de commodities <\/em>s\u00e3o elevadas. No caso brasileiro, tanto quanto no caso da Austr\u00e1lia, ganhos de rela\u00e7\u00f5es de troca ocorrem quando os pre\u00e7os das commodities <\/em>se elevam. A partir de 2009, o Brasil teve ganhos de rela\u00e7\u00f5es de troca da ordem de 30%.<\/p>\n

Olhemos agora para o fato de que no Brasil as poupan\u00e7as dom\u00e9sticas s\u00e3o baixas, e que os investimentos dependem da absor\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas, na forma de aumento das importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas. Contabilmente um d\u00e9ficit nas contas correntes (exporta\u00e7\u00f5es l\u00edquidas negativas) \u00e9 o excesso de importa\u00e7\u00f5es sobre exporta\u00e7\u00f5es de bens e servi\u00e7os, mas economicamente ela pode ser vista: ou como o excesso da absor\u00e7\u00e3o (a soma da forma\u00e7\u00e3o bruta de capital fixo e dos consumos das fam\u00edlias e do governo) sobre a renda; ou como a escassez das poupan\u00e7as totais dom\u00e9sticas para financiar os investimentos[2]<\/a>. Outra forma de entender a depend\u00eancia de nossa economia pela poupan\u00e7a externa \u00e9 constatar que o aumento dos investimentos provoca o crescimento da absor\u00e7\u00e3o acima do PIB, porque n\u00e3o ocorre nem uma queda suficientemente grande do consumo das fam\u00edlias, nem do consumo do governo, que provocariam a eleva\u00e7\u00e3o das poupan\u00e7as dom\u00e9sticas. \u00c9 necess\u00e1ria ent\u00e3o a poupan\u00e7a externa para completar o financiamento do investimento dom\u00e9stico. Com isso fica estabelecido o fato emp\u00edrico de que no Brasil o aumento dos investimentos requer a complementa\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas. Mas por que isso levaria \u00e1 valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real?<\/p>\n

O c\u00e2mbio real \u00e9 um pre\u00e7o relativo, entre bens tradables e non-tradables<\/em>[3]<\/strong><\/em><\/a>, <\/em>e <\/em>o aumento da absor\u00e7\u00e3o relativamente \u00e0 renda provoca a sua aprecia\u00e7\u00e3o. Para mostrar esse ponto partimos de uma situa\u00e7\u00e3o inicial na qual os investimentos s\u00e3o iguais \u00e0s poupan\u00e7as dom\u00e9sticas (a absor\u00e7\u00e3o \u00e9 igual \u00e0 renda), com importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas nulas. Admitamos que a partir desse ponto a absor\u00e7\u00e3o dom\u00e9stica se eleva acima da renda (os investimentos crescem acima das poupan\u00e7as dom\u00e9sticas), levando a um aumento nas importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas. Expans\u00e3o da demanda dom\u00e9stica significa um aumento quer da demanda por bens tradables, <\/em>quer da demanda por bens non-tradables. <\/em>Mas com um dado valor do c\u00e2mbio nominal o pre\u00e7o nominal dos bens tradables <\/em>n\u00e3o se altera (ele \u00e9 o produto do c\u00e2mbio nominal pelo pre\u00e7o internacional, e lembremos que este \u00faltimo n\u00e3o se altera, porque o Brasil \u00e9 um “tomador de pre\u00e7os” no mercado internacional). Em contrapartida, o aumento da demanda de bens non-tradables leva a <\/em>um aumento de seu pre\u00e7o relativo (os sal\u00e1rios, por exemplo), e, como o c\u00e2mbio real \u00e9 o pre\u00e7o relativo entre bens tradables e <\/em>non-tradables, <\/em>este se valoriza. A valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real \u00e9 necess\u00e1ria para levar ao aumento das importa\u00e7\u00f5es l\u00edquidas, que conduzem ao aumento da taxa de investimentos.<\/p>\n

Por que canais essa valoriza\u00e7\u00e3o ocorre? Ela pode ser tanto decorrente de uma aprecia\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio nominal sem que os pre\u00e7os dos bens non-tradables <\/em>se alterem no mercado dom\u00e9stico; quanto de uma eleva\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os dos bens non-tradables, <\/em>isto \u00e9, atrav\u00e9s de uma infla\u00e7\u00e3o. Observem que em ambos os casos os bens non-tradables<\/em> tornam-se mais caros em rela\u00e7\u00e3o aos bens tradables.<\/em><\/p>\n

Desde 2002 tem ocorrido aprecia\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real. Em grande parte, essa aprecia\u00e7\u00e3o \u00e9 explicada pela aprecia\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio nominal. Mas a infla\u00e7\u00e3o (de bens non-tradables<\/em>) tamb\u00e9m teve a sua parte, especialmente depois de 2010, quando se intensificaram as interven\u00e7\u00f5es do Banco Central no mercado \u00e0 vista, buscando evitar uma aprecia\u00e7\u00e3o do real com rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar. Ou seja, nesse per\u00edodo mais recente, a tentativa de impedir uma aprecia\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio nominal tem feito com que a aprecia\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real necess\u00e1ria para equilibrar o excesso de absor\u00e7\u00e3o dom\u00e9stica em rela\u00e7\u00e3o ao produto tenha de ser obtida por meio de maior infla\u00e7\u00e3o de non-tradables<\/em>, como os servi\u00e7os.<\/p>\n

V \u2013 COMO AS RELA\u00c7\u00d5ES DE TROCA AFETAM AS EXPORTA\u00c7\u00d5ES E IMPORTA\u00c7\u00d5ES?<\/strong><\/p>\n

Para as exporta\u00e7\u00f5es como um todo, a valoriza\u00e7\u00e3o do c\u00e2mbio real com rela\u00e7\u00e3o \u00e0 cesta de moedas \u00e9 compensada pela eleva\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os das exporta\u00e7\u00f5es medidos em d\u00f3lares. Mas os pre\u00e7os dos produtos manufaturados cresceram menos do que os pre\u00e7os dos produtos b\u00e1sicos. Quanto isso representa em termos de perdas de competitividade?<\/p>\n

A resposta obviamente n\u00e3o pode ser dada olhando apenas para o c\u00e2mbio real. Uma medida mais precisa \u00e9 dada computando-se o produto do c\u00e2mbio real pelos pre\u00e7os em d\u00f3lares de manufaturados, semimanufaturados e b\u00e1sicos. Em rela\u00e7\u00e3o ao c\u00e2mbio real, podemos tomar como refer\u00eancia o d\u00f3lar, se considerarmos que as exporta\u00e7\u00f5es s\u00e3o predominantemente direcionadas para os Estados Unidos ou para pa\u00edses com moedas presas ao d\u00f3lar (como a China), ou ter como refer\u00eancia uma cesta de moedas, se houver maior diversifica\u00e7\u00e3o no destino de nossas exporta\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Em rela\u00e7\u00e3o aos produtos b\u00e1sicos, verificamos que nos \u00faltimos anos suas exporta\u00e7\u00f5es tornaram-se extremamente mais competitivas, pois a eleva\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os de commodities <\/em>mais do que compensou a valoriza\u00e7\u00e3o das duas medidas de c\u00e2mbio real. J\u00e1 para os exportadores de produtos manufaturados para os Estados Unidos e para pa\u00edses com moedas atreladas ao d\u00f3lar norte americano, a perda de competitividade vem ocorrendo continuamente. Mas ela \u00e9 bem menor do que a estimada pela valoriza\u00e7\u00e3o do real, e \u00e9 ainda menor caso se exporte para pa\u00edses cujas moedas tamb\u00e9m est\u00e3o em processo de valoriza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O caso das importa\u00e7\u00f5es \u00e9 semelhante ao das exporta\u00e7\u00f5es de produtos manufaturados. Importa\u00e7\u00f5es provenientes dos Estados Unidos ou de produtos cotados em d\u00f3lares t\u00eam seus pre\u00e7os convertidos em reais mostrando uma queda cont\u00ednua.<\/p>\n

QUAIS S\u00c3O OS CAMINHOS?<\/strong><\/p>\n

Em situa\u00e7\u00f5es de valoriza\u00e7\u00f5es transit\u00f3rias excessivas, como a que vem ocorrendo em resposta \u00e0 crise internacional, o governo reage intervindo mais pesadamente e\/ou “colocando areia nas rodas” dos ingressos de capitais, evitando uma sobrevaloriza\u00e7\u00e3o. A grande maioria dos pa\u00edses lan\u00e7a m\u00e3o desses instrumentos. O que nos interessa mais de perto, diante da an\u00e1lise exposta neste trabalho, \u00e9 como reagir ao movimento permanente de valoriza\u00e7\u00e3o do real.<\/p>\n

A primeira provid\u00eancia \u00e9 elevar as poupan\u00e7as totais dom\u00e9sticas, de forma a tornar o crescimento econ\u00f4mico menos dependente da absor\u00e7\u00e3o de poupan\u00e7as externas. Para isso \u00e9 necess\u00e1rio redefinir completamente os objetivos da pol\u00edtica fiscal. H\u00e1 alguns anos, quando o Brasil sofria do problema da n\u00e3o sustentabilidade da d\u00edvida p\u00fablica, tinha que gerar super\u00e1vits prim\u00e1rios suficientemente grandes para, dadas a taxa real de juros e a taxa de crescimento econ\u00f4mico, produzir o decl\u00ednio da rela\u00e7\u00e3o d\u00edvida\/PIB. Agora teria que dar um passo al\u00e9m, cortando gastos de custeio em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s receitas de forma a elevar simultaneamente suas poupan\u00e7as e os seus investimentos.<\/p>\n

A segunda provid\u00eancia \u00e9 tomar medidas no campo tribut\u00e1rio para elevar a competitividade das exporta\u00e7\u00f5es. \u00c9 preciso, primeiro, que os impostos sobre o valor adicionado permitam a total isen\u00e7\u00e3o nas exporta\u00e7\u00f5es, o que n\u00e3o existe atualmente com o ICMS. \u00c9 necess\u00e1rio reformar completamente o ICMS, mantendo as receitas nos Estados, mas com legisla\u00e7\u00e3o federal, de forma a tolher o poder dos Estados na concess\u00e3o de incentivos e isen\u00e7\u00f5es. O ICMS tamb\u00e9m teria que ser recolhido de acordo com o princ\u00edpio do destino, e n\u00e3o da origem, de forma a eliminar o problema da n\u00e3o utiliza\u00e7\u00e3o dos cr\u00e9ditos tribut\u00e1rios. Tamb\u00e9m s\u00e3o necess\u00e1rias uma desonera\u00e7\u00e3o da tributa\u00e7\u00e3o sobre a folha de pagamento e uma queda dr\u00e1stica de impostos sobre energia el\u00e9trica e bens de capital.<\/p>\n

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