{"id":3602,"date":"2022-04-19T02:25:06","date_gmt":"2022-04-19T05:25:06","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=3602"},"modified":"2022-04-19T02:25:06","modified_gmt":"2022-04-19T05:25:06","slug":"inflacao-e-corrupcao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=3602","title":{"rendered":"Infla\u00e7\u00e3o e corrup\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"

Infla\u00e7\u00e3o e corrup\u00e7\u00e3o<\/strong><\/h1>\n

Por Luiz Alberto Machado*<\/em><\/p>\n

\u00a0<\/em>\u201cN\u00e3o h\u00e1 meio mais seguro e mais sutil de subverter a base da sociedade do que\u00a0 corromper sua moeda \u2013 processo que empenha todas as for\u00e7as ocultas da economia na sua destrui\u00e7\u00e3o, de modo tal que s\u00f3 uma pessoa em cada milh\u00e3o consegue diagnosticar.\u201d<\/em><\/strong><\/p>\n

John Maynard Keynes<\/strong><\/h3>\n

Alinho-me \u00e0queles que consideram o Plano Real o grande divisor de \u00e1guas da economia brasileira. A conquista da estabilidade monet\u00e1ria p\u00f4s fim a um perverso ciclo de planos de estabiliza\u00e7\u00e3o fracassados que foram respons\u00e1veis pela nossa perman\u00eancia em prolongado atoleiro. Adotados com o objetivo de acabar com a infla\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica e elevada vigente na d\u00e9cada de 1980 e in\u00edcio da de 1990, tais planos agravaram as tradicionais consequ\u00eancias negativas da infla\u00e7\u00e3o \u2013 corros\u00e3o do valor da moeda, eleva\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os, perda aquisitiva dos sal\u00e1rios \u2013 adicionando a elas a instabilidade jur\u00eddica decorrente da ruptura de contratos juridicamente perfeitos, a instabilidade financeira decorrente da troca frequente da moeda e das ilus\u00f5es de rentabilidade, e a amplia\u00e7\u00e3o do campo para a corrup\u00e7\u00e3o generalizada gra\u00e7as, entre outras coisas, \u00e0 manipula\u00e7\u00e3o dos or\u00e7amentos p\u00fablicos transformados em pe\u00e7as de fic\u00e7\u00e3o cont\u00e1bil.<\/p>\n

Num artigo de 1992 do Prof. Eduardo Giannetti da Fonseca, h\u00e1 um par\u00e1grafo que retrata bem o que era viver num pa\u00eds com taxas de infla\u00e7\u00e3o como essas: \u201cA conviv\u00eancia com a infla\u00e7\u00e3o \u00e9 uma escola de oportunismo, imediatismo e corrup\u00e7\u00e3o. A aus\u00eancia de moeda est\u00e1vel encurta os horizontes do processo decis\u00f3rio, torna os ganhos e perdas aleat\u00f3rios, acirra os conflitos pseudodistributivos, premia o aproveitador, desestimula a atividade produtiva, promove o individualismo selvagem, inviabiliza o c\u00e1lculo econ\u00f4mico racional e torna os or\u00e7amentos do setor p\u00fablico pe\u00e7as de fic\u00e7\u00e3o cont\u00e1bil\u201d.<\/em>\u00a0<\/em><\/p>\n

\u00c9 evidente que h\u00e1 uma diferen\u00e7a acentuada entre os n\u00edveis da infla\u00e7\u00e3o daquela \u00e9poca e o da atual, que chegou a 10,06% em 2021, conforme divulga\u00e7\u00e3o do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat\u00edstica (IBGE). Nos \u00faltimos dez anos, apenas em dois deles, 2015 e 2021, a infla\u00e7\u00e3o anual foi superior a 10%, como se observa no gr\u00e1fico 1.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1 \u2013 A infla\u00e7\u00e3o nos \u00faltimos 10 anos: IPCA 2011-2021<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/a><\/strong><\/p>\n

Para enfatizar bem a diferen\u00e7a entre os dois contextos, vale lembrar, tanto para os que viveram nos primeiros anos da d\u00e9cada de 1990 e, especialmente, para os que n\u00e3o viveram nessa \u00e9poca, a que patamar havia chegado a infla\u00e7\u00e3o no Brasil e como est\u00e1vamos defasados em rela\u00e7\u00e3o a nossos vizinhos latino-americanos que, \u00e0quela altura, j\u00e1 tinham obtido sucesso no esfor\u00e7o de debelar a infla\u00e7\u00e3o. Quase todos esses pa\u00edses, a exemplo do Brasil na d\u00e9cada de 1980, conviveram com a combina\u00e7\u00e3o de estagna\u00e7\u00e3o prolongada, infla\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica e endividamento elevado, no que se convencionou chamar de d\u00e9cada perdida.<\/p>\n

Como se v\u00ea no gr\u00e1fico 2, a infla\u00e7\u00e3o anual do Brasil em 1992 foi de 1.178%, contrastando enormemente com a infla\u00e7\u00e3o dos outros pa\u00edses da regi\u00e3o.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2 \u2013 A infla\u00e7\u00e3o na Am\u00e9rica Latina em 1992<\/strong>[1]<\/a><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Em 1993, o ano que antecede a ado\u00e7\u00e3o do Plano Real, a situa\u00e7\u00e3o foi ainda pior, com a infla\u00e7\u00e3o atingindo 2.567%, enquanto a m\u00e9dia dos pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina foi de 22% (gr\u00e1fico 3).\u00a0<\/strong><\/p>\n

Gr\u00e1fico 3\u00a0 \u2013 A infla\u00e7\u00e3o na Am\u00e9rica Latina em 1993<\/strong><\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Diz o ditado que \u201cuma imagem vale mais que mil palavras\u201d. As imagens desses tr\u00eas gr\u00e1ficos constituem, a meu ju\u00edzo, raz\u00f5es mais do que suficientes para perceber que a infla\u00e7\u00e3o atual, mesmo estando bem acima da meta estabelecida pelo Banco Central, est\u00e1 num patamar completamente diferente daquele verificado antes da estabilidade propiciada pelo Plano Real.<\/p>\n

Por\u00e9m, considerando que: (i<\/em>) n\u00e3o conseguimos eliminar por completo alguns resqu\u00edcios de cultura inflacion\u00e1ria; (II<\/em>) j\u00e1 nos deparamos aqui e acol\u00e1 com not\u00edcias dando conta de reivindica\u00e7\u00f5es de aumentos de sal\u00e1rios e\/ou de pre\u00e7os em setores isolados; (iii<\/em>) tudo indica que continuaremos em 2022 com uma infla\u00e7\u00e3o anual superior \u00e0 meta fixada pelo Banco Central; (iv<\/em>) estamos em ano eleitoral, nos quais interesses eleitoreiros costumam levar a gastos p\u00fablicos superiores aos recomend\u00e1veis; e (v<\/em>) assistimos a um crescente desmanche de avan\u00e7os recentes das institui\u00e7\u00f5es anticorrup\u00e7\u00e3o, \u00a0achei por bem lembrar a perigosa rela\u00e7\u00e3o entre infla\u00e7\u00e3o e corrup\u00e7\u00e3o a fim de conscientizar a todos sobre a necessidade de cortarmos o mal pela raiz, fazendo todos os esfor\u00e7os para que a infla\u00e7\u00e3o n\u00e3o se alastre e suba de patamar, amea\u00e7ando as conquistas decorrentes da estabiliza\u00e7\u00e3o monet\u00e1ria que nos colocaram, depois de muitos anos de infla\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica e elevada, num novo padr\u00e3o de conviv\u00eancia civilizada, sem os riscos que a falta de um padr\u00e3o monet\u00e1rio est\u00e1vel significam para a corros\u00e3o do acordo moral de que dependem tanto a manuten\u00e7\u00e3o da ordem democr\u00e1tica como o funcionamento do mercado.<\/p>\n

Recorro novamente a um alerta de Eduardo Giannetti da Fonseca: \u201cA infla\u00e7\u00e3o destr\u00f3i a transpar\u00eancia da gest\u00e3o de verbas p\u00fablicas, mina a confian\u00e7a da sociedade no Estado, provoca a deteriora\u00e7\u00e3o da moralidade fiscal e deturpa irremediavelmente as rela\u00e7\u00f5es de mercado<\/em>\u201d.<\/p>\n

Por\u00e9m, para confirmar a hip\u00f3tese de que ainda n\u00e3o estamos vivendo num clima de descontrole generalizado como costuma ocorrer quando todos os agentes econ\u00f4micos \u2013 empres\u00e1rios, trabalhadores, donas de casa etc. \u2013 alteram seu comportamento normal, atirando-se num clima alucinado de jogatina, encerro reproduzindo um trecho bastante ilustrativo de Lionel Robbins, que, a exemplo de John Maynard Keynes, foi um dos maiores economistas do s\u00e9culo XX: \u201cA honestidade p\u00fablica e privada tendem a se deteriorar na atmosfera de cassino engendrada pela infla\u00e7\u00e3o alta. A infla\u00e7\u00e3o, tal qual n\u00f3s a conhecemos, atrav\u00e9s da hist\u00f3ria, corrompe e distorce toda a base da sociedade. Eu n\u00e3o afirmo que o mundo chegar\u00e1 ao seu fim se n\u00f3s degenerarmos at\u00e9 a posi\u00e7\u00e3o da Am\u00e9rica Latina. Mas o que digo \u00e9 que uma infla\u00e7\u00e3o da ordem de grandeza que estamos presenciando (15% ao ano) gradualmente acarreta uma mudan\u00e7a radical de atitude \u2013 uma mudan\u00e7a geral e deplor\u00e1vel de atitude em toda a sociedade\u201d.<\/em><\/p>\n

 <\/p>\n

Refer\u00eancias<\/strong><\/p>\n

FONSECA, Eduardo Giannetti da. \u00c9tica e infla\u00e7\u00e3o<\/strong>. Em O Estado de S. Paulo<\/em>, 14 de julho de 1992, p. 2.<\/p>\n

_______________ As consequ\u00eancias morais da infla\u00e7\u00e3o.<\/strong> Em As partes & o todo.<\/strong> S\u00e3o Paulo: Siciliano, 1995, pp. 185-190.<\/p>\n

KEYNES, John M. As consequ\u00eancias econ\u00f4micas da paz. <\/strong>Pref\u00e1cio de Marcelo de Paiva Abreu; tradu\u00e7\u00e3o de S\u00e9rgio Bath. S\u00e3o Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Bras\u00edlia: Editora Universidade de Bras\u00edlia, 2002. (Cl\u00e1ssicos IPRI; v. 3).<\/p>\n

ROBBINS, Lionel. Against inflation <\/strong>(1979). Em FONSECA, Eduardo Giannetti da. \u00c9tica e infla\u00e7\u00e3o.<\/strong> Braudel Papers<\/em>, n\u00b0 1. S\u00e3o Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993, p. 6.<\/p>\n

 <\/p>\n

\u00a0<\/strong>* Luiz Alberto Machado<\/strong> \u00e9 economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inova\u00e7\u00e3o pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Funda\u00e7\u00e3o Espa\u00e7o Democr\u00e1tico e membro do Instituto Fernand Braudel.<\/p>\n

 <\/p>\n

Baseado no artigo publicado no blog de Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo<\/em>, em 15 de abril de 2022.<\/p>\n

[1]<\/a> A fonte dos gr\u00e1ficos 2 e 3 \u00e9 a FGV.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

O autor examina a rela\u00e7\u00e3o entre infla\u00e7\u00e3o e corrup\u00e7\u00e3o e mostra que ao se comparar as taxas de infla\u00e7\u00e3o dos \u00faltimos 10 anos e as taxas dos anos de 1992 e 1993, os contextos s\u00e3o diferentes.<\/p>\n","protected":false},"author":156,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"_monsterinsights_skip_tracking":false,"_monsterinsights_sitenote_active":false,"_monsterinsights_sitenote_note":"","_monsterinsights_sitenote_category":0,"footnotes":""},"categories":[7,776],"tags":[406,935,117,936],"class_list":["post-3602","post","type-post","status-publish","format-standard","hentry","category-inflacao-juros-e-taxa-de-cambio","category-reproducoes","tag-corrupcao","tag-estabilidade-da-moeda","tag-inflacao","tag-plano-real"],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3602","targetHints":{"allow":["GET"]}}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/users\/156"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcomments&post=3602"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=\/wp\/v2\/posts\/3602\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fmedia&parent=3602"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Fcategories&post=3602"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/index.php?rest_route=%2Fwp%2Fv2%2Ftags&post=3602"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}