{"id":43,"date":"2011-02-18T21:25:53","date_gmt":"2011-02-19T00:25:53","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=43"},"modified":"2011-02-25T04:05:00","modified_gmt":"2011-02-25T07:05:00","slug":"por-que-o-brasil-nao-utiliza-as-reservas-internacionais-para-financiar-investimentos-publicos-em-infraestrutura-2","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=43","title":{"rendered":"Por que o Brasil n\u00e3o utiliza as reservas internacionais para financiar investimentos p\u00fablicos em infraestrutura?"},"content":{"rendered":"

Um gargalo importante para o crescimento da economia brasileira \u00e9 o baixo n\u00edvel de investimento em infraestrutura. Segundo Cl\u00e1udio Frischtak[1]<\/sup><\/sup><\/a> o Brasil precisa investir em infraestrutura entre 5% e 7% do PIB, ao longo de 20 anos, para atingir o padr\u00e3o de crescimento da Cor\u00e9ia do Sul. Mas o Pa\u00eds tem investido pouco mais de 2% do PIB. Por isso, \u00e9 preciso encontrar um meio de impulsionar tais investimentos.<\/p>\n

Por\u00e9m, usar as reservas internacionais para financiar esses investimentos n\u00e3o \u00e9 uma boa op\u00e7\u00e3o. Isso equivaleria, em \u00faltima inst\u00e2ncia, a financiar os gastos por meio de endividamento p\u00fablico. Financiar investimentos com endividamento n\u00e3o \u00e9, a princ\u00edpio, uma op\u00e7\u00e3o ruim. Mas faz\u00ea-lo por meio do uso das reservas internacionais geraria efeitos colaterais indesej\u00e1veis: no curto prazo, haveria valoriza\u00e7\u00e3o da moeda nacional em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar. Isso geraria impacto negativo sobre as exporta\u00e7\u00f5es e sobre a competitividade das ind\u00fastrias nacionais em rela\u00e7\u00e3o a produtos importados. Em ambos os casos haveria perda de empregos no pa\u00eds. No m\u00e9dio prazo haveria mais infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Pode-se fazer investimento p\u00fablico via endividamento do Tesouro sem necessidade de se mexer nas reservas internacionais e sem provocar esses efeitos colaterais indesejados.<\/p>\n

Para entender essa quest\u00e3o, vamos partir de uma constata\u00e7\u00e3o b\u00e1sica: o setor p\u00fablico brasileiro tem d\u00e9ficit nas suas contas. Ou seja, gasta mais do que arrecada. Um indiv\u00edduo que, todo m\u00eas, gaste mais do que recebe em sal\u00e1rios n\u00e3o pode acumular poupan\u00e7a na sua conta banc\u00e1ria. Da mesma forma, o governo n\u00e3o pode acumular mais de R$ 200 bilh\u00f5es em poupan\u00e7a se n\u00e3o arrecada o suficiente para pagar as contas do m\u00eas.<\/p>\n

De onde, ent\u00e3o, vem o dinheiro para comprar as reservas internacionais? Vem de endividamento p\u00fablico. O setor p\u00fablico brasileiro toma dinheiro emprestado no mercado financeiro nacional para comprar as reservas internacionais. Logo, essas reservas n\u00e3o constituem uma \u201criqueza leg\u00edtima\u201d acumulada pelo governo. Elas s\u00e3o, simplesmente, a contrapartida de uma d\u00edvida. Se o governo gastar o dinheiro das reservas para fazer investimentos, restar\u00e1 uma d\u00edvida a ser paga. Portanto, em \u00faltima inst\u00e2ncia, os investimentos p\u00fablicos em infraestrutura ter\u00e3o sido financiados por endividamento p\u00fablico.<\/p>\n

Fica, ent\u00e3o, outra d\u00favida: se o governo n\u00e3o consegue poupar (gastando mais do que arrecada), por que ele pega dinheiro emprestado para comprar reservas internacionais? N\u00e3o \u00e9 racional, para uma fam\u00edlia que tem um buraco mensal em seu or\u00e7amento, pegar dinheiro emprestado e coloc\u00e1-lo na poupan\u00e7a. Logo, n\u00e3o parece ser racional que o governo aja dessa forma.<\/p>\n

Ocorre que o governo compra reservas internacionais com dois outros objetivos: evitar que o real se valorize excessivamente em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar (e demais moedas internacionais) e garantir que o Brasil tenha uma reserva de d\u00f3lares para fazer suas compras no exterior.<\/p>\n

Basicamente, se o real se valorizar demais os produtos brasileiros ficar\u00e3o caros no exterior, o que prejudica nossas exporta\u00e7\u00f5es. Se os exportadores perdem mercado, haver\u00e1 redu\u00e7\u00e3o na oferta de emprego nas empresas brasileiras dedicadas \u00e0 exporta\u00e7\u00e3o. Por outro lado, os produtos importados ficam baratos em rela\u00e7\u00e3o \u00e0queles produzidos no Brasil. As empresas que produzem no Brasil passam a gerar menos empregos.<\/p>\n

Um outro motivo para se acumular reservas em d\u00f3lares \u00e9 que se faltarem d\u00f3lares dispon\u00edveis no Brasil, os brasileiros n\u00e3o ter\u00e3o acesso ao meio de pagamento normalmente utilizado para fazer compras no exterior. Mesmo que os brasileiros tenham reais em m\u00e3os para fazer compras, eles n\u00e3o poder\u00e3o adquirir mercadorias importadas, pois os reais n\u00e3o s\u00e3o aceitos como meio de pagamento na economia internacional. Logo, o ac\u00famulo de reservas internacionais tamb\u00e9m funciona como um \u201cseguro\u201d, pois representa uma reserva de d\u00f3lares para o caso de alguma crise econ\u00f4mica interromper o fluxo normal de d\u00f3lares para o pa\u00eds.<\/p>\n

Vejamos, agora, o que aconteceria se o governo resolvesse usar o dinheiro das reservas internacionais para financiar investimentos em infraestrutura no Pa\u00eds. Para isso, ele teria que trazer os d\u00f3lares que est\u00e3o aplicados no exterior, convertendo-os em reais, para poder comprar cimento, ferro, asfalto, m\u00e1quinas e pagar sal\u00e1rios dos oper\u00e1rios e engenheiros que far\u00e3o as obras de infraestrutura. Logo, haveria forte entrada de d\u00f3lares no Pa\u00eds, fazendo com que o real se valorizasse.<\/p>\n

Ora, se o governo acumula reservas justamente para evitar a valoriza\u00e7\u00e3o da moeda dom\u00e9stica, trazer esses d\u00f3lares para financiar investimentos no Pa\u00eds significaria desistir da pol\u00edtica de evitar tal valoriza\u00e7\u00e3o; com as consequ\u00eancias negativas sobre a oferta de emprego no pa\u00eds, como j\u00e1 descrito acima.<\/p>\n

Um segundo efeito colateral seria o aumento do endividamento p\u00fablico l\u00edquido e, provavelmente, da infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Quando o governo se endivida para comprar d\u00f3lares ele ao mesmo tempo aumenta o seu passivo (pelo aumento da d\u00edvida interna) e o seu ativo (pela compra de d\u00f3lares). Isso significa que a d\u00edvida l\u00edquida (passivo menos ativo) n\u00e3o se altera.<\/p>\n

Se o governo decidir vender as reservas (um ativo) para financiar uma despesa (o investimento em infraestrutura) a d\u00edvida l\u00edquida vai aumentar, pois o governo ter\u00e1 se desfeito de um ativo (as reservas) \u00a0e o seu passivo (a d\u00edvida p\u00fablica) ter\u00e1 ficado do mesmo tamanho.<\/p>\n

Mas se os investimentos em infraestrutura representam, de fato, um ativo do Tesouro, porque eles n\u00e3o s\u00e3o deduzidos para fins de c\u00e1lculo da d\u00edvida l\u00edquida? Se isso fosse feito, n\u00e3o haveria aumento na d\u00edvida. Ocorre que os investimentos em infraestrutura n\u00e3o t\u00eam a mesma liquidez que t\u00edtulos do Tesouro ou dinheiro. Da mesma forma que se diz que um indiv\u00edduo se endividou para comprar um carro, diz-se que o governo se endividou para fazer obras. O indiv\u00edduo at\u00e9 pode argumentar que a sua situa\u00e7\u00e3o patrimonial n\u00e3o mudou, pois o valor do carro compensa o valor da d\u00edvida. Mas sabe-se que o carro se deprecia ao longo do tempo (assim como os investimentos do governo) e que n\u00e3o tem liquidez imediata (se o indiv\u00edduo precisar vender o carro para pagar a d\u00edvida, ter\u00e1 dificuldade ou precisar\u00e1 aceitar um desconto no pre\u00e7o).<\/p>\n

Aumentar a d\u00edvida para fazer investimentos n\u00e3o \u00e9 necessariamente ruim. \u00c9 um recurso leg\u00edtimo. Assim como o carro presta um servi\u00e7o ao indiv\u00edduo, o investimento em infraestrutura presta um servi\u00e7o ao Pa\u00eds (facilitando o crescimento econ\u00f4mico e gerando mais renda). Por isso, se o valor da nova renda que o investimento em infraestrutura trouxer para o Pa\u00eds for maior do que os juros a serem pagos sobre a d\u00edvida, vale a pena fazer o investimento.<\/p>\n

Mas o fato concreto que importa ressaltar \u00e9 que o uso das reservas internacionais n\u00e3o \u00e9 uma solu\u00e7\u00e3o m\u00e1gica para expandir os investimentos em infraestrutura. Em \u00faltima inst\u00e2ncia, estar\u00e1 havendo um aumento do endividamento p\u00fablico para fazer tais investimentos. Logo, seria mais f\u00e1cil financiar os investimentos diretamente via emiss\u00e3o de t\u00edtulos, sem a complica\u00e7\u00e3o de se mexer com as reservas.<\/p>\n

Se n\u00e3o traz nenhuma vantagem, esse procedimento pode trazer muitas desvantagens. A primeira delas, a valoriza\u00e7\u00e3o do real, j\u00e1 foi analisada acima. A segunda poss\u00edvel desvantagem \u00e9 o aumento da infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A convers\u00e3o das reservas internacionais em reais e o uso desses reais para a compra de cimento, m\u00e3o-de-obra, ferro e demais insumos necess\u00e1rios aos investimentos em infraestrutura significar\u00e1 um aumento da quantidade de dinheiro nas m\u00e3os dos indiv\u00edduos que venderem esses insumos ao governo. Os indiv\u00edduos que obtiveram emprego ou aumento de sal\u00e1rio devido \u00e0 maior demanda do governo por engenheiros e trabalhadores v\u00e3o consumir mais; as empresas que executaram contratos de constru\u00e7\u00e3o v\u00e3o aplicar seus lucros em novos investimentos. E esse est\u00edmulo ao consumo tende a\u00a0 ressionar os pre\u00e7os, elevando a infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Se, em vez de financiar os investimentos p\u00fablicos repassando reservas internacionais ao setor privado, o governo tivesse reduzido os seus gastos correntes e formado uma poupan\u00e7a, os efeitos expansionistas acima descritos (aumento de consumo pelas empresas e fam\u00edlias) seriam compensados pela redu\u00e7\u00e3o do consumo do governo. E os pre\u00e7os n\u00e3o aumentariam, pois o que o setor privado consumisse a mais seria compensado por um consumo menor do governo.<\/p>\n

Em resumo, usar reservas internacionais para financiar investimentos p\u00fablicos em infraestrutura n\u00e3o \u00e9 um passe de m\u00e1gica. Tal opera\u00e7\u00e3o significa que, no caso brasileiro, cujo or\u00e7amento j\u00e1 \u00e9 deficit\u00e1rio, esses investimentos ser\u00e3o financiados por aumento da d\u00edvida l\u00edquida do setor p\u00fablico.<\/p>\n

Como desvantagem adicional, aumenta a vulnerabilidade do Pa\u00eds a uma eventual crise de escassez de divisas internacionais: a venda das reservas significa abrir m\u00e3o de um seguro em termos de liquidez internacional.<\/p>\n

Pode-se at\u00e9 argumentar que as reservas internacionais passaram do montante necess\u00e1rio para garantir o acesso dos brasileiros a moedas de curso internacional e que custa caro manter as reservas (pois a sua remunera\u00e7\u00e3o, ao se aplicar os d\u00f3lares no mercado financeiro internacional, \u00e9 mais baixa do que os juros que o governo paga ao tomar empr\u00e9stimos no Pa\u00eds). Mas essa \u00e9 uma outra discuss\u00e3o, que se refere ao que fazer na gest\u00e3o dos d\u00f3lares que entram no Pa\u00eds. E que nada tem a ver com o outro problema, que \u00e9 o de como financiar os investimentos em infraestrutura.<\/p>\n

Para solucionar o problema da falta de investimentos em infraestrutura \u00e9 preciso, em primeiro lugar, reduzir os gastos correntes do governo, para sobrarem mais recursos a serem investidos. Em segundo lugar, \u00e9 preciso criar condi\u00e7\u00f5es legais favor\u00e1veis ao investimento privado em infraestrutura, mediante privatiza\u00e7\u00f5es e concess\u00f5es de servi\u00e7os p\u00fablicos (aeroportos, estradas, ferrovias, portos, etc.). Isso abre uma ampla agenda: fortalecimento das ag\u00eancias reguladoras, supera\u00e7\u00e3o do preconceito contra privatiza\u00e7\u00f5es, amplia\u00e7\u00e3o das garantias contratuais dos investidores privados (para que o governo n\u00e3o confisque seus investimentos), melhoria da capacidade do governo para planejar investimentos, etc.<\/p>\n

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