{"id":387,"date":"2011-03-24T13:33:16","date_gmt":"2011-03-24T16:33:16","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=387"},"modified":"2012-01-27T09:50:10","modified_gmt":"2012-01-27T12:50:10","slug":"por-que-o-governo-deve-interferir-na-economia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=387","title":{"rendered":"Por que o governo deve interferir na economia?"},"content":{"rendered":"
O funcionamento da economia, a princ\u00edpio, n\u00e3o precisa de interven\u00e7\u00f5es do governo. Por exemplo: quando uma seca destr\u00f3i a safra de feij\u00e3o, o pre\u00e7o do feij\u00e3o sobe. Frente ao pre\u00e7o mais alto, as pessoas passam a comprar menos feij\u00e3o, e o substituem por outro alimento mais barato. Isso significa que a demanda por feij\u00e3o cai, diminuindo a press\u00e3o sobre seus pre\u00e7os. Por outro lado, comerciantes v\u00e3o importar feij\u00e3o, para aproveitar a oportunidade de lucrar com os pre\u00e7os mais altos. Ao colocarem no mercado essa importa\u00e7\u00e3o, a escassez do produto diminuir\u00e1, com novo impulso \u00e0 queda dos pre\u00e7os.<\/p>\n
H\u00e1, portanto, um mecanismo de ajuste autom\u00e1tico da economia: a escassez eleva os pre\u00e7os e o aumento de pre\u00e7os induz o fim da escassez. Em uma situa\u00e7\u00e3o como essa, n\u00e3o h\u00e1 necessidade de o governo interferir na economia, pois ela se ajusta sozinha.<\/p>\n
H\u00e1, por\u00e9m, situa\u00e7\u00f5es em que o mercado n\u00e3o se ajusta sozinho, s\u00e3o as chamadas \u201cfalhas de mercado\u201d. Quando o mercado falha, a interven\u00e7\u00e3o do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um n\u00edvel mais elevado de bem-estar. Mas existem, tamb\u00e9m, as \u201cfalhas de governo\u201d: os problemas que o governo causa ao intervir na economia.<\/p>\n
Sempre que um governo anuncia um novo programa ou uma nova lei, o cidad\u00e3o- eleitor que deseje analisar benef\u00edcios e custos dessa interven\u00e7\u00e3o pode se perguntar: qual a falha de mercado que se est\u00e1 querendo corrigir? Ser\u00e1 que essa interven\u00e7\u00e3o n\u00e3o gerar\u00e1 \u201cfalhas de governo\u201d que piorar\u00e3o o bem-estar geral?<\/p>\n
Para responder a essas perguntas, \u00e9 preciso conhecer a natureza das \u201cfalhas de mercado\u201d e das \u201cfalhas de governo\u201d. O presente texto trata da primeira parte do problema: as falhas de mercado. Analisa-se por que e como o governo pode intervir na economia para resolver tais falhas. O texto n\u00e3o representa uma defesa dos m\u00e9todos de interven\u00e7\u00e3o apresentados. Muitas das possibilidades de interven\u00e7\u00e3o aqui apresentadas tendem a gerar fortes \u201cfalhas de governo\u201d. Oportunamente ser\u00e1 apresentado um texto tratando das falhas de governo.<\/p>\n
1. Direito de propriedade e garantia de contratos<\/strong><\/p>\n A economia de mercado s\u00f3 existe porque o governo existe. Por isso, a primeira fun\u00e7\u00e3o do governo \u00e9 garantir que a economia possa funcionar. O produtor de feij\u00e3o s\u00f3 aplica suas economias e seu trabalho para produzir esse alimento porque ele sabe que tem o direito de propriedade sobre aquilo que ele produz. Em um pa\u00eds em que os agricultores estejam sob permanente amea\u00e7a de invas\u00e3o e roubo da produ\u00e7\u00e3o, eles provavelmente v\u00e3o desistir de produzir, e n\u00e3o vai haver oferta de feij\u00e3o no mercado. Logo, o governo tem a fun\u00e7\u00e3o primordial de garantir o direito \u00e0 <\/span>propriedade privada<\/span>. \u00c9 preciso que existam institui\u00e7\u00f5es como a pol\u00edcia e a justi\u00e7a, que protegem essa propriedade de roubo e expropria\u00e7\u00f5es.<\/p>\n Para que as pessoas tenham confian\u00e7a para negociar entre si, \u00e9 preciso que haja contratos<\/span> e que esses sejam respeitados. O produtor de feij\u00e3o precisa ter seguran\u00e7a de que o comprador vai, efetivamente, pagar pelo feij\u00e3o comprado e que, se o pagamento n\u00e3o for feito, ele pode processar o comprador. O comprador, por sua vez, tem direito a exigir na justi\u00e7a que o vendedor entregue o feij\u00e3o na qualidade e quantidade combinadas.<\/p>\n As regras para elabora\u00e7\u00e3o e respeito aos contratos devem estar nas leis. Isso significa que o governo deve instituir o Poder Judici\u00e1rio (para aplicar as leis), o Poder Legislativo (para produzir e aprovar as leis), as institui\u00e7\u00f5es policiais e o sistema prisional (para cumprir as determina\u00e7\u00f5es do Judici\u00e1rio). Tudo isso garante o funcionamento da economia de mercado.<\/p>\n Em pa\u00edses em que o governo n\u00e3o exerce bem essas fun\u00e7\u00f5es, a economia de mercado n\u00e3o prospera. Por exemplo, nas economias comunistas, nas quais n\u00e3o havia garantia de propriedade privada, as pessoas moravam em apartamentos que n\u00e3o eram seus e, por isso, n\u00e3o tinham preocupa\u00e7\u00e3o em conserv\u00e1-los. Nas economias capitalistas, por sua vez, os inquilinos s\u00f3 fazem reforma nos im\u00f3veis se houver um contrato<\/span> com os propriet\u00e1rios, garantindo o abatimento do gasto no valor do aluguel.<\/p>\n 2. Restri\u00e7\u00f5es \u00e0 competi\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n Na negocia\u00e7\u00e3o de um quilo de feij\u00e3o, em uma barraca na feira, h\u00e1 um equil\u00edbrio de poder entre comprador e vendedor: se achar o pre\u00e7o caro, o comprador pode procurar o feij\u00e3o em outra barraca; se n\u00e3o aceitar a oferta do comprador, o vendedor pode esperar a chegada de outro comprador disposto a pagar aquele pre\u00e7o. Mas h\u00e1 diversos casos de oligop\u00f3lio e monop\u00f3lio, em que h\u00e1 poucos (no caso do oligop\u00f3lio) ou um \u00fanico vendedor (no monop\u00f3lio), de forma que eles t\u00eam mais poder que o comprador no processo de negocia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n O abastecimento de \u00e1gua de uma cidade, por exemplo, \u00e9 feito por uma \u00fanica empresa, pois n\u00e3o faz sentido instalar mais de uma rede de distribui\u00e7\u00e3o (este \u00e9 um caso conhecido como \u201cmonop\u00f3lio natural\u201d). Logo, a empresa fornecedora ser\u00e1 \u00fanica: ou voc\u00ea aceita pagar o pre\u00e7o que essa empresa pede pela \u00e1gua ou fica sem abastecimento.<\/p>\n H\u00e1 casos em que o custo para uma empresa entrar numa atividade \u00e9 muito alto. Por exemplo: criar uma sider\u00fargica exige um grande investimento inicial na compra de fornos. Logo, s\u00f3 entrar\u00e1 nesse mercado quem conseguir o capital para o investimento inicial. Essa barreira inicial reduz a quantidade de firmas trabalhando no setor e, por isso, as firmas existentes t\u00eam maior poder para fixar pre\u00e7os e quantidade produzida.<\/p>\n H\u00e1, tamb\u00e9m, situa\u00e7\u00f5es em que o comprador tem mais poder que o vendedor: uma grande empresa petrol\u00edfera, por exemplo, ser\u00e1 a \u00fanica compradora de sondas e outros produtos utilizados na explora\u00e7\u00e3o de petr\u00f3leo (situa\u00e7\u00e3o conhecida como \u201cmonops\u00f4nio\u201d). Nessa situa\u00e7\u00e3o, os fornecedores da petrol\u00edfera ficar\u00e3o a merc\u00ea das decis\u00f5es de pre\u00e7o e quantidade estabelecidas pela empresa.<\/p>\n Sempre que houver falhas que reduzam a competi\u00e7\u00e3o, os resultados ser\u00e3o pre\u00e7os mais altos e oferta de bens e servi\u00e7os abaixo do que ocorreria em concorr\u00eancia perfeita (na qual prevalece o equil\u00edbrio do poder de barganha de comprador e vendedor).<\/p>\n Para tentar levar a economia para uma situa\u00e7\u00e3o mais pr\u00f3xima \u00e0 de concorr\u00eancia perfeita, o governo pode intervir de v\u00e1rias formas. Pode estatizar a produ\u00e7\u00e3o, vendendo os produtos por um pre\u00e7o que cubra o custo (e n\u00e3o por um pre\u00e7o de lucro elevado, como faria o monopolista privado), como no caso das empresas estatais de \u00e1gua e energia.<\/p>\n Nos casos de monop\u00f3lio natural o governo pode instituir ag\u00eancias reguladoras para regular e fiscalizar a qualidade e pre\u00e7o dos produtos oferecidos. No Brasil temos ag\u00eancias reguladoras em diversas \u00e1reas como: energia el\u00e9trica, \u00e1gua, transportes p\u00fablicos ou petr\u00f3leo.<\/p>\n Uma op\u00e7\u00e3o para os setores oligopolizados \u00e9 deix\u00e1-los sob responsabilidade do setor privado, mas regulamentar sua atua\u00e7\u00e3o atrav\u00e9s de um \u00f3rg\u00e3o de defesa da concorr\u00eancia, com o objetivo de coibir a forma\u00e7\u00e3o de cart\u00e9is e o abuso de poder econ\u00f4mico.<\/p>\n O governo tamb\u00e9m pode criar regras que reequilibrem o poder de mercado. Quando, por exemplo, se criou a possibilidade de o usu\u00e1rio de telefone celular mudar de operadora sem mudar o n\u00famero do telefone, o poder de mercado do usu\u00e1rio frente \u00e0s operadoras se elevou. Muitas pessoas, embora insatisfeitas, n\u00e3o trocavam de operadora para n\u00e3o enfrentar o custo de ter que informar a clientes e amigos o novo n\u00famero.<\/p>\n 3 \u2013 Bens p\u00fablicos<\/strong><\/p>\n H\u00e1 algumas mercadorias e servi\u00e7os para os quais o sistema de oferta e demanda n\u00e3o funciona bem. S\u00e3o os chamados \u201cbens p\u00fablicos\u201d. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, por exemplo, vender \u201car puro\u201d no mercado. Ou existe ar puro dispon\u00edvel para todos respirarem, ou n\u00e3o existe para ningu\u00e9m. Por isso, n\u00e3o se pode estabelecer uma negocia\u00e7\u00e3o em que se vende ar puro apenas para as pessoas que estejam dispostas a pagar por ele. O mesmo racioc\u00ednio se aplica \u00e0 seguran\u00e7a nacional: ou todo mundo que mora no pa\u00eds est\u00e1 protegido contra inimigos externos, ou ningu\u00e9m est\u00e1 protegido. N\u00e3o h\u00e1 como vender seguran\u00e7a nacional apenas para quem tem medo dos inimigos externos.<\/p>\n Outro exemplo interessante \u00e9 o dos far\u00f3is de sinaliza\u00e7\u00e3o mar\u00edtima. Todos os barcos que passam pela costa podem ver o sinal luminoso emitido pelo farol, n\u00e3o sendo poss\u00edvel cobrar pelo servi\u00e7o, oferecendo a sinaliza\u00e7\u00e3o apenas aos barcos que pagarem por isso.<\/p>\n Se eu vou me beneficiar do sistema de seguran\u00e7a nacional ou de sinaliza\u00e7\u00e3o pago pelos outros, por que eu iria me interessar em pagar por isso? Todos v\u00e3o querer pegar carona no servi\u00e7o pago pelos outros.<\/p>\n H\u00e1 casos em que \u00e9 poss\u00edvel estabelecer um mercado privado de compra e venda, mas este vai oferecer o produto ou o servi\u00e7o em pequena quantidade, menor do que aquela que seria desej\u00e1vel. \u00c9 poss\u00edvel deixar que empresas privadas construam e operem estradas, remunerando-se mediante cobran\u00e7a de ped\u00e1gios. Mas esse sistema s\u00f3 vai funcionar nos locais onde a quantidade de carros trafegando seja suficiente para dar lucros. As estradas potencialmente deficit\u00e1rias jamais ser\u00e3o constru\u00eddas, embora sejam \u00fateis e desej\u00e1veis.<\/p>\n \u00c9 poss\u00edvel que institutos privados de pesquisa realizem os levantamentos de dados e s\u00f3 os revelem a quem pagar pela informa\u00e7\u00e3o. Ocorre que tal informa\u00e7\u00e3o \u00e9 muito \u00fatil para que pesquisadores fa\u00e7am estudos em benef\u00edcio da popula\u00e7\u00e3o em geral, permitindo, por exemplo, que se planeje o controle das doen\u00e7as de maior incid\u00eancia, de acordo com idade, sexo ou regi\u00e3o de resid\u00eancia.<\/p>\n Assim, o problema que envolve os bens p\u00fablicos \u00e9 que eles tendem a n\u00e3o ser ofertados pelo mercado privado ou ent\u00e3o s\u00e3o ofertados em pequena quantidade. Por isso, o governo interv\u00e9m para corrigir esse problema.<\/p>\n O governo pode assumir diretamente a produ\u00e7\u00e3o e a oferta de bens p\u00fablicos. Se ningu\u00e9m quer pagar pela seguran\u00e7a nacional, o governo imp\u00f5e tributos de pagamento obrigat\u00f3rio por todos e, com esse dinheiro, financia as for\u00e7as armadas. Esse \u00e9 o mesmo racioc\u00ednio que se aplica \u00e0 constru\u00e7\u00e3o de estradas n\u00e3o pass\u00edveis de explora\u00e7\u00e3o privada, aos servi\u00e7os de corpo de bombeiros, \u00e0 sinaliza\u00e7\u00e3o de tr\u00e2nsito, \u00e0 constru\u00e7\u00e3o e manuten\u00e7\u00e3o de parques p\u00fablicos ou \u00a0\u00e0 cria\u00e7\u00e3o de \u00f3rg\u00e3os oficiais de levantamento e divulga\u00e7\u00e3o de estat\u00edsticas socioecon\u00f4micas.<\/p>\n O governo tamb\u00e9m pode remunerar ou subsidiar o setor privado para que este ofere\u00e7a bens p\u00fablicos \u00e0 popula\u00e7\u00e3o: incentivos financeiros \u00e0 pesquisa e ao desenvolvimento tecnol\u00f3gico, por exemplo, permitem que a ci\u00eancia avance n\u00e3o apenas em setores que d\u00e3o lucro e n\u00e3o precisam de incentivos (cirurgia pl\u00e1stica), mas tamb\u00e9m naqueles de dif\u00edcil comercializa\u00e7\u00e3o (preven\u00e7\u00e3o de doen\u00e7as tropicais); subs\u00eddios \u00e0 constru\u00e7\u00e3o e opera\u00e7\u00e3o privada de infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, etc.).<\/p>\n Outra forma de atua\u00e7\u00e3o \u00e9 mediante regula\u00e7\u00e3o: se n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel, por exemplo, garantir ar puro e natureza limpa mediante mecanismos de mercado, ent\u00e3o que se imponha, por lei, padr\u00f5es de conserva\u00e7\u00e3o e preserva\u00e7\u00e3o a serem obedecidos por todos, penalizando-se aqueles que descumprirem a lei.<\/p>\n 4. Externalidades<\/strong><\/p>\n Quando as a\u00e7\u00f5es de um indiv\u00edduo geram consequ\u00eancias negativas para terceiros, dizemos que isso \u00e9 uma externalidade negativa. O carro que eu uso e que me d\u00e1 conforto e rapidez nos deslocamentos gera, como externalidade negativa, polui\u00e7\u00e3o do ar que todos respiram. Os bares que animam a rapaziada no fim de semana n\u00e3o deixam a vizinhan\u00e7a dormir. O desleixo do meu vizinho com o seu jardim pode gerar um criadouro de mosquito da dengue que vai transmitir a doen\u00e7a para a minha fam\u00edlia.<\/p>\n Quando a\u00e7\u00f5es individuais geram conseq\u00fc\u00eancias positivas, temos uma externalidade positiva. Se eu contratar seguran\u00e7as privados para vigiar minha casa, meus vizinhos v\u00e3o se beneficiar disso, pois os ladr\u00f5es v\u00e3o explorar outras ruas. Se boa parte da popula\u00e7\u00e3o se vacinar contra sarampo, a probabilidade de eu contrair a doen\u00e7a, mesmo sem ter me vacinado, ser\u00e1 menor.<\/p>\n Por que a exist\u00eancia de externalidade gera a necessidade de interven\u00e7\u00e3o do governo? Porque na presen\u00e7a de elevadas externalidades, o elemento que a causa (indiv\u00edduo, fam\u00edlia, firma, etc.) n\u00e3o est\u00e1 preocupado com o custo gerado pela externalidade negativa ou com o benef\u00edcio gerado pela externalidade positiva. Ele toma suas decis\u00f5es de produ\u00e7\u00e3o e consumo pensando prioritariamente nos seus pr\u00f3prios custos e benef\u00edcios. Por isso, h\u00e1 uma tend\u00eancia das pessoas a n\u00e3o darem muita aten\u00e7\u00e3o \u00e0s externalidades que geram.<\/p>\n Se n\u00e3o houver uma legisla\u00e7\u00e3o restringindo a quantidade de madeira que pode ser extra\u00edda de uma floresta, os madeireiros (que est\u00e3o mais preocupados com o seu faturamento do que com a preserva\u00e7\u00e3o da natureza) v\u00e3o extrair madeira em excesso. Da mesma forma, se n\u00e3o houver campanha de vacina\u00e7\u00e3o gratuita nos postos de sa\u00fade, muitas pessoas v\u00e3o preferir n\u00e3o se vacinar e, com isso, aumenta o risco de uma epidemia. Se n\u00e3o houver uma legisla\u00e7\u00e3o restringindo os hor\u00e1rios e locais para funcionamento de bares, os not\u00edvagos v\u00e3o acabar com o sossego de quem quer dormir.<\/p>\n Mas n\u00e3o \u00e9 apenas mediante imposi\u00e7\u00e3o de regras e leis que o governo pode controlar as externalidades. Ele tamb\u00e9m pode produzir e ofertar bens e servi\u00e7os que geram externalidades positivas, tais como: educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, parques p\u00fablicos, \u00e1reas de conserva\u00e7\u00e3o ambiental.<\/p>\n O governo tamb\u00e9m pode subsidiar a produ\u00e7\u00e3o de externalidades positivas ou impor tributos sobre a gera\u00e7\u00e3o de externalidades negativas: descontos no imposto de renda para quem investe em conserva\u00e7\u00e3o ambiental; redu\u00e7\u00e3o de impostos na importa\u00e7\u00e3o de vacinas; verbas p\u00fablicas para subsidiar pesquisas que gerar\u00e3o conhecimento a ser utilizado em diversas \u00e1reas da ci\u00eancia; tributa\u00e7\u00e3o elevada sobre cigarros (que prejudicam os fumantes passivos), bebidas (que matam ou machucam os que n\u00e3o bebem, devido a acidentes de tr\u00e2nsito e viol\u00eancia), autom\u00f3veis (que geram polui\u00e7\u00e3o).<\/p>\n 5. Assimetria de informa\u00e7\u00f5es <\/strong><\/p>\n Quando um dos lados de uma transa\u00e7\u00e3o comercial tem mais informa\u00e7\u00e3o que o outro, surgem problemas para o bom funcionamento do mercado. Por exemplo, as seguradoras conhecem muito menos sobre o perfil de risco de um indiv\u00edduo do que ele pr\u00f3prio. Assim, ao ofertar um seguro de sa\u00fade, a seguradora tende a calcular a m\u00e9dia dos custos que ela ter\u00e1 com todos os segurados. Mas isso significa que os segurados mais saud\u00e1veis ir\u00e3o subsidiar os mais doentes. Logo, os mais saud\u00e1veis tendem a n\u00e3o comprar o seguro (que fica caro para eles frente \u00e0 expectativa de uso) e os menos saud\u00e1veis tendem a ser os principais compradores, levando a seguradora ao preju\u00edzo.<\/p>\n A seguradora pode, simplesmente, optar por n\u00e3o oferecer o seguro-sa\u00fade ou, ent\u00e3o, discriminar pre\u00e7os e oferec\u00ea-lo a alto custo para clientelas de risco (idosos, por exemplo).<\/p>\n O governo pode intervir de v\u00e1rias formas: oferecendo servi\u00e7o p\u00fablico de sa\u00fade para quem n\u00e3o pode pagar, subsidiando planos de sa\u00fade, ou melhorando o grau de informa\u00e7\u00e3o sobre as condi\u00e7\u00f5es da sa\u00fade da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n A regula\u00e7\u00e3o banc\u00e1ria \u00e9 um caso em que o governo pretende proteger o depositante (menos informado) de eventuais riscos excessivos assumidos pelos bancos, que melhor conhecem sua pr\u00f3pria situa\u00e7\u00e3o financeira e os riscos que assumem. \u00c9 por isso que se estabelecem reservas compuls\u00f3rias no Banco Central e regras para aplica\u00e7\u00e3o prudente dos recursos.<\/p>\n Os exames realizados pelo governo para medir a qualidade de forma\u00e7\u00e3o dos estudantes (como o ENEM e o PROV\u00c3O), ao terem os seus resultados divulgados \u00e0 popula\u00e7\u00e3o, aumentam o grau de informa\u00e7\u00e3o dos usu\u00e1rios dos servi\u00e7os de educa\u00e7\u00e3o sobre a qualidade de cada escola. Tal informa\u00e7\u00e3o \u00e9, antes da revela\u00e7\u00e3o dos resultados, assimetricamente distribu\u00edda em favor das escolas, que conhecem melhor que os usu\u00e1rios o grau de esfor\u00e7o que realizam.<\/p>\n 6. Inexist\u00eancia de garantias <\/strong><\/p>\n No mercado de cr\u00e9dito existe o caso cl\u00e1ssico de empr\u00e9stimos que, se realizados, podem financiar uma atividade produtiva, que aumentar\u00e1 o bem estar da sociedade. Por\u00e9m, como os potenciais mutu\u00e1rios do empr\u00e9stimo n\u00e3o t\u00eam garantias a oferecer, os bancos se afastam desse tipo de cliente e a sociedade perde a oportunidade de realizar atividades que ser\u00e3o ben\u00e9ficas a todos.<\/p>\n Esse tipo de problema afeta tipicamente os estudantes. Eles precisam de cr\u00e9dito para pagar seus estudos. Se conseguirem estudar e se qualificar, obter\u00e3o bom emprego no futuro e poder\u00e3o pagar pelo empr\u00e9stimo feito hoje. Por\u00e9m, antes de estudarem e se qualificarem, n\u00e3o t\u00eam renda e, por isso, n\u00e3o disp\u00f5em de garantias para oferecer aos bancos.<\/p>\n Os agricultores t\u00eam problema semelhante. Precisam de dinheiro para financiar a planta\u00e7\u00e3o. Mas enfrentam o risco de uma quebra de safra causada por imprevis\u00edveis fen\u00f4menos clim\u00e1ticos. Por isso, a safra futura n\u00e3o representa uma garantia sem risco para os bancos financiadores.<\/p>\n Em ambos os casos, os bancos tendem a ser cautelosos na concess\u00e3o de cr\u00e9dito, e o pa\u00eds perde a oportunidade de ter mais pessoas com boa educa\u00e7\u00e3o e uma produ\u00e7\u00e3o de alimentos mais ampla.<\/p>\n Nesses casos, o governo pode intervir, ofertando: cr\u00e9dito p\u00fablico, seguro subsidiado para cobrir quebra de safra, subs\u00eddios \u00e0s mensalidades escolares (como no Programa PROUNI), ou educa\u00e7\u00e3o p\u00fablica gratuita.<\/p>\n Outra forma de interven\u00e7\u00e3o do governo \u00e9 por meio de um judici\u00e1rio eficiente, que garanta a execu\u00e7\u00e3o dos contratos. Afinal, de pouco adianta um mutu\u00e1rio ter garantias a oferecer, se, em caso de n\u00e3o pagamento da d\u00edvida, o credor n\u00e3o conseguir execut\u00e1-las.<\/p>\n 7. Falhas de coordena\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n Uma vez que o sistema de mercado \u00e9, por natureza, descentralizado, h\u00e1 casos em que a falta de coordena\u00e7\u00e3o entre as partes exige que uma entidade de fora do mercado (o governo) intervenha para fazer a devida coordena\u00e7\u00e3o:<\/p>\n \u00c9 o caso, por exemplo, da estabilidade macroecon\u00f4mica<\/span>: dado que n\u00e3o vivemos em um sistema de concorr\u00eancia perfeita, em que o mercado se ajustaria a todo momento, a economia dos pa\u00edses \u00e9 submetida a crises peri\u00f3dicas. Barreiras ao com\u00e9rcio internacional, guerras, fen\u00f4menos naturais, desequil\u00edbrios fiscais; todos esses fatores exigem que os pa\u00edses lancem m\u00e3o de pol\u00edticas econ\u00f4micas (pol\u00edtica monet\u00e1ria, fiscal e externa) para tentar reduzir as flutua\u00e7\u00f5es. Por que essas pol\u00edticas t\u00eam que ser feitas pelo governo? Porque os agentes privados n\u00e3o teriam capacidade de coordena\u00e7\u00e3o<\/span> e de uso do mandato conferido pelas urnas para arbitrar conflitos<\/span> e tomar medidas visando o interesse da maioria. Por exemplo: exportadores preferem a moeda nacional desvalorizada, enquanto os importadores querem valoriz\u00e1-la; somente um \u00e1rbitro \u2013 o governo \u2013 pode mediar o conflito e buscar uma situa\u00e7\u00e3o de equil\u00edbrio.<\/p>\n A estabilidade econ\u00f4mica (infla\u00e7\u00e3o baixa, crescimento do PIB, gera\u00e7\u00e3o de emprego, etc.) \u00e9 um bem p\u00fablico: ao mesmo tempo em que todos querem dela desfrutar, cada um toma medidas visando o interesse pr\u00f3prio que pode prejudicar a estabilidade (funcion\u00e1rios p\u00fablicos pressionam por aumento, o que aumenta o gasto p\u00fablico e induz infla\u00e7\u00e3o; sindicatos querem proteger o emprego de seus filiados e pressionam por regras no mercado de trabalho que prejudicam o acesso dos desempregados a novos empregos; empresas oligopolistas querem viver em ambiente sem infla\u00e7\u00e3o, mas elevam os pre\u00e7os de seus produtos; etc.)<\/p>\n H\u00e1, tamb\u00e9m, o caso dos mercados complementares<\/span>: em est\u00e1gios iniciais de desenvolvimento, pa\u00edses podem ter mercados para alguns bens, mas inexistem todas as ind\u00fastrias necess\u00e1rias para produzir aquele bem. Por exemplo: a ind\u00fastria automotiva brasileira s\u00f3 surgiu depois que o governo criou sider\u00fargicas estatais, que oferecia o a\u00e7o necess\u00e1rio \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de autom\u00f3veis. Da\u00ed o uso das chamadas \u201cpol\u00edticas industriais\u201d em muitos pa\u00edses.<\/p>\n Outro segmento onde a capacidade de coordena\u00e7\u00e3o \u00e9 fundamental \u00e9 o planejamento urbano. \u00c9 necess\u00e1rio coordenar a a\u00e7\u00e3o dos diversos agentes privados que atuam no espa\u00e7o urbano, para que a cidade tenha tr\u00e2nsito fluido, baixo risco de cat\u00e1strofes causadas por interven\u00e7\u00e3o humana (habita\u00e7\u00f5es em \u00e1reas de risco, assoreamento de rios, etc.), expans\u00e3o organizada de ruas e da oferta de servi\u00e7os p\u00fablicos, etc.<\/p>\n 8. Distribui\u00e7\u00e3o de renda<\/strong><\/p>\n Toda sociedade tem algum padr\u00e3o \u00e9tico a respeito de distribui\u00e7\u00e3o da renda. O mercado pouco pode fazer para redistribuir renda. Na verdade, a l\u00f3gica competitiva da economia de mercado tende a concentrar renda na m\u00e3o dos mais eficientes, o que leva o governo a intervir no sentido de redistribuir a renda entre pessoas e entre regi\u00f5es do pa\u00eds.<\/p>\n H\u00e1 v\u00e1rias formas de faz\u00ea-lo, algumas delas bastante pol\u00eamicas. O governo pode, por exemplo, instituir regras de desapropria\u00e7\u00e3o e redistribui\u00e7\u00e3o de patrim\u00f4nio, como no caso da reforma agr\u00e1ria.<\/p>\n Outro mecanismo \u00e9 ofertar servi\u00e7os com impacto relevante sobre a capacidade de ascens\u00e3o econ\u00f4mica das pessoas. \u00c9 o caso da educa\u00e7\u00e3o e da assist\u00eancia \u00e0 sa\u00fade. Ambas podem ser encontradas no mercado privado. Mas como os mais pobres n\u00e3o podem pagar por esses servi\u00e7os privados, o governo os oferece gratuitamente ou a custo subsidiado, na expectativa de que as pessoas mais pobres tenham condi\u00e7\u00f5es mais equitativas de competi\u00e7\u00e3o no mercado de trabalho.<\/p>\n H\u00e1, tamb\u00e9m, a assist\u00eancia social, voltada para minorar a pobreza mais extrema.<\/p>\n Pode-se, atuar, ainda, por meio de pol\u00edticas de desenvolvimento regional, voltadas a estimular o crescimento econ\u00f4mico em \u00e1reas atrasadas (cr\u00e9dito subsidiado \u00e0s empresas que l\u00e1 se instalarem, transfer\u00eancias do governo federal aos governos das regi\u00f5es retardat\u00e1rias, constru\u00e7\u00e3o de estradas para ligar tais regi\u00f5es aos centros din\u00e2micos, etc.)<\/p>\n Tamb\u00e9m se pode tentar afetar a distribui\u00e7\u00e3o de renda por meio de regula\u00e7\u00e3o, como no caso do estabelecimento de um sistema tribut\u00e1rio progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributa\u00e7\u00e3o mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais sub-utilizadas.<\/p>\n Conclus\u00e3o<\/strong><\/p>\n Esse texto procurou mostrar as situa\u00e7\u00f5es em que o governo deve intervir na economia, com o objetivo de elevar o n\u00edvel de bem-estar da sociedade. Essa estrutura de racioc\u00ednio permite que cada cidad\u00e3o examine se vale a pena ou n\u00e3o a realiza\u00e7\u00e3o de uma atividade estatal. Sempre que um governo anunciar um novo programa ou uma nova lei, o eleitor deve se perguntar: qual a falha de mercado que se pretende resolver? Ser\u00e1 que n\u00e3o se estar\u00e1 criando uma falha de governo mais grave que a falha de mercado que se pretende resolver?<\/p>\n Para que se possa responder integralmente a esse tipo de quest\u00e3o, ser\u00e1 apresentado, em breve, um texto analisando as \u201cfalhas de governo\u201d decorrentes da interven\u00e7\u00e3o do governo na economia.<\/p>\n Downloads:<\/em><\/strong><\/p>\n