{"id":495,"date":"2011-04-29T15:34:10","date_gmt":"2011-04-29T18:34:10","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=495"},"modified":"2012-01-04T01:22:57","modified_gmt":"2012-01-04T04:22:57","slug":"a-racionalidade-economica-pode-ajudar-a-melhorar-a-legislacao-penal","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=495","title":{"rendered":"A racionalidade econ\u00f4mica pode ajudar a melhorar a legisla\u00e7\u00e3o penal?"},"content":{"rendered":"

Existem no Brasil diversos mecanismos que possibilitam o adiamento do cumprimento da senten\u00e7a, em especial a decreta\u00e7\u00e3o da pris\u00e3o. A legisla\u00e7\u00e3o \u00e9 permeada de recursos amparados por garantias constitucionais de presun\u00e7\u00e3o de inoc\u00eancia, de ampla defesa e de contradit\u00f3rio, que impedem a imediata execu\u00e7\u00e3o da pena.<\/p>\n

Em outros pa\u00edses, no entanto, a realidade \u00e9 diferente. Nos Estados Unidos, por exemplo, as decis\u00f5es penais condenat\u00f3rias proferidas pelos ju\u00edzes de primeiro grau s\u00e3o executadas imediatamente. O C\u00f3digo americano prev\u00ea algumas formas de se aguardar em liberdade, mas os institutos s\u00e3o limitados e dificultados pelos in\u00fameros requisitos a serem preenchidos. Na Inglaterra, a regra \u00e9 aguardar o julgamento dos recursos j\u00e1 cumprindo a pena determinada na primeira inst\u00e2ncia, a menos que a lei garanta a liberdade pela fian\u00e7a, que n\u00e3o \u00e9 autom\u00e1tica, pois somente poder\u00e1 ser concedida na Corte superior, concomitante \u00e0 an\u00e1lise do recurso (Frischeisen, Garcia e Gusman, 2008).<\/p>\n

A economia da criminalidade tem como um de seus expoentes o Professor Gary Becker, ganhador do Nobel de Economia em 1992. Em seu trabalho, Becker (1968) evidencia que a raz\u00e3o principal para se cometer um crime (furto, roubo, extors\u00e3o, usurpa\u00e7\u00e3o, estelionato, recepta\u00e7\u00e3o, etc.) \u00e9 o fato de os riscos serem menores que os benef\u00edcios provenientes da atividade il\u00edcita.<\/p>\n

Como se sabe dos estudos em an\u00e1lise econ\u00f4mica do direito, a pena \u00e9 equivalente a um pre\u00e7o que se paga pela realiza\u00e7\u00e3o de uma atividade ilegal. O sistema penal deve prover um conjunto de mecanismos que, de maneira an\u00e1loga a quaisquer outras atividades de natureza econ\u00f4mica, fixe pre\u00e7os suficientemente altos para inibir delitos. Isto \u00e9, a pena tem o poder de reduzir o benef\u00edcio esperado da atividade ilegal (Becker, 1968).<\/p>\n

De fato, conforme explica Shikida (2010), o sucesso da atividade ilegal est\u00e1 correlacionado com o lucro. O praticante do il\u00edcito \u00e9 o sujeito que organiza o projeto, reunindo os fatores de produ\u00e7\u00e3o dispon\u00edveis e assumindo os riscos inerentes \u00e0 atividade efetuada, podendo perceber lucros ou incorrer em preju\u00edzo. O cerceamento da liberdade integraria o preju\u00edzo.<\/p>\n

No entanto, se a pena n\u00e3o \u00e9 aplicada, o mecanismo desenhado para coibir o crime n\u00e3o funcionar\u00e1 ou, pelo menos, ter\u00e1 sua efic\u00e1cia diminu\u00edda. Por outro lado, impor o cumprimento da pena num primeiro momento faz surgir o risco de se punir um inocente.<\/p>\n

Portanto, se por um lado a sociedade deseja a execu\u00e7\u00e3o imediata para reduzir a criminalidade, ela tamb\u00e9m se preocupa com uma puni\u00e7\u00e3o injusta, sugerindo assim a execu\u00e7\u00e3o apenas no final do julgamento. O confronto dessas duas preocupa\u00e7\u00f5es determinar\u00e1 a escolha \u00f3tima da sociedade.<\/p>\n

Uma maneira de avaliar as duas possibilidades e decidir qual \u00e9 a melhor para a sociedade pode ser feita comparando-se o bem-estar social nos dois casos. Para tanto, utiliza-se o crit\u00e9rio de Bentham, que sup\u00f5e uma fun\u00e7\u00e3o de bem-estar social correspondente \u00e0 soma das utilidades individuais dos cidad\u00e3os que formam a sociedade. Assim, temos valores de utilidade associados aos que n\u00e3o foram v\u00edtimas do crime, aos que sofreram o il\u00edcito, bem como um valor relativo ao r\u00e9u que variar\u00e1 conforme sua pris\u00e3o ocorra e conforme sua verdadeira culpa. Nesse tipo de modelagem, \u00e9 importante tamb\u00e9m especificar uma probabilidade que refletir\u00e1 as chances de o acusado ser realmente culpado. Quem tiver interesse em conhecer o modelo econ\u00f4mico detalhadamente, sugerimos ler Meneguin, Bugarin e Bugarin (2011).<\/p>\n

Da solu\u00e7\u00e3o do modelo, algumas infer\u00eancias podem ser feitas. A primeira delas \u00e9 que a execu\u00e7\u00e3o imediata da senten\u00e7a \u00e9 mais aconselh\u00e1vel \u00e0 medida que as institui\u00e7\u00f5es funcionem melhor, ou seja, julgamentos com baixo \u00edndice de erro. Esse resultado talvez explique porque a execu\u00e7\u00e3o imediata de senten\u00e7a em pa\u00edses mais avan\u00e7ados n\u00e3o \u00e9 vista como abuso de direitos humanos. Afinal, as investiga\u00e7\u00f5es tendem a ser de melhor qualidade que em pa\u00edses em desenvolvimento, como \u00e9 o caso da Inglaterra e dos Estados Unidos.<\/p>\n

Tamb\u00e9m \u00e9 prefer\u00edvel executar imediatamente a senten\u00e7a se a probabilidade de reincid\u00eancia for alta. Essa observa\u00e7\u00e3o sugere que a decis\u00e3o sobre a aplica\u00e7\u00e3o da senten\u00e7a n\u00e3o deve ser uniforme para todos os tipos de il\u00edcitos. Para aqueles para os quais h\u00e1 elevada probabilidade de reincid\u00eancia, como os furtos, a senten\u00e7a imediata \u00e9 prefer\u00edvel, enquanto aqueles em que h\u00e1 baixa probabilidade de reincid\u00eancia, como os crimes passionais, a posterga\u00e7\u00e3o da execu\u00e7\u00e3o passa a ser mais indicada.<\/p>\n

Se o dano sofrido pela v\u00edtima for consider\u00e1vel, tamb\u00e9m se recomenda a execu\u00e7\u00e3o imediata da senten\u00e7a, pois quanto maior for o dano causado a uma v\u00edtima, maior deve ser o benef\u00edcio social em se punir imediatamente. Em particular, crimes que envolvem tirar a vida de uma pessoa devem ter execu\u00e7\u00e3o imediata.<\/p>\n

Por fim, quanto mais cidad\u00e3os forem prejudicados com o comportamento criminoso, maior ser\u00e1 o benef\u00edcio da aplica\u00e7\u00e3o imediata da senten\u00e7a. Este resultado sugere que crimes do tipo de colarinho branco, em que muitas pessoas s\u00e3o afetadas, por exemplo, pelo desvio de recursos p\u00fablicos, devem ser imediatamente punidos, ainda que o preju\u00edzo individual n\u00e3o seja t\u00e3o claramente determinado.<\/p>\n

Observe que todas essas condi\u00e7\u00f5es est\u00e3o atreladas ao tipo de crime e \u00e0 qualidade das institui\u00e7\u00f5es, de forma que a execu\u00e7\u00e3o imediata da senten\u00e7a pode ser indicada em alguns casos e rejeitada em outros. Essa constata\u00e7\u00e3o \u00e9 importante uma vez que fornece um rumo para o aperfei\u00e7oamento das leis penais, indicando que a imediata execu\u00e7\u00e3o da pena deve estar relacionada com o tipo de il\u00edcito cometido.<\/p>\n

Esse texto exemplifica como a economia pode fornecer uma teoria que permita clarear as qualidades requeridas para uma legisla\u00e7\u00e3o penal e processual que possibilite um ponto \u00f3timo entre seguran\u00e7a p\u00fablica e a aplica\u00e7\u00e3o das penas criminais. Tais condi\u00e7\u00f5es devem ser consideradas na implanta\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas de combate ao crime.<\/p>\n

Downloads:<\/em><\/strong><\/p>\n