{"id":454,"date":"2011-04-13T00:01:29","date_gmt":"2011-04-13T03:01:29","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=454"},"modified":"2011-04-13T20:04:04","modified_gmt":"2011-04-13T23:04:04","slug":"vale-a-pena-construir-o-trem-bala","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=454","title":{"rendered":"Vale a pena construir o Trem Bala?"},"content":{"rendered":"

Est\u00e1 em andamento um projeto para construir um trem de alta velocidade (TAV), popularmente conhecido como \u201ctrem-bala\u201d entre Rio e Campinas, passando por S\u00e3o Paulo. \u00c9 um trem de passageiros (sem possibilidade de uso para transporte de cargas, a n\u00e3o ser pequenas encomendas), com poss\u00edveis esta\u00e7\u00f5es intermedi\u00e1rias em S\u00e3o Jos\u00e9 dos Campos, Aparecida do Norte, Resende, Volta Redonda e Barra Mansa. Os aeroportos de Viracopos (Campinas), Guarulhos (S\u00e3o Paulo) e Gale\u00e3o (Rio de Janeiro) tamb\u00e9m seriam servidos por esta\u00e7\u00f5es. A dist\u00e2ncia total a ser percorrida \u00e9 de 511 km, sendo que o trecho principal (Rio \u2013 S\u00e3o Paulo) teria 412 km. O tempo m\u00ednimo de viagem entre Rio e S\u00e3o Paulo seria de 1 hora e 33 minutos, caso venha a ser poss\u00edvel atingir velocidade m\u00e1xima de 300 km por hora e sem paradas. A viagem do Rio a Campinas, com paradas, levaria 2 horas e 27 minutos.<\/p>\n

No atual est\u00e1gio de desenvolvimento da infraestrutura no Brasil, este n\u00e3o parece ser um investimento que valha a pena. A raz\u00e3o \u00e9 simples: ele vai consumir um volume elevado de recursos p\u00fablicos<\/span> (entre R$ 15 bilh\u00f5es e R$ 36 bilh\u00f5es)[1]<\/a>, fora o montante adicional a ser aportado por investidores privados (o custo total da obra est\u00e1 or\u00e7ado oficialmente em R$ 34,6 bilh\u00f5es, mas pode chegar facilmente aos R$ 50 bilh\u00f5es, devido a subestimativas de custos no projeto de viabilidade).<\/p>\n

Para que se tenha uma id\u00e9ia de como o projeto \u00e9 caro, a tabela abaixo compara o or\u00e7amento oficial do TAV com outras obras. Colocar entre R$ 15 bilh\u00f5es e R$ 36 bilh\u00f5es de dinheiro do Tesouro<\/span> em um \u00fanico projeto, significa gastar mais do que tudo o que foi investido em ferrovias entre 1999 e 2008. Trata-se, portanto, de um gasto de vulto que vai drenar dinheiro que poderia ser aplicado em outros investimentos p\u00fablicos.<\/p>\n

Custo total estimado para constru\u00e7\u00e3o do TAV Rio de Janeiro \u2013 Campinas, para outros projetos de infraestrutura de grande vulto e despesa efetivamente realizada em infraestrutura ferrovi\u00e1ria e aeroportu\u00e1ria <\/strong><\/p>\n

R$ bilh\u00f5es<\/strong><\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
TAV 1<\/sup><\/td>\n34,6<\/td>\n<\/tr>\n
Usina Hidrel\u00e9trica de Belo Monte 2<\/sup><\/td>\n19,0<\/td>\n<\/tr>\n
Usina Hidrel\u00e9trica de Santo Ant\u00f4nio 3<\/sup><\/td>\n8,8<\/td>\n<\/tr>\n
Usina Hidrel\u00e9trica de Jirau 4<\/sup><\/td>\n8,7<\/td>\n<\/tr>\n
Ferrovia Norte-Sul 5<\/sup><\/td>\n6,5<\/td>\n<\/tr>\n
Ferrovia Transnordestina 6<\/sup><\/td>\n5,4<\/td>\n<\/tr>\n
Transposi\u00e7\u00e3o do Rio S\u00e3o Francisco 7<\/sup><\/td>\n4,5<\/td>\n<\/tr>\n
 <\/td>\n <\/td>\n<\/tr>\n
Invest. p\u00fablico e privado em ferrovias de 1999 a 2008 8<\/sup><\/td>\n16,6<\/td>\n<\/tr>\n
Invest. p\u00fablico em aeroportos de 1999 a 2008 9<\/sup><\/td>\n3,1<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Elaborado pelo autor. Fontes: ver http:\/\/www.senado.gov.br\/senado\/conleg\/textos_discussao\/NOVOS%20TEXTOS\/TD%2082%20-%20Marcos%20Mendes.pdf<\/a><\/p>\n

Sem d\u00favida que a id\u00e9ia de viajar do Rio a S\u00e3o Paulo em um transporte moderno, sem correr o risco de aeroportos fechados ou congestionados, \u00e9 atrativa. Por\u00e9m, sempre que se pretende colocar dinheiro p\u00fablico<\/span> em um empreendimento, a primeira pergunta a ser feita \u00e9: existe aplica\u00e7\u00e3o melhor para esse dinheiro? E no caso do TAV, parece haver muitos outros investimentos de retorno econ\u00f4mico e social mais elevados, que deveriam ser considerados prioritariamente.<\/p>\n

<\/span><\/p>\n

O PROJETO N\u00c3O \u00c9 PRIORIT\u00c1RIO<\/span><\/p>\n

O principal servi\u00e7o a ser prestado pelo TAV \u00e9 o transporte de pessoas de alta renda no eixo Rio \u2013 S\u00e3o Paulo \u2013 Campinas. Trata-se de um servi\u00e7o que j\u00e1 \u00e9 prestado (ainda que com alguns problemas) pela ponte a\u00e9rea e pelas rodovias, sem necessidade de subs\u00eddio p\u00fablico. Em um pa\u00eds com grandes car\u00eancias na \u00e1rea de infraestrutura, o TAV n\u00e3o passa de um bem de luxo.<\/p>\n

Apenas para citar um exemplo, no Brasil apenas 59% dos domic\u00edlios particulares permanentes s\u00e3o atendidos por rede coletora de esgoto ou fossa s\u00e9ptica ligada \u00e0 rede coletora e 84% s\u00e3o atendidos por rede geral de abastecimento de \u00e1gua; enquanto pa\u00edses do leste asi\u00e1tico e da OCDE j\u00e1 universalizaram esse atendimento.<\/p>\n

O que ser\u00e1 que geraria maior benef\u00edcio \u00e0 popula\u00e7\u00e3o brasileira: um transporte r\u00e1pido entre Rio e S\u00e3o Paulo, ou um investimento maci\u00e7o na dire\u00e7\u00e3o da universaliza\u00e7\u00e3o do acesso \u00e1 \u00e1gua e esgoto? Estudo coordenado pelo economista Marcelo Neri mostra que a disponibilidade de \u00e1gua filtrada e acesso \u00e0 rede de esgoto diminuem em 24% a probabilidade de uma mulher ter algum filho nascido morto. Mostra tamb\u00e9m que as crian\u00e7as pobres, do sexo masculino, entre 1 e 6 anos s\u00e3o as principais v\u00edtimas da falta de saneamento[2]<\/a>. Estudo da Ag\u00eancia Nacional de \u00c1guas (ANA) indica que at\u00e9 2015, 55% dos munic\u00edpios brasileiros (3.059 cidades) poder\u00e3o ter problemas com abastecimento de \u00e1gua. Com R$ 9,6 bilh\u00f5es seria poss\u00edvel solucionar o problema nas 256 maiores cidades, que concentram quase a metade da popula\u00e7\u00e3o do pa\u00eds[3]<\/a>.<\/p>\n

Ser desenvolvido \u00e9 viabilizar transporte em trem-bala para a popula\u00e7\u00e3o de alta renda ou \u00e9 garantir o abastecimento de \u00e1gua e reduzir a mortalidade infantil decorrente da falta de saneamento? Os pa\u00edses que se d\u00e3o ao luxo de investir nesse trem ultrar\u00e1pido h\u00e1 muito j\u00e1 resolveram suas car\u00eancias b\u00e1sicas em infraestrutura.<\/p>\n

Para colocar a compara\u00e7\u00e3o no campo da infraestrutura de transportes, podemos perguntar se n\u00e3o seria mais interessante investir no transporte p\u00fablico urbano, para reduzir os congestionamentos e aumentar a qualidade do servi\u00e7o prestado \u00e0 popula\u00e7\u00e3o (majoritariamente de baixa renda) que dele necessita nos deslocamentos cotidianos. Enquanto o estudo de viabilidade do TAV prev\u00ea a realiza\u00e7\u00e3o de 35 milh\u00f5es de passageiros por ano<\/span>, o metr\u00f4 de S\u00e3o Paulo transporta 3,4 milh\u00f5es de passageiros por dia<\/span>, o que equivale a 1,24 bilh\u00e3o de passageiros por ano.<\/span> O impacto da amplia\u00e7\u00e3o da rede de metr\u00f4 e sua integra\u00e7\u00e3o com outros transportes p\u00fablicos sobre a qualidade de vida e a produtividade dos grandes centros urbanos possivelmente seria muito superior ao impacto do TAV.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 preciso ser especialista em infraestrutura para saber que outras \u00e1reas tamb\u00e9m est\u00e3o muito atrasadas no Brasil: estradas necessitam de recupera\u00e7\u00e3o e duplica\u00e7\u00e3o; h\u00e1 grande concentra\u00e7\u00e3o de habita\u00e7\u00f5es em \u00e1reas de risco que precisam ser removidas; os aeroportos s\u00e3o acanhados e est\u00e3o congestionados; os portos s\u00e3o ineficientes e insuficientes; h\u00e1 d\u00e9ficit na gera\u00e7\u00e3o e distribui\u00e7\u00e3o de energia el\u00e9trica, h\u00e1 in\u00fameros projetos de ferrovias de carga por desenvolver e as j\u00e1 existentes necessitam de investimentos para aumentar sua produtividade.<\/p>\n

O PROJETO CONFLITA COM A POL\u00cdTICA MACROECON\u00d4MICA<\/span><\/p>\n

Mas o problema do TAV n\u00e3o est\u00e1 apenas no fato de n\u00e3o ser um investimento priorit\u00e1rio. Outro problema \u00e9 que o projeto conflita com as diretrizes de pol\u00edtica econ\u00f4mica do governo. Sabe-se que um dos principais problemas macroecon\u00f4micos do Pa\u00eds \u00e9 a valoriza\u00e7\u00e3o do real frente ao d\u00f3lar, que encarece as exporta\u00e7\u00f5es brasileiras e reduz a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Para enfrentar essa dificuldade, nada melhor que investir na redu\u00e7\u00e3o dos custos incorridos pelos exportadores (o famoso \u201cCusto Brasil\u201d). Na \u00e1rea de infraestrutura, a melhor maneira de faz\u00ea-lo parece ser por meio de investimentos no transporte ferrovi\u00e1rio de carga<\/span> e na moderniza\u00e7\u00e3o dos portos. Investir em transporte ferrovi\u00e1rio de passageiros em nada ajuda nesse processo.<\/p>\n

Outra forma de enfrentar a desvaloriza\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar \u00e9 por meio de um ajuste fiscal, que reduza a despesa p\u00fablica como propor\u00e7\u00e3o do PIB. Expandir a despesa p\u00fablica com a constru\u00e7\u00e3o do TAV n\u00e3o apenas vai contra essa necessidade, como tamb\u00e9m torna ainda mais restrita a disponibilidade de recursos para outros investimentos de maior prioridade.<\/p>\n

O TESOURO ASSUME RISCO FINANCEIRO EXCESSIVO<\/span><\/p>\n

Outro problema grave est\u00e1 no mecanismo financeiro criado para financiar o investimento. O risco \u00e9 suportado inteiramente pelo Tesouro Nacional. Isso ocorre porque o BNDES conceder\u00e1 um investimento de R$ 20 bilh\u00f5es ao cons\u00f3rcio escolhido para fazer a obra. O Tesouro ser\u00e1 o garantidor do empr\u00e9stimo: se o cons\u00f3rcio n\u00e3o pagar, o Tesouro paga ao BNDES. Para tanto, o Tesouro receber\u00e1 contragarantias da parte do cons\u00f3rcio. Se tiver que honrar o empr\u00e9stimo, o Tesouro acionar\u00e1 tais contragarantias para ser ressarcido. O problema \u00e9 que tais contragarantias s\u00e3o muito fr\u00e1geis. Ficou estabelecido que elas ser\u00e3o representadas pelas a\u00e7\u00f5es do cons\u00f3rcio e pela sua receita operacional. Ora, se o TAV enfrentar dificuldades financeiras, as a\u00e7\u00f5es v\u00e3o valer pouco (a\u00e7\u00f5es de empresas com problemas se desvalorizam) e a receita operacional ser\u00e1 baixa. Logo, as contragarantias n\u00e3o ser\u00e3o suficientes para ressarcir o Tesouro.<\/p>\n

E mesmo que o Tesouro receba as a\u00e7\u00f5es do cons\u00f3rcio para se ressarcir, isso significar\u00e1 uma estatiza\u00e7\u00e3o do TAV. E o que o governo vai fazer: passar a operar o trem com uma empresa estatal, engordando a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica com uma atividade n\u00e3o-t\u00edpica de governo, e com incentivos \u00e0 inefici\u00eancia? A outra op\u00e7\u00e3o seria leiloar novamente a concess\u00e3o, mas um novo concession\u00e1rio far\u00e1 grandes exig\u00eancias financeiras para assumir o neg\u00f3cio, tendo em vista que as perspectivas de ganho j\u00e1 se mostraram restritas, a ponto de o primeiro concession\u00e1rio n\u00e3o ter conseguido pagar a d\u00edvida do empreendimento.<\/p>\n

Frente \u00e0 amea\u00e7a de ter que estatizar o TAV, o resultado prov\u00e1vel \u00e9 que o governo fique ref\u00e9m do cons\u00f3rcio operador do trem, concedendo-lhe mais e mais subs\u00eddios fiscais e credit\u00edcios ao longo do tempo.<\/p>\n

O ESTUDO DE VIABILIDADE \u00c9 VAGO QUANTO AOS POSS\u00cdVEIS BENEF\u00cdCIOS<\/span><\/p>\n

H\u00e1 que se questionar, tamb\u00e9m, quais seriam os benef\u00edcios trazidos pelo TAV. Nesse ponto, o que chama aten\u00e7\u00e3o \u00e9 a superficialidade dos estudos t\u00e9cnicos[4]<\/sup><\/sup><\/a>. N\u00e3o h\u00e1 qualquer an\u00e1lise oficial que detalhe ou quantifique os benef\u00edcios a serem gerados pelo TAV. S\u00e3o apresentadas apenas refer\u00eancias gen\u00e9ricas a potenciais ganhos. Muitos desses alegados benef\u00edcios poder\u00e3o ser, na pr\u00e1tica, reduzidos por efeitos colaterais n\u00e3o levados em conta pelo estudo de viabilidade, que deveria n\u00e3o s\u00f3 consider\u00e1-los, mas, tamb\u00e9m, quantific\u00e1-los na medida do poss\u00edvel.<\/p>\n

O primeiro argumento \u00e9 o de que a liga\u00e7\u00e3o Rio – S\u00e3o Paulo est\u00e1 saturada<\/span>, e que \u00e9 fundamental um novo modal de transportes de passageiros al\u00e9m do rodovi\u00e1rio e do a\u00e9reo. Mas o pr\u00f3prio estudo de viabilidade mostra que pelo menos 60% do tr\u00e1fego estimado de passageiros ser\u00e1 no eixo S\u00e3o Paulo \u2013 Campinas \u2013 S\u00e3o Jos\u00e9 dos Campos. O trecho Rio \u2013 S\u00e3o Paulo ficaria com apenas 18% das viagens. Ora, nesse caso, seria muito mais interessante pensar em um sistema de trens que ligasse, inicialmente, apenas as tr\u00eas cidades paulistas, deixando para uma segunda etapa a extens\u00e3o at\u00e9 o Rio de Janeiro (que, diga-se de passagem, representa o trecho da obra com maiores desafios de engenharia, devido \u00e0 necessidade de lidar com o declive da Serra das Araras). J\u00e1 existe, no \u00e2mbito do Governo do Estado de S\u00e3o Paulo, projetos de ferrovias que atenderiam bastante bem, a custo muito menor, a demanda por transporte ferrovi\u00e1rio de passageiros entre as cidades paulistas. A liga\u00e7\u00e3o Rio \u2013 S\u00e3o Paulo poderia ser atendida por meio de amplia\u00e7\u00e3o de aeroportos ou constru\u00e7\u00e3o de novos aeroportos, que serviriam n\u00e3o apenas essa liga\u00e7\u00e3o, mas todos os demais destinos nacionais e internacionais.<\/p>\n

Alega-se que o TAV ir\u00e1 reduzir o tr\u00e1fego de autom\u00f3veis e \u00f4nibus nas estradas, minimizando congestionamentos, elevando a seguran\u00e7a dos viajantes e gerando impacto ambiental positivo<\/span>, pela substitui\u00e7\u00e3o do consumo de combust\u00edveis f\u00f3sseis pela energia el\u00e9trica renov\u00e1vel a ser usada na propuls\u00e3o dos trens.<\/p>\n

H\u00e1 que se considerar, por\u00e9m, que a constru\u00e7\u00e3o do TAV ir\u00e1 drenar significativos recursos financeiros e impedir\u00e1 a realiza\u00e7\u00e3o de investimentos no transporte ferrovi\u00e1rio de carga em todo o Pa\u00eds. A consequ\u00eancia ser\u00e1 a expans\u00e3o do n\u00famero de caminh\u00f5es trafegando nas estradas de todo o pa\u00eds (que poderiam ser substitu\u00eddos por trens de carga), queimando \u00f3leo diesel, aumentando o tr\u00e1fego e os riscos de acidentes.<\/p>\n

A respeito desse efeito, \u00e9 interessante citar a compara\u00e7\u00e3o feita por O\u00b4Toole (2008, p.12-13) entre o transporte de cargas nos EUA (que n\u00e3o t\u00eam TAV) e a Europa (onde h\u00e1 ampla rede de TAV): \u201ca \u00eanfase da Europa no uso de trens para o transporte de passageiros teve profundo efeito na movimenta\u00e7\u00e3o de cargas. Nos EUA, um pouco mais de um quarto das cargas s\u00e3o transportadas por estradas e mais de um ter\u00e7o por trens. Na Europa quase \u00be seguem pela estrada (…). A baixa capacidade de transporte de carga das ferrovias da Europa e do Jap\u00e3o indicam que um pa\u00eds ou regi\u00e3o pode usar seu sistema ferrovi\u00e1rio para passageiros ou carga, mas n\u00e3o para os dois.\u00a0 Gastar US$ 100 bilh\u00f5es por ano em transporte ferrovi\u00e1rio de passageiros pode tirar uma pequena porcentagem de carros das estradas, mas uma poss\u00edvel consequ\u00eancia \u00e9 um grande aumento no n\u00famero de caminh\u00f5es nas estradas\u201d <\/em>– tradu\u00e7\u00e3o livre.<\/p>\n

O\u2019Toole (2008, p. 6 e 8) tamb\u00e9m contesta id\u00e9ia de que o TAV \u00e9 capaz de promover significativo desafogamento de rodovias. Afirma que, no caso do projeto em estudo na Fl\u00f3rida \u2013 EUA, \u201cos planejadores estimaram que a linha de trem removeria apenas 2% dos carros de um segmento n\u00e3o-saturado da rodovia I-4, e parcelas ainda menores de outros segmentos(…)[Na Calif\u00f3rnia] o trem de alta velocidade tiraria, em m\u00e9dia, 3,8% dos carros das rodovias paralelas \u00e0s linhas f\u00e9rreas\u201d<\/em> – tradu\u00e7\u00e3o livre.<\/p>\n

O benef\u00edcio ambiental decorrente da substitui\u00e7\u00e3o da queima de combust\u00edveis f\u00f3sseis por energia el\u00e9trica renov\u00e1vel tamb\u00e9m pode vir a ser eliminado pelo impacto ambiental causado pela constru\u00e7\u00e3o do TAV: uma grande quantidade de carbono ser\u00e1 liberada durante o longo processo de constru\u00e7\u00e3o, lembrando que o projeto brasileiro atravessar\u00e1 ampla \u00e1rea de mata atl\u00e2ntica e nascentes. O estudo de viabilidade deveria mostrar esses dados e fazer as devidas compara\u00e7\u00f5es. Mas simplesmente silencia a respeito.<\/p>\n

Outro argumento apresentado pelos defensores do trem bala consiste no fato de que o investimento no TAV reduziria os investimentos necess\u00e1rios na reforma e amplia\u00e7\u00e3o de aeroportos<\/span>. Tal id\u00e9ia s\u00f3 se aplica aos aeroportos de Santos Dumont e Congonhas, que atualmente operam a ponte a\u00e9rea, e aos do Gale\u00e3o e de Guarulhos, que est\u00e3o na rota do TAV. O outro aeroporto inserido no trajeto \u2013 Viracopos, Campinas \u2013 teria seu tr\u00e1fego ampliado, ao se tornar uma op\u00e7\u00e3o atraente de acesso \u00e0 cidade de S\u00e3o Paulo, exigindo mais investimentos. Al\u00e9m disso, a realiza\u00e7\u00e3o de grandes eventos esportivos nos pr\u00f3ximos anos e o atraso hist\u00f3rico na capacidade e efici\u00eancia dos aeroportos brasileiros exigir\u00e3o grandes investimentos em aeroportos, independentemente de se construir ou n\u00e3o o TAV.<\/p>\n

H\u00e1, tamb\u00e9m, o argumento de que o TAV utilizaria faixa de terreno mais estreita que as rodovias, o que propiciaria economia em termos de uso do solo<\/span>. Tal argumento parece ser v\u00e1lido apenas para os trechos n\u00e3o urbanos, pois as rodovias acabam na entrada da cidade e, a partir dali, utilizam-se as pistas j\u00e1 existentes. No caso do trem ser\u00e1 preciso desapropriar solo urbano (em geral mais caro que o n\u00e3o urbano) para uso exclusivo da linha f\u00e9rrea, que entra na cidade para chegar at\u00e9 a esta\u00e7\u00e3o. H\u00e1 que se considerar, ainda, os custos gerados pelo seccionamento das cidades pela linha f\u00e9rrea. No caso do TAV, que n\u00e3o admite o cruzamento da linha por carros ou pedestres, e que fica isolado por altas grades e muretas, ser\u00e1 preciso criar t\u00faneis, pontes ou trechos subterr\u00e2neos de modo a n\u00e3o bloquear a livre circula\u00e7\u00e3o da popula\u00e7\u00e3o no interior das cidades por onde passar.<\/p>\n

E o que dizer do argumento de desenvolvimento regional<\/span>? De fato o TAV tende a gerar prosperidade para as cidades que, inclu\u00eddas em seu trajeto, s\u00e3o contempladas com esta\u00e7\u00f5es. Ahlfeldt e Feddersen (2010) mostram evid\u00eancias estat\u00edsticas de progresso econ\u00f4mico em cidades do interior da Alemanha que se tornaram mais acess\u00edveis aos grandes centros de Col\u00f4nia e Frankfurt. Mas esse benef\u00edcio tem como contrapartida os custos impostos \u00e0s cidades onde o trem passa, mas n\u00e3o p\u00e1ra: essas cidades sofrem os efeitos negativos (polui\u00e7\u00e3o sonora e visual, seccionamento do seu territ\u00f3rio, demoli\u00e7\u00e3o de equipamentos p\u00fablicos preexistentes, etc.), sem ter o benef\u00edcio de serem servidas pelo trem. Ademais, o TAV ir\u00e1 circular sobre a regi\u00e3o mais desenvolvida do Pa\u00eds. Do ponto de vista de impacto regional, e lembrando que haver\u00e1 gastos do governo federal para viabiliz\u00e1-lo, o TAV representa, assim, uma transfer\u00eancia de renda das regi\u00f5es mais pobres do Pa\u00eds para o eixo Rio – S\u00e3o Paulo \u2013 Campinas.<\/p>\n

H\u00e1, tamb\u00e9m, que se comparar os benef\u00edcios das cidades contempladas com esta\u00e7\u00f5es aos custos pagos pelos contribuintes de todo o pa\u00eds, muitos dos quais jamais utilizar\u00e3o o trem nem tampouco receber\u00e3o benef\u00edcios indiretos gerados por esse equipamento.<\/p>\n

A assertiva de que a constru\u00e7\u00e3o do TAV permitir\u00e1 a absor\u00e7\u00e3o de tecnologia<\/span> pelo pa\u00eds suscita a seguinte d\u00favida: tal tecnologia tem aplica\u00e7\u00e3o em outras \u00e1reas da ind\u00fastria ou se limita \u00e0 constru\u00e7\u00e3o de trens velozes? Se n\u00e3o tiver externalidades para outro segmento ser\u00e1 in\u00fatil absorv\u00ea-la, pois n\u00e3o parece haver outros trechos com poss\u00edvel viabilidade para constru\u00e7\u00e3o de TAV no pa\u00eds.<\/p>\n

Alega-se que os trens de alta velocidade de outros pa\u00edses geram redu\u00e7\u00e3o do tempo total de viagem em rela\u00e7\u00e3o ao avi\u00e3o, pois n\u00e3o exigem gasto de tempo com check in, <\/em>al\u00e9m de terem esta\u00e7\u00f5es mais pr\u00f3ximas aos centros das cidades que os aeroportos, que costumam se situar fora da \u00e1rea urbana<\/span>. No caso brasileiro esse \u00faltimo argumento n\u00e3o se aplica, pois os aeroportos Santos Dumont e Congonhas, que servem a ponte a\u00e9rea entre Rio e S\u00e3o Paulo, t\u00eam localiza\u00e7\u00e3o mais privilegiada que aquelas planejadas para as esta\u00e7\u00f5es do TAV, fato que \u00e9 reconhecido pelo estudo de viabilidade. Al\u00e9m disso, inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas, como o check-in<\/em> pr\u00e9vio, via web<\/em>, e o check-in<\/em> eletr\u00f4nico dispon\u00edvel no pr\u00f3prio aeroporto reduzem esse diferencial de tempo sem a necessidade de grandes investimentos.<\/p>\n

Em suma, se o Governo pretende lan\u00e7ar dinheiro p\u00fablico em um projeto arriscado, que pode custar entre R$ 14 e R$ 36 bilh\u00f5es ao contribuinte, \u00e9 preciso muito mais do que simplesmente apresentar uma lista de poss\u00edveis benef\u00edcios. \u00c9 essencial que se fa\u00e7am estudos aprofundados e detalhados desses alegados benef\u00edcios, para verificar se, de fato, eles se materializar\u00e3o, com que intensidade, e quais os poss\u00edveis efeitos colaterais que reduzir\u00e3o o ganho l\u00edquido estimado. Al\u00e9m disso, esses benef\u00edcios precisam ser superiores aos gerados por outros investimentos de infraestrutura.<\/p>\n

Refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas<\/p>\n

Ahlfeldt e Feddersen (2010) From periphery to the core: economic adjustments to high speed rail<\/em>. Dispon\u00edvel em http:\/\/www.ieb.ub.edu\/aplicacio\/fitxers\/WS10Ahlfeldt.pdf<\/a><\/p>\n

O\u2019Toole, Randal (2008) High-speed rail: the wrong road for America. Policy Analysis<\/em>, n\u00ba 625. CATO Institute. Dispon\u00edvel em http:\/\/www.cato.org\/pubs\/pas\/pa-625.pdf<\/a><\/p>\n

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